TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA

 

                Gabinete do Conselheiro Julio Garcia

 

PROCESSO N.

:

CON 11/00051802

UG/CLIENTE

:

Federação Catarinense de Municípios – FECAM

RESPONSÁVEL

:

Sr. Antônio Coelho Lopes

ASSUNTO

:

Consulta acerca do pagamento de honorários de sucumbência aos Advogados Públicos Municipais  

VOTO  N.

:

GC-JG/2011/458

 

 

 

Honorários de Sucumbência. Verba Pública. Pagamento aos Procuradores Públicos Municipais. Possibilidade.

 

Os honorários advocatícios de sucumbência, quando vencedor o ente Público, não constituem direito autônomo do Procurador judicial, porque integram o patrimônio público da entidade (STJ - AgRg no Ag 824399/GO, Relator: Ministro Arnaldo Esteves de Lima, 5ª Turma, DJ 21.05.2007). 

Em se tratando de verba pública, compete ao Município recolher os honorários advocatícios aos cofres públicos, e com exclusividade, no âmbito de sua competência estabelecida no art. 30, I, da Constituição Federal, através de lei disciplinando a matéria, optar em concedê-los ou não aos procuradores ou consultores jurídicos integrantes da Procuradoria do ente, por critérios absolutamente objetivos.

Honorários de Sucumbência. Vantagem da categoria funcional. Teto Remuneratório Constitucional.

 

O pagamento dos honorários de sucumbência aos advogados públicos municipais deve, irrefutavelmente, respeitar o teto remuneratório previsto no art. 37, XI, da Constituição Federal, por não ser uma vantagem pessoal, mas sim uma vantagem concedida a toda categoria funcional.

 

 

 

1. RELATÓRIO 

 

Tratam os autos de Consulta formulada pelo Presidente da Federação Catarinense de Municípios – FECAM, Sr. Antônio Coelho Lopes Júnior – Prefeito Municipal de Capão Alto, acerca da aplicabilidade da Lei n. 8.906/94 (Estatuto da OAB) aos advogados públicos municipais para o pagamento dos honorários de sucumbência, previsto nos arts. 22 e 23 da citada lei, nos seguintes termos:

1.    A não aplicação do capítulo V, Título I, da Lei n. 8.906/94 (Estatuto da OAB) à Administração Pública implica na inexistência do direito aos honorários de sucumbência pelos advogados públicos municipais? Caso negativo, qual a fundamentação jurídica?

2.    Os honorários de sucumbência devem ser classificados como verba púbica? Caso afirmativo, como coadunar esta interpretação com a Lei da Contabilidade Pública (Lei n. 4.320/64)?

3.    O pagamento dos honorários de sucumbência previstos nos arts. 22 e 23 do Estatuto da OAB é aplicável aos advogados públicos municipais? Caso negativo, qual a fundamentação jurídica?

4.    Na hipótese de pagamento dos honorários de sucumbência aos advogados públicos municipais, deve ser respeitado o teto remuneratório previsto na Constituição Federal?

Por fim, o consulente requereu o reconhecimento do direito dos advogados, assessores jurídicos e procuradores municipais ao recebimento dos honorários de sucumbência, com a consequente alteração do material divulgado por este Tribunal e a notificação da Ordem dos Advogados do Brasil, por intermédio da Seção de Santa Catarina para, querendo, intervir no presente feito.

1.1. Do exame pela Consultoria Geral

 

A Consultoria Geral deste Tribunal de Contas examinou a presente Consulta por meio do Parecer COG-101/2011, de fls. 89-130, no qual, preliminarmente, observou a competência deste Tribunal para analisar a matéria questionada, pelo que concluiu que o requisito previsto no art. 104, I, do Regimento Interno encontrava-se preenchido.

Quanto aos demais requisitos, a Consultoria Geral concluiu que foram devidamente preenchidos, razão pela qual sugeriu o conhecimento da Consulta.

A Consultoria Geral frisou que a resposta oferecida em processo de consulta não constitui prejulgamento de fato ou caso concreto, mas apenas julgamento da tese apresentada pelo Consulente.

Após a análise do preenchimento dos requisitos de admissibilidade, a Consultoria Geral manifestou-se pela não intervenção da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção de Santa Catarina, nos presentes autos, tendo em vista que não há previsão legal nesse sentido, tanto na Lei Orgânica (Lei Complementar n. 202/00) quanto no Regimento Interno (Resolução n. TC 06/2001).

Ademais, registrou a COG que OAB/SC manifestou expressamente sua opinião a favor do pagamento dos honorários sucumbenciais aos advogados públicos, conforme se observa do Ofício n. 1103/2010-GP (fls. 69-76), da nota de desagravo de fls. 77 a 79 e dos documentos de fls. 80-88, todos juntados aos autos por determinação do Presidente deste Tribunal – despacho de fl. 63.

Quanto ao mérito a COG manifestou-se contrária ao pagamento de honorários sucumbenciais aos advogados públicos, por entender que estes são detentores de vencimento próprio do cargo que ocupam, não sobrevivendo as expensas de verbas de sucumbência, que são por natureza verbas públicas.

Sustenta a COG que o pagamento de honorários sucumbenciais previsto no Estatuto da OAB está relacionado ao exercício da advocacia de profissionais liberais. E que os advogados públicos apesar de estarem submetidos aos ditames do referido estatuto, estão sujeitos ao regime próprio a que se subordinam – art. 3º,§ 1º da Lei n. 8.906/94 (Estatuto da OAB).

Além disso, a COG ressaltou que o art. 4º da Lei n. 9.527/97 excluiu a aplicação do Capítulo V, Título I, do Estatuto da OAB (que trata dos advogados empregados), à Administração Pública direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como às autarquias, fundações instituídas pelo Poder Público, às empresas públicas e às sociedades de economia mista.       

          

1.2. Do Ministério Público

A Procuradoria Geral do Ministério Público junto a este Tribunal de Contas manifestou-se por meio do Parecer n. 2.477/2011, de fls. 131-132, sugerindo o não conhecimento da consulta, por não atender aos requisitos regimentais deste Tribunal, uma vez que veicula pretensão de uma associação – FECAM, pessoa jurídica não autorizada para este fim (art. 103, II, do Regimento Interno).

 

2. Análise

Vindo os autos à apreciação deste Relator, ao contrário do Representante do Parquet Especial, verifico o preenchimento dos requisitos de admissibilidade previstos no art. 104 do Regimento Interno, uma vez que foi subscrita pelo Prefeito Municipal de Capão Alto, Sr. Antônio Coelho Lopes Junior, detentor de legitimidade para formular consultas a este Tribunal; a questão suscitada se refere à matéria de competência deste Tribunal, expõe a dúvida de forma precisa e versa sobre questão formulada em tese e interpretação de lei. Além disso, esta acompanhada de parecer da assessoria jurídica da entidade consulente.

Quanto ao mérito, a Consulta refere-se ao pagamento de honorários de sucumbência (arts. 22 e 23 do Estatuto da OAB) aos advogados públicos municipais.

Necessário distinguir os honorários advocatícios contratuais e sucumbenciais, aqueles são avençados entre o advogado e o seu cliente, enquanto estes últimos são fixados em decisão judicial e devem ser pagos pela parte vencida no contencioso.

Acerca do assunto existem diversas correntes conflitantes, a jurisprudência pátria não tem uma interpretação consensual do tema, conforme demonstrou a Consultoria Geral em seu parecer.

O Tribunal Regional da 4ª Região, tratando de caso específico relativo à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, estabeleceu que a titularidade dos honorários incluídos na condenação pertence ao advogado, uma vez que não se trata de verba pública, senão vejamos:

PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. EMBARGOS DO DEVEDOR. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE. DESCABIMENTO.

Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte.

Exercendo os integrantes da Procuradoria da Fazenda Nacional atividade de advocacia, nos termos do art. 3º, parágrafo 1º, da Lei n. 8.906/94, compete a eles a cobrança judicial dos respectivos honorários, que não deverão ter sua exigibilidade condicionada ao pagamento das dívidas das pessoas jurídicas em cujo favor atuam.

 (Apelação Cível, Processo 97.04.57122-4, UF:RS, Data da Decisão: 19/11/1998, Órgão Julgador: Segunda Turma, Relatora Tânia Terezinha Cardoso Escobar, Decisão Unânime.)

 

O Tribunal de Justiça de Santa Catarina já emitiu manifestações favoráveis ao pagamento dos honorários de sucumbência aos advogados públicos, ressalvando, contudo, que a verba é pública, devendo ingressar em conta pública, para então ser rateada, obedecendo ao teto remuneratório do art. 37, XI, da Constituição Federal.

O Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento de que os advogados, enquanto servidores públicos, não fazem jus ao recebimento dos honorários de sucumbência, os quais pertencem à Fazenda Pública. (Recurso Especial 623.038/MG, Relator: Ministro Francisco Falcão, 1ª Turma, j. 18/10/2005 e Resp. 147.221/RS, 1ª Turma, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, DJ de 11/06/2001).

O Superior Tribunal Federal consignou que os honorários de sucumbência devem ser revertidos em favor do ente público:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO: EXTENS ÃO AO VIÚVO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. NECESSIDADE DE LEI ESPECÍFICA. C.F., art. 5º, I; art. 195 e seu § 5º; art. 201, V. AUTARQUIA: HONORÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA. Lei nº 9.527, de 1997, art. 4º. I. - A extensão automática da pensão ao viúvo, em obséquio ao princípio da igualdade, em decorrência do falecimento da esposa- segurada, assim considerado aquele como dependente desta, exige lei específica, tendo em vista as disposições constitucionais inscritas no art. 195, caput, e seu § 5º, e art. 201, V, da Constituição Federal. II. - Honorários da sucumbência: advogado servidor de autarquia: os honorários revertem em favor desta. Lei 8.906, de 1994, art. 21. Lei 9.527, de 1997, art. 4º. III. - Agravo não provido.

(Agravo Regimental no Recurso Extraordinário n. 205787/RS. Relator: Min. Carlos Velloso. Julgamento: 25/06/2000. Órgão Julgador: Segunda Turma. DJ 23/08/2002)

Após analisar atentamente as correntes trazidas à baila pela Consultoria Geral deste Tribunal, filio-me aquela que defende o pagamento dos honorários de sucumbência aos advogados públicos, caracterizando tais valores como verba pública, devendo obedecer a limites previstos em legislação própria, pelas razões que passo a expor.

O primeiro Estatuto da OAB – Lei 4.215/63 e o Código de Processo Civil – Lei n. 5.869/73 direcionavam o pagamento da verba de sucumbência, pelo vencido, à parte vencedora do processo judicial.

 A discussão acerca do pagamento dos honorários de sucumbência em processos que envolvem a Fazenda Pública surgiu com o advento do novo Estatuto da OAB – Lei n. 8.906/94, que passou a assegurar aos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil o direito aos honorários advocatícios (art. 22), fixando que “os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado” (art. 23).

E por outro lado, o art. 4º da Lei n. 9.527/97 determinou que as disposições constantes do Capítulo V, Título I, da Lei n. 8.906/94, que trata do advogado empregado, não se aplicam à Administração Pública direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, bem como às autarquias, às fundações instituídas pelo Poder Público, às empresas públicas e às sociedades de economia mista.

Ao examinar o referido artigo tenho que a intenção do legislador foi de excluir dos direitos inerentes aos procuradores públicos aqueles concedidos aos causídicos que atuam de maneira contratada, uma vez que os advogados públicos se encontram submetidos também ao regime jurídico próprio. Se assim não fosse não teria razão o disposto no art. 3º, § 1º do mesmo diploma legal, senão vejamos:

 

Lei n. 8.906/94 – Estatuto da OAB

Art. 3º O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB),

        § 1º Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional. (g.n.)

Dessa forma, entendo que o art. 4º da Lei n. 9.527/97 não afasta a possibilidade de pagamento de honorários de sucumbência aos procuradores públicos. No mesmo sentido já decidiu o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, conforme se extrai do seguinte decisum:

 

EXECUÇÃO FISCAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. NÃO CONHECIMENTO DE PARTE DO APELO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. PROCURADOR DA FAZENDA NACIONAL.

1. Não se conhece de parte do apelo que aborda matéria não examinada pela julgadora de origem, que extinguiu os embargos de terceiro, na forma do art. 267, VI, do CPC, em face da ilegitimidade ativa, considerando que o Embargante foi citado em nome próprio na execução fiscal. 2. Aplicável subsidiariamente ao processo de execução fiscal o CPC, sendo devida a verba honorária em razão da sucumbência.

3. O art. 4º da Lei nº 9.528/97, invocado pelo Recorrente, apenas refere que as disposições da Lei nº 8.906/94, que cuidam do advogado empregado, não se aplicam à Administração Pública em geral, não afastando o princípio da sucumbência.

 4. Honorários advocatícios majorados para 10% do valor atribuído à causa, em consonância com o disposto no art. 20, § 4º, do CPC e com os precedentes desta Turma. (g.n.)

(Apelação Cível n. 2003.70.06.003571-0/PR. Acórdão publicado no DJU de 06/07/2005)

 

Impõe-se registrar, neste ponto, que tramita no Superior Tribunal Federal, aguardando julgamento, a Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI n. 3396, interposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, requerendo a declaração de inconstitucionalidade do art. 4º da Lei n. 9.527/97.

De qualquer forma, em face das razões anteriormente expedidas, concluo que a Lei n. 9.527/97, que é uma lei federal e não uma lei nacional, não pode afetar a autonomia dos Municípios, afastando a possibilidade de pagamento de honorários de sucumbência aos procuradores públicos. Nem mesmo a Constituição Estadual poderia restringir a competência de cada Município para dispor sobre seus respectivos servidores, autonomia esta traduzida pelos art. 37 e 39 da Constituição Federal.

Neste sentido transcrevo parte do acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina nos autos do Agravo de Instrumento n. 2007.063950-3, referente à declaração incidental de inconstitucionalidade da Lei Municipal n. 622/2001, do Município de Bombinhas:

“Entretanto, o Município de Bombinhas, no âmbito de sua autonomia, editou a Lei n. 622, de 13 de julho de 2001, que "dispõe e regulamenta a destinação de honorários advocatícios originados da condenação em processos judiciais" e, nesse propósito, determina:

"Art. 1º. Os honorários advocatícios decorrentes de condenação judicial, a partir de primeiro de janeiro de 2001, pertencerão aos advogados que prestam serviços ao Município, ocupantes ou não de cargos efetivos, na forma definida em regimento interno homologado pela Câmara Municipal."

Regulamente também:

"Art. 4º. O percentual de 15% (quinze por cento) do montante arrecadado será destinado na forma deliberada pela Assessoria Jurídica, conforme dispuser o regimento interno.

Art. 5º. O percentual de 15% (quinze por cento), será destinado para aquisição de material técnico, livros e revistas e equipamentos de informática, programas de computador e qualificação de pessoal através de cursos e seminários, todos voltados para a Assessoria Jurídica."

Nesse contexto, o pagamento efetivado aos procuradores e servidores está fundamentado na Lei Municipal n. 622/2001, e não na Lei Federal 8.906/1994 e, diante da autonomia municipal, inviável seria que uma lei federal viesse a suprimir direitos concedidos pelo município a seus servidores.

Adilson Abreu Dallari ensina:

"não se nega a aplicabilidade das normas constitucionais sobre os servidores aos Estados e Municípios. Ao contrário, estamos afirmando que as normas constitucionais são igualmente aplicáveis à União, aos Estados e Municípios. Negamos apenas que simples lei federal (não nacional) possa afetar unidades autônomas.

"O mesmo raciocínio se aplica à legislação estadual. Nem mesmo a Constituição Estadual pode restringir a competência de cada Município para dispor sobre seus respectivos servidores" (Regime constitucional dos servidores públicos. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992. p. 25).

José Afonso da Silva ensina:

"a Federação brasileira adotou o sistema imediato de execução dos serviços, que consiste no fato de cada entidade autônoma (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) executar seus serviços públicos diretos com seus próprios servidores. Por isso, existem quadros de servidores federais, quadros de servidores estaduais, quadros de servidores distritais e quadros de servidores municipais. Todas essa entidades têm autonomia para estabelecer a organização e o regime jurídico de seus servidores, mas todas elas estão adstritas à observância dos princípios a esse respeito estatuídos nos arts. 37 e 42 da Constituição.

O fundamento dessa autonomia está traduzido nos arts. 37 e 39, com o enunciado normativo da EC - 19/98, que reconhecem à União, Estados, Distrito Federal e Municípios a competência para dispor sobre regime jurídico (não mais regime jurídico único, como se previa no texto original) dos respectivos servidores públicos, observados os princípio e preceitos, direitos e restrições ali estabelecidos." (Curso de direito constitucional positivo, 27ª ed., São Paulo: Malheiros: 2006, p. 691).” (g.n.)

 

Cumpre frisar que no julgamento do Agravo de Instrumento supracitado o nosso Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso para reconhecer que existindo lei do ente federativo que determine que os valores referentes aos honorários de sucumbência sejam destinados aos procuradores, nada obsta o seu pagamento.

 Dito isso, assinalo, por necessário, que sejam delimitadas algumas questões acerca da natureza do referido pagamento, a forma de rateio dos valores e a observância ao teto remuneratório.

Em primeiro lugar esclareço que o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que os honorários advocatícios de sucumbência, quando vencedor o ente público, não constituem direito autônomo do Procurador judicial, porque integram o patrimônio público da entidade (AgRg no Ag 824399/GO, Relator: Ministro Arnaldo Esteves de Lima, 5ª Turma, DJ 21.05.2007).  

Neste ponto, acompanho o entendimento do STJ, para considerar a receita oriunda dos honorários de sucumbência verba pública.        

Na esteira dessa orientação seguem os seguintes julgados do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - SERVIDOR PÚBLICO - REMUNERAÇÃO - LEI MUNICIPAL QUE CONCEDE AOS PROCURADORES E CONSULTORES JURÍDICOS HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA, DE ACORDO E POR RBITRAMENTO NOS PROCESSOS JUDICIAIS EM QUE DEFENDEREM OS INTERESSES DA ADMINISTRAÇÃO - 1. PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA - TEXTO CONSTITUCIONAL ESTADUAL QUE REPETE DISPOSIÇÕES DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL -IRRELEVÂNCIA - COMPETÊNCIA CONFIGURADA - 2.PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM -AFASTAMENTO - 3. SUPERVENIENTE ALTERAÇÃO DO ART.1º DA LEI IMPUGNADA - PERDA DE OBJETO NESSA PARTE -4. MERITUM CAUSAE - ART. 2º. DA LEI IMPUGNADA - VERBAPÚBLICA TRATADA COMO SE PRIVADA FOSSE – AFRONTA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IMPESSOALIDADE - AÇÃO PARCIALMENTE PROCEDENTE EM RELAÇÃO AO ART.2º E PERDA DE OBJETO REFERENTE AO ART. 1º DA LEI COMBATIDA.

1. O Tribunal de Justiça Estadual possui competência para julgar e processar ADIN fundada em violação de texto constitucional estadual, mesmo que este repita disposição da Constituição Federal.

2. O Promotor de Justiça tem legitimidade para propor ação direta de inconstitucionalidade de lei do Município em que atua, ao passo que o Procurador de Justiça tem legitimidade em relação a leis municipais e estaduais, por delegação de funções do Procurador-Geral do Estado, legitimado constitucional; ressalvado o entendimento do Relator

3. Consubstanciado o interesse processual na necessidade ou na utilidade da prestação jurisdicional, falece objeto à ação direta de inconstitucionalidade se lei posterior altera a norma impugnada, independentemente da existência de efeitos concretos desta. 

4. Após ampla discussão entre os membros deste eg. Tribunal Pleno, entendeu a Corte que o art. 2º da Lei Municipal da Lei Municipal de Florianópolis n. 4.714/95 fere o princípio constitucional da impessoalidade, ao tratar os honorários sucumbenciais, que são verba pública por excelência segundo atendimento das Cortes Superiores, como se verba privada fosse, creditando imediatamente o respectivo numerário em conta bancária do benefeciado. (g.n.)

(Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2005.037453-9, de Florianópolis – Relator Des. Monteiro Rocha – 28/10/2010)

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – LEI MUNICIPAL N. 1.448, DE 29 DE MARÇO DE 1995 – NORMA QUE DISCIPLINOU A "DISTRIBUIÇÃO DA SUCUMBÊNCIA AOS SERVIDORES LOTADOS NA PROCURADORIA JURÍDICA" - ALEGAÇÃO DE AFRONTA A PRINCÍPIOS DAS CONSTITUIÇÕES FEDERAL E ESTADUAL, NO CASO, RAZOABILIDADE, MORALIDADE E IMPESSOALIDADE - NORMA QUE GARANTIU ÀQUELES O DIREITO DE PERCEBEREM OS HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA NOS PROCESSOS EM QUE ATUAREM - VERBA QUE PERTENCE AO ENTE PÚBLICO, PARA RECOMPOSIÇÃO DO SEU PATRIMÔNIO - POSSIBILIDADE DE DISTRIBUIÇÃO DESTES VALORES COMO FORMA DE "GRATIFICAÇÃO" PELO TRABALHO DESENVOLVIDO - INCONSTITUCIONALIDADE DO DISPOSITIVO QUE DETERMINA O REPASSE DESTES PARA CONTA PRIVADA - SITUAÇÃO QUE AFRONTA O PRINCÍPIO DA IMPESSOALIDADE - ACOLHIMENTO DA PRETENSÃO NESTE PONTO - EXAME DA NORMA EM CONFORMIDADE COM A CONSTITUIÇÃO - PROCEDÊNCIA PARCIAL. (g.n.)

(Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2007.029003-3, de Balneário Camboriú – Relator Des. José Volpato de Souza  – 11/11/2010)

 

Do acórdão proferido nos autos da ADI n. 2007.029003-3 acima transcrito colaciono o seguinte trecho que respalda a tese:

A Lei n. 1.448/95 tem um propósito definitivo, o de conceder uma verba variável, que foge dos vencimentos percebidos pelos servidores públicos, porém o comando contido nesta, acerca da forma de repartição de receita e depósito direto na conta dos servidores, é que vai de encontro aos paradigmas constitucionais, uma vez que, por se tratar de verba pública, as quantias arrecadadas deveriam ser direcionadas a uma conta pública, vinculada ao Município de Balneário Camboriú, para, posteriormente, como forma de gratificação variável, destinar àqueles lotados na Procuradoria do Município.

Essa medida mostra-se correta, tendo em visto que, desde 1995, essa passada a esses funcionários, fazendo parte, de alguma forma, de seus, não sendo razoável a supressão, se há possibilidade de adequação da que isso ofenda os preceitos da Lei Maior, respeitado o limite do teto remuneratório, aplicável ao caso.

Todavia, essa Corte de Justiça, em situação análoga, manifestou-se pela constitucionalidade do recebimento destas verbas, desde que os valores fossem um fundo público, criado com o fim de gerir esses valores, como forma de incentivo àqueles servidores que atuam na defesa dos interesses da Municipalidade, motivo pelo qual, trago à baila aresto da ADI n. 2005.037453-9, da lavra do Des. Monteiro Rocha, que, adequadamente, resume a matéria debatida, quando faz a seguinte ponderação:

"Entretanto, a despeito de ser plenamente viável conceder aos procuradores e consultores jurídicos honorários a título de vantagem pelo exercício de suas funções, este eg. Tribunal Pleno, após imensos debates entre seus integrantes, chegou a conclusão majoritária de que se mostra incabível, na espécie, a concessão direta do numerário como se patrimônio particular o fosse, devendo referido numerário sucumbencial - que é essencialmente público - ser depositado em um fundo municipal próprio e,  após, rateado igualitariamente entre os beneficiados, até como forma de obediência ao princípio da impessoalidade, evitando uma espécie de vinculação patrimonial privada entre o procurador/consultor e a demanda na qual atuou.”

Não obstante o posicionamento ora externado, é de se ressaltar que a inconstitucionalidade da Lei n. 1.448/95 está direcionada apenas para o teor dos §§ 1º e 3º do art. 1º, e que caberá ao ente público regularizar essa situação, na medida em que, ao  se fixar a premissa de que os valores percebidos em verbas de sucumbência devem ser depositados em conta pública, obriga, na via reflexa, que o Município regulamente a matéria, estipulando percentuais, formas de repartição e meios de repasse. (g.n.)

 

Diante do transcrito, concluo que o numerário sucumbencial é essencialmente público, em razão disso deve se submeter às normas gerais de Direito Financeiro, ou seja, à Lei n. 4.320/64, à Lei Complementar n. 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), Portarias da Secretaria do Tesouro Nacional e Secretaria de Finanças e Orçamento, no que couber.

Desta forma, conforme assinalou a Consultoria Geral em seu parecer, “as receitas de honorários de sucumbência – modalidade especial de receita oriunda de sentença judicial – devem ser registradas na contabilidade do município através da forma especificada pela Portaria Conjunta da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e da Secretaria de Finanças e Orçamento (SOF) n. 02, de 06/08/2009, como segue:

Código

Especificação

1990.02.00

Receita de ônus de sucumbência de ações judiciais

1990.02.01

Receita de honorários de advogados  - corresponde a 20% do débito inscrito em dívida ativa, atualizado monetariamente acrescido de juros e multas. Será de 10% no caso do débito a ser pago antes do ajuizamento da execução.

1990.02.02

Receita de ônus de sucumbência

 

Em se tratando de verba pública, compete ao Município recolher os honorários advocatícios aos cofres públicos, e com exclusividade, no âmbito de sua competência estabelecida no art. 30, I, da Constituição Federal, através de lei disciplinando a matéria, optar em concedê-los ou não aos procuradores ou consultores jurídicos integrantes da Procuradoria, por critérios absolutamente objetivos.

Dito isso, entendo que o Município, no âmbito de sua autonomia, pode editar lei autorizando a concessão de honorários de sucumbência aos procuradores públicos, permitindo seu pagamento pelo ente federado.

Não obstante o posicionamento ora externado, é de se ressaltar que, a repartição do numerário sucumbencial – verba pública - não pode ser efetuada via depósito direto na conta bancária dos servidores, deve ser direcionado a um fundo público, vinculado ao Município, para, posteriormente ser rateado igualitariamente entre os integrantes da Procuradoria do ente, evitando afronta ao princípio da impessoalidade.

Nesse ponto, entendo que em homenagem aos princípios constitucionais da moralidade, impessoalidade e publicidade as verbas aqui tratadas devem ser destinadas a um fundo público, criado com o fim de gerir esses valores, de forma transparente, podendo ser destinada uma parte desse montante aos procuradores, até o limite do teto remuneratório constitucional, e o restante ao reaparelhamento e aperfeiçoamento da Procuradoria Jurídica.

Assim cabe ao Município regulamentar a matéria, estipulando através de lei qual percentual será destinado ao fundo para ser rateado entre os procuradores, qual a forma de tal repartição e os meios de repasse.

Por fim, registro que o Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento de que os honorários advocatícios concedidos a todos os procuradores e consultores, em virtude do exercício do cargo, constituem vantagem de caráter genérico, submetida ao teto constitucional, (REsp 220.397, 312.026, 22.546-AgR, 255.236, 224.527, 285.980-AgR, 342.855-AgR, 248.948, 221.847-AgR, 225.263-AgR, 225.497-0, 185.842, 199.722-AgR, 419.299-3, 301.080, 410.288, 385.041, 402.090, 297.639, 351.449, 170.574, 410.288-AgR, 367.089, 291.775, 351.449 e ADI 14).

Nesse sentido, tenho que os honorários de sucumbência concedidos aos procuradores públicos devem, irrefutavelmente, ser incluídos no cômputo do teto remuneratório da Administração Municipal, por não ser uma vantagem pessoal, mas sim uma vantagem concedida a toda categoria funcional.

Segue orientação consagrada no Superior Tribunal Federal:

"Recurso extraordinário. 2. Teto constitucional. Art. 37, XI, da Constituição Federal. 3. Vantagens pessoais. Exclusão. 4. Os honorários advocatícios não constituem situação funcional própria do servidor, mas, sim, vantagens gerais percebidas por todos os procuradores que exerçam atividade contenciosa. Precedentes. 5. Agravo regimental a que se nega provimento" (STF-2ª Turma, Rel. Min. Néri Da Silveira, RE-AgR n. 285.980/SP, j. 25-9-2001, grifou-se).

 

 

"AGRAVO REGIMENTAL INTERPOSTO CONTRA DECISÃO QUE DEU PROVIMENTO A RECURSO EXTRAORDINÁRIO, COM BASE NO ART. 557 DO CPC. Decisão que, com acerto, aplicou orientação firmada pelo Plenário desta Corte quando julgamento do RE 220.397 em que se concluiu pela inclusão dos valores referentes aos honorários advocatícios no cálculo do teto de vencimentos dos Procuradores do Município de São Paulo. Agravo improvido" (STF-1ª Turma, Rel. Min. Ilmar Galvão, RE-AgR n. 222.546/SP, j. 17-8-1999, grifou-se).

 

 

"ADMINISTRATIVO. PROCURADORES DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO. LEI Nº 10.430, DE MARÇO DE 1988, ART. 42. TETO REMUNERATÓRIO. GRATIFICAÇÃO DE GABINETE, ADICIONAL DE FUNÇÃO E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Legitimidade do teto remuneratório, na forma fixada pelo dispositivo legal sob enfoque. Preceito que não foi recebido pela CF/88, no ponto em que fixou teto para a remuneração bruta, a qualquer título, dos servidores municipais. Orientação assentada pelo STF, na ADI 14, Rel. Min. Célio Borja, no sentido de que deverão ser excluídas do cálculo do teto previsto no art. 37, XI, da CF/88, as vantagens pessoais, como tais, entretanto, consideradas apenas as decorrentes de situação funcional própria do servidor e as que representem uma situação individual ligada à natureza ou às condições do seu trabalho. Hipótese a que não se subsome a última das vantagens em destaque. Ausência, nos autos, de elementos que permitam a identificação da natureza jurídica da segunda delas. Recurso conhecido e parcialmente provido" (STF-Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, RE n. 220.397/SP, j. 9-12-1998 - g.n.).

 

 

Friso que a incidência do teto remuneratório previsto no art. 37, XI, da Constituição Federal no presente caso expressa os princípios da moralidade e razoabilidade, conferindo à concessão da vantagem sucumbencial as qualidades constitucionais supracitadas.

 

3. Proposta de Decisão

Diante do exposto, este Relator sugere ao e. Tribunal Pleno a seguinte proposta de decisão:

3.1. Conhecer da presente Consulta por preencher os requisitos de admissibilidade previstos no Regimento Interno.

3.2.Responder à Consulta nos seguintes termos:

 

3.2.1     A não aplicação do capítulo V, Título I, da Lei n. 8.906/94 (Estatuto da OAB) à Administração Pública implica na inexistência do direito aos honorários de sucumbência pelos advogados públicos municipais? Caso negativo, qual a fundamentação jurídica?

O pagamento dos honorários de sucumbência previstos nos arts. 22 e 23 do Estatuto da OAB é aplicável aos advogados públicos municipais? Caso negativo, qual a fundamentação jurídica?

A determinação de não aplicação do capítulo V, Título I, da Lei n. 8.906/94 à Administração Pública não afasta a possibilidade de pagamento de honorários de sucumbência aos procuradores públicos, apenas exclui dos direitos inerentes aos procuradores públicos aqueles concedidos aos causídicos que atuam de maneira contratada, uma vez que os advogados públicos se encontram submetidos também ao regime jurídico próprio.

Registra-se, neste ponto, que tramita no Superior Tribunal Federal, aguardando julgamento, a Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI n. 3396, interposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, requerendo a declaração de inconstitucionalidade do art. 4º da Lei n. 9.527/97.

 

3.2.2. Os honorários de sucumbência devem ser classificados como verba púbica? Caso afirmativo, como coadunar esta interpretação com a Lei da Contabilidade Pública (Lei n. 4.320/64)?

Os honorários advocatícios de sucumbência, quando vencedor o Município, constituem patrimônio público, que no âmbito de sua competência pode optar em concedê-los ou não aos procuradores ou consultores jurídicos integrantes da Procuradoria, por critérios absolutamente objetivos, através de lei disciplinando a matéria.

Em razão da natureza pública a receita de honorários de sucumbência deve se submeter às normas gerais de Direito Financeiro, ou seja, à Lei n. 4.320/64, à Lei Complementar n. 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal) e à Portaria Conjunta da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e da Secretaria de Finanças e Orçamento (SOF) n. 02, de 06/08/2009.

 

3.3.3. Na hipótese de pagamento dos honorários de sucumbência aos advogados públicos municipais, deve ser respeitado o teto remuneratório previsto na Constituição Federal?

O pagamento dos honorários de sucumbência aos advogados públicos municipais deve, irrefutavelmente, respeitar o teto remuneratório previsto no art. 37, XI, da Constituição Federal, por não ser uma vantagem pessoal, mas sim uma vantagem concedida a toda categoria funcional.

 

3.3. Revogar, com fundamento no art. 156 do Regimento Interno, os Prejulgados n.s 1007, 1740 e 1982 desta Corte de Contas.

3.4. Dar ciência desta decisão, do Voto do Relator e do Parecer COG nº 101/2011 (fls. 89-130) que a fundamentam, ao Sr. Antônio Coelho Lopes Junior e a Federação Catarinense de Municípios - FECAM.

Gabinete do Conselheiro, em 15 de agosto de 2011.

 

 

 

 

Julio Garcia

Conselheiro Relator