PROCESSO Nº:

REP-11/00593443

UNIDADE GESTORA:

Prefeitura Municipal de Herval D' Oeste

RESPONSÁVEL:

Nelson Guindani

INTERESSADOS:

Adelar José Provenci, Ari Parisenti, Dirceu de Lima, Euclides Filipini, Joner Miguelão, Juarez Antonio de Souza, Junior Adelar Arenhart, Luiz Antonio Fidelis e Mauro Sérgio Martini

ASSUNTO:

Prorrogações irregulares de contratos decorrentes de licitações.

RELATÓRIO E VOTO:

GAC/AMF - 269/2012

 

 

 

1. RELATÓRIO

 

Tratam os autos de Representação formulada pelos Senhores Adelar José Provenci, Ari Parisenti, Dirceu de Lima, Euclides Filipini, Joner Miguelão, Juarez Antonio de Souza, Junior Adelar Arenhart, Luiz Antonio Fidelis e Mauro Sérgio Martini, vereadores do Município de Herval D´Oeste, noticiando renovação de contratos de locação de bens imóveis pelo Prefeito Municipal, Sr. Nelson Guindani, sem a respectiva autorização legislativa.

Para o caso, em síntese, os Representantes solicitam, conforme requerimento nº 064/2011 (fls. 02), a abertura de processo de diligência com relação às contas do Prefeito Municipal de Herval d´Oeste, relativas ao exercício de 2009, tendo em vista a renovação de locação de bens imóveis pelo Poder Executivo sem a respectiva autorização do Poder Legislativo, em contrariedade ao art. 18, inciso IX, da Lei Orgânica do Município de Herval d´Oeste, cuja redação foi alterada pela Emenda nº 03, de 20 de outubro de 2009.

Os autos seguiram à Diretoria de Controle de Licitações e Contratações - DLC, que, por meio do Relatório nº 112/2012 (fls. 16-21) sugeriu o conhecimento da representação, por preencher os requisitos e formalidades do art. 65, § 1º c/c art. 66, parágrafo único, da Lei Complementar Estadual n° 202/00 e do art. 2º da Resolução n. TC-07, de 09 de setembro de 2002, e no mérito considerá-la improcedente.

O Ministério Público Especial, por intermédio do Parecer nº MPTC/9289/2012 (fl. 22), acompanhou a manifestação da Instrução.

É o relatório.

 

2. FUNDAMENTAÇÃO

 

Consoante previsão expressa do art. 65, § 1º c/c art. 66, parágrafo único, da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000 e art. 2º da Resolução n. TC-07, de 09 de setembro de 2002, a representação sobre matéria de competência do Tribunal de Contas deve se referir a administrador sujeito à sua jurisdição, ser redigida em linguagem clara e objetiva, estar acompanhada de indício de prova e conter o nome legível e assinatura do representante, sua qualificação e endereço.

O relatório técnico elaborado pela DLC permite inferir que a matéria objeto da presente representação encontra-se dentre aquelas afetas à fiscalização desta Corte de Contas, qual seja, exame de possíveis irregularidades relacionadas às prorrogações de contratos de locação de imóveis.

 De igual modo, do relatório em epígrafe, extrai-se que a representação cumpre as formalidades legais para seu conhecimento, devendo, portanto, ser conhecida.

Quanto ao mérito, de outro lado, extrai-se da análise realizada pela DLC serem improcedentes os argumentos deduzidos pelos Representantes, o que foi acompanhado pelo MPTC.

De fato, entendo ser improcedente a representação, vejamos:

Os representantes alegam que houve renovação de locação de bens imóveis sem a respectiva autorização do Poder Legislativo Municipal, em afronta ao inciso IX do art. 18 da Lei Orgânica do Município de Herval d’ Oeste, alterado pela Emenda nº 03/2009, passando a dispor da seguinte redação:

Art. 18 - Compete a Câmara Municipal, com a sanção do Prefeito Municipal, dispor sobre todas as matérias de competência do Município, enumeradas nesta Lei Orgânica e, especialmente:

[...]

IX – autorizar a aquisição, locação e renovação de locação de bens imóveis, salvo quando se tratar de doação sem encargo;

 

A DLC, ao examinar a representação, entendeu que:

[...]

Sendo assim, perante o caso concreto sugere-se o afastamento da aplicabilidade da norma do inciso IX do art. 18, no que tange à necessidade de autorização legislativa para a locação de bens imóveis e sua renovação por afrontar o princípio da separação dos poderes previstos no art. 2º da Constituição Federal, com fundamento na Súmula 347 do Supremo Tribunal Federal que dispõe que o “Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público”.

 

No que tange à renovação de contratos de locação de imóveis, entendo que tal atividade é tipicamente administrativa, não necessitando de autorização legislativa.

Hely Lopes Meirelles[1], ao tratar das principais atribuições do prefeito, assinala que há os atos de sua competência exclusiva e os que dependem de prévia autorização legislativa ou de aprovação posterior da Câmara para sua perfeição e validade, salientando ainda que:

Em princípio, o prefeito pode praticar os atos de administração ordinária independentemente de autorização especial da Câmara. Por atos de administração ordinária entendem-se todos aqueles que visem à conservação, ampliação ou aperfeiçoamento dos bens, rendas ou serviços públicos. Para os atos de administração extraordinária, assim entendidos os de alienação e oneração de bens ou rendas (vendas, doação, permuta, vinculação), os de renúncia de direitos (perdão de dívidas, isenção de tributos etc.) e os que acarretem encargos, obrigações ou responsabilidades excepcionais para o Município (empréstimos, abertura de créditos, concessão de serviços de utilidade pública etc.), o prefeito dependerá de prévia autorização da Câmara. Como tais atos constituem exceção à regra da livre administração do prefeito, as leis orgânicas devem enumerá-los. Todo ato que não constar dessa relação é de prática exclusiva pelo prefeito, e por ele pode ser realizado independentemente de assentimento da Câmara, desde que atenda às normas gerais da Administração e às formalidades próprias de sua prática.

Advirta-se, ainda, que para atividades próprias e privativas da função executiva, como realizar obras e serviços municipais, para prover cargos e movimentar o funcionalismo da Prefeitura e demais atribuições inerentes à chefia do governo local, não pode a Câmara condicioná-las à sua aprovação, nem estabelecer normas aniquiladoras dessa faculdade administrativa, sob pena de incidir em inconstitucionalidade, por ofensa a prerrogativas do prefeito. (STF, RT 182/466).

Ou seja, no presente caso, constata-se que o que ocorreu foi a mera locação de bem imóvel pela Prefeitura para a consecução de suas atribuições e, neste caso, admitir que a Câmara Municipal autorize cada locação de imóvel particular pela Prefeitura revela-se de todo despropositada, consubstanciando-se em verdadeira afronta ao princípio da separação dos Poderes, previsto no art. 2º da Constituição Federal[2] e art. 32 da Constituição Estadual[3], que, segundo José Afonso da Silva[4], significa:

a) que a investidura e a permanência das pessoas num dos órgãos do governo não dependem da confiança nem da vontade dos outros; b) que, no exercício das atribuições que lhes sejam próprias, não precisam os titulares consultar os outros nem necessitam de sua autorização; c) que, na organização dos respectivos serviços, cada um é livre, observadas apenas as disposições constitucionais e legais; assim é que cabe ao presidente da República prover e extinguir cargos públicos da Administração federal, bem como exonerar ou demitir seus ocupantes, enquanto é da competência do Congresso Nacional ou dos Tribunais prover os cargos dos respectivos serviços administrativos, exonerar ou demitir seus ocupantes [...].

 

Portanto, considerando o exposto, o art. 18, inciso IX, da Lei Orgânica do Município de Herval d’ Oeste viola a autonomia e separação entre os Poderes, extrapolando os razoáveis termos do controle externo ao qual se refere à Constituição Federal e Estadual, na medida em que atribui à Câmara um ato de controle prévio inexistente.

Ora, subordinar os contratos de locação firmados entre o Município e particulares e entidades à aprovação do Legislativo, importa em flagrante ingerência indevida do Legislativo em atos da competência exclusiva do Prefeito Municipal. Este, como já se afirmou, pode praticar os atos de administração ordinária independentemente de autorização especial da Câmara, inserindo-se nessa categoria os contratos de locação de bens que necessita o Município firmar para instalar suas Secretarias e Órgãos, para o bom funcionamento dos serviços públicos. O ato de renovação de locação de um imóvel não se insere entre aqueles que acarretam encargos ou responsabilidades excepcionais para o Município, em relação aos quais o prefeito realmente dependerá de prévia autorização legislativa.

Ainda sobre o tema, colaciono jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina que, em caso análogo, reconheceu a inconstitucionalidade de lei municipal[5], in verbis:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - INCISO XXII DO ART. 71 DA LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE ITAIÓPOLIS - COMANDO QUE CONDICIONA A APROVAÇÃO DE PROJETOS DE EDIFICAÇÃO E PLANOS DE LOTEAMENTO, ARRUAMENTO E ZONEAMENTO URBANO OU PARA FINS URBANOS À PRÉVIA APROVAÇÃO PELA CÂMARA - COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL - DESNECESSIDADE DE MANIFESTAÇÃO DO LEGISLATIVO - INGERÊNCIA DE UM PODER SOBRE OUTRO - VIOLAÇÃO AO ART. 32 DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL - RECONHECIMENTO DA MÁCULA APENAS DA PARTE QUE FAZ REFERÊNCIA À CAUSA CONDICIONANTE - POSSIBILIDADE, EM CONTROLE CONCENTRADO, DE RECONHECER A INCONSTITUCIONALIDADE COM REDUÇÃO PARCIAL DO TEXTO, QUANDO A PARTE REMANESCENTE, POR SI SÓ, ENSEJAR APLICAÇÃO E INTERPRETAÇÃO COMPATIVEL COM A CONSTITUIÇÃO - HIPÓTESE VERIFICADA NO CASO - PEDIDO INICIAL NESSE SENTIDO - PROCEDÊNCIA DA AÇÃO.
"[...] Por ser atividade tipicamente administrativa, é de competência privativa do Executivo Municipal a aprovação de projetos de edificação e planos de loteamento, arruamento e zoneamento urbano, sendo inconstitucional, por criar verdadeira subordinação do Executivo ao Legislativo e, o que mais grave, em questão de exclusiva alçada daquele poder, o dispositivo que a condiciona a autorização do Legislativo Municipal. [...]" (TJMG - ADI n. 1.0000.05.416801-8/000, rel.: Des. Isalino Lisbôa).

 

E o entendimento do Supremo Tribunal Federal:

CONSTITUCIONAL. CONVÊNIOS, ACORDOS, CONTRATOS, AJUSTES E INSTRUMENTOS CONGÊNERES. APROVAÇÃO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA: INCONSTITUCIONALIDADE.

I – Normas que subordinam convênios, ajustes, acordos e instrumentos congêneres celebrados pelo Poder Executivo estadual à aprovação da Assembléia Legislativa: inconstitucionalidade.

II – Suspensão cautelar da Lei nº 10.865/98, do Estado de Santa Catarina.” (Origem: ADIMC-1865/SC; pub. DJ. DATA: 12/03/99 – PP. 00002 EMENT. VOL.-01942-01 PP-00102; Rel. Min. Carlos Velloso; Julg. 04/02/1999 – Tribunal Pleno.

 

Quanto à possibilidade de apreciação da constitucionalidade das leis por esta Corte de Contas, o precedente destacado pelo Supremo Tribunal Federal junto à súmula n. 347 (RMS 8372) apresenta o seguinte registro:

Entendeu o julgado que o Tribunal de Contas não podia declarar a inconstitucionalidade da lei. Na realidade essa declaração escapa à competência específica dos Tribunais de Contas.

Mas há que se distinguir entre declaração de inconstitucionalidade e não aplicação de leis inconstitucionais, pois esta é obrigação de qualquer tribunal ou órgão de qualquer dos poderes do Estado.

 

Por oportuno, no que toca à supremacia das normas constitucionais, colaciono da doutrina de Dalmo de Abreu Dallari[6], a seguinte lição:

Não está superada a necessidade de se preservar a supremacia da Constituição, como padrão jurídico fundamental e que não pode ser contrariado por qualquer norma integrante do mesmo sistema jurídico. As normas constitucionais, em qualquer sistema regular, são as que têm o máximo de eficácia, não sendo admissível a existência, no mesmo Estado, de normas que com elas concorram em eficácia ou que lhe sejam superiores. Atuando como padrão jurídico fundamental, que se impõe ao Estado, aos governantes e aos governados, as normas constitucionais condicionam todo o sistema jurídico, daí resultando a exigência absoluta de que lhe sejam conformes todos os atos que pretendam produzir efeitos jurídicos dentro do sistema.

 

Para fins de afastamento do dispositivo da lei municipal em epígrafe em face de sua dissonância com o texto constitucional, cumpre verificar que a incidência da cláusula de reserva de plenário mencionada no art. 97 da Constituição Federal[7] e o verbete de súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal de nº 10, também recai, por analogia, aos julgamentos expedidos pelos Tribunais de Contas.

O Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul em decisão proferida em 15/07/09 aprovou o Parecer Coletivo nº 2/2009 de autoria da Auditora Substituta de Conselheiro Rosane Heineck Schmitt, de cujo teor se extrai:

PARECER COLETIVO Nº 2/2009. Tribunais de Contas e Inconstitucionalidade: Súmula Vinculante nº 10. Cláusula de Reserva de Plenário. A regra do full bench é de observância obrigatória em todos os casos de apreciação de inconstitucionalidade, no âmbito do Judiciário e da Administração Pública, nos termos da Súmula Vinculante nº 10. Declinação ao Plenário da Corte de Contas para exame de situações de inconstitucionalidade manifesta de atos normativos fundantes de atos administrativos sob fiscalização do Tribunal de Contas, sujeitos à decisão por negativa de sua executoriedade. Formação necessária de espécie de incidente de inconstitucionalidade.

 

Nos termos do verbete de súmula vinculante antes mencionado, “viola a cláusula de reserva de plenário a decisão de órgão fracionário de Tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte”.

Para o caso dos julgamentos expedidos no âmbito do Tribunal de Contas de Santa Catarina, não havendo a emissão de decisões por Câmaras de julgamento, e, sendo o Plenário o órgão responsável pela votação de todas as deliberações, entendo como observada a cláusula mencionada.

Outrossim, em face da mesma justificativa, concluo que não se revela necessária a instauração do procedimento específico previsto no art. 149 e ss. do Regimento Interno, unicamente para o pronunciamento sobre a inconstitucionalidade da lei municipal debatida.

Diante de todo o exposto, por entender ser inconstitucional a necessidade de autorização legislativa para que o Prefeito Municipal possa renovar a locação de bens imóveis, conforme previsão do inciso IX do art. 18 da Lei Orgânica do Município de Herval d´Oeste, considero improcedente a representação apresentada por vereadores do referido Município.

 

3. VOTO

           

 

Diante do exposto, proponho ao Egrégio Tribunal Pleno a adoção da seguinte deliberação:

 

          3.1. Preliminarmente, no exercício de suas atribuições, pronunciar-se pela inconstitucionalidade do inciso IX do art. 18 da Lei Orgânica do Município de Herval d’ Oeste - necessidade de autorização legislativa para renovação de locação de bens imóveis pelo Poder Executivo-, afastando a sua incidência.

          3.2. Conhecer da representação formulada nos termos do art. 65, § 1º c/c art. 66, parágrafo único, da Lei Complementar Estadual nº 202/2000 e do art. 2º da Resolução nº TC-07, de 09 de setembro de 2002, para, no mérito, considerá-la improcedente, haja vista a inexistência das irregularidades suscitadas pelos Representantes.

          3.3. Tornada definitiva a presente decisão, Representar ao Procurador-Geral de Justiça, para os devidos fins, consoante estabelecido no art. 153 do Regimento Interno desta Casa

          3.4. Dar ciência da Decisão, do Relatório e Voto do Relator e do Relatório Técnico DLC nº 112/2012 aos Representantes, Sr. Adelar José Provenci, Sr. Ari Parisenti, Sr. Dirceu de Lima, Sr. Euclides Filipini, Sr. Joner Miguelão, Sr. Juarez Antonio de Souza, Sr. Junior Adelar Arenhart, Sr. Luiz Antonio Fidelis e Sr. Mauro Sérgio Martini, vereadores do Município de Herval D´Oeste Sr. ao Sr. Nelson Guindani, Prefeito Municipal, e à Prefeitura Municipal de Herval d´Oeste, bem como ao seu Controle Interno e Assessoria Jurídica.

 

Florianópolis, em 23 de maio de 2012.

 

 

ADIRCÉLIO DE MORAES FERREIRA JUNIOR

CONSELHEIRO RELATOR



[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 15ª Ed. Ed. Malheiros, São Paulo, 2006, p. 720-721.

[2] Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

[3] Art. 32. São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Parágrafo único. Salvo as expressas exceções previstas nesta Constituição, é vedado a qualquer dos Poderes delegar competências.

[4]  SILVA, José Afonso da. CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL POSITIVO, 9a Ed. Ed. Malheiros, São Paulo: 1993, p. 100.

[5] TJ/SC. Ac. 2009.013133-3. Rel. José Volpato de Souza. Data: 05/10/2011.

[6] Apud GUIMARÃES, Luiz Geraldo Floeter. Supremacia da Constituição. Juris Síntese, nº 42 – jul/ago de 2003.

[7] Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.