ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

 

PROCESSO:             PCP 11/00167266

UG/CLIENTE:           Prefeitura Municipal de Lacerdópolis

RESPONSÁVEL:      Hercílio Chiamolera - Prefeito Municipal

ASSUNTO:                Prestação de Contas do Prefeito referente ao ano de 2010.

 

 

 

PRESTAÇÃO DE CONTAS DE PREFEITODESPESAS COM MANUTENÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO ENSINO. APLICAÇÃO. 23,90%. APROVAÇÃO COM RESSALVAS.

Restos a Pagar não processados. Princípio da Competência. Despesas do exercício

As despesas inscritas em restos a pagar não processados (empenhadas e não liquidadas), com exceção daquelas sem disponibilidade financeira, serão consideradas para fins de apuração das despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino (art.1º, §1º, da Decisão Normativa n.º TC 02/2004).

Restrições do controle interno.

Restrições relativas ao órgão de controle interno podem indicar fragilidade no funcionamento do sistema de controle interno e prejudicar a eficácia do controle externo.

No presente processo foram detectadas várias irregularidades envolvendo o órgão de controle interno, fazendo com que tais restrições fiquem ressalvas para fins de emissão de Parecer Prévio.

Impropriedades contábeis.

Podem ser toleradas impropriedades contábeis que possuírem pouca influência nos demonstrativos do Balanço Geral Anual e sem repercussão no cumprimento do artigo 42 e parágrafo único da Lei Complementar n. 101/2000, sem prejuízo das recomendações pertinentes.

 

 

 

 

I – RELATÓRIO

 

Trata-se de prestação de contas do Prefeito Municipal de Lacerdópolis no exercício de 2010, Sr. Hercílio Chiamolera, em cumprimento ao disposto no art. 31, §§ 1.º e 2.º da Constituição Federal, art. 113, da Constituição Estadual, e arts. 50 a 59 da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000.

A Diretoria de Controle dos Municípios – DMU, através de seu Corpo Técnico, lavrou inicialmente o Relatório nº 4560/2011 (fls. 302/353), sugerindo a existência de irregularidades passíveis de rejeição das contas, em conformidade aos critérios da Decisão Normativa n.º TC 06/2008.

Conclusos os autos, este Relator emitiu despacho concedendo prazo para os Responsáveis se manifestarem (fls. 355/356). A defesa foi apresentada em tempo oportuno (fls. 358/361), sendo anexados diversos documentos (362/368).

Quando do retorno dos autos para reinstrução, a DMU elaborou o Relatório n. 5648/2011 (fls. 377/433), cujo teor acusa a ocorrência das seguintes restrições:

 

1.     RESTRIÇÕES DE ORDEM CONSTITUCIONAL

1.1 Despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino no valor de R$ 1.865.237,23, representando 23,90% da receita com impostos incluídas as transferências de impostos (R$ 7.802.742,80), quando o percentual constitucional de 25,00% representaria gastos da ordem de R$ 1.950.685,70, configurando, portanto, aplicação a menor de R$ 85.448,47 ou 1,10%, em descumprimento ao artigo 212 da Constituição Federal (item 5.2.1);

1.2 Ausência de efetiva atuação do Sistema de Controle Interno, conforme artigo 31 da Constituição Federal, consubstanciado pela ausência de remessa dos Relatórios de Controle Interno referentes aos 1°, 2°, 3°, 4°, 5° e 6° bimestres de 2010, no prazo estabelecido, tendo em vista que todos os Relatórios foram remetidos em conjunto em abril de 2011, em descumprimento aos artigos 3º e 4º da Lei Complementar n° 202/2000 c/c artigo 5º, § 3º da Resolução nº TC - 16/94, alterada pela Resolução nº TC - 11/2004 (item 9.3).

 

2.     RESTRIÇÕES DE ORDEM LEGAL

2.1 Divergência, no valor de R$ 369.365,46, entre os créditos autorizados constantes do Comparativo da Despesa Autorizada com a Realizada - Anexo 11 (R$ 8.304.170,46) e o apurado através das informações enviadas via Sistema e-Sfinge – Módulo Planejamento (R$ 7.934.805,00), caracterizando afronta aos artigos 75, 90 e 91 da Lei nº 4.320/64 (item 8.1);

2.2 Ausência de remessa do Parecer do Conselho do FUNDEB, em desacordo com o artigo 27, da Lei nº 11.494/07 (item 9.1);

2.3 Atraso na remessa dos Relatórios de Controle Interno referentes aos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 6° bimestres, em desacordo aos artigos 3º e 4º da Lei Complementar n° 202/2000 c/c artigo 5º, § 3º da Resolução nº TC - 16/94, alterada pela Resolução nº TC - 11/2004 (item 9.2).

 

Conclui o órgão instrutivo, também, que possa este Tribunal recomendar à Câmara de Vereadores a verificação de acatamento, pelo Poder Executivo, das observações constantes do relatório de análise das contas, a adoção de providências com vista à correção das deficiências de natureza contábil mencionadas no Capítulo 8 e quanto às irregularidades mencionadas no Capítulo 7 – do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente, solicitando-se, ainda, a comunicação a respeito do julgamento das contas anuais. 

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, nos termos do Parecer nº MPTC/5991/2011 (fls. 435/460), manifesta-se pela rejeição das contas do gestor responsável.

Vieram os autos conclusos.

 

II - FUNDAMENTAÇÃO

A análise das conclusões exaradas pela DMU através do Relatório Técnico n. 5648/2011, bem como da manifestação do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, permitem inferir que as restrições apuradas poderiam comprometer o equilíbrio das contas da Prefeitura Municipal de Lacerdópolis, e se revestiriam de gravidade suficiente para macular substancialmente a aferição geral acerca da gestão orçamentária, patrimonial e financeira havida no exercício.

Destaque-se, entretanto, que para tal análise, além dos critérios estabelecidos na Decisão Normativa n. 06/2008, far-se-á um juízo de ponderação pertinente ao caso.

Procedendo ao exame das contas, a DMU identificou no item 1.1 da conclusão do relatório o não cumprimento do percentual de 25% constitucionalmente previsto com despesas em manutenção e desenvolvimento do ensino. As despesas realizadas pelo Município foram na ordem de 23,90%, descumprindo o disposto no art. 212 da Constituição.

Alega o responsável que percentual foi efetivamente cumprido se considerada a despesa inscrita em restos a pagar não processados[1], no montante de R$ 104.338,00, referente à compra de um ônibus para transporte escolar (carroceria), empenhada em dezembro de 2009 e liquidada em 14/06/2010, computada no percentual de despesa com ensino no ano de 2009.

Afirma que quando tomou conhecimento de que este não era o procedimento correto adotado por esta Casa, onde todas as despesas “empenhadas” deveriam ser computadas no percentual do ensino do respectivo exercício, e que a despesa, que deseja ver inclusa no ano de 2010, já tinha sido considerada no ano de 2009, entrou em contato, através de seu contador, com técnico da DMU, recebendo a informação de que não haveria prejuízo nas contas do exercício de 2010, seguindo então a orientação, destacou no relatório circunstanciado do exercício aquela informação (fl. 250).

Destaca que o percentual com manutenção e desenvolvimento do ensino do exercício de 2009 não restaria prejudicado com a exclusão daquela despesa, pois de qualquer forma atingiria a meta de 25% (26,67%), de outro modo, considerando a despesa de R$ 104.338,00 no percentual no ano de 2010 chegaria ao montante de 25,40%[2].

Na reinstrução do processo a DMU não aceita as justificativas apresentadas, sustentando que o procedimento de separar uma despesa em duas notas de empenho (chassi e carroceria) seria, na verdade, uma tentativa de burlar a análise das contas, e que o entendimento exarado pelo técnico não vincula o posicionamento do Pleno desta Casa.

De fato, o posicionamento técnico não espelha a posição da respectiva Corte de Contas, tampouco do relator do processo. No entanto, as orientações do técnico desta casa, ignorado pelo relatório da DMU, foram de fato seguidos pelo gestor, e não podem prejudicar a análise das contas de 2010, o que acarretaria a rejeição das mesmas.

Seguindo princípio da competência as despesas empenhadas no exercício de 2009 pertencem ao respectivo exercício financeiro e, tratando-se de restos a pagar do último bimestre do exercício, tanto as liquidadas, quanto as não liquidadas, devem ser computadas no percentual de manutenção e desenvolvimento do ensino, nos termos do art. 1º, §1º, da Decisão Normativa TC 02/2004[3], o que resultou no percentual de 28,18%. Contudo, considerando as orientações prestadas ao jurisdicionado, entendo que esta restrição deve ficar ressalvada para fins de emissão do Parecer Prévio.

No item 1.2 da conclusão do relatório a DMU aponta como irregular a ausência de efetiva atuação do Sistema de Controle Interno, consubstanciado pela ausência de remessa de todos os relatórios bimestrais de 2010, no prazo estabelecido, tendo sido enviados em conjunto apenas em abril de 2011.

Seguindo a mesma fundamentação, foi apontado no item 2.3, como restrição de ordem legal, o atraso na remessa dos Relatórios de Controle Interno.

O responsável confirma o atraso e informa que providências estão sendo adotadas para regularizar o ocorrido, mas que o Sistema de Controle Interno está em funcionamento e vem atuando no controle de frota, de gastos com combustíveis, de estoque, distribuição de medicamentos, executivo fiscal, dentre outros.

Na reanálise do feito a DMU mantém a irregularidade, sob o argumento de que os Relatórios encaminhados são apenas uma compilação de dados relativos a metas fiscais e gastos com educação e saúde, por meio de tabelas e de que os controles efetuados pelo Controle Interno não foram mencionados nos Relatórios tampouco comprovados.

A irregularidade apontada é a mesma verificada no exercício de 2009, na gestão do atual Prefeito, assim como se repetiram nos exercícios anteriores[4]. Considerando que o funcionamento do Sistema de Controle Interno municipal é essencial para efetividade do controle externo, como determina a Constituição Federal (art. 74), novamente vem à baila a falta de atuação do referido controle na análise das contas do exercício de 2010.

Os atrasos verificados não levam à conclusão a que chegou a área técnica, ou seja, de que se comprovou a ausência de atuação do Sistema de Controle Interno. A atuação do Controle Interno não se resume na remessa ou feitura dos Relatórios de Controle Interno. Ademais, o responsável cita alguns fatos que podem ser considerados como integrante de ações do sistema de controle interno, cabendo análise mais criteriosa, para então se confirmar a total omissão do Sistema.

A partir da análise do conteúdo dos relatórios, e considerando o atraso na remessa, vislumbro a deficiência na atuação do sistema de controle interno. Contudo, divirjo do parecer ministerial, quanto à possibilidade de se formarem autos apartados, entendendo que o encaminhamento mais acertado no presente exercício seja aposição de ressalva.

 Quanto às divergências contábeis dos itens 2.1 da conclusão do relatório, verifico que não apresentam reflexos significativos no conjunto das demonstrações contábeis do Balanço Anual, configurando-se como falha formal, corrigível por meio de simples providências.

Quanto à ausência da remessa do Parecer do Conselho do FUNDEB, item 2.2, o não cumprimento do artigo 27, parágrafo único, da Lei n. 11.494/2007 (Lei do FUNDEB), pode ser tolerado no exercício de 2009, pois não é considerada restrição gravíssima conforme a Decisão Normativa TC n. 06/2008.

Sugere, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, a formação de autos apartados a fim de realizar auditoria detalhada no Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente (FIA), uma vez apontados no Capítulo 7 do presente relatório as seguintes restrições: ausência do plano de ação e do plano de aplicação com a respectiva aprovação pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. Sugeriu, outrossim, a comunicação das referidas irregularidades ao Ministério Público Estadual para subsidiar eventuais medidas e eventual tipificação de crime previsto no art. 315 do Código Penal.

Ocorre que os apontamentos em questão representam inovações trazidas ao PCP, cuja análise não se encontra ainda consolidada por esta Corte de Contas. Ao debruçar-me rapidamente sobre a matéria, verifiquei que de fato os Prejugados 1832 e 1681 precediam o exercício de 2010, contudo, o art. 16 da Resolução CONANDA n. 137/2010 que vedou expressamente a utilização dos recursos provenientes deste fundo para pagamento, manutenção e funcionamento do Conselho Tutelar, foi publicada somente em 04 de março de 2010 no Diário Oficial da União.

Por conseguinte, diante do ineditismo da matéria nos pareceres prévios, entendo, por ora, suficiente a recomendação sugerida pela área técnica para que o responsável pelo Poder Executivo adote providências imediatas quanto às irregularidades mencionadas no Capítulo 7 do relatório.

Quanto aos aspectos que substancialmente constituem alguns dos pontos primordiais para análise da prestação de contas, tem-se a destacar que:

1)             o Município respeitou o princípio do equilíbrio das contas públicas, em consonância às instruções da Lei n. 4.320/64 e Lei de Responsabilidade Fiscal, obtendo superávit orçamentário de R$ 306.726,83, correspondente a 3,84% da receita arrecadada; 

2)             o Município aplicou o equivalente a 23,90% da receita decorrente de impostos em Educação, descumprindo o disposto no art. 212 da Constituição Federal, sendo ressalvado nestas contas. Ademais, dos recursos oriundos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação – FUNDEB aplicou o equivalente a 84,98% na remuneração dos profissionais do magistério e o equivalente a 99,94% em despesas com manutenção e desenvolvimento da educação básica, cumprindo o disposto nos arts. 22 e 21 da Lei Federal n. 11.494/2007;

3)             o Município aplicou o percentual de 19,14% da Receita de Impostos em Ações e Serviços Públicos de Saúde, cumprindo o disposto no art. 198 da Constituição Federal, c/c art. 77 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias;

4)             os limites de gastos com pessoal do Município e dos Poderes Executivo e Legislativo restaram cumpridos;

Presentes, portanto, os requisitos que autorizam a expedição de parecer prévio favorável à aprovação das contas ora analisadas.

 

III – PROPOSTA DE VOTO

 

Ante o exposto e considerando que os autos estão devidamente instruídos na forma regimental, proponho ao Egrégio Plenário a adoção do seguinte Parecer Prévio:

 

1.  Recomendar a APROVAÇÃO das Contas Anuais, do exercício de 2010, da Prefeitura Municipal de Lacerdópolis.

2. Ressalvar as seguintes restrições:

2.1. Despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino no valor de R$ 1.865.237,23, representando 23,90% da receita com impostos incluídas as transferências de impostos (R$ 7.802.742,80), quando o percentual constitucional de 25,00% representaria gastos da ordem de R$ 1.950.685,70, configurando, portanto, aplicação a menor de R$ 85.448,47 ou 1,10%, em descumprimento ao artigo 212 da Constituição Federal;

2.2 Deficiência na atuação do Sistema de Controle Interno, conforme art. 31 da Constituição Federal, em razão da remessa intempestiva de relatórios genéricos do Controle Interno, referentes aos 1°, 2°, 3°, 4°, 5° e 6° bimestres de 2009, em descumprimento ao art. 5º, § 3º da Resolução nº TC - 16/94 (alterada pela Resolução nº TC - 11/2004).

3. Recomendar à Prefeitura Municipal de Lacerdópolis, com o envolvimento e responsabilização do órgão de controle interno, a adoção de providências para prevenção das seguintes deficiências apontadas no Relatório DMU nº 5648/2011:

3.1. Divergência, no valor de R$ 369.365,46, entre os créditos autorizados constantes do Comparativo da Despesa Autorizada com a Realizada - Anexo 11 (R$ 8.304.170,46) e o apurado através das informações enviadas via Sistema e-Sfinge – Módulo Planejamento (R$ 7.934.805,00), caracterizando afronta aos artigos 75, 90 e 91 da Lei nº 4.320/64

3.2. Ausência de remessa do Parecer do Conselho do FUNDEB, em desacordo com o artigo 27, da Lei nº 11.494/07;

4. Recomendar ao responsável pelo Poder Executivo a adoção de providências imediatas quanto às irregularidades mencionadas no Capítulo 7 – Do Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente, do Relatório DMU n. 5648/2011.

5. Recomendar à Câmara de Vereadores anotação e verificação de acatamento, pelo Poder Executivo, das observações constantes do Relatório DMU n. 5648/2011.

6. Solicitar à Câmara de Vereadores que comunique a esta Corte de Contas o resultado do julgamento das presentes contas anuais, conforme prescreve o art. 59 da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, com a remessa de cópia do ato respectivo e da ata da sessão de julgamento da Câmara.

 

Florianópolis, em 18 de novembro de 2011.

 

Cleber Muniz Gavi

Auditor Substituto de Conselheiro

Relator

 

 

 

 

 



[1] Não liquidados com disponibilidade financeira.

[2] Relatório Circunstanciado de fls. 217/218.

[3] Art. 1º - A apuração das despesas com manutenção e desenvolvimento do ensino e com ações e serviços  públicos de saúde, visando a verificação do cumprimento do disposto no art. 212 e parágrafos 2º e 3º do art. 198 e art. 77 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, todos da Constituição Federal , será promovida tomando-se por base  a despesa liquidada, assim considerada nos termos do Manual de Elaboração  do Relatório Resumido da Execução Orçamentária, aprovado pela Portaria  n.º 471, de 31 de agosto de  2004, da Secretaria do Tesouro Nacional – STN, do Ministério da Fazenda.

§1º Para fins de apuração das despesas de que trata o caput deste artigo, no último bimestre de cada exercício serão consideradas as inscritas em restos a pagar, liquidadas e não liquidadas, deduzindo-se aquelas sem disponibilidade financeira vinculadas a manutenção e desenvolvimento do ensino ou ações e serviço públicos de saúde, conforme o caso.

[4] Conforme Decisão n.º 273 de 15/12/2010, publicada no DOE de 21/01/2011.