PROCESSO Nº:

REC-09/00497483

UNIDADE GESTORA:

Prefeitura Municipal de Lebon Régis

RESPONSÁVEL:

Carlos Ivan Zanotto

ASSUNTO:

Referente ao processo TCE-06/00497585

RELATÓRIO E VOTO:

GAC/AMF - 245/2012

 

Recurso de Reconsideração. Processual. Cerceamento de defesa. Preliminar de nulidade acatada.

Para a validade da citação por edital, faz-se necessário o esgotamento de todos os meios possíveis de convocação pessoal do responsável, sob pena de ter-se a sua nulidade.

Celebrando os princípios do contraditório e da ampla defesa, impõe-se a nulidade dos atos relacionados a responsável privado da oportunidade de defesa.

Nulidade somente em relação ao responsável não citado regularmente.

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

Tratam os autos de Recurso de Reconsideração (art. 77 da LC nº 202/2000) interposto pelo Sr. Carlos Ivan Zanotto, em objeção ao Acórdão nº 0922/2009 (TCE-06/00497585), o qual julgou irregulares, com imputação de débito, as contas pertinentes à Tomada de Contas Especial, e aplicou multas aos responsáveis.

 

O processo em análise é resultante de Representação de Agente Público formulada pelos vereadores do Município de Lebon Régis, que encaminharam cópia do relatório e demais documentos contidos no processo da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) - Processo Administrativo nº 01/2005. A CPI foi constituída e levada a efeito pelo Legislativo Municipal[1] para apurar possíveis irregularidades nos processos licitatórios nº 009/2004 e nº 012/2004[2], destinados à pavimentação de ruas municipais e ocorridos durante a gestão do Sr. Carlos Ivan Zanotto[3].

 

Encaminhados os autos à Diretoria de Denúncias e Representações (DDR), elaborou-se o Parecer de Admissibilidade nº 281/06[4] o qual sugeriu a admissão da Representação e determinação à DDR para a adoção de providências. A sugestão restou acatada pelo Ministério Público de Contas[5] e foi acolhida pela Sra. Relatora, Auditora Sabrina Nunes Iocken[6].

 

Efetuada diligência à Unidade, foram juntados aos autos os documentos de fls. 639-743 pelo Sr. Milton Sebastião de Melo, Prefeito Municipal à época.

 

Submetidos os autos à análise da área técnica[7], foi elaborado o Relatório de Instrução DLC/Insp.1 nº 179/08[8], o qual sugeriu conversão dos autos em Tomada de Contas Especial e a citação[9] do Sr. Carlos Ivan Zanotto, para apresentar justificativas acerca das irregularidades constatadas, e do Sr. Milton Sebastião Nunes, por não atender em parte a diligência procedida por esse Tribunal.

 

O raciocínio da área técnica foi seguido pelo Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, por meio do Parecer MPTC nº 4845/2008[10], e acolhido pela Relatora[11].

 

Através da Decisão nº 3318/2008[12], o Tribunal Pleno decidiu citar o Sr. Carlos Ivan Zanotto e fixar prazo para que o Sr. Milton Sebastião de Melo remetesse a esse Tribunal toda a documentação anteriormente solicitada.

 

Notificado, o Sr. Milton Sebastião de Melo deixou transcorrer in albis o prazo para manifestação.

 

Tentou-se inicialmente citar o Sr. Carlos Ivan Zanotto[13] através de AR/MP. Todavia, a correspondência foi devolvida porque o destinatário não foi localizado após três tentativas, assim como não procurou a agência dos Correios para, dentro do prazo de vinte dias corridos, retirá-la[14]. 

 

O responsável foi então citado por edital, na forma regimental[15].

 

Os autos retornaram à DLC, que elaborou o Relatório de Reinstrução nº 41/09[16], sugerindo julgar irregulares com débito as contas referentes à Tomada de Contas Especial e aplicar multas.

 

O Ministério Público junto a este Tribunal ratificou o entendimento sustentado pelo Corpo Técnico[17].

 

Em Sessão Ordinária realizada no dia 13/05/09, o processo foi julgado pelo Tribunal Pleno, que, por unanimidade, acompanhou o voto da Relatora[18], exarando o Acórdão nº 0922/2009[19] nos seguintes termos:

 

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

 

6.1. Julgar irregulares, com imputação de débito, com fundamento no art. 18, inciso III, alíneas "b" e "c", c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, que trata de irregularidades constatadas quando da auditoria realizada na Prefeitura Municipal de Lebon Régis, decorrente de Representação formulada a este Tribunal, com abrangência aos Processos Licitatórios ns. 009 e 012/2004, e condenar o Responsável - Sr. CARLOS IVAN ZANOTTO - ex-Prefeito daquele Município, CPF n. 533.450.709-44, ao pagamento da quantia de R$ 50.815,14 (cinquenta mil, oitocentos e quinze reais e quatorze centavos), uma vez que assinou o Contrato n. 010/2004, no valor de R$ 135.838,26, a partir de preços unitários dos serviços no Orçamento Básico do Convite n. 008/2004 que são, em média, cerca de 50,0% superiores àqueles da Tomada de Preços n. 003/2004, ocorrida cerca de dois meses antes, contrariando os arts. 15, V, e 43, IV, da Lei (federal) n. 8.666/93 (item 2.1.3 do Relatório DLC n. 179/08), fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar, perante este Tribunal, o recolhimento do valor do débito aos cofres do Município, atualizado monetariamente e acrescido dos juros legais (arts. 40 e 44 da Lei Complementar n. 202/2000), calculados a partir da data da ocorrência do fato gerador do débito, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (art. 43, II, da Lei Complementar n. 202/2000).

 

 6.2. Aplicar aos Responsáveis abaixo discriminados, as multas a seguir especificadas, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovarem ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

 

6.2.1. ao Sr. CARLOS IVAN ZANOTTO - anteriormente qualificado, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, a multa no valor de R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais), em virtude da promoção de licitação utilizando-se de Orçamento Básico com preços unitários não devidamente avaliados e bastante acima daqueles praticados no mercado, contrariando o art. 6º, IX, f , da Lei (federal) n. 8.666/93 (item 2.1.2 do Relatório DLC n. 179/08);

 

6.2.2. ao Sr. MILTON SEBASTIÃO DE MELO - ex-Prefeito Municipal de Lebon Régis, CPF n. 171.375.009-00, com fundamento no art. 70, III, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, III, do Regimento Interno, a multa no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face do não atendimento, em parte, de diligência deste Tribunal de Contas, em descumprimento ao disposto no parágrafo único do art. 3° da Resolução n. TC-14/96 (item 2.1.1 do Relatório DLC n.179/08).

 

6.3. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como dos Relatórios DLC/Insp.1/Div.2 n. 179/08 e DLC/Insp.1/Div.3 n. 41/09, aos Representantes no Processo n. RPA-06/00497585, à Prefeitura Municipal de Lebon Régis e aos Responsáveis nominados no item 3 desta deliberação.

O acórdão foi publicado no Diário Oficial Eletrônico (DOTC-e) nº 290, de 13/07/09[20].

 

 

O Sr. Carlos Ivan Zanotto foi notificado da decisão[21], assim como os Srs. Milton Sebastião de Melo, Ludovino Labas[22], entre outros.

O Sr. Milton Sebastião de Melo juntou aos autos comprovante de recolhimento da multa[23].

Em 27/07/09, inconformado com o Acórdão nº 0922/2009, o Sr. Carlos Ivan Zanotto interpôs o Recurso de Reconsideração nº 09/00497483, argumentando, em preliminar, que teve cerceado o seu direito ao contraditório e à ampla defesa.

Encaminhados os autos à Consultoria Geral (COG), foi elaborado o Parecer COG nº 192/2011[24], o qual concluiu pelo conhecimento e provimento do recurso, para anular os autos principais a partir da fl. 771, inclusive o Acórdão recorrido, e intimar o recorrente para que apresente suas justificativas acerca das irregularidades apontadas no Relatório DLC/Insp.1 nº 179/08, sob pena de se reputarem verdadeiros os fatos contra si alegados.

 

O entendimento do Órgão Consultivo foi acompanhado pelo Ministério Público junto ao Tribunal de Contas através do Parecer MPTC nº 6299/2011[25].

Conforme solicitação, foi encaminhada à Juíza de Direito da Comarca de Lebon Régis cópia do processo TCE nº 06/00497585[26].

Vieram os autos conclusos a esse Relator.

 

É o relatório.

 

2. FUNDAMENTAÇÃO

 

 

Conforme já relatado, cuidam os autos de Recurso de Reconsideração, interposto pelo Sr. Carlos Ivan Zanotto, ex-Prefeito Municipal de Lebon Régis, contra o Acórdão nº 0922/2009 (TCE nº 06/00497585), que lhe imputou débito no valor de R$ 50.815,14 e aplicou-lhe multa no valor de R$ 2.500,00.

 

Em preliminar, o recorrente alega que houve cerceamento do seu direito de defesa, uma vez que teve ciência do processo de Tomada de Contas Especial somente após o seu julgamento, ou seja, não houve regular citação.

 

Tanto o Órgão Consultivo[27] quanto o Ministério Público de Contas[28] entenderam ser pertinente a preliminar suscitada pelo recorrente e manifestaram-se pela anulação da decisão recorrida.

 

Vindo os autos a esse Relator, passo a sua análise.

 

Quanto aos pressupostos de admissibilidade do Recurso de Reconsideração, conforme a manifestação da Consultoria Geral (Parecer COG nº 192/2011), restaram atendidas a legitimidade do recorrente e a tempestividade do recurso, previstos pelo art. 77 da Lei Complementar nº 202/00[29]. Acrescento ainda que o recurso também preenche os requisitos da singularidade e da adequação, previstos no mesmo dispositivo legal, visto que foi interposto pela primeira vez e é o meio adequado para provocar a reapreciação de tomada de contas.

 

Assim sendo, todos os pressupostos necessários para o conhecimento do presente recurso restaram cumpridos.

 

 

 

No que tange à aventada preliminar de cerceamento de defesa, com efeito, sobressai dos autos uma questão processual que exige a adoção de medida saneadora para o desenvolvimento válido e regular do feito. E isso porque a condenação em débito funda-se em irregularidade da qual o responsável não teve a oportunidade de se defender.

 

A citação do responsável nos presentes autos não é válida, haja vista o uso da citação por edital sem o esgotamento de todos os meios possíveis de convocação pessoal do responsável, causando prejuízo à defesa e violando o princípio constitucional do contraditório[30]. Não pôde o gestor se defender oportunamente junto a essa Corte de Contas (somente na CPI da Câmara Municipal) quanto à diferença de preços praticada em processos licitatórios destinados à pavimentação com paralelepípedos de ruas municipais.

 

Extrai-se da resenha da jurisprudência sistematizada do Tribunal de Contas da União:

 

 “A citação do responsável, para apresentar alegações de defesa ou recolher o débito, constitui formalidade essencial, que deve preceder o julgamento do processo dos responsáveis por bens, valores e dinheiros públicos, pelo Tribunal de Contas.”

 

Colhe-se também da sua jurisprudência:

 

 

 [...] A citação na fase externa, no âmbito da Corte de Contas, é o momento apropriado para o responsável apresentar os elementos que entender pertinentes, tendo, ou não, apresentado argumentos de defesa ao órgão responsável pelos recursos, na fase interna da TCE. [...] (TCU, AC-2136-28/07-2[31], AC-2136-28/07-2,  Sessão: 14/08/07, Relator: Ministro Ubiratan Aguiar)

 

 

 

 

 

 [...] Os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa insculpidos na Constituição Federal são de observância obrigatória nos processos de competência deste Tribunal, sob pena de serem anulados pela própria Corte de Contas ou pelo Supremo Tribunal Federal.
22. A relação processual no TCU aperfeiçoa-se, no caso concreto, com a citação válida, pois é neste momento que o responsável é chamado a apresentar alegações de defesa e/ou recolher o valor devido, tudo em consonância com os princípios anteriormente mencionados.[...] (TCU,
AC-2950-15/11-1[32],   Sessão: 10/05/11, Relator: Ministro Marcos Bemquerer)

 

 

Deve, portanto, prosperar a preliminar de nulidade suscitada pelo recorrente.

 

Para elucidar melhor a questão, oportuno fazer um retrospecto de alguns fatos e tecer algumas considerações.

 

Visando citar o responsável, essa Corte de Contas enviou-lhe o Ofício TCE/SEG nº 15.986/08, datado de 20/10/08 (fl. 761 dos autos principais), por meio de ARMP (Aviso de Recebimento Mão Própria), no endereço da rua Tiradentes, nº 72, em Lebon Régis, sendo esse o endereço constante da base de dados da Receita Federal.

 

A correspondência foi devolvida pelos Correios após três tentativas de localizá-lo, com a anotação de “não procurado” [33] (fl. 764 dos autos principais).

 

Procedeu-se então à citação por edital do responsável, conforme Edital de Citação nº 109/2008, às fls. 766/767 dos autos principais.

 

A previsão para a citação por edital consta do Regimento Interno dessa Corte de Contas[34], sendo originária do Código de Processo Civil[35], que aqui se aplica subsidiariamente[36].

Para o seu emprego é mister, inclusive por economia processual, o exaurimento de todos os meios possíveis de convocação pessoal do responsável. Apenas após esse resultado inexitoso é que se abre a oportunidade para a citação por edital.

 

Inicialmente destaco que, segundo consta no ARMP de fl. 764[37], tentou-se localizar o responsável em três dias úteis seguidos praticamente no mesmo horário.  Segundo informações colhidas do serviço de atendimento dos Correios, as tentativas de localizar o destinatário devem ser feitas em horários diferenciados, o que não ocorreu não caso em tela.

 

Tal fato, por si só, já teria o condão de incitar a busca do responsável por outros meios ou, no mínimo, o reenvio da correspondência para o mesmo endereço.

 

Compulsando os autos, não há provas e/ou notícias de que, antes da citação por edital, se tenha tentado contato telefônico com o Sr. Carlos Ivan Zanotto, nem tampouco que houve tentativa de localizar outro endereço do responsável por meio diverso (como, p. ex., o serviço de auxílio à lista telefônica disponível na Internet[38]).

 

Há que se considerar também que, na condição de ex-Prefeito, o recorrente é pessoa de considerável notoriedade no âmbito do Município de Lebon Régis.

 

 

 

 

Ademais, conforme ressaltado pelo Órgão Consultivo, “o recorrente, após proferida a decisão, foi citado no mesmo endereço para o qual foi dirigida a citação anterior (doc. fl. 789)”[39] (grifei).

 

Deste modo, restou evidenciado nos autos o erro de procedimento que culminou com a nulidade da citação por edital.

 

Nesse sentido decidiu o Tribunal Pleno dessa Corte de Contas recentemente, através do Acórdão 0565/2012[40], de relatoria da Auditora Substituta Sabrina Nunes Iocken, nos autos do REC nº 11/00500453.

 

Extrai-se da supracitada decisão:

 

[...] Como se pode observar dos autos, a citação do Responsável não é válida. Mas a sua invalidação não se dá em razão da necessidade de citação pessoal (motivada pelos efeitos da revelia), e sim pela ausência de esgotamento de todos os meios possíveis de convocação pessoal do responsável.

 

A citação por edital é prevista tanto pelo Regimento Interno desta Corte de Contas, quanto pelo Código de Processo Civil subsidiariamente. Mas para se tornar válida, é necessário o esgotamento de todos os meios possíveis de convocação pessoal do Responsável, o que significa dizer que deve ser tentada a localização pessoal do réu por todas as formas e somente depois de resultar infrutífera é que estará aberta a oportunidade para a citação por edital. [...]

 

Colhe-se também da jurisprudência do Tribunal de Contas da União e do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

 

Recurso de reconsideração interposto contra acórdão da 2ª Câmara.

[VOTO]

7. [...] limitou-se o Recorrente a arguir a nulidade de sua citação por edital, eis que não teriam sido efetuados os esforços necessários para sua citação pessoal.

8. Entretanto, como demonstrou a Serur, foi cumprido por esta Corte o devido Processo legal, pois, nos termos do art. 22 da Lei 8843/1992, o recurso ao edital se deu apenas depois de frustrados os esforços de citação pelo correio, mediante aviso de recebimento encaminhado ao endereço constante da base do sistema CPF, e depois de baldadas as tentativas de localização mediante contatos telefônicos. (...)

10. Desse modo, [...] não ocorreu o erro de procedimento alegado pelo Recorrente [...]. (TCU, AC-0184-02/09-2, Sessão: 03/02/09, Relator: Ministro AROLDO CEDRAZ) (g.n.)

 

 

AGRAVO DE INSTRUMENTO. CITAÇÃO EDITALÍCIA. POSSIBILIDADE APÓS O EXAURIMENTO DE TODOS OS MEIOS POSSÍVEIS À LOCALIZAÇÃO DO REQUERIDO. (...) RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (TJSC, Agravo de Instrumento nº 2010.057385-8, de Palhoça, Rel. Des. Cinthia Beatriz da Silva Bittencourt, 6ª Câm. Civil, j. em 6/9/11) (g.n.)

 

 

Não obstante deva ser declarada a nulidade da Decisão com relação ao responsável Carlos Ivan Zanotto, o mesmo não se aplica em relação ao responsável Milton Sebastião de Melo, que foi devidamente chamado aos autos para apresentar documentos e não o fez, tendo sido multado por tal fato.

 

Nesse aspecto, divirjo do Parecer COG nº 192/2011 (“anular a Deliberação recorrida a partir das fls. 771, inclusive o Acórdão recorrido”[41]) e do Parecer MPTC nº 6299/2011[42] (anulação de toda a decisão recorrida), ponderando ser mais razoável a nulidade tão somente de itens específicos do Acórdão nº 0922/2009 – aqueles concernentes ao Sr. Carlos Ivan Zanotto, quais sejam, 6.1 e 6.2.1.

 

A hipótese de nulidade de itens específicos do Acórdão é plenamente aceita pelo Tribunal de Contas da União[43], conforme se extrai de sua jurisprudência sistematizada:

 

Sumário: Tomada de Contas Especial. Contas irregulares. Débito. Multa. Recurso de Reconsideração. Conhecer. Negar provimento. Identificação, ao tempo da constituição do processo de cobrança executiva, de falha na citação de devedor solidário. Desconstituir Acórdão originário apenas em relação ao devedor solidário indevidamente citado. (AC-9694-37/11-2 [44], Sessão: 11/10/11, Relator: Ministro JOSÉ JORGE) (grifei)

 

Sumário: Pedido de Reexame. Aposentadoria. Pagamento indevido de parcela relativa a plano econômico que já deveria ter sido absorvida pelos aumentos remuneratórios específicos. Ilegalidade de alguns atos. Legalidade das demais concessões. Transcurso de mais de cinco anos do envio ao Tribunal dos atos referentes a dois recorrentes. Contraditório e ampla defesa. Insubsistência do Acórdão em relação a desses dois atos. Mandado de segurança Coletivo. Não provimento dos outros recursos. Determinação. (AC-9240-38/11-1[45], Sessão: 18/10/11, Relator: Ministro JOSÉ MÚCIO MONTEIRO) (grifei)

 

Sumário: Tomada de Contas Especial. Contas Irregulares. Débito. Multa. Recurso de Reconsideração. Conhecer. Negar Provimento. Identificação, ao Tempo da Constituição do processo de cobrança executiva, de falha na citação de devedor Solidário. Desconstituir Acórdão originário apenas em relação ao devedor solidário indevidamente citado. (AC-1128-06/10-1[46], Sessão: 09/03/10, Relator: Ministro VALMIR CAMPELO) (grifei)

 

 

Destarte, quanto ao responsável Carlos Ivan Zanotto, deve ser restaurada a fase instrutória.

 

Em razão de todo o exposto, considerando o direito constitucional ao contraditório e à ampla defesa[47], faz-se imperiosa a decretação de nulidade dos itens 6.1 e 6.2.1 do Acórdão nº 0922/2009, para que, após citação do Sr. Carlos Ivan Zanotto para se defender dos fatos apontados no Relatório DLC/Insp. 1 nº 179/08[48], sejam os autos encaminhados à DLC para o seu regular prosseguimento.

 

Observo ainda, com relação ao mérito, que o Sr. Carlos Ivan Zanotto aduz que a oscilação de relevo do solo poderia trazer diferentes preços para uma obra de engenharia, o que justificaria a majoração nos preços e custos da pavimentação com paralelepípedos da rua Antônio Granemann de Souza – Processo Licitatório nº 012/2004 - Convite nº 008/2004 (em relação à avenida Artur Barth, rua Francisco Ribeiro Preto e pátio do Terminal Rodoviário Municipal – Processo Licitatório nº 009/2004 - Tomada de Preços nº 003/2004).

 

Todavia, numa análise perfunctória das provas carreadas aos autos principais até o momento, não há elementos suficientes para justificar a majoração nos preços e custos da pavimentação da rua Antônio Granemann de Souza[49], cabendo ao responsável desincumbir-se de tal ônus.

 

Segundo a área técnica, ao analisar os preços unitários a partir das planilhas orçamentárias das empresas proponentes no Tomada de Preços nº 003/2004, os preços ofertados podem ser considerados adequados para a região, assim como os preços unitários dos Orçamentos Básicos da Prefeitura Municipal.[50]

  

Todavia, os preços unitários propostos pela empresa vencedora (Compedra – Comércio de Pedras e Construtora Ltda.) no Convite nº 008/2004 são bastante superiores àqueles propostos pela mesma empresa, nos mesmos serviços, na licitação anterior (Tomara de Preços nº 003/2004), ocorrida dois meses antes[51]. Os preços unitários dos serviços no Convite nº 008/2004[52], são, em média, 47% superiores àqueles da Tomada de Preços nº 03/2004[53].

 

Além disso, a Prefeitura realizou o Convite nº 008/2004 utilizando uma planilha orçamentária cujos preços unitários são bem superiores aos de mercado[54].

 

Quanto ao pedido de produção de prova pericial de engenharia e contábil, esclareço que, na sistemática peculiar do processo de Tomada de Contas Especial, sob a regência da Lei Orgânica e do Regimento Interno dessa Corte de Contas, torna-se desnecessário o seu requerimento, bastando ao responsável, ao apresentar sua defesa, apresentar suas razões e as provas que entender relevantes.

 

No que tange ao pedido de oitiva de testemunhas, inexiste previsão na Lei Orgânica e no Regimento Interno desse Tribunal que possibilite tal procedimento.

 

Por fim, faço referência à Ação Civil Pública nº 0000731-68.2009.8.24.0088 (088.09.000731-7)[55], proposta pelo Ministério Público Estadual, em trâmite na Vara Única da Comarca de Lebon Régis/SC. O referido processo trata do superfaturamento de obra que aqui se discute, pende de julgamento e nele figuram como réus o Sr. Carlos Ivan Zanotto, o Sr. João Floriano Filho (proprietário da empresa “Compedra”), a própria empresa Compedra Comércio de Pedras e Construtora Ltda. e o Sr. Nabor de Oliveira Rocha (Secretário de Transportes e Obras do Município à época).

 

3. VOTO

 

Considerando o mais que dos autos consta, VOTO no sentido de que o Tribunal Pleno adote a deliberação que ora submeto a sua apreciação:

 

O TRIBUNAL PLENO, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar nº 202/2000, decide:

 

3.1. Conhecer do Recurso de Reconsideração interposto nos termos do art. 77 da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, contra a Deliberação nº 0922/2009, exarada na Sessão Ordinária de 29/06/2009, nos autos do processo TCE nº 06/00497585, dando-lhe parcial provimento e acolhendo a preliminar suscitada para:

 

3.1.1. Declarar a nulidade dos itens 6.1 e 6.2.1 do Acórdão nº 0922/2009, por força do princípio da ampla defesa e do contraditório constantes do inciso LV do artigo 5º da Constituição Federal;

 

3.1.2. Determinar à Secretaria Geral – SEG que restaure a fase instrutória, de modo a realizar nova citação do Sr. Carlos Ivan Zanotto, escoimada do vício indicado no Relatório e Voto que fundamentam o presente Acórdão;

 

3.1.3. Modificar o item 6.2 da Deliberação recorrida, que passa a ter a seguinte redação:

 

3.1.3.1. 6.2. Aplicar ao Responsável abaixo discriminado, a multa a seguir especificada, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado da multa cominada, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:”

 

3.2. Dar ciência da Decisão, do Relatório e Voto do Relator e do Parecer da Consultoria Geral ao Sr. Carlos Ivan Zanotto e à Prefeitura Municipal de Lebon Régis.

 

Florianópolis, em 23 de julho de 2012.

 

 

ADIRCÉLIO DE MORAES FERREIRA JUNIOR

CONSELHEIRO RELATOR


 



[1] Requerimento nº 04/2005 e Decreto Legislativo nº 04/2005.

[2] Que deram origem a Tomada de Preços nº 003/2004 e Convite nº 008/2004, respectivamente.

[3] Prefeito Municipal de 01/01/97 a 31/12/04.

[4] Fls. 622-624 dos autos principais (vol. II).

[5] Parecer nº 0642/2007, às fls. 626/627 dos autos principais (vol. II).

[6] Despacho nº 003 GASNI, às fls. 628/629 dos autos principais (vol. II).

[7] Diretoria de Controle de Licitações e Contratações.

[8] Fls. 746-753 dos autos principais (vol. II).

[9] Art. 15, II, da Lei Orgânica do TCE/SC (Lei Complementar nº 202/00).

[10] Fls. 754/755 dos autos principais (vol. II).

[11] Voto de Relatoria da Auditora Sabrina Nunes Iocken - fls. 756-758 dos autos principais (vol. II).

[12] Fls. 759/760 dos autos principais (vol. II).

[13] Conforme Of. TCE/SEG nº 15.986/08 – fl. 761 dos autos principais (vol. II), endereçado a rua Tiradentes, nº 72, Centro, Lebon Régis/SC.

[14] Conforme AR/MP de fl. 764 dos autos principais (vol. II) – tentativas de entrega nos dias 23/10/08, às 13:15h, 24/10/08, às 13:10h, e 27/10/08, às 13:10h, e inscrição de “não procurado”.

[15] Edital de Citação nº 109/2008 – fl. 766 dos autos principais (vol. II) – art. 12, §1º, da LC nº 202/02, c/c art. 57, IV, do RI-TCE/SC.

[16] Fls, 771-776 dos autos principais (vol. II). Relatório de autoria do Engenheiro Rogério Loch.

[17] Parecer MPTC nº 1488/2009, às fls. 778-780 dos autos principais (vol. II), de autoria do Procurador-Geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, Mauro André Flores Pedrozo.

[18] Voto elaborado pela Auditora Sabrina Nunes Iocken, às fls. 781-785 dos autos principais (vol. II).

[19] Fls. 786/787 dos autos principais (vol. II).

[20] Fl. 786 dos autos principais (vol. II).

[21] Of. TCE/SEG nº 9.976/09,  endereçado à rua Tiradentes, nº 72, Centro, Lebon Régis/SC, às fls. 789 e 789v dos autos principais (vol. II).

[22] Prefeito Municipal à época.

[23] Fls. 804/804a dos autos principais (vol. II).

[24] Fls. 2-12 dos autos do recurso. Parecer de autoria do Auditor Fiscal de Controle Externo Theomar Aquiles Kinhirin.

[25] Fls. 13-16 dos autos do recurso. Parecer elaborado pelo Procurador Geral do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, Mauro André Flores Pedrozo.

[26] Fls. 813-815 dos autos principais (vol. II).

[27] Parecer COG nº 192/2011 (fls. 2-12 dos autos do recurso), de autoria do Auditor Fiscal de Controle Externo Theomar Aquiles Kinhirin.

[28] Parecer MPTC nº 6299/2011 (fls. 13-16 dos autos do recurso), de autoria do Procurador Geral Mauro André Flores Pedrozo.

[29] Lei Orgânica do TCE/SC.

[30] CF/88. Art. 5º. (...) LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

[31] http://www.tcu.gov.br/Consultas/Juris/Docs/judoc/Acord/20070815/TC-023-061-2006-6.doc

[32] http://www.tcu.gov.br/Consultas/Juris/Docs/judoc/Acord/20110519/AC_2950_15_11_1.doc

[33] Diante de tal inscrição, presume-se, conforme informação fornecida pelos Correios, que o carteiro tenha deixado um aviso na caixa de correio do destinatário e que, após sete dias (sedex) ou vinte dias (carta registrada), o destinatário não se dirigiu até à agência dos Correios para receber a sua correspondência.

[34] RI-TCE/SC. Art. 57. A diligência, a citação, a audiência e a notificação das deliberações, far-se-ão: (...) IV - por edital publicado no Diário Oficial do Estado, quando o destinatário não for localizado;

[35] CPC. Art. 231. Far-se-á a citação por edital: (...) I – quando desconhecido ou incerto o réu; II – quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar; III – nos casos expressos em lei. (...)

[36] RI-TCE/SC. Art. 308. Os casos omissos serão resolvidos mediante aplicação subsidiária da legislação processual ou, quando for o caso, por deliberação do Tribunal Pleno.

[37] Dos autos principais.

[38] Cita-se, a título exemplificativo, os sites  http://www.telelistas.net e http://www.auxilioalista.com.br.

[39] Fl. 7 dos autos do recurso.

[40] Sessão Ordinária de 04/06/12.

[41] Fl. 12 dos autos do recurso.

[42] Fls. 13-16 dos autos do recurso.

[43] TCU. Regimento Interno. Art. 175. (...) Parágrafo único. A nulidade de uma parte do ato, porém, não prejudicará as outras que dela sejam independentes.

Art. 176. O relator ou o Tribunal, ao pronunciar a nulidade, declarará os atos a que ela se estende, ordenando as providências necessárias, a fim de que sejam repetidos ou retificados, ressalvado o disposto no art. 171.

Parágrafo único. Pronunciada a nulidade na fase recursal, compete:

I – ao relator do recurso ou ao Tribunal declarar os atos a que ela se estende;

II – ao ministro ou ministro-substituto, sob cuja relatoria o ato declarado nulo foi praticado, ou ao seu sucessor, ordenar as providências necessárias para a repetição ou retificação do ato.

[44] http://www.tcu.gov.br/Consultas/Juris/Docs/judoc/Acord/20111018/AC_9694_37_11_2.doc

[45] http://www.tcu.gov.br/Consultas/Juris/Docs/judoc/Acord/20111020/AC_9240_38_11_1.doc

[46] http://www.tcu.gov.br/Consultas/Juris/Docs/judoc/Acord/20100310/015-666-2002-8-MIN-VC.rtf

[47] CF/88. Art. 5º. (...) LV – aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

[48] Fls. 746-753 do processo TCE 06/00497585.

[49] Há depoimentos prestados à CPI da Câmara Municipal no sentido de que haveria uma rocha de pedras que dependia de detonação na referida rua.  Nesse sentido o depoimento do responsável (Carlos Ivan Zanotto), do proprietário da empresa Compedra (João Floriano Filho), do Secretário de Transportes e Obras do Município (Nabor de Oliveira Rocha) e do Secretário de Obras do Município (Sérgio Inhaia).

[50] Relatório DLC/Insp.1 nº 179/08 – fls. 747/748 (vol. II) dos autos principais.

[51] Conforme conclusão da área técnica às fls. 632-635 (vol. II) dos autos principais.

[52] O Contrato nº 08/2004 foi firmado em 24/06/04 no valor proposto pela empresa “Compedra”.

[53] O Contrato nº 10/2004 foi firmado em 26/08/04.

[54] Conforme conclusão da área técnica no Relatório DLC nº 179/08  - fl. 749 dos autos principais (vol. II).

[55] Disponível em:  http://esaj.tjsc.jus.br/cpo/pg/open.do