PROCESSO Nº:

LCC-09/00547847

UNIDADE GESTORA:

Prefeitura Municipal de Iomerê

RESPONSÁVEL:

Laercio Vicente Lazzari

ASSUNTO:

Convite n. 34/2005 - Reparos em trator de esteiras marca Komatsu modelo D50.

RELATÓRIO E VOTO:

GAC/LRH - 037/2012

 

 

 

 

Aquisição de materiais e contratação de serviços. Supostas ilegalidades no processo licitatório. Sentença judicial transitada em julgado afastando ocorência de ilegalidade. Arquivamento do processo.

A existência de sentença judicial transitada em julgado que afasta a ocorrência de ato de improbidade administrativa por violação à lei e aos princípios da Administração Pública ao julgar a regularidade dos mesmos atos em apreciação do Tribunal de Contas, torna descabida a apreciação do mérito pela Corte de Contas, ante os princípios da autoridade da coisa julgada, da segurança jurídica e da razoabilidade, arquivando-se o processo.

 

1. INTRODUÇÃO

 

Os presentes autos foram constituídos por determinação do Tribunal Pleno adotada na sessão do dia 18/08/2009 ao apreciar o processo RPA - 05/01049185, que decorreu de expediente encaminhado por vereadores da Câmara de Iomerê noticiando possíveis irregularidades cometidas pelo então Prefeito Municipal, senhor Laercio Vicente Lazzari.

 

O Tribunal Pleno determinou a averiguação das supostas irregularidades relacionadas a:

a) realização de operações comerciais entre a Prefeitura Municipal de Iomerê e a Empresa Móveis Adorno Ltda., de propriedade da irmã e do cunhado do Prefeito, contrariando o artigo 24 da Lei Orgânica do Município de Iomerê, conflitando, por conseguinte, aos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade contidos no caput do artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil;

b) realização da licitação, na modalidade de Convite n° 0034/2005, para reparos em trator de esteiras marca Komatsu, modelo D50, de propriedade do Município, com aparente direcionamento para a empresa vencedora, resultado em frustração ou fraude do caráter competitivo de certame.

Regularmente citado, o responsável, senhor Laércio Vicente Lazzari, apresentou justificativas (fls. 249 a 513).

Depois do exame da documentação e justificativas do ex-prefeito, o Corpo Instrutivo, através do Relatório nº DLC 921/2010, considerou que as justificativas apresentadas não sanam as restrições, sugerindo a aplicação de multas:

1. Pela prática de atos irregulares decorrentes de operações comerciais realizadas entre a Prefeitura de Iomerê e a Empresa Móveis Adorno Ltda., de propriedade da Irmã e do Cunhado do Prefeito, contrariando o artigo 24 da Lei Orgânica do Município de Iomerê, e os princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade contidos no caput do artigo 37 da Constituição Federal.

2. Pela prática de atos irregulares e omissões da Administração Municipal que levam à compreensão de que os procedimentos relativos ao processo licitatório (Convite n° 034/2005, aquisição de peças de trator), instaurado pela Prefeitura Municipal de Iomerê não transcorreram dentro da lisura exigida pela legislação de regência, com circunstâncias que levam ao entendimento de que houve frustração ao caráter competitivo do certame, contrariando os artigos 3°, caput e § 3°, 22, §3°, da Lei 8.666/93, e arts. 60, 62 e 63 da Lei 4.320/64 e art. 20 da Lei Orgânica do Município de lomerê.

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, por meio do Parecer nº MPTC/1.455/2011, manifestou-se no sentido de acolher as conclusões do Relatório nº DLC 921/2010.

 

É o relatório.

 

 

2. DISCUSSÃO

 

 

Nos autos discute-se supostas irregularidades cometidas na prefeitura Municipal de Iomerê, no exercício de 2005, relativamente à aquisição de materiais e contratação de serviços, conforme explicitado nos itens que seguem.

 

1.  Prática de atos irregulares decorrentes de operações comerciais realizadas entre a Prefeitura de Iomerê e empresa de propriedade de parente do Prefeito.

 

A respeito deste tópico, a Instrução considerou que a Lei Orgânica do Município de Iomerê permite a contratação entre parentes apenas na hipótese de contratação com cláusulas uniformes, como nos contratos de adesão, não sendo o caso da contratação realizada pela Prefeitura com a empresa de propriedade da irmã e do cunhado do Prefeito Municipal, concluindo pela ilegalidade da contratação.

O Responsável sustentou a regularidade da contratação, indicando que sobre o mesmo fato havia ação judicial movida pelo Ministério Público estadual onde ficou demonstrada a ausência de ilegalidade. Todavia, a Instrução aduz que não encontrou decisão de mérito julgando improcedente a demanda e que eventual decisão do Poder Judiciário não vincula esta Corte de Contas, pois não participou da demanda.

Examinando o caso, embora a contratação realizada pela Prefeitura com a empresa de propriedade de parente do Prefeito Municipal contenha aparente contrariedade à Lei Orgânica do Município de Iomerê, não se pode ignorar a apreciação judicial do ato.

Com efeito, verifico que o Poder Judiciário julgou ação proposta pelo Ministério Público estadual, envolvendo o mesmo fato. Trata-se da Ação Civil Pública  079.05.002801-2, da Comarca de Videira, em que o órgão ministerial perquiria a condenação do ex-prefeito por ato de improbidade administrativa. A ação foi julgada improcedente. Extrai-se da sentença:

A questão a apreciar é se houve prática de improbidade administrativa, mais especificamente por ofensa aos princípios da impessoalidade e da legalidade, afirmados na inicial, em razão do grau de parentesco, eis que a empresa Móveis Adorno Ltda tem como sócios-proprietários César Sadi Gotardo e Aderli Maria Gotardo, casados entre si, esta irmão do sr. Prefeito Municipal.

...

Ora, foram colhidos 3 (três) orçamentos, e o município, por ordem do Prefeito, adquiriu as mercadorias pelo menor dos orçamentos, fato absolutamente incontroverso e, além disso, não se imputou, muito menos se fez qualquer prova, de que as mercadorias tenham sido adquiridas por preços superiores ao de mercado ou superfaturados. Logo, não há nos autos nenhuma prova de que o Município de Iomerê experimentou qualquer prejuízo, descabendo, assim, a afirmação de ofensa ao art. 4º, V, alínea "e", de Lei n. 4.717/65.

Assim, não entendo qualquer ato de ilegalidade praticado pelo prefeito municipal na aquisição dos móveis da empresa de sua irmã e cunhado, eis que devidamente permissivo em lei, e além do mais o orçamento apresentado o de menor valor.

Também entendo que não houve ofensa ao art. 9º e incisos, bem como os seguintes 10 e 11, da Lei n. 8.429/92, que tratam dos atos de improbidade administrativa.

...

Datíssima vênia do entendimento esposado pelo culto Promotor de Justiça, não vislumbro nos autos qualquer prova de desonestidade dos demandados e do sr. Prefeito Municipal pelo tão-só fato da aquisição e da relação de parentesco, máxime quando nem sequer se imputou aos demandados aquisição de mercadorias por preço superiores ao de mercado. Aliás, a inicial também não lhes imputou qualquer ato de desonestidade, fundando-se, apenas, na relação de parentesco.

...

Com efeito, nada há nos autos que indique ter o Prefeito, o Vice-prefeito e os demandados tenham agido com dolo. Também não há qualquer indicativo que demonstre o desvio de finalidade dos atos de aquisição, com o intuito puro e simples de outorga de privilégios, ou para beneficiar parentes.

Por fim, ressalto que o princípio da legalidade vincula a Administração aos mandamentos da lei, o que significa que a Administração só pode fazer o que a lei e o Direito permitem, o que se apresenta perfeitamente demonstrado na presente, razão pela qual a improcedência do pedido é medida de justiça.

 

III. DISPOSITIVO

Ante o exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado pelo Ministério Público em face de LAÉRCIO VICENTE LAZZARI, MÓVEIS ADORNO LTDA., CÉSAR SADI GOTARDO e ADERLI MARIA GOTARDO (CPC, art. 269, I).

Sem custas, e honorários (REsp n. 493.823 / DF, Min. Eliana Calmon; REsp 363.949 / SP, Min. Franciulli Netto; REsp n. 406.767 / SP, Min. Carlos Alberto Menezes Direito; REsp n. 153.829 / SP, Min. Milton Luiz Pereira; REsp n. 422.801 / SP, Min. Garcia Vieira).

Cabe aduzir que a sentença foi confirmada em grau de recurso (Apelação Cível nº 2008.023964-3).

Não obstante o Tribunal de Contas não integrar a lide, de modo que só faz coisa julgada inter partes, é certo que a decisão judicial que apreciou o mesmo fato há de ser levada em consideração, notadamente porque transitada em julgado.

A respeito do tema, impende colacionar decisão no âmbito do Supremo Tribunal Federal:

 

EMENTA: DECISÃO JUDICIAL TRANSITADA EM JULGADO. INTEGRAL OPONIBILIDADE DESSE ATO ESTATAL AO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. CONSEQÜENTE IMPOSSIBILIDADE DE DESCONSTITUIÇÃO, NA VIA ADMINISTRATIVA, DA AUTORIDADE DA COISA JULGADA. EXISTÊNCIA, AINDA, NO CASO, DE OUTRO FUNDAMENTO CONSTITUCIONALMENTE RELEVANTE: O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA. A BOA-FÉ E A PROTEÇÃO DA CONFIANÇA COMO PROJEÇÕES ESPECÍFICAS DO POSTULADO DA SEGURANÇA JURÍDICA. MAGISTÉRIO DA DOUTRINA. SITUAÇÃO DE FATO CONSOLIDADA NO PASSADO – QUE DEVE SER MANTIDA EM RESPEITO À BOA-FÉ E À CONFIANÇA DO ADMINISTRADO, INCLUSIVE DO SERVIDOR PÚBLICO. NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM TAL CONTEXTO, DAS SITUAÇÕES CONSTITUÍDAS NO ÂMBITO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PRECEDENTES. DELIBERAÇÃO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO QUE IMPLICA SUPRESSÃO DE PARCELA DOS PROVENTOS DO SERVIDOR PÚBLICO. CARÁTER ESSENCIALMENTE ALIMENTAR DO ESTIPÊNDIO FUNCIONAL. PRECEDENTES. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

 

- O Tribunal de Contas da União não dispõe, constitucionalmente, de poder para rever decisão judicial   transitada em julgado (RTJ   193/556-557) nem para determinar a suspensão de benefícios garantidos por sentença revestida da autoridade da coisa julgada (RTJ 194/594), ainda que o direito reconhecido pelo Poder Judiciário não tenha o beneplácito da jurisprudência prevalecente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, pois a “res judicata” em matéria civil pode ser   legitimamente desconstituída mediante ação rescisória. Precedentes.

 

- Os postulados da segurança jurídica, da boa-fé objetiva e da proteção da confiança, enquanto expressões do Estado Democrático de Direito, mostram-se impregnados de elevado conteúdo ético, social e jurídico, projetando-se sobre as relações jurídicas, mesmo as de direito público (RTJ 191/922, Rel. p/ o acórdão Min. GILMAR MENDES), em ordem a viabilizar a incidência desses mesmos princípios sobre comportamentos de qualquer dos Poderes ou órgãos do Estado (os Tribunais de Contas, inclusive), para que se preservem, desse modo, situações administrativas já consolidadas no passado.

- A fluência de longo período de tempo culmina por consolidar justas expectativas no espírito do administrado e, também, por incutir, nele, a confiança da plena regularidade dos atos estatais praticados, não se justificando – ante a aparência de direito que legitimamente resulta de tais circunstâncias – a ruptura abrupta da situação de estabilidade em que se mantinham, até então, as relações de direito público entre o agente estatal, de um lado, e o Poder Público, de outro. Doutrina. Precedentes.

 

Consta do corpo da decisão:

 

Passo a examinar a postulação cautelar ora deduzida na presente sede mandamental. E, ao fazê-lo, entendo, em juízo de estrita delibação, que se reveste de plausibilidade jurídica a pretensão que a ora impetrante formulou nesta sede processual.

 

A análise da questão versada no presente “writrevela que um dos fundamentos em que se apoia a pretensão mandamental em exame tem o beneplácito da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que, em diversos casos, tem reconhecido, quer em decisões monocráticas, quer em julgamentos colegiados, ser integralmente oponível, ao E. Tribunal de Contas da União, a autoridade da coisa julgada, cuja eficácia subordinante, desse modo, não poderá ser transgredida por qualquer órgão estatal, inclusive pela própria Corte de Contas (MS  23.758/RJ, Rel. Min. MOREIRA ALVES – MS 24.529-MC/DF, Rel. Min. EROS GRAU – MS 24.569-MC/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – MS  24.939-MC/DF, Rel. Min. CARLOS BRITTO – MS 25.460/DF, Rel. Min. CARLOS VELLOSO - MS 26.086/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS  26.088-MC/DF, Rel. Min. GILMAR MENDES – MS 26.132-MC/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – MS 26.156-MC/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA - MS 26.186-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS 26.228-MC/DF, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – MS  26.271-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO MS 26.387/DF, Rel. Min. EROS GRAU – MS  26.408/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO – MS  26.443-MC/MA, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA – MS 27.374-MC/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – MS 27.551-MC/DF, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI – MS 27.575-MC/DF, Rel. Min. ELLEN GRACIE - MS 27.649/DF, Rel. Min. CEZAR PELUSO MS 27.732-MC/DF, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, v.g.):

 

MANDADO DE SEGURANÇA. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. APOSENTADORIA. REGISTRO. VANTAGEM DEFERIDA POR SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO. DISSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. DETERMINAÇÃO À AUTORIDADE ADMINISTRATIVA PARA SUSPENDER O PAGAMENTO DA PARCELA. IMPOSSIBILIDADE.

1. Vantagem pecuniária incluída nos proventos de aposentadoria de servidor público federal, por força de decisão judicial transitada em julgado. Impossibilidade de o Tribunal de Contas da União impor à autoridade administrativa sujeita à sua fiscalização a suspensão do respectivo pagamento. Ato que se afasta da competência reservada à Corte de Contas (CF, artigo 71, III).

2. Ainda que contrário à pacífica jurisprudência desta Corte, o reconhecimento de direito coberto pelo manto da res judicata somente pode ser desconstituído pela via da ação rescisória.

Segurança concedida.

(MS 23.665/DF, Rel. Min. MAURÍCIO CORRÊA, Pleno - grifei)

 

Vê-se, pois, que o E. Tribunal de Contas da União não dispõe, constitucionalmente, de poder para rever decisão judicial transitada em julgado (RTJ  193/556-557, Rel. Min. CARLOS VELLOSO), nem para determinar a suspensão de benefícios garantidos por sentença impregnada da autoridade da coisa julgada (AI 471.430- -AgR/DF, Rel. Min. EROS GRAU), ainda que o direito reconhecido pelo Poder Judiciário não tenha o beneplácito da jurisprudência prevalecente no âmbito do Supremo Tribunal Federal, pois a “res  judicata” em matéria civil pode ser   legitimamente desconstituída mediante ação rescisória:

 

...

 

Sendo assim, em juízo de estrita delibação, e sem prejuízo de ulterior reexame da pretensão mandamental deduzida na presente sede processual, defiro o pedido de medida liminar, em ordem a determinar, até final julgamento desta ação de mandado de segurança, na linha de anteriores decisões minhas (MS 27.962-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, v.g.), em relação, unicamente, a Edite Feltrin Nassif dos Anjos, a suspensão cautelar da eficácia das deliberações proferidas pelo E. Tribunal de Contas da União consubstanciadas nos Acórdãoss 1.591/2007, 1.024/2009 e 3.270/2009, todos emanados da colenda Segunda Câmara do TCU.

 

(STF. Mandado de Segurança nº 28150. Relator Ministro Celso de Mello. Decisão de 08.09.2009).

 

 

No mesmo sentido as decisões monocráticas em medida cautelar no Mandado de Segurança nº 27.962 e no Mandado de Segurança nº 25.805.

Eventual decisão desta Corte de Contas diversa da sentença judicial transitada em julgado ensejaria motivação para contestação perante o Poder Judiciário.

Saliente-se que os presentes autos não tratam de julgamento de contas, esta competência exclusiva do Tribunal de Contas, porquanto integrante de sua jurisdição própria e específica delineada na Constituição Federal.

Este processo cuida de apreciação da regularidade de ato administrativo. Quando o Tribunal de Contas concluiu pela ilegalidade de um ato (como o caso de um edital de licitação) não está exercendo atividade jurisdicional (que diz respeito ao julgamento de contas), mas desempenhando atividade fiscalizadora. Nesse particular é perfeitamente possível o exame da legalidade também pelo Poder Judiciário. 

Cabe ressaltar que o inciso XXXVI do art. 5º da Constituição Federal prescreve que a lei não prejudicará a coisa julgada. Se a lei permitisse ao Tribunal de Contas promover outro julgamento de um mesmo ato, ainda que no campo administrativo, com entendimento diverso da sentença judicial transitada em julgado, haveria afronta direta ao citado dispositivo constitucional. 

O entendimento mesmo no caso de ação civil pública por suposto ato de improbidade administrativa (Lei nº 8492/92), porquanto a decisão judicial que declara não ter havido ilegalidade no ato administrativo espraia reflexos para outras instâncias, inclusive pelo princípio da segurança jurídica.

No presente caso, diante da decisão judicial na Ação Civil Pública  079.05.002801-2, sequer cabe a esta Corte promover a apreciação do mérito quanto à legalidade da contratação entre a Prefeitura de Iomerê e a Empresa Móveis Adorno Ltda., cabendo o simples arquivamento do processo.

 

2.        Prática de atos irregulares no processo licitatório Convite n° 034/2005, (aquisição de peças e reforma de trator), por frustração ao caráter competitivo do certame

A irregularidade apontada pelo Corpo Instrutivo, a partir da representação dos vereadores, diz respeito a suposto direcionamento na licitação, já que a máquina foi levada à empresa vencedora do certame antes da realização da licitação.

Em sua defesa o senhor Laercio Vicente Lazzari juntou documentos relacionados à Ação Civil Pública nº 079.05.002800-4, afirmando que os documentos acostados à referida ação comprovam a inexistência de fraude no processo licitatório Carta Convite n° 0034/2005.

 Também aqui a instrução considerou improcedentes das alegações do responsável, opinando pela manutenção da restrição, em especial porque não encontrou decisão de mérito julgando improcedente a Ação Civil Pública. O entendimento foi corroborado pelo representante do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.

Contudo, na mesma linha do item anterior, penso que fica prejudicada a apreciação de mérito por esta Corte de Contas, estando inviabilizada qualquer sanção se pretendesse aplicar ao ex-prefeito municipal de Iomerê.

Ocorre que a Ação Civil Pública nº 079.05.002800-4 foi julgada improcedente, consoante se denota da sentença nela exarada:

 

O representante do MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SANTA CATARINA ajuizou a presente ação civil pública em face de LAERCIO VICENTE LAZZARI, MACROMAQ EQUIPAMENTOS LTDA., ROGÉRIO STUMPF LIMA e LUIZ PEGORARO SOBRINHO, com base no inquérito civil nº 21/2005, objetivando a declaração de nulidade da contratação de prestação dos serviços realizados entre o Município de Iomerê-SC e a empresa requerida Macromaq Equipamentos Ltda., a qual tinha como objeto o conserto do trator esteira "D50", marca komatsu, bem como todos os efeitos que dela decorreram.

...

No presente feito, atribui o autor a violação pelo primeiro requerido das normas legais pertinentes ao procedimento de licitação, sem observância e respeito aos princípios da legalidade, impessoalidade e moralidade, aduzindo a ocorrência de fraude envolvendo uma ilsusória licitação a fim de dar aparência à aquisição da prestação de serviço constante do conserto do trator esteira "D50", marca komatsu, de propriedade da Municipalidade. Aduz, ainda, que os demais requeridos, apesar de não serem agentes públicos, concorreram para a prática do ato de improbidade ou de qualquer forma dele se beneficiaram. 

 

...

I - O primeiro requerido, então Prefeito Municipal da cidade de Iomerê-SC, Sr. Laércio Vicente Lazzari, teria, segundo a inicial, ordenado o conserto do trator esteira "D50", marca komatsu, de propriedade da Municipalidade, sem a devida autorização legal, embora com aparente legalidade, pois antes mesmo da abertura das propostas, referente a processo de licitação na modalidade convite, fixada para o dia 10/05/2005 às 9:00 horas, o referido trator já estava parcialmente desmontado e consertado com peças novas já instaladas e serviços de soldas já efetuados, na oficina mecânica da segunda requerida, empresa Macromaq Equipamentos Ltda, localizada na cidade de Chapecó-SC, em 09/05/2005.

Da análise dos depoimentos prestados pelas testemunhas em juízo, bem como dos documentos atinentes ao processo licitatório nº 0034/2005 – CV (fls. 127-180), verifica-se que não resta caracterizado qualquer ato de improbidade administrativa, tendo em vista que ausente a comprovação efetiva do dolo ou concluio dos demandados como se verá a seguir. 

...

Assim, conforme a prova testemunhal, houve justificativa para o trator já estar na oficina da empresa requerida desmontado.

No mais, conforme se constata a licitação em comento, que tinha por objeto a contratação de serviços para conserto de um trator de esteiras "D-50", deveriam atender às solicitações do contratante, no caso a municipalidade, notadamente com a apresentação da melhor proposta. Em análise das propostas/orçamentos apresentados pelas três empresa participantes (fls. 134-149), verifica-se que a empresa Macromaq Com de equipamentos Ltda, foi quem ofereceu o melhor preço.

A Lei n° 8.666/93 disciplina a forma como a Administração deve proceder para obtenção da proposta que melhor atenda ao interesse público, sendo pertinente a colação do seu art. 3º, § 1º, I, in verbis:

...

No caso em apreço não houve restrição ao caráter competitivo das empresas, em razão do trator já estar na oficina da empresa Macromaq, isso porque trata-se de "praxe" entre as empresas do setor (concorrentes) dirigirem-se até o local onde se encontra o bem para efetuar o orçamento, conforme depoimento prestado por Pedro Marchi, proprietário da empresa Mantomaq Comércio de Peças e Fábio Busetto, administrador da empresa Formáquinas Comércio de Peças e Serviços Ltda.

Igualmente, destaca-se que foram apresentados os comprovantes de remessa e recebimento de convite pelas empresas participantes, não ensejando qualquer irregularidade a macular o procedimento licitatório nº 0034/2005 – CV.

...

No caso, a empresa vencedora, embora já estivesse com o trator em sua oficina, habilitou-se no procedimento em consonância com o que dispõe o referido dispositivo legal e, somente após a abertura e julgamento da licitação é que iniciou o trabalho de recuperação do trator "D50", não restando comprovado, de forma clara nos autos, que os reparos iniciaram-se anteriormente ao julgamento das propostas apresentadas.

Ressalto, neste ponto, que os reparos prestados pela empresa requerida não acarretaram qualquer prejuízo ao Município, ao contrário, foi esta quem apresentou a melhor proposta, de modo que entendo por hígido, também neste ponto, a licitação em comento.

...

No caso, resta incontroverso que a empresa demandada venceu licitação para o conserto do referido trator esteira "D50", marca Komatsu de propriedade do Município de Iomerê-SC, sendo a que apresentou a melhor proposta.

Ausente demonstração de prejuízo à municipalidade, inexistente prova de dolo dos demandados, não há que se falar em ato de improbidade administrativa, devendo ser julgada improcedente a ação.

À vista do exposto, com fulcro no artigo 269, inciso I do Código de Processo Civil, JULGO IMPROCEDENTE o pedido inicial formulado pelo Ministério Público em face de Laercio VIcente Lazzari, Macromaq Equipamentos Ltda., Rogério Stumpf Lima e Luiz Pegoraro Sobrinho.  

Aos fatos de que tratam este item aplicam-se, na íntegra, as considerações relativas ao item anterior.

No presente item, há elementos ainda mais consistentes para deixar de julgar o mérito da legalidade do procedimento licitatório Convite n° 0034/2005. Conforme consta na sentença, houve uma investigação judicial aprofundada, incluindo:

a)     Oitiva judicial do representante da empresa supostamente beneficiada;

b)     Oitiva judicial dos representantes das outras empresas que participaram do certame;

c)     Oitiva de outras testemunhas, incluindo um dos vereadores denunciantes;

d)     Realização de pericia determinada pelo Juízo, com laudo constante dos autos do processo judicial.

O Juízo examinou um conjunto de documentos e provas, que além das alegações do autor e defesa dos réus incluiu laudo pericial e os depoimentos, e entendeu não ter havido ato de improbidade administrativa por ofensa aos princípios da Administração Pública. Creio que esta Corte de Contas, sem todo esse conjunto documental e competências para ouvir pessoas não teria condições materiais de chegar a conclusão distinta do Poder Judiciário.

Aqui também se mostra desarrazoado e inconveniente a apreciação do mérito quanto à legalidade do procedimento licitatório Convite n° 0034/2005, em face da decisão judicial na Ação Civil Pública 079.05.002800-4, razão porque proponho o simples arquivamento do processo.

 

3. VOTO         

 

          3.1. Diante do exposto, considerando as decisões judiciais transitadas em julgado na Ação Civil Pública n° 079.05.002800-2 e na Ação Civil Pública n°  079.05.002800-4, que afastaram a existência de ilegalidade, respectivamente, na contratação da empresa Móveis Adorno Ltda. pela Prefeitura de Iomerê, cujas despesas constam dos Empenhos nº 00164/2005 e 00165/2005, e no processo licitatório Convite n° 034/2005, para reforma de trator de propriedade do Município de Iomerê (fornecimento de peças e mão de obra), proponho ao Egrégio Tribunal Pleno o arquivamento dos autos sem apreciação do mérito dos referidos atos administrativos.

          3.2. Dar ciência da Decisão e do Relatório e Voto do Relator ao senhor Laercio Vicente Lazzari, à Prefeitura Municipal de Iomerê e à Câmara Municipal de Iomerê.

 

Florianópolis, em 16 de fevereiro de 2012.

 

 

LUIZ ROBERTO HERBST

CONSELHEIRO RELATOR