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ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO Gabinete
do Conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Junior |
PROCESSO
Nº |
CON 08/00407997 |
UNIDADE |
Câmara Municipal de São José |
INTERESSADO |
Edio Osvaldo Vieira |
ASSUNTO |
Consulta |
CONSULTA. GUARDA MUNICIPAL. FISCALIZAÇÃO DO TRÂNSITO.
É permitida a atuação do município na guarda e
fiscalização do trânsito, por configurar serviço de interesse local, conforme
disposição do artigo 30, V, da Constituição Federal, desde que integre o Sistema
Nacional de Trânsito, em observância aos artigos 21, 24 e 25 do Código de
Trânsito Brasileiro.
Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito
dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição, executar a fiscalização de
trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis, por infrações
de circulação, estacionamento e parada previstas no Código de Trânsito
Brasileiro, no exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito.
O Município poderá celebrar convênios com os órgãos e
entidades que compõem o Sistema Nacional de Trânsito, especialmente com a
Polícia Militar, haja vista o disposto no artigo 23 do Código de Trânsito
Brasileiro, de modo a perfectibilizar a ação conjunta ou isolada em
determinadas ações, maximizando, assim, os recursos humanos e materiais
empreendidos no cumprimento desse serviço público.
Enquanto o município não se organizar de modo a
integrar o Sistema Nacional de Trânsito, a guarda e a fiscalização do trânsito
continuam a ser funções da Polícia Militar.
Por se tratar a atividade de policiamento de trânsito
expressão do poder de polícia, o seu exercício deve se efetivar por meio de
órgão vinculado à administração direta, com o desempenho por servidor aprovado
em concurso público, investido por ato de autoridade competente em cargo com
atribuições inerentes à fiscalização do trânsito.
RELATÓRIO
Tratam os autos de Consulta[1] formulada pelo Sr. Edio Osvaldo Vieira,
então Presidente da Câmara Municipal de São José, na qual, em síntese, indaga acerca
da legitimidade da Guarda Municipal do referido Município lavrarem autos de
infração e multas de trânsito.
A Consultoria Geral em cumprimento
ao disposto no artigo 30, I, da Res. nº TC-11/02, elaborou o parecer COG-499/08[2], propondo
preliminarmente o conhecimento da peça indagativa, posto que descumprido apenas
o quesito relativo ao encaminhamento de parecer jurídico, o qual não
caracteriza impedimento absoluto.
Destaco o fato apontado pela
Consultoria Geral quanto à pertinência do tema, quando foca o fato de que tal
atividade, ao ser empreendida pelo município, gera despesa para o ente, o que
torna necessário precisar se esta atuação se dá ou não no âmbito de sua
competência, haja vista o disposto no artigo 62 da Lei de Responsabilidade
Fiscal, que impõe como condição para que os Municípios contribuam para o
custeio de despesas de competência de outros entes da Federação a autorização
na lei de diretrizes orçamentárias e na lei orçamentária anual, bem como
convênio, acordo, ajuste ou congênere, conforme sua legislação.
Ao discutir o mérito, a Consultoria
Geral, após ponderar quanto à sua manifestação nos autos do processo n. CON
08/00238788, a qual fora acolhida pelo Órgão ministerial e pelo colendo
Plenário desta Corte, redundando no prejulgado 1958, que propugnara pela
proibição de a guarda municipal atuar no trânsito, procedeu a um exame mais
amplo e sistemático acerca do município enquanto ente federativo e sua
competência administrativa para atuar no trânsito.
Nesse aspecto, ponderou a COG que: “Sob
essa ótica, portanto, circunspecta à autonomia municipal e à atuação da guarda
e fiscalização do trânsito, não se vê óbice para que o município assuma tal
atributo, haja vista a preponderância do interesse local, espeque que autoriza
o exercício de poder de polícia nesse âmbito”.
Ao examinar as atribuições
conferidas ao município pelo Código de Trânsito Brasileiro afirmou, com arrimo
no artigo 24 do CTB, o seguinte:
Sem
grande esforço exegético se retira do Código de Trânsito Brasileiro a
autorização para que os municípios atuem na guarda e fiscalização do trânsito,
sendo-lhes permitido, inclusive, aplicarem as sanções quando verificada a
prática de conduta ofensiva às regras assentadas no CTB. Cabe atentar que na
linha de raciocínio até então trilhada, o Código se afeiçoa e respeita a autonomia
dos entes federados, não sendo de modo algum impositivo para os municípios,
mesmo porque, ao município é conferida a competência para dedicar-se às
questões do trânsito quando se integra ao Sistema Nacional de Trânsito,
consoante o disposto no § 2º do artigo 24 do CTB. Essa imperiosa integração,
sem a qual o município não está habilitado a cuidar do trânsito, é reforçada
pela disposição contida no inciso V do mesmo artigo 24, que ressalta a
necessidade de estabelecimento em conjunto com órgãos de polícia ostensiva de
trânsito, das diretrizes para o policiamento ostensivo do trânsito. [ . . . ]
Destarte, integrado o município ao Sistema Nacional de Trânsito, é devido o
firmamento de convênio com os demais órgãos e entidades, especialmente com a
Polícia Militar de modo a perfectibilizar a ação conjunta ou isolada em
determinadas ações, maximizando, assim, os recursos humanos e materiais
empreendidos no cumprimento desse serviço público.
No último
tópico integrante da discussão a COG adentra no exame das decisões judiciais
que envolvem a questão, dando relevo ao Recurso Especial n. 727.092-RJ, cujo
voto vista apresentado pelo Ministro Luiz Fux traz o seguinte destaque:
Como bem
salientou o ilustre juiz sentenciante Plínio Pinto Coelho Filho, “o serviço de
fiscalização das regras de trânsito e da lavratura de autos de infração e
imposição das multas correspondentes traduzem exercício de poder de polícia.
Essa atividade, inerente ao próprio Estado, deve ser exercida com observância
dos mesmos princípios norteadores dos atos administrativos genéricos, e, ao meu
sentir, somente pode ser desempenhada por servidor público em sentido estrito,
assim entendido aquele que integra a administração pública direta e que tenha
sido investido por ato de autoridade, após aprovação em concurso público de
provas e títulos, em cargo criado por lei e cujas funções tenham sido
legalmente definidas, iniciado opportuno
tempore seu exercício. Essa regra (CF 37, V)” o exercício do poder de
polícia de trânsito pelos municípios terá de ser feito por seus órgãos ou por
suas entidades, na forma de fundações ou autarquias, todos pessoas jurídicas de
direito público, o que não acontece no Município de Niterói.
A
Consultoria Geral frente ao acima colacionado aduz que:
Do julgado
em destaque fica claro que a fiscalização do trânsito, concebida como expressão
do poder polícia, é prerrogativa exclusiva de servidor público investido por
ato de autoridade competente, a ser integrado na administração direta, provido
em cargo efetivo mediante concurso público, cujas atribuições, definidas em
lei, se encontre a atuação na fiscalização do trânsito.
Ao
final, propõe o Órgão Consultivo a revogação do prejulgado 1958 em razão da
resposta abaixo:
É
permitida a atuação do município na guarda e fiscalização do trânsito, por
configurar serviço de interesse local, desde que integre o Sistema Nacional de
Trânsito, conforme disposição do artigo 30, V, da Constituição Federal, e os
artigos 21, 24 e 25 do Código de Trânsito Brasileiro.
O
Município poderá celebrar convênios com os órgãos e entidades que compõem o
Sistema Nacional de Trânsito, especialmente com a Polícia Militar, haja vista o
disposto no artigo 23 do Código de Trânsito Brasileiro, de modo a
perfectibilizar a ação conjunta ou isolada em determinadas ações, maximizando,
assim, os recursos humanos e materiais empreendidos no cumprimento desse
serviço público.
Enquanto
o município não se organizar de modo a integrar o Sistema Nacional de Trânsito,
a guarda e fiscalização do trânsito continua a ser função da Polícia Militar.
Por se
tratar a atividade de policiamento de trânsito expressão do poder de polícia, o
seu exercício deve se efetivar por meio de órgão vinculado à administração
direta, inclusive a guarda municipal, com o desempenho por servidor aprovado em
concurso público, investido por ato de autoridade competente em cargo com
atribuições inerentes à fiscalização do trânsito.
O
Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, em parecer da lavra de seu
Procurador Geral, Mauro André Flores Pedrozo, manifesta-se pelo conhecimento da
consulta e pela resposta de mérito nos termos do aludido parecer COG-499/08.
O
Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall, relator original do processo, apresentou
seu voto acompanhando na íntegra o parecer da Consultoria Geral[3].
O
Conselheiro César Filomeno Fontes, após formular pedido de vista, apresentou
voto divergente filiando-se ao consignado no Prejulgado 1958, cuja
fundamentação de mérito provém igualmente da Consultoria Geral, cuja redação
expressa o seguinte:
Nos termos
art. 320 do Código de Trânsito Brasileiro, a receita arrecadada com a cobrança
de multas deve ser aplicada, exclusivamente, em sinalização, engenharia de
tráfego, de campo, fiscalização, policiamento e educação do trânsito, não
podendo a receita ser aplicada em remuneração dos membros da guarda municipal, haja vista que a mesma
não possui competência para a fiscalização do trânsito, de acordo com o
art. 144, § 8º, da Constituição Federal. (grifo nosso)
Este, o estado do
processo.
FUNDAMENTAÇÃO
A consulta ora examinada carecia de maior certeza e
segurança em decisões judiciais, pois o alinhamento exegético desenvolvido pela
Consultoria Geral ainda não encontrava amparo nos Tribunais pátrios, situação
que se modificara conforme os julgados da ADIn n. 2008.045151-7, do Município de Laguna,
da Apelação Cível n. 2007.057085-2, do Município de Itajaí e da Apelação Cível
em Mandado de Segurança n. 2010.021208-4, de Laguna, cujas ementas transcrevo
abaixo, para em seguida comentar suas fundamentações, ponderando-as ao
propugnado pelo Órgão Consultivo.
Ação
Direta de Inconstitucionalidade n. 2008.045151-7, de Laguna
Relator:
Luiz Carlos Freyesleben
Juiz
Prolator: Não Informado
Órgão
Julgador: Tribunal Pleno
Data:
07/08/2009
CONSTITUCIONAL.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. INCISOS IV E V DO ART. 1º E INCISOS II E
III DO ART. 9º DA LEI COMPLEMENTAR N. 135/2006 DO MUNICÍPIO DE LAGUNA.
COMPETÊNCIA DA GUARDA MUNICIPAL PARA AUTUAR INFRATORES DO CÓDIGO DE TRÂNSITO
BRASILEIRO E DA LEGISLAÇÃO AMBIENTAL. APARENTE INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL.
ATRIBUIÇÃO TÍPICA DA POLÍCIA MILITAR. INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 107 DA
CONSTITUIÇÃO ESTADUAL E 144, § 8º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. FUMUS BONI IURIS E
PERICULUM IN MORA DEMONSTRADOS. CONCESSÃO DE MEDIDA CAUTELAR. EFEITOS PARA O FUTURO.
O
deferimento da medida cautelar, em ação direta de inconstitucionalidade,
depende da plausibilidade da alegada afronta à Carta Constitucional (fumus boni
iuris) e da aferição do grau de possibilidade de lesão grave ou de difícil
reparação decorrente da manutenção dos efeitos da norma impugnada (periculum in
mora).
Apelação
Cível n. 2007.057085-2, de Itajaí
Relator:
Des. Subst. Paulo Henrique Moritz Martins da Silva
GUARDA
MUNICIPAL. COMPETÊNCIA PARA EXECUTAR A FISCALIZAÇÃO DE TRÂNSITO, AUTUAÇÃO E APLICAÇÃO
DE MEDIDAS ADMINISTRATIVAS POR INFRAÇÕES DE CIRCULAÇÃO, ESTACIONAMENTO E
PARADA. CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO, ART. 24, VI. DISTRIBUIÇÃO DE
COMPETÊNCIAS ENTRE OS ESTADOS E MUNICÍPIOS NA RESOLUÇÃO DO CONTRAN N. 68/98.
INFRAÇÕES DA COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO QUE AUTORIZAM APENAS A APLICAÇÃO DAS
PENALIDADES DE ADVERTÊNCIA E MULTA.
ILEGALIDADE
DA CONDUTA DOS AGENTES PÚBLICOS QUE EXTRAPOLARAM SUA ESFERA DE ATRIBUIÇÃO,
INCLUSIVE RETENDO CARTEIRA DE HABILITAÇÃO E APREENDENDO O VEÍCULO DO AUTOR.
DISSABORES QUE CAUSARAM ABALO MORAL. VEÍCULO QUE AO SER APREENDIDO ESTAVA EM
BOM ESTADO DE CONSERVAÇÃO. DANIFICAÇÃO DO AUTOMÓVEL NO PERÍODO EM QUE ESTEVE EM
DEPÓSITO OFICIAL. DEVER DO MUNICÍPIO DEINDENIZAR.
APELO
DO RÉU PARCIALMENTE PROVIDO PARA RECONHECER A LEGALIDADE DA AUTUAÇÃO DE UMA DAS
INFRAÇÕES E PARA REDUZIR A INDENIZAÇÃO PELO DANO MORAL, PREJUDICADO O DO AUTOR,
QUE BUSCAVA A MAJORAÇÃO DE TAL VERBA.
Apelação
Cível em Mandado de Segurança n. 2010.021208-4, de Laguna
Relator:
Vanderlei Romer
Juiz
Prolator: Fabiano Antunes da Silva
Órgão
Julgador: Primeira Câmara de Direito Público
Data:
02/12/2010
MANDADO
DE SEGURANÇA. SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR. EXEGESE DO ARTIGO 261, § 1º, DO
CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. EXCESSO DE PONTOS NA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO.
IMPUGNAÇÃO DO ATO AO ARGUMENTO DE IRREGULARIDADE EM PARTE DAS AUTUAÇÕES.
INSUBSISTÊNCIA. REGULARIDADE DAS NOTIFICAÇÕES. DEVER DO PROPRIETÁRIO DE MANTER
O SEU ENDEREÇO ATUALIZADO NO ÓRGÃO DE TRÂNSITO (ARTIGO 282, § 1º, DO CTB).
ALEGADO VÍCIO DE COMPETÊNCIA NA LAVRATURA DOS AUTOS QUE NÃO SE VERIFICA.
AUSÊNCIA DE PROVA A RESPEITO. PENALIDADE DE "ESTACIONAMENTO EM DESACORDO
COM A SINALIZAÇÃO" QUE, ADEMAIS, PODE SER APLICADA PELA GUARDA MUNICIPAL,
EX VI DO ARTIGO 24, VI, DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO E DA RESOLUÇÃO N.
66/1998 DO CONSELHO NACIONAL DE TRÂNSITO. DECISÃO DO TRIBUNAL PLENO DESTA CORTE
CONCLUSIVA PELA CONSTITUCIONALIDADE DA NORMA LOCAL QUE CRIOU A CORPORAÇÃO.
SENTENÇA DENEGATÓRIA DA SEGURANÇA MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.
1.
Decorre do artigo 282, § 1º, do Código de Trânsito Brasileiro que o
proprietário do veículo deve comunicar a mudança de domicílio à autoridade de
trânsito, uma vez que se considera válida para todos os efeitos a
correspondência destinada a notificar a aplicação da penalidade quando
devolvida em virtude da desatualização do endereço.
2. Não
prospera, igualmente, a tese de irregularidade das notificações expedidas em
virtude do estacionamento em desacordo com a sinalização. Afora a inexistência
de prova a respeito, a Guarda Municipal tem competência para lavrá-las e isso
decorre do artigo 24, VI, do referido diploma legal, bem como da Resolução n.
66/1998 do Conselho Nacional de Trânsito. Ademais, o Plenário deste egrégio
Sodalício julgou improcedente a ação direta de inconstitucionalidade que tinha
como objeto a norma local que criou tal corporação no município de Laguna.
Como se observa no exame preliminar da ADIN n.
2008.045151-7, houve o deferimento de medida cautelar para afastar a
aplicabilidade dos incisos IV e V do art. 1º e incisos II e III do art. 9º da
Lei Complementar n. 135/2006 do Município de Laguna, que prevê a competência da
Guarda Municipal para autuar infratores do Código de Trânsito Brasileiro e da
legislação ambiental, por inconstitucionalidade material, posto que concebida
como atribuição típica da Polícia Militar, por força no disposto nos artigos 107
da Constituição Estadual e 144, § 8º, da Constituição Federal.
O Relator, o Exmo. Des. Luiz Carlos Freyesleben
assim manifesta-se:
Afigura-me
induvidosa a presença da fumaça do bom direito, assim como a do perigo da
demora, este caracterizado pela persistência das autuações, pela Guarda
Municipal, dos infratores do Código de Trânsito Brasileiro e da legislação
ambiental, em flagrante usurpação da competência da Polícia Militar, sendo de
bom aviso comentar que as multas decorrentes de tais autuações poderão ser
judicialmente questionadas, podendo carrear ao erário prejuízos dimanados de
despesas processuais e eventual perda de receita. Destarte, presentes os requisitos
legais, não me assaltam dúvidas quanto à necessidade de suspender, com efeitos ex nunc, os incisos IV e V do artigo 1º
e os incisos II e III do artigo 9º da Lei Complementar n. 135/2006 do município
de Laguna, até decisão final.
A cautela adotada tem sua fundamentação na regra
constitucional federal, 144, § 8º, que limita a atuação das Guardas Municipais,
destinadas à proteção dos bens, serviços e instalações do município, conforme
dispuser a lei, arrimo do Prejulgado n. 1958
desta Corte de Contas e, também no disposto no artigo 107, I, d, da
Constituição Estadual que confere à Polícia Militar a guarda e a fiscalização
do trânsito urbano.
O Desembargador Newton Trisotto, que inicialmente
manifestara seu voto favorável à medida
cautelar, reviu seu entendimento, afirmando que:
não há
como se interpretar isoladamente o § 8º do art. 144 da Constituição da
República. No dizer de Miguel Reale, "cada artigo de lei situa-se num
capítulo ou num título e seu valor depende de sua colocação sistemática. É preciso,
pois, interpretar as leis segundo seus valores linguísticos, mas sempre
situando-as no conjunto do sistema" (Lições preliminares de direito,
Saraiva, 1998, 24ª ed., p. 281).
Ao final, na ADIN 2008.045151-7 fora decidido pela
constitucionalidade dos dispositivos da Lei Lagunense, em acórdão que recebera
a seguinte emenda:
AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI QUE CRIA E DEFINE ATRIBUIÇÕES DA
"GUARDA MUNICIPAL" - PRETENSÃO JULGADA IMPROCEDENTE. Não é
inconstitucional lei que cria "guarda municipal" para "proteção
do patrimônio, bens e serviços e instalações públicas municipais, a proteção do
meio ambiente e a fiscalização do uso das vias públicas urbanas e estradas municipais",
conferindo-lhe a atribuição de exercer a "fiscalização do trânsito" e
a "fiscalização ambiental" e poderes para autuar os "infratores
do Código de Trânsito Brasileiro" e os "infratores da legislação
ambiental".
EMENTA
ADITIVA"'1. Aos Promotores de Justiça não é permitido postular perante os
tribunais, salvo para impetrar habeas corpus e mandado de segurança e para
requerer correição parcial (Lei 8.625/93, art. 32, I; ROMS n. 13.568, Min.
Nancy Andrighi; ROMS n. 5.563, Min. Edson Vidigal; ROMS n. 4.730, Min. Cid
Flaquer Scartezzini; ROMS n. 1.456, Min. Jesus Costa Lima). Falta-lhes,
portanto, legitimidade para propor ação direta de inconstitucionalidade"
(Voto vencido na ADI n. 2006.036548-5).
No mesmo sentido vão a Apelação Cível n.
2007.057085-2 e a Apelação Cível em Mandado de Segurança n. 2010.021208-4, com
o desenvolvimento de um raciocínio semelhante ao empregado no parecer
COG-499/08, posto que voltado a uma leitura sistemática da Constituição
Federal, aliada ao Código Nacional de Trânsito e a inclusão dos municípios no
Sistema Nacional de Trânsito, considerando o poder de polícia que reside no
ente municipal, limitando, contudo, essa atuação às infrações a que se refere o
art. 24, VI, do CTB, ou seja, que estão dentro das competências municipais, in verbis:
Art.
24. Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no
âmbito de sua circunscrição:
I -
cumprir e fazer cumprir a legislação e as normas de trânsito, no âmbito de suas
atribuições;
[...]
VI -
executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas
administrativas cabíveis, por infrações de circulação, estacionamento e parada
previstas neste Código, no exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito.
Extrai-se do voto comentário de Arnaldo Rizzardo, destacado
pelo Desembargador Paulo Henrique Moritz Martins Silva:
O
Código assinala três pontos sobre os quais exerce-se ou concentra-se a
competência dos Municípios, para a aplicação de medidas administrativas, mas
cujos significados dos termos - circulação, estacionamento e parada -
desdobram-se em múltiplas situações. [...] Para definir corretamente a
competência, realça-se que as infrações subsumidas na circulação correspondem
às que são praticadas enquanto o veículo circula. (Comentários ao código de
trânsito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 132). Nota-se,
pois, que aos órgãos de trânsito municipais não se estende a penalização com
suspensão do direito de dirigir, ou a cassação, ou a apreensão do veículo.
Sendo a hipótese de penalidades mais graves, não se mantém a competência
municipal, mas é reservada aos órgãos executivos de trânsito dos Estados ou do
Distrito Federal. Daí decorre que, em princípio, consideram-se unicamente
infrações de circulação, de estacionamento e parada as que permitem a aplicação
da penalidade de advertência ou de multa. As demais, ou apenadas mais
gravemente, malgrado cometidas durante a circulação, não revelam tal natureza.
(p. 110)
Assim, entende o Magistrado que a Guarda Municipal
pode fiscalizar e autuar os infratores no trânsito, desde que, é claro, sejam
as infrações de circulação, estacionamento ou parada.
Realço, também, que no julgado em exame fora levado
em conta o deliberado na ADIN n. 2008.045151-7:
Não
se desconhece a medida cautelar que foi recentemente concedida pelo e. Tribunal
Pleno na ADI n. 2008.045151-7, de Laguna, sob a relatoria do ilustre Des. Luiz
Carlos Freyesleben: [. . .]
Todavia,
com todo o respeito, não se vislumbra ofensa à Constituição Estadual na criação
de Lei Municipal que atribui a um órgão local o poder de polícia que é
conferido ao ente político direta e inquestionavelmente pelo Código de Trânsito
Brasileiro.
Se
a Lei nacional determina que ao Município compete, por meio de seus órgãos e
entidades, executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas
administrativas e as penalidades de advertência por escrito e multa, por
infrações de circulação, estacionamento e parada, plenamente possível que essas
atribuições sejam realizadas por agentes municipais designados especificamente
para aquelas finalidades. Veja-se que a Polícia Militar integra o Sistema
Nacional de Trânsito juntamente com os órgãos e entidades executivos de
trânsito do Município, e não exclusivamente: Art. 5º O Sistema Nacional de
Trânsito é o conjunto de órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios que tem por finalidade o exercício das atividades de
planejamento, administração, normatização, pesquisa, registro e licenciamento
de veículos, formação, habilitação e reciclagem de condutores, educação,
engenharia, operação do sistema viário, policiamento, fiscalização, julgamento
de infrações e de recursos e aplicação de penalidades.[...] Art. 7º Compõem o
Sistema Nacional de Trânsito os seguintes órgãos e entidades:
[...]
III
- os órgãos e entidades executivos de trânsito da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios;
IV
- os órgãos e entidades executivos rodoviários da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios;
V
- a Polícia Rodoviária Federal;
VI
- as Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal; e
VII
- as Juntas Administrativas de Recursos de Infrações - JARI. (grifou-se)
Adiante,
o CTB ainda autoriza que os Municípios organizem seus respectivos órgãos e
entidades executivos de trânsito e executivos rodoviários, estabelecendo os
limites circunscricionais de suas atuações (art. 8º).
Não
obstante, o CTB deixa claro que a Polícia Militar não atua isoladamente:
Art.
23. Compete às Polícias Militares dos Estados e do Distrito Federal:
[...]
III
- executar a fiscalização de trânsito, quando e conforme convênio firmado, como
agente do órgão ou entidade executivos de trânsito ou executivos rodoviários,
concomitantemente com os demais agentes credenciados.
Destaco, ainda, julgados de outros Tribunais pátrios
que admitem a atuação da guarda municipal na fiscalização do trânsito e
autuação de infratores do Código Nacional de Trânsito:
TRIBUNAL
DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
VOTO
Nº2064
10ª
CÂMARA DE DIREITO PÚBLICO
APELAÇÃO
COM REVISÃO Nº 0124666.35.2007.8.26.0000 (725.688.5/3-00)
COMARCA:
PIRACAIA 2ª VARA JUDICIAL
APELANTE:
EX-OFFICIO
APELADO:
GERALDO DE VILHENA CARDOSO
JUIZ:
ANDRÉ GONÇALVES SOUZA
AÇÃO
POPULAR. Guarda municipal. Competência para executar a fiscalização de
trânsito. Possibilidade. Inteligência do
art. 24, VI da Lei 9.503/97 (Código Nacional de Trânsito). Sentença de improcedência.
Manutenção. Reexame necessário não
provido.
TRIBUNAL
DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Apelação
com revisão n. 990.10.233118-0.
Apelante:
Valmir Aparecido Caetano.
Apelado:
Prefeitura Municipal de Limeira e outros.
Voto
n. 12.058.
AÇÃO
POPULAR - Pretensão de anular o ato que autoriza os guardas Municipais a
atuarem como agentes de trânsito, bem como as multas por eles aplicadas -
Insurgência contra Deliberação do Conselho Estadual de Trânsito que proibiu à
Guarda Municipal a lavratura de multas - Extinção do feito sem exame de mérito
-
Impossibilidade
jurídica do pedido - Descabimento - Presentes os requisitos da presente ação -
Aplicação do artigo 515, §3° do CPC, afastando o a extinção do feito,
julgando-se improcedente a ação - Recurso desprovido, com observação.
Do teor do voto acima ementado, extrai-se o
seguinte:
Não
se vislumbra qualquer ilegalidade nos atos que autorizam os Guardas Municipais
a atuarem como agentes de trânsitos. É evidente que a fiscalização da circulação
de trânsito está inserida na atividade de polícia administrativa do Município,
não colhendo a alegação de que o exercício de tal atribuição importaria em
desvio de função da Guarda Municipal; isto porque a matéria é de interesse
predominantemente local, em relação à
qual
foi conferida ao ente federativo competência para legislar e cuidar, nos termos
do artigo 30, inciso I, da Constituição Federal e 24, incisos I, VI e VII, do
Código de Trânsito Brasileiro.
No mesmo sentido seguem a Apelação n. 994.09.248513-3,
a Apelação com revisão n. 994.09.237403-7, Apelação Cível n.
9122809-92.2007.8.26.0000, Apelação n. 994.06.103595-0, todos do Tribunal de
Justiça do Estado de São Paulo, bem como o deliberado pelo Tribunal de Justiça
do Estado do Rio Grande do Sul, processo n. 70041463068.
Resta demonstrado, então, que o expresso no artigo
144, § 8º, da Constituição Federal não é empecilho à inclusão das Guardas
Municipais no Sistema Nacional de Trânsito, e que, tampouco, a guarda e fiscalização
do trânsito urbano são exclusividade da Polícia Militar (artigo 107, I, d, da
Constituição Estadual).
VOTO
Considerando o exposto no presente Retório, VOTO no sentido de que o Egrégio Tribunal Pleno adote a decisão
que ora submeto a sua apreciação:
O TRIBUNAL PLENO, diante das razões apresentadas
pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e
no art. 1°, XV, da Lei Complementar n. 202/2000, decide:
1. Conhecer da presente Consulta por preencher os
requisitos e formalidades preconizados no Regimento Interno deste Tribunal.
2. Responder à Consulta nos seguintes termos:
2.1 É permitida a atuação do município na guarda e
fiscalização do trânsito, por configurar serviço de interesse local, conforme
disposição do artigo 30, V, da Constituição Federal, desde que integre o
Sistema Nacional de Trânsito, em observância aos artigos 21, 24 e 25 do Código
de Trânsito Brasileiro.
2.2 Compete aos órgãos e entidades executivos de
trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição, executar a fiscalização
de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis, por
infrações de circulação, estacionamento e parada previstas no Código de
Trânsito Brasileiro, conforme o disposto em seu artigo 24, II e IV, no
exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito.
2.3 O Município poderá celebrar convênios com os
órgãos e entidades que compõem o Sistema Nacional de Trânsito, especialmente
com a Polícia Militar, haja vista o disposto no artigo 23 do Código de Trânsito
Brasileiro, de modo a perfectibilizar a ação conjunta ou isolada em
determinadas ações, maximizando, assim, os recursos humanos e materiais
empreendidos no cumprimento desse serviço público.
2.4 Enquanto o município não se organizar de modo a
integrar o Sistema Nacional de Trânsito, a guarda e a fiscalização do trânsito
continuam a ser funções da Polícia Militar.
2.5 Por se tratar a atividade de policiamento de
trânsito expressão do poder de polícia, o seu exercício deve se efetivar por
meio de órgão vinculado à administração direta, com o desempenho por servidor
aprovado em concurso público, investido por ato de autoridade competente em
cargo com atribuições inerentes à fiscalização do trânsito.
3. Revogar o prejulgado 1958, derivado da Decisão n.
1781/2008, em resposta à consulta formulada pelo Instituto de Planejamento
Urbano de Florianópolis – IPUF.
4. Dar ciência desta decisão, do relatório e voto
que a fundamentam à Câmara Municipal de São José.
Determinar o
arquivamento dos autos.
Gabinete, em 21
de junho de 2011.
Adircélio de Moraes Ferreira Junior
Conselheiro Relator
|
ESTADO DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO Gabinete
do Conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Junior |
PROCESSO
Nº |
CON 08/00407997 |
UNIDADE |
Câmara Municipal de São José |
INTERESSADO |
Edio Osvaldo Vieira |
ASSUNTO |
Consulta |
ADENDO AO VOTO DE
FLS. 39-51
Na sessão realizada no dia 14 próximo passado, após
o relato dos autos do processo n. COM 08/00407997, consulta originária da
Câmara Municipal de São José, após o relatório, propugnei pela resposta nos
termos seguintes:
2.1
É permitida a atuação do município na guarda e fiscalização do trânsito, por
configurar serviço de interesse local, conforme disposição do artigo 30, V, da
Constituição Federal, desde que integre o Sistema Nacional de Trânsito, em
observância aos artigos 21, 24 e 25 do Código de Trânsito Brasileiro.
2.2
Compete aos órgãos e entidades executivos de trânsito dos Municípios, no âmbito
de sua circunscrição, executar a fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as
medidas administrativas cabíveis, por infrações de circulação, estacionamento e
parada previstas no Código de Trânsito Brasileiro, conforme o disposto em seu
artigo 24, II e IV, no exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito.
2.3
O Município poderá celebrar convênios com os órgãos e entidades que compõem o
Sistema Nacional de Trânsito, especialmente com a Polícia Militar, haja vista o
disposto no artigo 23 do Código de Trânsito Brasileiro, de modo a
perfectibilizar a ação conjunta ou isolada em determinadas ações, maximizando,
assim, os recursos humanos e materiais empreendidos no cumprimento desse
serviço público.
2.4
Enquanto o município não se organizar de modo a integrar o Sistema Nacional de
Trânsito, a guarda e a fiscalização do trânsito continuam a ser funções da
Polícia Militar.
2.5
Por se tratar a atividade de policiamento de trânsito expressão do poder de
polícia, o seu exercício deve se efetivar por meio de órgão vinculado à
administração direta, com o desempenho por servidor aprovado em concurso
público, investido por ato de autoridade competente em cargo com atribuições
inerentes à fiscalização do trânsito.
3.
Revogar o prejulgado 1958, derivado da Decisão n. 1781/2008, em resposta à
consulta formulada pelo Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis –
IPUF.
4.
Dar ciência desta decisão, do relatório e voto que a fundamentam à Câmara
Municipal de São José.
Submetido o voto à discussão plenária, duas
manifestações merecem realce. A primeira, de parte do Conselheiro César
Filomeno Fontes, centrou na preocupação da revogação do prejulgado 1958, que
veda expressamente a aplicação de receita decorrente da aplicação de multas de
trânsito na remuneração da guarda municipal, o que poderia dar a entender pela
possibilidade de tal préstimo.
Outra intervenção, formulada pelo Auditor Substituto
de Conselheiro Cleber Muniz Gavi, alertou para a existência de ação com trâmite
no Supremo Tribunal Federal, com repercussão geral reconhecida, e a pertinência
de se aguardar o deslinde da mesma, de modo a evitar a criação de cargos ou a
estruturação de órgãos municipais de trânsito, que conforme deliberação
judicial, podem se tornar impedidas de funcionar com tal desiderato.
O Conselheiro Salomão Ribas Junior, por sua vez,
manifestou preocupação referente à competência da guarda municipal, rememorando
que, na sua essência, o escopo e a visão do constituinte lhe conferiam
atribuições em relação ao seu patrimônio.
Esta, a síntese do que me move a agregar à proposta
original de voto as considerações que passo a expor.
A negativa inserta no prejulgado 1958 no que se
refere à impossibilidade de remunerar a guarda municipal com os recursos
auferidos com a aplicação de multa de trânsito, traz ínsita a idéia e a
premissa básica de que é vedado ao município atuar na fiscalização e
consequentemente autuar as infrações de trânsito.
Assim, uma negação conduziu a outra, ou seja, se não
pode ser agente de trânsito, não pode se beneficiar dos recursos que defluem
dessa atuação.
Daí o risco de a simples revogação dar azo ao entendimento
contrário, concebendo-se que a resposta permissiva à integração do município no
sistema nacional de trânsito, com a atribuição de a guarda municipal atuar no
controle, fiscalização e autuação de infrações de trânsito, permitem
beneficiar-se da receita das multas para fins remuneratórios.
Cabe, então, esclarecer, que a possibilidade ou não
de proveito para fins remuneratórios da receitas oriundas das multas de
trânsito encontra resposta atualmente na Portaria do DENATRAN n. 407, de 27 de
abril de 2011, que aprova a Cartilha de Aplicação de Recursos Arrecadados com a
Cobrança de Multas de Trânsito, interpretando o artigo 320 do Código de
Trânsito Brasileiro.
Dispõe o artigo 320 do CTB que:
Art.
320. A receita arrecadada com a cobrança das multas de trânsito será aplicada,
exclusivamente, em sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento,
fiscalização e educação de trânsito.
Dentre as hipóteses permitidas de aplicabilidade da
receita com a cobrança de multas de trânsito, que poderia albergar a
remuneração da guarda municipal, encontra-se o policiamento e a fiscalização do
trânsito, posto que exigem para seus exercícios a figura do guarda ou agente de
trânsito no exercício do poder de polícia.
Ao dispor quanto ao policiamento e à fiscalização,
os artigos 6º e 7º da Portaria n. 407/2001 estabelecem que:
Art.
6º O policiamento e a fiscalização são os atos de prevenção e repressão que visam a controlar o cumprimento da legislação
de trânsito, por meio do poder de polícia administrativa.
Art.
7º São considerados elementos de despesas com policiamento e fiscalização:
I
- farda e acessórios de fardamento para agentes de trânsito;
II
- capacitação de autoridades e de agentes de trânsito;
III
- material e equipamento para policiamento;
IV
- serviço de apreensão de animais soltos;
V
- alimentação e tratamento de animais apreendidos e aqueles destinados à atividade de cinotecnia;
VI
- aquisição e ou locação de imóvel para guarda de veículos e animais apreendidos;
VII
- equipamento ou instrumento medidor de velocidade fixo, estático ou portátil;
VIII
- equipamento ou instrumento fixo registrador de avanço de sinal vermelho e de parada sobre a faixa de pedestre;
IX
- aquisição, locação, manutenção e aferição de etilômetro;
X
- aquisição, locação, manutenção e aferição de equipamento medidor de transmitância luminosa e de poluição sonora e
atmosférica;
XI
- operação, manutenção e transferência de infraestrutura instalada;
XII
- aquisição e ou locação de veículos e viaturas – motos, triciclos,
quadriciclos, caminhões, reboques,
microônibus, minivans, aeronaves – com instalações e ou equipamentos de policiamento e
fiscalização;
XIII
- manutenção e abastecimento da frota operacional;
XIV
- armazenamento de imagens para controle de infração de trânsito, relativos às notificações de autuação e de penalidade;
XV
- emissão de notificações de autuação, de penalidade, de hasta pública, de inclusão em dívida ativa e do resultado da
defesa da autuação e ou de recursos de infrações
de trânsito;
XVI
- manutenção, conservação e funcionamento da Junta Administrativa de Recursos de Infração – Jari, do Conselho
Estadual de Trânsito – Cetran e do Conselho de Trânsito do Distrito Federal – Contrandife;
XVII
- manutenção, conservação e funcionamento de centros descentralizados de controle operacional de trânsito, postos de
fiscalização e policiamento e monitoramento eletrônico viário;
XVIII
- instalação, operação, manutenção e aferição de balanças;
XIX
- aquisição, locação, manutenção e configuração de talão eletrônico;
XX
- tarifas bancárias – arrecadação e cobrança, débito em conta, cartões de débito e crédito, referentes à notificação de
penalidade;
XXI
- diárias e locomoção dos agentes de trânsito em operações de policiamento e fiscalização;
XXII
- realização de ações conjuntas de fiscalização e policiamento.
Vê-se, portanto, que, no elenco de ações e
atividades de custeio com recursos provenientes da aplicação de multa de
trânsito, não foi previsto o pagamento de remuneração aos guardas ou agentes de
trânsito, do que decorre a impossibilidade de dispêndio com esse caráter.
Em complemento ao voto então proposto, pode-se
agregar um item que remeta a normativo do DENATRAN acerca da aplicação dos
recursos auferidos com multas de trânsito, atualmente, a Portaria n. 407, de 27
de abril de 2011, conforme a redação abaixo:
A aplicação da receita arrecadada com a cobrança das
multas de trânsito, além de atender ao disposto no artigo 320 do Código de
Trânsito Brasileiro, deve observar normativo específico do DENATRAN que regula
a matéria, atualmente, a Portaria n. 407, de 27 de abril de 2011.
Em referência à menção da existência de Recurso
Extraordinário em trâmite no Supremo Tribunal Federal, que trata de matéria
afeta à competência dos municípios para atuarem na fiscalização e policiamento
do trânsito, bem como a preocupação do esvaziamento das funções dos servidores
que tem por atribuição a fiscalização e policiamento do trânsito, faço as
seguintes considerações:
- a consulta ora submetida ao Plenário ingressou
nesta Corte de Contas em junho de 2008;
- o tardamento se deu com a finalidade de verificar
o desenrolar de decisões no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado de Santa
Catarina, cujas deliberações, que orientam e se alinham ao voto, constam no
relatório;
- aguardar a deliberação do STF e quedar inerte, mais
uma vez, frente à dúvida do consulente soa desarrazoado;
- ainda quanto a deliberação no RE 637539, cumpre
informar que o Município do Rio de Janeiro requereu a desistência do recurso em
30 de setembro de 2011, o que inviabiliza a manifestação do STF quanto ao
mérito, apesar de entender que o assunto tem repercussão geral, a ser observada
em nova provocação da Suprema Corte;
- a matéria tem pertinência com a atividade de
controle desta Corte de Contas, pois há dispêndio público por parte dos
municípios em atividade que deve ser concebida como própria ou imprópria à
atuação municipal, diante de suas competências e da própria Lei de
Responsabilidade Fiscal, considerando o disposto em seu artigo 62, que prevê que os Municípios só contribuirão para o
custeio de despesas de competência de outros entes da Federação se houver
autorização na lei de diretrizes orçamentárias e na lei orçamentária anual;
convênio, acordo, ajuste ou congênere, conforme sua legislação;
- a atribuição da guarda municipal, conforme
literalidade do artigo 144, § 8º, remete à proteção dos bens, serviços e
instalações do município;
- a realidade fática, porém, nos mostra que inúmeros
municípios passaram a atuar na fiscalização e policiamento do trânsito, apenas
no Estado de Santa Catarina, cita-se, dentre outros, Florianópolis, Criciúma,
Joinville, Blumenau e Laguna, o que sói ocorrer em outros Estados da Federação;
- a assunção de tais misteres por parte dos
municípios, como assentado no voto, encontra, em uma leitura sistemática do
texto constitucional, com supedâneo, ainda, em legislação infraconstitucional,
norma a lhe assegurar o direito de assim agir;
- têm-se, então, fato e norma a assegurar como
legítimas a incursão dos municípios na fiscalização e policiamento do trânsito,
encontrando, ainda, tal proceder, sustentação axiológica, posto que o bem que
visa resguardar é a ordem e a segurança no trânsito, razão que moveu, à época,
o Ministro do STF Maurício Correia a suspender liminar concedida pelo Tribunal
de Justiça do Rio de Janeiro, consignando que os valores que a legislação
impugnada visa proteger e o dano efetivo que seu cumprimento imediato causará à
segurança pública e à disciplina do trânsito[4];
- em uma visão tridimensional do direito,
considerando-o, conforme as lições de Miguel Reale, enquanto fato, valor e
norma, é plenamente justificável a atuação dos municípios na fiscalização e
policiamento do trânsito, observados, por óbvio, os contornos que o Código de Trânsito
Brasileiro lhe confere;
- as atribuições conferidas aos servidores da guarda
municipal, portanto, podem e devem ir além desse serviço de interesse local,
que é inerente à manutenção de um trânsito ordeiro e seguro, pois lhe é afeta a
proteção dos bens, serviços e instalações do município;
- destarte, não há que se cuidar da inoperância
desses servidores, caso o STF, porventura, delibere de modo contrário ao decidido
no Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, pois há a possibilidade de
realocação em outras funções também próprias do cargo.
Frente a tais considerandos, e por entender que as
razões para decidir se escudam em interpretação que se dá além da simples
literalidade do § 8 do artigo 144 da Constituição Federal, concebendo, de forma
sistemática, outros normativos também de assento constitucional, o Código de
Trânsito Brasileiro e a autonomia municipal no trato de assuntos e serviços de
seu interesse, é que proponho em resposta à consulta formulada pela Câmara
Municipal de São José o seguinte encaminhamento:
O TRIBUNAL PLENO, diante das razões apresentadas
pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e
no art. 1°, XV, da Lei Complementar n. 202/2000, decide:
1. Conhecer da presente Consulta por preencher os
requisitos e formalidades preconizados no Regimento Interno deste Tribunal.
2. Responder à Consulta nos seguintes termos:
2.1 É permitida a atuação do município na guarda e
fiscalização do trânsito, por configurar serviço de interesse local, conforme disposição
do artigo 30, V, da Constituição Federal, desde que integre o Sistema Nacional
de Trânsito, em observância aos artigos 21, 24 e 25 do Código de Trânsito
Brasileiro.
2.2 Compete aos órgãos e entidades executivos de
trânsito dos Municípios, no âmbito de sua circunscrição, executar a
fiscalização de trânsito, autuar e aplicar as medidas administrativas cabíveis,
por infrações de circulação, estacionamento e parada previstas no Código de
Trânsito Brasileiro, conforme o disposto em seu artigo 24, II e IV, no
exercício regular do Poder de Polícia de Trânsito.
2.3 O Município poderá celebrar convênios com os
órgãos e entidades que compõem o Sistema Nacional de Trânsito, especialmente
com a Polícia Militar, haja vista o disposto no artigo 23 do Código de Trânsito
Brasileiro, de modo a perfectibilizar a ação conjunta ou isolada em
determinadas ações, maximizando, assim, os recursos humanos e materiais
empreendidos no cumprimento desse serviço público.
2.4 Enquanto o município não se organizar de modo a
integrar o Sistema Nacional de Trânsito, a guarda e a fiscalização do trânsito
continuam a ser funções da Polícia Militar.
2.5 Por se tratar a atividade de policiamento de
trânsito expressão do poder de polícia, o seu exercício deve se efetivar por
meio de órgão vinculado à administração direta, com o desempenho por servidor
aprovado em concurso público, investido por ato de autoridade competente em
cargo com atribuições inerentes à fiscalização do trânsito.
2.6 A aplicação da receita arrecadada com a cobrança
das multas de trânsito, além de atender ao disposto no artigo 320 do Código de
Trânsito Brasileiro, deve observar normativo específico do DENATRAN que regula
a matéria, atualmente, a Portaria n. 407, de 27 de abril de 2011.
3. Revogar o prejulgado 1958, derivado da Decisão n.
1781/2008, em resposta à consulta formulada pelo Instituto de Planejamento
Urbano de Florianópolis – IPUF.
4. Dar ciência desta decisão, do relatório e voto
que a fundamentam à Câmara Municipal de São José.
Determinar o
arquivamento dos autos.
Gabinete, em 17
de novembro de 2011.
Adircélio de Moraes Ferreira Junior
Conselheiro Relator