ESTADO DE SANTA CATARINA
PROCESSO: DEN 08/00413539
UG/CLIENTE: Prefeitura Municipal de São Bento do
Sul
RESPONSÁVEL: Fernando
Mallon – ex-Prefeito Municipal
DENUNCIANTE: Dorli
Schwalbe
ASSUNTO: Denúncia em face de Lei Municipal que procedeu a
transformação de cargos em afronta ao princípio constitucional da necessidade
de Concurso Público.
DENÚNCIA. LEI
MUNICIPAL. TRANSFORMAÇÃO DE CARGOS. BURLA A CONCURSO PÚBLICO. PROCEDÊNCIA. MULTA
AO RESPONSÁVEL.
A
transformação de um cargo remete a extinção de um cargo antigo para dar lugar a
um novo, com mesmas atribuições e qualificações, mesmo nível de escolaridade e a mesma área de conhecimento, e que o
servidor enquadrado/transformado preencha todos os requisitos para a investidura.
Situação diversa a assinalada importa em burla ao
concurso público, por provimento derivado.
I – RELATÓRIO
Trata-se de Denúncia
formulada pela Sra. Dorli Schwalbe, cidadã do Município de São Bento do Sul, a
respeito de supostas irregularidades manifestas na Administração daquele
Município, mas especificamente no âmbito da Secretaria Municipal de Educação.
Após o devido
juízo de admissibilidade[1],
tem-se que das impropriedades trazidas ao conhecimento desta Casa por
intermédio do expediente de fls. 03/04, foi determinada a apuração da
irregularidade concernente “a
administração pública do município de São Bento do Sul ter efetuado a promoção
(elevação de cargos) sem concurso público, dos cargos de Atendente de Berçário
e Recreador para Professor”, em face da edição da Lei nº 1.739[2],
de 21.12.2006, tocante à órbita de atuação da Diretoria especializada de Atos
de Pessoal, objeto dos presentes autos,
A Diretoria
de Atos de Pessoal - DAP, preliminarmente, promoveu diligência à Prefeitura
Municipal de São Bento do Sul, para esta enviasse atos administrativos e
legislativos afetos ao procedimento questionado, suscitando que o objeto
jurídico do processo seria o de burla ao concurso público, face ao
enquadramento de cargos de forma irregular.
A Prefeitura
atendeu a diligência baixada pelo corpo técnico, enviando os documentos de fls.
28 a 284.
Reapreciando
os autos, a DAP concluiu que do teor da legislação ora questionada, insurgia-se
a restrição atinente “a transformação
do cargo de Auxiliar de Berçário para Atendente Educativo, cujas atribuições,
grau de escolaridade e área de conhecimento exigíveis não acompanham aquelas
inerentes ao cargo transformado, configurando, pois, burla ao concurso público,
em afronta ao artigo 37, II, da Constituição Federal/88, bem como aos
princípios da Isonomia, Impessoalidade, Moralidade, Legalidade e interesse
Público”.
Desta feita,
foi sugerida e acolhida por este Relator a Audiência do Sr. Fernando Mallon e
do Sr. Magno Bollmann, ex-Prefeito e atual Prefeito Municipal de São Bento do
Sul, respectivamente, para apresentarem as suas alegações de defesa e
justificativas.
O Sr.
Fernando Mallon, às fls. 384/390, pugnou pela improcedência da representação,
asseverando, em síntese, que:
“16. Inobstante as atribuições legais previstas para
os extintos cargos de atendente de berçário e auxiliar de berçário, e para os
novos cargos de atendentes educativos serem à primeira vista, diversos, o que
se verifica de fato, é que são exatamente as mesmas atribuições, ou seja, a
mudança do nome do cargo em nada alterou as atribuições das servidoras. Se
antes eram atendentes de berçário e auxiliares de berçário, a partir do momento
em que foram transformadas em atendentes educativas, as suas atribuições
permaneceram, de fato, as mesmas.
[...]
19. Existia, à época dos fatos, um descontentamento
muito grande por parte das detentoras dos cargos de atendentes de berçário e
auxiliar de berçário, por não serem consideradas servidoras da Educação. E
mais, o descontentamento dizia respeito à formação das servidoras (todas já com
formação de ensino m´pedio com magistério), fazendo as mesmas atribuições de
professoras, não sendo reconhecidas como tal.
20. O que se buscava, com as alterações, era a justiça
no reconhecimento das atividades. Não houve, em nenhum momento, a intenção de
burlar os princípios da moralidade, impessoalidade, isonomia, legalidade e
interesse público” (fl.
387).
O Sr Magno
Bollmann, atual Prefeito, encaminhou o Ofício GAPRE n. 256/2010, de fls.
402/403, reconhecendo a irregularidade praticada pela Gestão anterior, afirmando
que “a irregularidade apontada é injustificável, uma vez que a
Constituição Federal e a Constituição Estadual foram violadas pela Lei
Municipal n. 1.739/2006, e pelos decretos de transformação de cargos lavrados
pelo ex-Prefeito Municipal Fernando Mallon”.
Aduziu ainda
o Sr. Alcaide que já teria ajuizado uma Ação Direta de Inconstitucionalidade[3] em
face da Lei Municipal n. 1.739/2006, perante o Órgão Especial do Tribunal de
Justiça de Santa Catarina e uma Representação por Ato de Improbidade contra o
ex-Prefeito daquela municipalidade junto a Promotoria de Justiça curadora da
Moralidade Administrativa em São Bento do Sul[4] e,
que tão logo o Poder Judiciário Catarinense julgue a demanda, dando-lhe
procedência, tratará de invalidar todos os decretos de transformação de cargos.
Sobreveio o reexame dos autos pelo corpo instrutivo da DAP (Relatório n.
7.112/2010, às fls. 425 a 438) que concluiu pela improcedência dos argumentos
de defesa apresentados pelo Sr. Fernando Mallon e a consequente manutenção da
restrição apontada ab initio.
Por seu turno, sugeriu a DAP a imputação de multa ao responsável e que se
determinasse ao atual Chefe do Executivo Municipal que propusesse medidas
perante o Poder Legislativo Municipal visando à alteração da Lei Municipal n.
1.739/2006, a fim de regularizar a situação de transformação do cargo de
Auxiliar de Berçário em Atendente Educativo (fls. 438).
O Ministério Público Especial se manifestou no Parecer nº
MPTC/5326/2011, acompanhando a análise do corpo técnico, diante da patente
irregularidade constatada, imputando-se multa ao responsável, divergindo somente
no que se refere à determinação ao atual Prefeito Municipal de propor, desde
já, a revogação da Lei Municipal n. 1.736/2006, opinando que se aguarde o
deslinde da Ação de Inconstitucionalidade, de modo a se observar “a modulação dos efeitos da decisão, mormente
ante a existência de possíveis repercussões financeiras decorrentes da
percepção de remuneração pelos ocupantes de cargos transformados” (fls. 445/446).
Vieram os autos
conclusos.
É o necessário relatório.
II – MÉRITO
Este Relator, compulsando
os autos, acompanha a manifestação do corpo técnico da Diretoria de Atos de
Pessoal[5],
que é secundada pelo Ministério Público, entendendo como irregular o
procedimento adotado pelo ex-Prefeito Municipal de São Bento do Sul, Sr.
Fernando Mallon, de ter proposto e editado a Lei Municipal n. 1.739, de
21.12.2006, que transformou o cargo de Auxiliar de Berçário para Atendente
Educativo, cujas atribuições, grau de escolaridade e área de conhecimento
exigíveis não acompanham àquelas inerentes ao cargo transformado, configurando,
pois, burla ao concurso público, em afronta ao artigo 37, II, da Constituição
Federal/88, bem como aos princípios da Legalidade, Isonomia, Impessoalidade e
Moralidade.
Da análise comparativa
entre o Decreto n 2.172, de 25.07.2006, que outrora regulamentava as
atribuições dos cargos efetivos do quadro de pessoal do Poder Executivo do
Município de São Bento do Sul (vide Lei n. 344, de 23.12.1998, que dispôs sobre
o novo Plano de Carreiras dos Servidores Públicos Municipais) e a ora questionada Lei Municipal n.
1.739, de 21.12.2006, tem-se que as atribuições e requisitos à investidura ao
cargo de Atendente Educativo são diversas do cargo transformado de Auxiliar de
Berçário.
Requisitos como o grau de
instrução (o Auxiliar de Berçário requeria ensino fundamental, enquanto que o
atual Atendente Educativo requer ensino médio) e, consequentemente, as
atribuições dos referidos cargos são sobremaneira diversas, não se tratando
meramente de “transformação” de cargos conforme conceitua a melhor doutrina
administrativista, mas sim de “cargos distintos”, evidenciando a irregularidade
de burla ao concurso público, por provimento derivado de cargo público.
Tal matéria já fora
objeto de análise pelo e. Plenário que assinalou em Prejulgados e Acórdão:
Prejulgados 1594[6]
O Chefe do Poder Executivo tem legitimidade para iniciar o
processo legislativo objetivando propor a transformação de cargo de Auxiliar de
Enfermagem para Técnico em Enfermagem e a respectiva reclassificação de
servidor público de um para outro, desde que os cargos tenham a mesma
qualificação, mesmo nível de escolaridade e a mesma área de conhecimento, e que
o servidor reclassificado preencha todos os requisitos para a investidura, bem
como, que tal situação não se configure Ascensão ou Transferência.
REC 08/00450906[7]
Recurso de Reexame. Administrativo. Cargo público. Concurso
público. Transposição/Transformação. Forma de Provimento. A modificação do
cargo anteriormente exercido pelo servidor, com acréscimo de atribuições e
alteração do grau de escolaridade, configura forma derivada de provimento,
importando na denegação do registro.
Tocante ao ajuizamento de
Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Poder Judiciário e a
apresentação de Representação ao órgão do Ministério Público em face do
ex-Gestor Municipal, comungo do entendimento do r. Procurador junto ao TC, Dr.
Aderson Flores[8], inferindo
como legítimas tais providências adotadas pelo atual Prefeito Municipal de São
Bento do Sul, razão pela qual depreendo não ser oportuna a proposição feita
pelo corpo técnico de sugerir que a Administração Municipal promova incontinenti a revogação da Lei atacada,
em que pese as suas prerrogativas, posto que a prestação jurisdicional haverá
de sedimentar os efeitos da decisão de declaração de inconstitucionalidade de
lei, conforme se observa da peça exordial, in
fine[9].
III - VOTO
Diante do exposto e estando os autos instruídos na
forma Regimental, considerando os relatórios da instrução e o parecer do
Ministério Público Especial, proponho a este egrégio Plenário o seguinte VOTO:
6.1. Considerar irregular, com fundamento no art. 36, § 2º, alínea “a”, da Lei
Complementar nº 202/2000, a transformação do cargo de Auxiliar de Berçário para
Atendente Educativo, com fundamento na Lei Municipal n. 1.739, de 21.12.2006, cujas
atribuições, grau de escolaridade e área de conhecimento exigíveis não
acompanham àquelas inerentes ao cargo transformado, configurando, pois, burla
ao concurso público, em afronta ao artigo 37, II, da Constituição Federal/88,
bem como aos princípios da Legalidade, Isonomia, Impessoalidade e Moralidade.
6.2. Aplicar ao Sr. Fernando Mallon, ex-Prefeito
Municipal (01.01.2005 a 31.12.2008), CPF n. 609.106.909-87, com fundamento no art. 70, II, da
Lei Complementar nº 202/00 c/c o art. 109, II do Regimento Interno, a multa a seguir especificada,
fixando-lhe o prazo de 30 dias a contar da publicação do Acórdão no Diário
Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento
ao Tesouro do Estado da multa cominada, sem o que, fica desde logo autorizado o
encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos
artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar nº 202/2000:
6.2.1 R$ 1.000,00 (mil reais) pela proposição e subscrição da Lei
Municipal n. 1.739, de 21.12.2006, que transformou o cargo de Auxiliar de
Berçário para Atendente Educativo, cujas atribuições, grau de escolaridade e
área de conhecimentos exigíveis não acompanham àquelas inerentes ao cargo
transformado, configurando, pois, burla ao concurso público, em afronta ao
artigo 37, II, da Constituição Federal/88, bem como aos princípios da Legalidade,
Isonomia, Impessoalidade e Moralidade.
6.3. Dar ciência da decisão com remessa de cópia do Parecer
nº MPTC/5326/2011 e do Voto que a fundamentam ao Sr Fernando Mallon – ex-Prefeito
Municipal de São Bento do Sul, aos Poderes Executivo e Legislativo de São Bento
do Sul e a Denunciante.
Gabinete, em 07 de fevereiro de 2012.
Cleber Muniz Gavi
Auditor Substituto de
Conselheiro
Relator
[1] Parecer MPTC n. 5861/2008, de fls. 11/12.
Despacho GACMG 25/2008, de fls. 13/14.
[2] Dispõe sobre a transformação dos cargos de Recreador, Recreador II, Atendente de Berçário e Auxiliar de Berçário.
[3] ADI 2010.071080-3 - fls. 410 a 422.
[4] Fls. 404 a 409.
[5] Vide Relatórios DAP n. 2168/2010 e DAP n. 7112/2010, de fls. 368/380 e 425/438.
[6] CON 04/03647398; Parecer COG 280/04, Prefeitura Municipal de Guaraciaba; Cons. Otávio Gilson dos Santos
[7] REC 08/00450906 - IPREV – Instituto de Previdência do Estado de SC; Rel. Cons. Cesar Filomeno Fontes.
[8] Vide fls. 445/446.
[9] Vide fls. 421.