PROCESSO
Nº: |
PCA-06/00473724 |
UNIDADE
GESTORA: |
Hospital Municipal São José de Joinville |
RESPONSÁVEL: |
Renato Almeida Couto de Castro |
ASSUNTO:
|
Prestação de contas anual de administrador,
referente ao ano de 2005; |
RELATÓRIO
E VOTO: |
GAC/WWD - 948/2012 |
1. INTRODUÇÃO
Tratam os autos de Prestação de Contas Anual de
Administrador, referente ao exercício de 2005, no âmbito do Hospital Municipal
São José de Joinville.
Analisando preliminarmente os autos, a Diretoria de
Controle dos Municípios – DMU, através do Relatório nº 668/2007 (fls. 52/56),
sugeriu a citação do Responsável, a qual foi acolhida pelo Conselheiro Relator
Luiz Roberto Herbst por despacho (fl. 56).
Após análise das alegações de defesa (fls. 59/ 63), o
Corpo Instrutivo elaborou novo Relatório – nº 666/2007 (fls. 64/80),
manifestando-se no sentido de julgar regular com ressalva as contas, aplicando
multa ao Responsável em face do atraso na remessa do balanço anual.
O Ministério Público junto ao Tribunal, contudo, entendeu
pela necessidade de exame detalhado acerca das despesas inscritas no elemento
de despesa 3.3.90.36, mediante o Parecer nº
3442/2012 (fls. 82/86), sugerindo nova citação do Responsável, que foi
acolhida pelo Conselheiro Relator (fl. 87).
O Responsável apresentou novas alegações de defesa às
fls. 101/394, originando o Relatório de Reinstrução nº 4081/2008 da DMU (fls.
396/419), que sugeriu julgar regulares com ressalvas as presentes contas,
aplicando multa ao Responsável em face do atraso na remessa do balanço anual.
A Procuradoria Geral, mediante Parecer nº 3999/2010 (fls.
689/754), propôs nova citação ao Responsável para que, se assim desejasse,
apresentasse justificativas acerca de supostas irregularidades anotadas nos
itens 1.1 ao 1.5 do referido Parecer, acolhida pelo Conselheiro Relator Luiz
Roberto Herbst, por despacho (fl. 755).
O Gestor apresentou suas alegações de defesa (fls.
762/876) que, após analisadas, originaram o Relatório nº 2878/2012 da DMU (fls. 877/900), que se
manifestou pela irregularidade das contas, em face de contratação de servidores
sem concurso público e contabilização de despesas liquidadas em 2004 e
empenhadas em 2005.
O Ministério Público junto ao Tribunal, mediante o
Parecer nº 12608/2012 (fls. 901/910) acompanhou o entendimento exarado pelo
Corpo Instrutivo, no sentido de julgar irregulares as presentes contas.
Este é o Relatório
2. DISCUSSÃO
Com fulcro no art.
224 da Resolução n. TC-06/2001 (Regimento Interno), com base no Relatório da
Instrução, no Parecer do Ministério Público, e após compulsar atentamente os
autos, me permito tecer alguns comentários a respeito dos apontamentos
levantados nos autos.
2.1. Contratação de terceiros para prestação
de serviços advocatícios.
Antes
de adentrar no mérito dos autos, vislumbro ser imprescindível elaborar uma
sucinta observação acerca do concurso público, figura surgida
constitucionalmente em 1934, mas somente pela Carta Magna de 1988 foi
instituída obrigatoriamente em sua totalidade.
Como
é sabido, a aprovação em concurso público é a regra para investidura em cargo
ou emprego público, que ocorre mediante provas ou provas e títulos, dependendo
da natureza e complexidade do cargo ou emprego.
Nesse
norte, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 685, nos seguintes termos: “É inconstitucional toda modalidade de
provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em
concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a
carreira na qual anteriormente investido”.
Contudo,
a própria Constituição Federal proporcionou duas situações que excetuam a regra
mencionada. A primeira exceção constitucional são os cargos de confiança, providos por pessoas alheias à administração
pública que devem exercer cargos de chefia, direção ou assessoramento. A
segunda possibilidade de ingresso sem concurso público é permitida através de contratação temporária, desde que
presentes três requisitos: excepcional interesse público, temporariedade da
contratação e hipótese expressamente prevista em lei.
Ao
meu sentir, o administrador público tem suas ações limitadas aos parâmetros da
lei, a ela não podendo se sobrepor. Não cabe, portanto, o administrador público
agir com discricionariedade quando a lei assim não o permite como é o caso dos
incisos II, V e IX do artigo 37 da Constituição Federal.
Assim,
utilizando o sistema do concurso público para abastecer cargos públicos, em
primeiro lugar, está-se obedecendo a Carta Política de 1988 ao tratar do
princípio basilar da impessoalidade ou isonomia. Além disso, ao tolher a
aplicação dos cargos públicos para a nomeação a partir de critérios de
indicação política, de parentes ou qualquer que seja, a regra constitucional do
concurso público, igualmente, passa a garantir à moralidade administrativa.
In casu, através da análise do
Corpo Instrutivo, verificou-se que a Unidade não realizou a processo
licitatório sob o argumento de inexigibilidade, onde o objeto do contrato era o
serviço de consultoria jurídica, os quais são revestidos de caráter permanente.
Deste
feita, percebe-se que a existência de dispêndios referidos à terceirização das
atividades permanentes da Administração Pública, sem amparo no ordenamento
jurídico, e no presente caso, para funções de serviços advocatícios, reflete na
irregularidade das contas prestadas, tendo como corolário, a aplicação de multa
ao responsável, que, inclusive, são esses os entendimentos anteriores desta Corte
de Contas, a exemplo dos acórdãos exarados nos processos PCA - 04/01588297, PCA
- 06/00090043 e PCA – 06/00085554.
Ora,
é cediço que a assessoria jurídica é considerada atividades permanentes,
devendo, portanto, existir cargos dentro do quadro de pessoal das entidades a
serem preenchidos por meio de concurso público, em conformidade ao artigo 37,
II, da Constituição Federal.
Consoante
este entendimento, o Prejulgado 1.911 prescreve, in verbis:
1. É de competência da Câmara Municipal decidir qual a estrutura
necessária para execução dos seus serviços jurídicos, considerando entre outros
aspectos, a demanda dos serviços se eventual ou permanente; o quantitativo
estimado de horas necessárias para sua execução; o quantitativo e qualificação
dos servidores necessários para realização dos serviços; e a estimativa das
despesas com pessoal.
2. De acordo com o ordenamento legal vigente a execução
das funções típicas e permanentes da Administração Pública, das quais decorram
atos administrativos, deve ser efetivada, em regra, por servidores de seu
quadro de pessoal, ocupantes de cargos de provimento efetivo ou comissionado,
estes destinados exclusivamente ao desempenho de funções de direção, chefia ou
assessoramento, conforme as disposições do art. 37, II e V, da Constituição
Federal.
3. Nas Câmaras de Vereadores cuja demanda de serviços
jurídicos é reduzida, os serviços jurídicos poderão ser executados por servidor
com formação específica e registro no Órgão de Classe (OAB), com a carga
horária proporcional ao volume dos serviços (item 6.2.2.1 desta Decisão),
nomeado para exercer cargo de provimento efetivo, através de prévio concurso
público (art. 37, II, da Constituição Federal).
4. Sempre que a demanda de serviços jurídicos - incluindo
a defesa judicial e extrajudicial - for permanente e exigir estrutura de
pessoal especializado com mais de um profissional do Direito, é recomendável a
criação de quadro de cargos efetivos para execução desses serviços, com
provimento mediante concurso público (art. 37, II, da Constituição Federal),
podendo ser criado cargo em comissão (art. 37, II e V, da Constituição Federal)
para chefia da correspondente unidade da estrutura organizacional
(Procuradoria, Departamento Jurídico, Assessoria Jurídica, ou denominação
equivalente).
5. O(s) cargo(s) de provimento efetivo ou em comissão
deve(m) ser criado(s) mediante Resolução aprovada em Plenário, limitado(s) à
quantidade necessária ao atendimento dos serviços e do interesse público, a
qual deve estabelecer as especificações e atribuições do(s) cargo(s) e a carga
horária a ser cumprida (item 6.2.8 desta Decisão), devendo a remuneração ser
fixada mediante lei de iniciativa da Câmara (art. 37, X, da Constituição
Federal), proporcional à respectiva carga horária (item b.1 desta Decisão),
observados a disponibilidade orçamentária e financeira, bem como os limites de
gastos previstos pela Constituição Federal (art. 29-A) e pela Lei Complementar
(federal) n. 101, de 2000, e os princípios da economicidade, da eficiência, da
legalidade e da razoabilidade.
6. Para suprir a falta transitória de titular de cargo
efetivo de advogado, assessor jurídico ou equivalente, já existente na
estrutura administrativa do órgão ou entidade, ou pela necessidade de ampliação
do quadro de profissionais, e até que ocorra o regular provimento, a Câmara
Municipal poderá promover a contratação de profissional em caráter temporário,
nos termos do inciso IX do art. 37 da Constituição Federal.
7. Na hipótese de serviços específicos que não possam ser
executados pela assessoria jurídica da Câmara, poderá ser realizada,
justificadamente, a contratação da prestação dos serviços definidos no objeto,
através de Escritório de Advocacia ou de profissional do Direito com
habilitação especializada, mediante a realização de processo licitatório na
forma da Lei Federal n. 8.666, de 1993, ou por meio de procedimento de
inexigibilidade de licitação, só admissível para atender a serviços de caráter
singular e desde que o profissional seja reconhecido como de notória
especialização na matéria objeto da contratação, devidamente justificados e
comprovados, nos termos do disposto no art. 25, inciso II, § 1º, c/c os arts.
13, inciso V e § 3º, e 26 da Lei (federal) n. 8.666/93, observada a
determinação contida nos arts. 54 e 55 da mesma Lei, bem como os princípios que
regem a Administração Pública.
8. Compete à Câmara Municipal definir a carga horária
necessária para execução dos seus serviços jurídicos, podendo ser estabelecida
em 10, 20, 30 ou 40 horas semanais, para melhor atender o interesse público,
devendo a remuneração ser fixada proporcionalmente à carga horária efetivamente
cumprida.
O Responsável apresentou justificativas, entretanto, não
merecem prosperar.
Conforme
exposto anteriormente, o serviço de assessoria jurídica é considerada de
caráter não eventual e inerentes às funções típicas da Administração.
Não é o que verifica aqui. Não vejo possibilidade de
desconhecimento de uma regra trivialmente utilizada na Administração Pública ou
qualquer outra escusa de descumprimento de uma das regras mais comuns nesta
esfera. Desta feita, é indubitável a obrigatoriedade do cumprimento naquilo que
estabelece a Carta Maior em seu art. 37, II, isto é, prévia aprovação em
concurso público.
Portanto,
em consonância com as inúmeras decisões desta Corte de Contas (PCA 05/00592462,
PCA 05/03929999 e PCA 05/00581002), acolho o entendimento exarado pelo Corpo
Instrutivo e Ministério Público junto ao Tribunal, no sentido de manter a
irregularidade e aplicar multa ao Responsável em face da contratação irregular
de serviços advocatícios, sem concurso público, em afronta ao disposto no art.
37, II da Constituição Federal.
2.2
Contratação terceirizada de serviços médicos, sem observância do art. 37, II da
Constituição Federal.
Sabe-se
que é dever do Estado garantir um acesso universal e igualitário à saúde, tanto
é que a própria Constituição Federal exige uma aplicação mínima no que tange os
gastos em serviços públicos de saúde, com o intuito de garantir à todos o
mínimo de dignidade nos atendimentos.
Entretanto,
no caso vertente, segundo análise da Diretoria Técnica e endossada pelo MPTC,
“o valor de contratações de profissionais e a freqüência descarta qualquer
possibilidade de caráter eventual de prestação de serviços”, isto é,
descumprimento frontal ao que aduz a norma constitucional em seu art. 37, II.
Desta
feita, não havendo dúvida acerca do caráter não eventual dos serviços médicos
prestados, reitero o entendimento exarado no item anterior, no que tange à
obrigação do administrador em efetuar as contratações mediante do concurso
público.
Portanto,
considerando que o presente caso não se encaixa nas possibilidades excetuadas
constitucionalmente, ou seja, contratação temporária e cargo de confiança, acolho o entendimento da
Diretoria Técnica e Procuradoria Geral, no sentido de manter a irregularidade e
aplicar multa ao Responsável em face da inobservância da regra do art. 199, §1º
c/c 37,II da Constituição Federal.
2.3.
Despesas
classificadas indevidamente
A
Unidade classificou indevidamente no elemento de despesa 3.3.90.36 – outros
serviços de terceiros – pessoa física, quando deveriam ter sido no elemento de
despesa 3.3.90.39 – outros serviços de terceiros – pessoa jurídica.
Assim,
acerca da presente restrição, acolho o entendimento exarado pelo Corpo
Instrutivo e Ministério Público junto ao Tribunal, no sentido de recomendar à
unidade que atente para o disposto na Portaria Interministerial STN/SOF nº 163,
04/05/2001 e evite novas falhas semelhantes no futuro.
2.4.
Contabilização
de despesas contraídas em 2004, empenhadas apenas em 2005.
A
Unidade contabilizou despesas no montante de R$ 1.471.908,49, contraídas em
2004, empenhadas apenas em 2005, caracterizando descumprimento do art. 50, II
da Lei Complementar 101/2000 e dos arts. 6º e 9º da Resolução CFC 759/93, que
preconizam, respectivamente, os princípios da oportunidade e da competência.
O
Responsável alegou que havia uma “folga” orçamentária e, utilizou o princípio
orçamentário da anualidade, “pois esta pode ser elástica se ocorrer à necessidade
de abertura de créditos adicionais suplementares”.
A
Diretoria Técnica se manifestou nos seguintes termos:
“Portanto, diferentemente do
alegado pelo responsável da elasticidade do princípio orçamentário da
anualidade e de usar os créditos adicionais suplementares de um exercício em
outro, não encontra guarida na legislação descrita acima, pois os créditos adicionais
suplementares, por serem destinados a atender insuficiência de orçamento anual,
acompanham a sua vigência, ou seja, extinguem-se no final do exercício
financeiro, logo o ente não pode usar créditos dessa natureza em exercício
subseqüente.”
Portanto,
acolho o entendimento exarado pelo Corpo Instrutivo e MPTC, no sentido de
manter a irregularidade e aplicar multa ao Responsável em face da referida
restrição.
3. VOTO
Diante do exposto, proponho ao Egrégio Tribunal Pleno a adoção da seguinte deliberação:
3.1. Julgar
irregulares, sem imputação de débito, na forma do art. 18, III, “b” c/c o art.
21, parágrafo único da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, as
contas anuais do exercício de 2005, referentes a atos de gestão do Hospital
Municipal São José de Joinville, de acordo com os pareceres emitidos nos
autos.
3.2. Aplicar
ao Sr. Renato Almeida Couto de Castro - Titular da Unidade à época, CPF:
083.978.215-20, com fundamento no art. 69 da Lei Complementar nº 202 de 15 de
dezembro de 2000, as multas abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de trinta
dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico -
DOTC-e, para comprovar ao Tribunal de Contas o recolhimento da multa ao
Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da
dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II e 71 da
citada Lei Complementar:
3.2.1. Multa
de R$ 400,00 (quatrocentos reais) em face da contratação terceirizada de
serviços advocatícios, no montante de R$ 286.956,90, cujas atribuições são de
caráter não eventual e inerentes às funções típicas da administração, devendo
estar previstas em quadro de pessoal e ser providas por concurso público,
inobservando a regra do art. 37, II da Constituição Federal, conforme item
5.1.1 do Relatório da DMU.
3.2.2. Multa
de R$ 400,00 (quatrocentos reais) em face da contratação terceirizada de
serviços médicos, no montante de R$ 4.774.223,43, cujas atribuições são de
caráter não eventual e inerentes às funções típicas da administração, devendo
estar previstas em quadro de pessoal e ser providas por concurso público em
observância a regra do art. 199, §1º c/c art. 37, II da Constituição Federal,
conforme item 5.2.1. do Relatório da DMU.
3.2.3. Multa
de R$ 400,00 (quatrocentos reais) em face da contabilização de despesas no
montante de R$ 1.471.908-49, liquidadas em 2004, porém empenhadas apenas em
2005 caracterizando o descumprimento do art. 50, II da Lei Complementar nº
101/2000 e dos arts. 6º e 9º da Resolução do CFC nº 750/93, que preconizam,
respectivamente, os princípios da oportunidade e da competência, conforme item
6.1.3.1 do Relatório da DMU.
3.3. Recomendar
à unidade que atente ao disposto no
art. 85 da Lei Federal nº 4.320/64 e Portaria Ministerial nº 163/2001 e evite
novas falhas no que tange a classificação de despesas no futuro.
3.4. Ressalvar
que o exame das contas de Administrador em questão não envolve o resultado de
eventuais auditorias oriundas de denúncias, representações e outras, que devem
integrar processos específicos, a serem submetidos à apreciação deste Tribunal
de Contas, bem como não envolve o exame de atos relativos à Pessoal,
Licitações e Contratos.
3.5. Dar
ciência da Decisão, ao Sr. Renato Almeida Couto de Castro e ao Hospital
Municipal São José de Joinville.
Florianópolis, em 24 de setembro de 2012.
WILSON
ROGÉRIO WAN-DALL
CONSELHEIRO
RELATOR