TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA

 

               

PROCESSO N.

:

PCR 11/00024821

 

UG/CLIENTE

:

Fundo Estadual de Incentivo à Cultura - FUNCULTURAL

 

RESPONSÁVEL

:

Sr. Gilmar Knaesel - Gestor à época do Fundo

Sra. Maria Elita Pereira - Responsável pelo Projeto

 

ASSUNTO

:

Prestação de Contas de recursos repassados à Associação Filarmônica Camerata de Florianópolis, para o projeto PTEC 2647/095 - Camerata Florianópolis – Turnê Catarinense, no valor de R$ 60.000,00

 

VOTO  N.

:

GCJG/431/2012

 

 

 

Prestação de contas de Administrador.

Contas Irregulares. Multas. Determinações e recomendações.

 

 

 

1. RELATÓRIO

Tratam os presentes autos de prestação de contas de recursos repassados pelo Fundo Estadual de Incentivo à Cultura – FUNCULTURAL, vinculado ao projeto intitulado “Turnê Catarinense”, de autoria da Associação Filarmônica Camerata de Florianópolis, para realização de dois concertos, nos Municípios de Guarujá do Sul e São José do Cedro, durante o período compreendido entre 25/07/2009 e 25/08/2009.

O projeto foi analisado e aprovado pela Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte, por meio da Diretoria do Sistema Estadual de Incentivo à Cultura, ao Turismo e ao Esporte – SEITEC, consoante documentos de fls. 10 a 12 dos autos.

Os recursos foram repassados à referida associação por meio da nota de empenho n. 067/2009 de fl. 31, no valor total de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), no entanto, não foi celebrado um Contrato de Apoio Financeiro do Sistema Estadual de Incentivo à Cultura, ao Turismo e ao Esporte - SEITEC entre a Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte e a Associação Filarmônica Camerata de Florianópolis.

Em janeiro de 2010 a Associação Proponente apresentou ao Secretário de Turismo, Cultura e Esporte a prestação de contas juntada às fls. 39 a 102, a qual foi previamente analisada pela Gerência de Controle de Projetos Incentivados da Secretaria Estadual, que constatou as seguintes irregularidades descritas às fls. 111/112:

- não cruzamento dos cheques de pagamento das despesas, em descumprimento ao disposto no art. 58, § 2º, do Decreto n. 1.291/08;

- despesa realizada com o item regência (Maestro), emitida nominalmente a Jéfesron Santos Della Rocca, ou seja, ao Diretor Artístico da entidade proponente, no valor total de R$ 6.000,00, em descumprimento ao disposto no art. 43, IV, do Decreto n. 1.291/08;

- solicitou-se a comprovação da contrapartida (art. 52 do Decreto n. 1.291/08);

- solicitou-se cópia do contrato social e do CNPJ das empresas Clássica Produções Artísticas Ltda. ME e Dela Rocca & Silva Ltda. ME.;

- despesa referente à coordenação do projeto, nominal a Sra. Joice Santos Della Roca, no valor de R$ 2.900,00, tendo em vista o disposto no art. 22 do Decreto n. 1.291/08 e o entendimento do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina.

Atendendo a notificação, a Responsável apresentou as justificativas e os documentos de fls. 113 a 124.

Em sequência, a Gerência de Controle de Projetos Incentivados solicitou acerca das irregularidades inicialmente apuradas a análise e parecer da Consultoria Jurídica da referida Pasta (fl. 125).

Durante o trâmite do processo a Associação beneficiada apresentou novas argumentações de defesa no tocante à autorremuneração suscitada na análise prévia da Secretaria Estadual (fls. 127/128).

A Consultoria Jurídica daquela Pasta analisando o processo concluiu por manter as restrições (fls. 129/130).

Retornando o processo à Gerência de Controle de Projetos Incentivados, fora elaborada a Informação de fls. 131/132, mantendo as irregularidades inicialmente apontadas, razão pela qual a Responsável apresentou a manifestação e os documentos de fls. 133-140.

Reanalisando o processo a Gerência de Controle de Projetos Incentivados declarou que as irregularidades restaram mantidas (fl. 141) e, em análise conclusiva encaminhou os autos à Comissão de Tomada de Contas Especial (fl. 142).

Contudo, em janeiro de 2011, a Secretaria de Estado do Turismo, Cultura e Esporte encaminhou a este Tribunal o processo de prestação de contas referente ao projeto que ora se analisa, tendo sido autuado como Prestação de Contas de Recursos Repassados - PCR.

O processo foi remetido à Diretoria de Controle da Administração Estadual - DCE, que após analisar a documentação constante dos autos, elaborou o Relatório n. 487/2011 (fls. 144-180), anotando as restrições constantes da conclusão do referido relatório.

Em razão disso, a DCE sugeriu a citação da Sra. Maria Elita Pereira, presidenta da Associação Filarmônica Camerata Florianópolis, e do Sr. Gilmar Knaesel, Secretário de Estado do Turismo, Cultura e Esporte à época, para apresentação das justificativas que entendessem cabíveis, em observância ao princípio do contraditório e da ampla defesa, a respeito das irregularidades apontadas.

O Relator, Conselheiro Cesar Filomeno Fontes, arguiu sua suspeição para o julgamento da causa, requerendo a redistribuição do presente processo (fl. 199).

Sendo assim, a Presidência desta Casa remeteu o processo à Secretaria Geral , que procedendo a redistribuição, encaminhou os autos a este Relator.

Procedidas as notificações, a Sra. Maria Elita Pereira apresentou as justificativas e os documentos de fls. 206-244. Por sua vez, o Sr. Gilmar Knaesel deixou transcorrer in albis o prazo para apresentar sua defesa.

A DCE, após analisar a documentação juntada aos autos, elaborou o Relatório n. 851/2011 (fls. 247-297 – Anexos fls. 298-315), concluindo por julgar irregulares, com débito, na forma do art. 18, III, “b”, c/c art. 21, caput, da Lei Complementar n. 202/00, as contas dos recursos antecipados ora analisados, condenando os responsáveis em débitos e multas, bem como sugerindo determinações às unidades envolvidas, nos seguintes termos:

4.1 Julgar irregulares, com imputação de débito, na forma do art. 18, II, “b” e “c”, c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar n. 202/00, as contas de recursos transferidos para a Associação Filarmônica Camerata Florianópolis, referente à Nota de Empenho n. 67, de 27/07/2009, no valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais).

4.2 Condenar a Sra. MARIA ELITA PEREIRA, portadora do CPF nº 506.399.439-34, RG nº 1.440.422 SSP/SC, presidente da Associação Filarmônica Camerata Florianópolis, residente na Rua Joe Colaço, n. 708, Bairro Santo Mônica, Florianopólis/SC, ECP 88035-200, ao recolhimento das quantias a seguir especificadas, relativas ao montante irregular da mencionada nota de empenho, como forma de ressarcimento dos recursos utilizados em desacordo com o objeto do projeto, conforme segue:

4.2.1 No valor de R$ 25.728,00 (vinte e cinco mil e setecentos e vinte e oito reais), por ter promovido a autorremuneração de membros da diretoria da entidade e o pagamento de familiares com desvio de finalidade e inobservância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, razoabilidade, economicidade e eficiência, norteadores da boa e eficiente Administração Pública, infringindo o disposto no art. 37 da CF/88, no art. 16 da CE, e nos arts. 44 e 48 do Decreto nº 1.291/08 (item 2.3 deste relatório, fls. 264-282);

4.2.2 No valor de R$ 11.554,95 (onze mil, quinhentos e cinquenta e quatro reais e noventa e cinco centavos), em face da ausência de comprovação da prestação dos serviços de coordenação, produção e agenciamento, impossibilitando a verificação da boa e regular aplicação dos recursos públicos recebidos, infringindo os preceitos legais contidos nos arts. 49 e 52, III, da Resolução nº TC 16/94 e no art. 144, § 1º, da Lei Complementar Estadual nº 381/07 (item 2.4 deste relatório, fls. 282-288).

4.3 Aplicar à Sra. MARIA ELITA PEREIRA, já qualificada, multa proporcional ao(s) dano(s) constante(s) do item 4.2 desta conclusão, prevista no art. 68 da Lei Complementar n. 202/00, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação do Acórdão no Diário Oficial do TCE para comprovar ao Tribunal o recolhimento das mesmas ao Tesouro do Estado, sem o que fica desde logo autorizado o encaminhamento de peças processuais ao Ministério Público junto ao Tribunal, para que adote providências à efetivação da execução da decisão definitiva (arts. 43, II e 71 da Lei Complementar nº 202/00).

 

4.4 Aplicar à Sra. MARIA ELITA PEREIRA, já qualificada, multa proporcional ao (s) dano(s) constante(s) do item 4.2 desta conclusão, prevista no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/00, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação do Acórdão no Diário Oficial do TCE para comprovar ao Tribunal o recolhimento das mesmas ao Tesouro do Estado, sem o que fica desde logo autorizado o encaminhamento de peças processuais ao Ministério Público junto ao Tribunal, para que adote providências à efetivação da execução da decisão definitiva (arts. 43, II e 71 da Lei Complementar nº 202/00), em face de:

 

4.4.1 não cruzamento de cheques para pagamentos de despesas, contrariando o previsto no art. 58, § 2º, do Decreto 1.291/08 (item 2.2 deste relatório, fls. 262-263);

4.4.2 inconsistências entre a quantidade de músicos prevista no Plano de Aplicação e nas notas fiscais, contrariando o art. 144, da Lei Complementar n. 381/07 (item 2.5 deste Relatório, fls. 288-293).

4.5 Aplicar ao Sr. GILMAR KNAESEL, ex-Secretário de Estado de Turismo, Cultura e Esporte, portador do CPF n. 341.808.509-15, com endereço funcional na Rua Dr. Jorge Luz Fontes, n. 310, Gabinete 117, Centro, CEP 88.020-900, Florianópolis/SC, multa prevista no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/00, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação do Acórdão no Diário Oficial do TCE para comprovar ao Tribunal o recolhimento dos valores ao Tesouro do Estado, sem o que fica desde logo autorizado o encaminhamento de peças processuais ao Ministério Público junto ao Tribunal, para que adote providências à efetivação da execução da decisão definitiva (arts. 43, II e 71 da Lei Complementar nº 202/00), em face de:

 

4.5.1 ausência de Contrato de Apoio Financeiro do Sistema Estadual de Incentivo à Cultura, ao Turismo e ao Esporte – SEITEC para a formalização do acordo e repasse de recursos públicos, descumprindo o disposto nos arts. 1º e 37 do Decreto 1.291/08 e 2º e 116 da Lei nº 8.666/93 (item 2.1 deste relatório, fls. 151-157).

 

4.6 Declarar a Sra. Maria Elita Pereira e a Associação Filarmônica Camerata de Florianópolis – AFICAF impedidas de receber novos recursos do Erário até a regularização do presente processo, consoante dispõe o art. 5º da Lei Estadual nº 5.867/81.

 

4.7 Representar, com envio de cópia integral do presente Relatório, ao Ministério Público do Estado de Santa Catarina, em virtude das irregularidades passíveis de caracterização de atos de improbidade administrativa, conforme estabelece a Lei n. 8429/92, para que sejam tomadas as ações que enteder necessárias (item 3 deste Relatório, fls. 293-298)

 

A Procuradoria Geral do Ministério Público junto a este Tribunal de Contas manifestou-se por meio do Parecer n.º 9.389/2012, de fl. 316-321, sugerindo o julgamento regular na forma do art. 18, I, da Lei Complementar n. 202/00, das contas referentes aos recursos repassados à Associação Filarmônica Camerata de Florianópolis – AFICAF.

Após a manifestação do Parquet Especial, o Sr. Gilmar Knaesel apresentou os esclarecimentos de fls. 326/327 dos autos.

É o relatório.

2. Discussão

Cuida-se de recursos vinculados ao projeto PTEC 2647/095, por meio do qual o Fundo Estadual de Incentivo à Cultura – FUNCULTURAL repassou à Associação Filarmônica Camerata de Florianópolis o montante de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), para a execução do projeto denominado “Turnê Catarinense”, que consistia na realização de dois concertos em dois municípios de Santa Catarina - Guarujá do Sul e São José do Cedro.

Necessário consignar de início que matéria muito semelhante foi enfrentada por esta Corte quando da análise do processo PCR 10/00486335 (Prestação de Contas da Associação Filarmônica Camerata de Florianópolis), cuja deliberação do Plenário acolheu voto deste Relator, consoante Acórdão n. 663/2011.

Além disso, registro que o presente processo foi levado ao Plenário desta Casa por este Relator para sua apreciação na sessão ordinária do dia 26 de setembro do corrente ano, contudo, fora retirado de pauta para análise do Memorial e dos documentos apresentados pela Responsável, juntado às fls. 341 a 353 dos autos.

Feitos esses registros, passo à análise das irregularidades na mesma ordem de apontamentos apresentados pelo nosso Corpo Instrutivo, na conclusão do Relatório Técnico 851/2011 (fls. 294-297).

Passo a examiná-las.

2.1 Autorremuneração, pagamento a familiares e membros da diretoria e inobservância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, razoabilidade, economicidade e eficiência.

A Instrução Técnica concluiu pela imputação de débito à Sra. Maria Elita Pereira, Presidente da Associação Filarmônica Camerata de Florianópolis, em razão de ter promovido a autorremuneração de membros da diretoria da entidade e o pagamento de familiares com desvio de finalidade e inobservância dos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, razoabilidade, economicidade e eficiência, norteadores da boa e eficiente Administração Pública, infringindo o disposto no art. 37 da Constituição Federal, no art. 16 da Constituição Estadual e nos arts. 44 e 48 do Decreto n. 1.291/08.

Apontou a Instrução Técnica que a Camerata de Florianópolis contratou com recursos públicos prestação de serviços de pessoas da sua diretoria, bem como de empresas privadas (Clássica Produções Artísticas Ltda. ME e Della Rocca & Silva Ltda. ME) que possuíam, em seus quadros, pessoas com parentesco com o diretor artístico da referida associação, conforme demonstrou nas tabelas de fls. 267/268 dos autos.

Confrontando as informações constantes das referidas tabelas, a Instrução Técnica fez o seguinte levantamento:

(...)Confrontando-se os elementos constantes das tabelas 1 e 2, constata-se que, durante o período de execução do projeto, DANIEL BOTELHO GALVÃO, IZABELA KOENIG, ELIAS VICENTE SOUZA, CRISTIANO PORTO, SELLEN LICHFETT BONANOMI, GABRIEL FLEMMING BOHN, WALESKA SIECZKOWSKA, ERNESTO CARLOS GUIMARÃES MEDOLLA, IVA NUNES GIRACCA, MARIANA MONTE BARARDI,  JEFERSON SANTOS DELLA ROCCA e NATASHA SIECZKOWSKA faziam parte da diretoria da associação proponente e, ao mesmo tempo, receberam recursos públicos para a prestação de serviços como músicos de orquestras no projeto “Turnê Catarinense” da Camerata Florianópolis.

Do mesmo modo, verifica-se que JEFERSON SANTOS DELLA ROCCA também fazia parte da diretoria executiva da associação, na condição de diretor artístico, na ocasião em que foi remunerado pela prestação de serviços de maestro,  auferindo o valor total de R$ 6.000,00 (seis mil reais). Além disso, o diretor artístico é marido de MARIA ELITA PEREIRA, presidente da entidade proponente do projeto.

Ademais, extrai-se dos autos que MARIANA MONTE BARARDI, além de compor a diretoria, igualmente recebeu recursos pela prestação de serviços como músico de orquestra e pela realização de projeto gráfico para a Camerata, incluindo a criação de cartazes, panfletos, programa e banner.

Cumpre, ainda, registrar que não consta dos autos qualquer contrato firmado entre a entidade proponente e os músicos, estabelecendo honorários, justificativa de escolha dos profissionais e dos valores orçados, a fim de demonstrar, com transparência, que a entidade se propôs a atingir a finalidade do projeto com eficiência e economicidade.

A ofensa aos princípios da finalidade, economicidade, razoabilidade, eficiência, impessoalidade e moralidade vai além do parentesco, uma vez que ausente justificativa plausível que comprove a exclusividade de tais serviços.

Destaca-se que essas irregularidades também foram aventadas pela Gerente de Controle de Projetos Incentivados do SEITEC (fls. 111-112).

 

Com relação a esta irregularidade, um dos argumentos apresentados pela Responsável é que em “Santa Catarina não há suficientes empregadores, no âmbito privado e/ou estatal, que contratem a demanda de pessoas para exercerem profissionalmente a arte. A sobrevivência de todos estes milhares de artistas apenas é possível através da execução de projetos via Leis de Incentivo Estadual, Municipal e Federal”.

A argumentação não merece guarida.

Conforme bem salientou a Instrução Técnica, na Lei n. 13.336/2005, que instituiu o SEITEC, não consta o intuito de financiar profissionais, por mais notadamente capacitados e qualificados que sejam - o que não se questiona neste processo. Além disso, a Instrução destacou que é absolutamente inviável, sob os aspectos financeiro e legal, que os recursos do FUNCULTURAL custeiem gastos pessoais dos indivíduos envolvidos. Caso os recursos do referido fundo servissem, preponderantemente, para financiar a carreira dos artistas, a escolha dos beneficiados deveria ser feita por processo seletivo minucioso - tal como se faz com os concursos públicos - e não pela simples proposição de projeto cultural, hipótese que ofende o princípio da economicidade e razoabilidade” (fls. 260/261).

Outro argumento da defesa que não merece prosperar é que situações iguais às apontadas na análise de contas da Camerata de Florianópolis existem em centenas de outras prestações de contas de outros grupos ou orquestras afins beneficiadas pelo FUNCULTURAL. Ora, não se admite que a prática de uma irregularidade unicamente por ser repetida e aceita de modo constante, possibilite sua convalidação.

No tocante à contratação das empresas privadas “Clássica Serviços Artísticos Ltda.” e “Della Rocca & Silva Ltda”, que possuíam em seu quadro societário indivíduos que participavam do projeto, a Responsável alega em sua defesa que “a utilização de empresas para o recebimento de parte dos recursos destas rubricas não visa mascarar situação escusa, mas dinamizar e otimizar o trabalho de produção e contratação de serviços temporários”. Acerca do assunto transcrevo trecho do Relatório Técnico n. 851/2011:

Todavia, tal otimização e dinamização, além de não garantir, pela ausência de três orçamentos, em atendimento ao disposto no art. 48, I, do Decreto n. 1.291/08, que a prestação de serviços por essas empresas tenha sido menos onerosa e mais eficiente, fere o princípio da impessoalidade em face do direcionamento de gastos a familiares.

Se o parentesco, por si só, não permite afirmar que foram lesados os preceitos da Administração Pública, o contexto em que se deu a autorremuneração explicita de modo suficientemente claro o desrespeito aos primados constitucionais. No projeto, foram contratados, além de parentes, pessoas integrantes da entidade proponente, bem como empresas que possuíam, em seus quadros de associados, indivíduos participantes do projeto. Assim, não se trata de mera presunção de violação às normas, mas de fato comprovado pelos elementos probatórios constantes nos autos e no decorrer do processo. (fl. 271)

[...]

Em relação à arguição de que integrantes da associação ou o pagamento de integrantes por serviços prestados na execução dos projetos não podem, de nenhuma forma, conotar a intenção de ferir os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, eficiência, economicidade e razoabilidade, por não abrangerem entidades privadas sem fins lucrativos, também não merece prosperar. O próprio Decreto n. 1.291/08, em seu art. 48, caput, exige que a aquisição de produtos e a contratação de serviços com recursos públicos transferidos a entidades privadas e pessoas físicas deverão observar os princípios da impessoalidade, moralidade e economicidade.” Isso porque, a partir do momento em que a entidade, por meio de sua representante, passa a gerir recursos públicos, equipara-se à função de agente administrador ou gestor público, aplicando-se os princípios extraídos do art. 37 da Constituição Federal e do art. 16 da Constituição Estadual.

Registre-se, por oportuno, que “agente público” é todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função pública. Logo, a expressão “tem sentido amplo, alcançado todas as pessoas que, a qualquer título, exercem uma função pública remunerada ou gratuita, definitiva ou transitória, política ou jurídica, como preposto do Estado”[1].  (fls. 272/273)

 Diante disso, a Instrução Técnica concluiu que as despesas com autorremuneração apontadas na tabela de fl. 267/268, justificam a imputação de débito no valor de R$ 25.728,00 à entidade proponente, na pessoa de sua presidente à época, em face ao descumprimento dos arts. 37 da Constituição Federal, art. 16 da Constituição Estadual e arts. 44 e 48 do Decreto n. 1.291/08.

Não obstante a vedação contida no Decreto Estadual supracitado e os princípios constitucionais que regem a Administração Pública, registro, conforme destaque inicial, que matéria muito semelhante foi enfrentada por esta Corte quando da análise do processo PCR 10/00486335 (Prestação de Contas da Associação Filarmônica Camerata de Florianópolis), cuja deliberação do Plenário acolheu voto deste Relator para afastar a imputação de débito, e aplicar aos responsáveis a multa prevista no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/00 - o Acórdão n. 663/2011.

Necessário observar que o citado PCR 10/00486335 analisou a prestação de contas de recursos repassados pelo Fundo Estadual de Incentivo à Cultura - FUNCULTURAL para apoio do projeto apresentado pela Associação Filarmônica Camerata de Florianópolis, intitulado “Circuito Catarinense de Orquestras 2009”.

Compulsando os presentes autos, verifiquei à fl. 10 que o projeto ora analisado foi enquadrado pela Secretaria Estadual de Cultura como parte do projeto intitulado “Circuito Catarinense de Orquestras”, ou seja, um subprojeto daquele (doc. de fl. 11).

Dito isso, sem adentrar no mérito da discussão acerca do enquadramento ou não do presente projeto como um subprojeto do “Circuito Catarinense de Orquestras”, não resta a este Relator outra alternativa a não ser manter o posicionamento proferido no citado PCR 10/00486335, posto que os fatos apurados são exatamente os mesmos - contratação pela entidade proponente de pessoas da sua diretoria, bem como de empresas privadas - Clássica Produções Artísticas Ltda. ME e Della Rocca & Silva Ltda. ME - que possuíam, em seus quadros, pessoas com parentesco com o diretor artístico da referida associação.

Em razão disso, transcrevo o seguinte trecho do voto exarado por este Relator nos autos do PCR 10/00486335, in litteris:

Inicialmente, destaco que a Camerata de Florianópolis ao apresentar seu projeto à Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte informava que os concertos teriam a regência do maestro Jeferson Della Rocca (fls. 06 a 13), além de especificar nominalmente os músicos que integravam a orquestra (fls. 62-63), dentre os quais se encontravam outros membros da diretoria, portanto resta claro que era de conhecimento da referida Pasta que o projeto tinha como objeto a obtenção de recursos para a remuneração dos coralistas e músicos que faziam parte da diretoria da associação proponente e, ao mesmo tempo, receberam recursos públicos para a prestação de serviços com músicos que integravam os concertos do “Circuito Catarinense de Orquestras”.

Além disso, cabe ressaltar que não existe nos autos qualquer indício de que os recursos utilizados não foram destinados ao custeio dos concertos musicais, nem que os valores pagos estavam acima dos praticados no mercado.

De modo a corroborar a conclusão, cito outro trecho do voto do Relator Cleber Muniz Gavi no processo PCR 10/00486416, ad litteram:

Num esforço para compreender a inteligência desta norma, chega-se facilmente à conclusão de que ao prever a proibição da autorremuneraçao aos membros do instituto, não incidiu o então Governo do Estado em um mero equívoco ou em lapso redacional. Dentro do espaço de discricionariedade que lhe é reservado, visou o Poder Executivo, através da regra impeditiva, assegurar que o financiamento com recursos do Estado representaria forma de “apoio”, “incentivo”, “fomento”, e não mecanismo para integral sustentação dos dirigentes de grupos artísticos do Estado. Se atual ou futuramente for intenção da Administração do Estado modificar a norma, isto se refere a uma nova questão de índole política que poderá ser avaliada pelo Governo. Mas, para a situação ora analisada é incontestável que havia (e ainda há) uma vedação no ordenamento do Estado, a qual, no entanto, fora ignorada pelas partes envolvidas.

Não obstante este fato, há que se observar que a proposta apresentada pelo Instituto Polyphonia à Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte informava que os concertos teriam a regência da maestrina Mércia Mafra Ferreira, além de especificar nominalmente a manutenção de outros 35 profissionais da música que integram o coral, dentre os quais estavam outros membros da diretoria do Instituto (fls. 22 a 47). Ou seja, desde a origem já se patenteava que a condução do projeto contaria com a participação de membros da diretoria da entidade. E nesses termos a proposta foi aceita pela Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte, ensejando a assinatura do contrato de apoio financeiro, cujo objeto consistia na obtenção dos repasses financeiros que viabilizaram a remuneração dos coralistas e músicos que participariam das apresentações relativas à denominada Temporada 2009 do Polyphonia Khoros.

Verifica-se, portanto, que não se trata de caso em que, posteriormente a aprovação do projeto e sem conhecimento da Secretaria de Estado, foram efetuados os pagamentos a alguns membros da diretoria do instituto. Estes – reitere-se – já estavam identificados na proposta do projeto, com o registro de sua participação nas apresentações e o valor das remunerações. A princípio, então, caberia à própria Secretaria de Estado identificar tal situação, negando seguimento ao projeto apresentado. Mas, ao contrário disto, o projeto foi aprovado, autorizando-se sua condução nos termos propostos, sendo somente após a utilização dos recursos repassados identificada tal irregularidade.

Não se nega que a irregularidade ocorreu e que devem os responsáveis ser punidos por isto, face à gravidade da situação. Entretanto, diante da manifestação estatal favorável a execução do projeto, projeto este no qual havia expressa indicação das pessoas que integrariam as apresentações e que seriam remunerados com os recursos repassados, resta fragilizada a possibilidade de imputação de débito, restando, então, a aplicação de penalidade de multa face à restrição considerada.

Acresça-se que os valores foram despendidos com a finalidade específica de subsidiar a temporada musical do Instituto, não havendo nos autos nenhum indicativo que afaste a presunção de que os recursos foram utilizados para o custeio das apresentações, bem como para o pagamento dos músicos pelos serviços prestados. Atente-se, também, para o fato de que os documentos de fls. 200-213, 541-546, 578-586 e 689 demonstram que o Instituto Polyphonia apresentou os concertos nas cidades de Celso Ramos, Abdon Batista, Anita Garibaldi, Campos Novos, Joinville, Blumenau, Itajaí, Tijucas, Pomerode, Laguna, Palhoça (dois concertos) e Florianópolis (quatro concertos), cumprindo as 16 apresentações previstas no contrato de repasse de recursos financeiros. Por fim, não há comprovação de que os serviços não foram efetivamente prestados, de que os mesmos eram desnecessários ou irrelevantes no contexto do projeto, ou de que os preços pagos pela prestação dos serviços estavam acima dos praticados no mercado.

Portanto, diante de todos estes fatos, afasto a imputação de débito, por considerar que a situação apurada, face as peculiaridade apresentadas, enseja a aplicação de multa.

Ressalte-se que a ocorrência da autorremuneração dos membros da diretoria do Instituto Polyphonia é fato incontroverso. E considerando que referido instituto é contumaz beneficiário do auxílio estatal para viabilização dos seus projetos culturais, não é admissível (para afastamento de todo e qualquer tipo de sanção por esta Corte de Contas) a mera alegação de desconhecimento da legislação vigente, mormente quando considerados os elevados valores envolvidos.

Além do mais, considero que a futura reiteração de idêntica conduta deverá levar a uma atuação mais incisiva desta Corte de Contas, já que a partir desta decisão elide-se qualquer presunção de boa-fé da entidade beneficiada. Se a despeito das sanções aqui aplicadas e das recomendações e alertas emitidos, incidirem a Secretaria de Estado e o instituto neste mesmo tipo de restrição, ficará evidente o desrespeito ao ordenamento jurídico, à moralidade administrativa e à autoridade deste Tribunal. Neste caso, deverá, sim, esta Corte adotar medidas que visem ao completo ressarcimento dos valores despendidos, não sendo admissível que as multas aqui aplicadas – pouco representativas frente ao montante de recursos repassados – transmudem-se em mero custo administrativo para as entidades beneficiárias dos recursos dos fundos do SEITEC. Além disso, permanecesse hígida a possibilidade de representação aos órgãos competentes pela apuração de atos que, atentando contra os princípios que regem a Administração Pública, podem configurar improbidade administrativa. (g.n.)

Em razão do exposto, acompanhando o precedente citado e buscando a uniformização das decisões desta Corte, sugiro a aplicação de multa aos responsáveis, em face autorremuneração indicada nos autos, em afronta ao disposto no art. 44 do Decreto Estadual n. 1.291/08, com determinação para que a Unidade observe quando da aprovação dos projetos apresentados a legitimidade dos pagamentos a serem efetuados pela proponente, a fim de evitar o direcionamento de recursos para autorremuneração dos proponentes e seus familiares.  (g.n.)

À vista do acima transcrito e considerando que a situação apurada nos presentes autos é semelhante ao julgado supracitado, sugiro a aplicação de multas aos Responsáveis e a determinação à Unidade Gestora para que nos procedimentos de análise de projetos e de solicitação de recursos e na posterior aprovação, observe o disposto nos arts. 44 e 48 do Decreto n. 1.291/2008.

Por fim, julgo necessário destacar que somente a partir do Acórdão n. 663/2011, publicado no DOE em 08/08/2011, poder-se-ia elidir qualquer presunção de boa fé da entidade beneficiada, o que não se pode aplicar ao presente processo, haja vista que o repasse dos recursos públicos ora analisado ocorreu em junho de 2009, portanto antes da decisão supracitada.

2.2 Ausência de comprovação da prestação dos serviços de coordenação, produção e agenciamento.

Ao analisar a documentação apresentada na presente prestação de contas a Instrução Técnica verificou que “as notas fiscais referentes aos serviços de produção e coordenação, prestados por CLÁSSICA PRODUÇÕES ARTÍSTICAS LTDA. e JOICE SANTOS DELA ROCCA, não são aptas, por si só, a comprovar sua execução e, consequentemente, a boa e regular aplicação dos recursos públicos, nos termos do preceituado no art. 144 da Lei Complementar nº 381/07[2]”.

Assim sendo, destacou a Instrução o seguinte “que os documentos fiscais estão descritos de maneira genérica e não há nos autos elementos de prova ou informações suficientes dos serviços especificamente desempenhados, a quantidade de horas de trabalho, as datas, os orçamentos, entre outros subsídios que possibilitem constituir parâmetros adequados de fiscalização e controle dos gastos públicos efetuados com recursos do FUNCULTURAL”.

Acerca do assunto, a Responsável sustentou, em suma, que os concertos foram realizados nas datas, local e horário acertados, com uma excelente performance da orquestra. Com relação aos serviços de produção e coordenação indicadas nas notas fiscais citou o agendamento e aluguel de locais para os concertos, projeto visual para divulgação, contratação de gráfica para impressão do material, distribuição de panfletos e cartazes em ambos os municípios, contratação de ônibus, reservas em hotel, estudo e organização de logística, contratação e reserva antecipada de alimentação, assessoria de imprensa, contato com a empresa de som e palco (São José do Cedro), dezenas de telefonemas para diversas pessoas locais envolvidas, etc. 

 

No tocante ao serviço de agenciamento, sustentou a Responsável que ocorreu devido à contratação de um exímio violinista, na época residente nos Estados Unidos, para abrilhantar os concertos, por intermédio da empresa DELA ROCCA & SILVA.

Ao reanalisar os autos, a DCE concluiu por manter a restrição, por entender que os esclarecimentos prestados pela Responsável eram insuficientes para demonstrarem a boa e regular aplicação dos recursos.

Este Relator, após analisar o que consta dos autos, conclui que ante a apresentação das notas fiscais juntadas às fls. 61, 62, 82 e 83 não se pode concluir que os serviços de coordenação, produção e agenciamento de músico para a realização dos concertos não tenham sido realizados.

Por outro lado, destaco que a irregularidade apurada pela DCE deixa claro que as notas fiscais apresentadas pela Responsável na prestação de contas, não especificaram de forma individualizada quais os serviços foram devidamente prestados. Contudo, entendo que tal falha não deve implicar necessariamente na imputação de débito, sem que tenha sido carreado aos autos outros elementos capazes de comprovar a ausência da prestação dos respectivos serviços.

Registro que em função da anotação da citada irregularidade, a Responsável identificou às fls. 342/343, ainda que de forma resumida, quais os serviços foram realizados para cada concerto, conforme segue:

Produção

40 dias – 4horas/dia

Período: 01/07/2009 a 10/08/2009

- agendamento dos locais para realização dos concertos;

- contratação dos artistas necessários para a execução do programa musical escolhido;

- contratação de técnicos, carregadores, montadores;

- contratação de ônibus, transporte de instrumentos, reserva e contratação de hotéis e restaurantes para os músicos, equipe técnica e de produção;

- encomenda da elaboração de um projeto visual para divulgação dos espetáculos;

- estudo e organização da distribuição de material gráfico (cartazes, convites/panfletos);

- solicitação de planilha orçamentária e encaixe de mídia televisiva;

- elaboração de material para o trabalho de assessoria de imprensa;

- sonorização adequada nas cidades;

- preparação de documentos e relatórios para a prestação de contas.

 

Coordenação

Coordenação – Geral Administrativa do Projeto – Joice Santos Della Rocca

40 dias – 3 horas/dia

Período: 01/07/2009 a 10/08/2009

- busca de apoio logístico para divulgação e realização dos espetáculos, inclusive equipamentos necessários, montagem de roteiro de viagem;

- intermediação entre artistas e produção do espetáculo;

- elaboração dos contratos com os fornecedores e artistas;

- coordenação do repasse dos recursos e dos pagamentos;

- intermediação entre entidade proponente e SOL para melhor fluxo na burocracia que envolve projetos neste segmento;

- organização da prestação de contas e confecção do relatório completo de todas as atividades executadas que se destinaram ao governo do Estado (Secretaria de Estado do Turismo, Cultura e Esporte).

 

Geral Artística – Clássica Produções Artísticas Ltda

20 dias – 2horas/dia

Período: 08/07/2009 a 27/07/2009

- responsável pela execução do conjunto de todas as tarefas referentes á parte artística do projeto;

- elaboração dos cronogramas de ensaios e concertos;

- organização do material para o cerimonial dos eventos;

- contatos com as autoridades locais e políticos locais.

 

Outrossim, cabe destacar que o Plano de Trabalho e Aplicação aprovado pela Secretaria de Estado do Turismo, Cultura e Esporte previa para o serviço de Coordenação o montante de R$ 3.900,00 e para a Produção do evento R$ 5.800,00 (fls. 05/08), sendo que os valores pagos foram respectivamente R$ 3.754,95 e R$ 5.800,00, portanto, dentro do limite aprovado pelo Poder Público.

Dito isso, concluo por afastar o débito proposto pela Instrução Técnica, para recomendar à Associação Filarmônica Camerata de Florianópolis que no tocante aos serviços de coordenação e produção dos eventos passe a especificá-los na prestação de contas, possibilitando assim a fiscalização da boa e regular aplicação dos recursos públicos pela Secretaria Estadual e por este Tribunal.

 Da mesma forma, afasto a sugestão de débito com relação ao pagamento do músico Oliver Yatsugafu, por meio da empresa Dela Rocca & Silva Ltda. (nota fiscal n. 01448), por entender que restou comprovado nos autos a participação do músico nos concertos objetos da presente prestação de contas, ainda que a empresa citada não apresentasse à época em seu contrato social a função de agenciadora.

 

2.3 Não cruzamento dos cheques utilizados para o pagamento de despesas.

O Corpo Técnico verificou na prestação de contas que a Responsável não cruzava os cheques utilizados para o pagamento das despesas pertinentes ao projeto, em desobediência ao que determina o art. 58, § 2º do Decreto n. 1.291/08.

 Em sua defesa, a Responsável alegou que desconhecia a obrigatoriedade do cruzamento dos cheques, mas que doravante adotaria tal procedimento. Além disso, sustentou que o preenchimento dos cheques de forma nominal, com fotocópia juntada à prestação de contas, bem como nota fiscal do serviço prestado, supria a ausência da formalidade citada, não acarretando, portanto, qualquer prejuízo ao erário.

Neste ponto, necessário registrar que a mesma situação foi levantada nos autos do processo PCR 10/00486335, tendo sido apresentada inclusive a mesma defesa pela Sra. Maria Elita Pereira, Presidente da Associação Filarmônica Camerata de Florianópolis. Após analisar aquele processo conclui por afastar a aplicação de multa para recomendar à Camerata de Florianópolis a observância de tal formalidade, nos seguintes termos:

Analisando a presente prestação de contas o Corpo Técnico apurou a existência de diversos cheques sem que fossem cruzados, conforme determina o art. 58, § 2º do Decreto n. 1.291/08, in litteris:

Art. 58. A liberação dos recursos financeiros pelo contratante dar-se-á obrigatoriamente mediante a emissão de ordem bancária em nome do proponente, para crédito em conta individualizada e vinculada.

(...)

§ 2º A movimentação da conta referida no § 1º deste artigo realizar-se-á por meio de cheque nominativo cruzado ao credor, ordem bancária, transferência eletrônica disponível ou outra modalidade autorizada pelo Banco  Central do Brasil, em que fiquem identificadas as suas destinações e, no caso de pagamento, o credor.

(...) (g.n.)

A Responsável sustentou que desconhecia a obrigatoriedade do cruzamento, e que nos projetos de anos anteriores teve as contas aprovadas sem ressalvas. Além disso, comprometeu-se a não mais cometer o mesmo equívoco.

A Área Técnica sustentou que não se pode justificar o descumprimento de norma pelo desconhecimento desta (art. 3º da Lei de Introdução ao Código Civil), e que o fato das contas terem sido aprovadas sem ressalvas em anos anteriores não autoriza prática que vai de encontra às normas vigentes.

Sobre o assunto, destacou a Instrução que o “cruzamento de cheques é exigível por buscar vincular o repasse de recursos aos profissionais e empresas que os receberam e para permitir que tal movimentação financeira seja demonstrada em comprovantes da conta bancária utilizada no projeto”. Por conta disso, sugeriu a aplicação de multa à responsável pela entidade proponente, em face do descumprimento ao disposto no art. 58, § 2º do Decreto n. 1.291/08.

No entanto, este Relator observou que a totalidade dos cheques apresentados na presente prestação de contas foram nominados ao credor e estão acompanhados dos respectivos documentos fiscais, atingindo, assim, mesmo que de maneira diversa, a finalidade do mandamento legal.

Posto isso, tenho que poderia este Tribunal proceder recomendação à Camerata de Florianópolis para que passe a observar o disposto no art. 58, § 2º do Decreto n. 1.291/08. (g.n.)

 

Analisando a documentação juntada aos presentes autos observo que a Associação Camerata, da mesma forma que no processo paradigma, apresentou na prestação de contas todos os cheques nominais ao credor, acompanhados dos respectivos documentos fiscais (fls. 48-65, 67-71, 74, 79, 81-83 e 86-88).

Dito isso, sugiro ao Plenário desta Casa que recomende à Associação Filarmônica Camerata de Florianópolis que passe a observar o disposto no art. 58, § 2º do Decreto n. 1.291/08.

2.4 Inconsistências entre a quantidade de músicos prevista no Plano de Aplicação e nas notas fiscais.

A Instrução Técnica verificou que constavam do Plano de Aplicação despesas com 02 (dois) cachês de “músicos de orquestra” (fl. 05), 03 (três) cachês de “solista” (fl. 06), 02 (dois) cachês de “regência e direção artística” (fl. 06), 02 (dois) cachês de “produção” (fl. 06) e 01 (um) cachê de “coordenador do projeto” (fl. 08).

A partir desses dados, concluiu a DCE que o Plano de Aplicação possibilitava a participação de no máximo 10 (dez) músicos.

Por outro lado, observou um total de 24 (vinte e quatro) notas fiscais de prestação de serviços emitidas em favor dos músicos indicados na tabela de fls. 285 a 286 dos autos.

Portanto, confrontando o número de músicos previstos no Plano de Aplicação (10) e o número de notas fiscais emitidas em favor dos músicos (24), concluiu que havia uma inconsistência numérica, capaz de fundamentar a aplicação de multa à Responsável, por inobservância ao disposto no art. 144, da Lei Complementar nº 381/07.

  A Responsável em sua defesa sustentou, em síntese, que “dois cachês de músicos de orquestra” significa o trabalho de um grupo de músicos, no caso da CAMERATA, formado por vinte (20) instrumentalistas, em dois concertos distintos. Além disso, justificou que o músico Guilherme Amaral participou da viagem, mas fora contratado de última hora e não teve o nome impresso no programa distribuído e, ainda, que o solista Oliver Yatsugafu recebeu cachê através da nota fiscal emitida pela empresa DELA ROCCA & SILVA LTDA.

Analisando a argumentação de defesa, a Instrução Técnica concluiu que os esclarecimentos prestados não eram suficientes para afastar a inconsistência apurada, razão pela qual sugeriu a aplicação de multa à Responsável, por inobservância ao disposto no art. 144, da Lei Complementar nº 381/07.

 Este Relator, após analisar o apontamento da área técnica em confronto com as ponderações apresentadas pela Responsável, entende que é coerente construir o seguinte raciocínio: os custos de cachê indicados no Plano de Aplicação juntado à fl. 05 referem-se aos dois eventos realizados pela proponente, incluindo o grupo de músicos componentes da orquestra. Isto porque, se considerarmos que o valor apresentado no Plano de Aplicação (fl. 05) de 2 cachês no valor total de R$ 32.000,00 representa apenas dois músicos, importaria num cachê de R$ 16.000,00 por músico, quando na realidade as notas fiscais apresentadas, consoante tabela de fls. 285/286, indicaram que em média cada músico recebeu entre R$ 1.000,00 e R$ 2.000,00 de cachê.

Neste sentido, entendo que não se pode afirmar que o Plano de Aplicação possibilitava a participação de no máximo 10 (dez) músicos.

No tocante às alegações da Responsável acerca da contratação dos músicos Guilherme Amaral e Oliver Yatsugafu, observo que apenas ratificam o fato de que o Plano de Aplicação juntado aos autos apresentou descrição do objeto de forma insuficiente e genérica, não definindo de maneira detalhada, específica e individualizada cada músico e os valores a serem pagos para cada integrante da orquestra.

Em razão disso, faze-se necessária, a meu ver, a imposição de determinação à Associação proponente para que passe a especificar de maneira detalhada o custo de cada evento, fazendo constar as especificações necessárias no plano de trabalho e projeto a ser aprovado pelo Poder Público.

                   2.5 Ausência de Contrato de Apoio Financeiro do Sistema Estadual de Incentivo á Cultura, ao Turismo e ao Esporte – SEITEC para a formalização do acordo e repasse de recursos públicos.

A Instrução Técnica apurou que não restou firmado contrato para o projeto ora analisado – “Turnê Catarinense”, não obstante o art. 1º, do Decreto n. 1.291/08, determinar que a transferência dos recursos vinculados a projetos financiados pelo FUNCULTURAL, no âmbito do Sistema Estadual de Incentivo à Cultura, ao Turismo e ao Esporte – SEITEC, deva ser efetivada por meio da celebração de instrumento legal denominado Contrato de Apoio Financeiro.

A Sra. Maria Elita Pereira sustentou, em síntese, que o projeto em análise é um subprojeto do projeto global intitulado “Circuito Catarinense de Orquestras”, razão pela qual não fora firmado novo contrato.

O Sr. Gilmar Knaesel apresentou suas alegações de defesa às fls. 326/327, sustentando que não foi considerado por este Tribunal o Termo de Contrato juntado às fls. 13 a 20 dos autos – Contrato de Apoio Financeiro e o seu extrato para publicação no Diário Oficial do Estado.

Após analisar a documentação constante dos autos, tenho que não assiste razão à Sra. Maria Elita Pereira, uma vez que mesmo se considerasse o projeto em análise um subprojeto do “Circuito Catarinense de Orquestras”, seria necessário um termo aditivo com as devidas justificativas, conforme se depreende do disposto no art. 45 do Decreto 1.291/08, senão vejamos:

Art. 45. O instrumento legal e respectivo plano de trabalho, somente poderão ser alterados por meio de termos aditivos com as devidas justificativas, ou de ofício, em casos excepcionais, aprovados pelo Comitê Gestor, antes de expirado o seu prazo de vigência e desde que aceitos pelo ordenador de despesas. (g.n.)

Da mesma forma não deve prosperar as alegações do Sr. Gilmar Knaesel, haja vista que o Contrato de Apoio Financeiro juntado às fls. 13 a 18 dos autos, refere-se ao contrato firmado entre a Secretaria de Estado de Turismo e a SOCIEDADE MUSICAL FILARMÔNICA COMERCIAL, representada pelo Sr. Almir de Castro Martins, no valor de R$ 88.160,00, para a realização do projeto intitulado “Banda Escola Sociedade Musical Filarmônica Comercial”, portanto, estranho ao presente feito que trata do contrato celebrado entre a referida Pasta e a ASSOCIAÇÃO FILARMÔNICA CAMERATA FLORIANÓPOLIS, no valor de R$ 60.000,00.

Ademais, por considerar indispensável a exigência de formalização de um termo para regular a concessão de recursos do SEITEC, especialmente porque sua ausência não permite uma efetiva ação de controle posterior, acompanho a sugestão da Área Técnica para sugerir a aplicação de multa ao representante da Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte à época, em face do descumprimento ao disposto nos arts. 1º e 37 do Decreto n. 1.291/08.

No tocante à sugestão da Instrução Técnica de representar ao Ministério Público do Estado de Santa Catarina acerca das irregularidades apuradas nos autos passíveis de caracterização de atos de improbidade administrativa, este Relator acolhe, mas respeitando o disposto no art. 65, § 5º, da Lei Complementar n. 202/00, sugere a remessa apenas após o trânsito em julgado da decisão.

Por fim, tenho que as condutas de responsabilidade do Sr. Gilmar Knaesel e da Sra. Maria Elita Pereira evidenciadas neste processo configuram restrições passíveis de aplicação de multas em patamar acima do mínimo legal, porquanto é visível o elevado valor envolvido com as despesas em questão (R$ 60.00,00) e a relevância do cargo que ocupavam à época (ex-Secretário de Estado  e Presidenta da Associação beneficiada, respectivamente), com manifesto poder decisório acerca da situação, evidenciando  grave violação às normas legais citadas.

Necessário registrar que no processo PCR 10/00486335, que analisou situação semelhante envolvendo o projeto intitulado “Circuito Catarinense de Orquestras 2009”, por meio do qual a Camerata Florianópolis recebeu o montante de R$ 390.000,00, este Relator sugeriu ao Plenário desta Casa a aplicação de multa no valor de R$ 2.500,00, o que foi acolhido pelo Acórdão n. 663/2011. Dito isso, em respeito ao princípio da razoabilidade e proporcionalidade, sugiro a aplicação de multa no valor de R$ 1.500,00, levando em consideração que o projeto objeto do presente processo envolveu um repasse menor, alcançando o montante de R$ 60.000,00.

3. PROPOSTA DE DECISÃO

Diante de todo exposto, este Relator sugere ao egrégio Plenário desta Casa a seguinte Proposta de Decisão:

3.1 Julgar irregulares, sem imputação de débito, com fundamento no art. 18, inciso III, alínea "b", c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar n. 202/2000, as contas pertinentes à presente Tomada de Contas Especial, acerca dos recursos antecipados referentes à nota de empenho n. 0067 de 27/07/2009, no valor de R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), repassados à Associação Filarmônica Camerata Florianópolis pelo Fundo Estadual de Incentivo à Cultura – FUNCULTURAL.

3.2 Aplicar aos Responsáveis abaixo qualificados, com fundamento no art. 69 da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 108, parágrafo único, do Regimento Interno, as multas a seguir especificadas, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.

 

3.2.1 Sra. Maria Elita Pereira, portadora do CPF n. 506.399.439-34 e RG n. 1.440.422 SSP/SC, presidenta da Associação Filarmônica Camerata Florianópolis:

3.2.1.1 Multa de R$ 1.500,00 (um mil e quinhentos reais), em face da autorremuneração de membros da diretoria, em desobediência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, razoabilidade, economicidade e eficiência, norteadores da boa e eficiente administração pública, infringindo o disposto no art. 37 da Constituição Federal, no art. 16 da Constituição Estadual, e nos arts. 44 e 48 do Decreto n. 1.291/08 (item 2.3 do Relatório Técnico).

 

3.2.2 Sr. Gilmar Knaesel, ex-Secretário de Estado do Turismo, Cultura e Esporte, portador do CPF n. 341.808.509-15:

 

3.2.2.1 Multa de R$ 1.000,00 (mil reais), em face da ausência de Contrato de Apoio Financeiro do Sistema Estadual de Incentivo à Cultura, ao Turismo e ao Esporte – SEITEC para a formalização de acordo e repasse de recursos públicos, em descumprimento ao disposto nos arts. 1º e 37 do Decreto n. 1.291/08, e arts. 2º e 116 da Lei n. 8.666/93 (item 2.1 do Relatório Técnico)

 

3.3 Recomendar à Associação Filarmônica Camerata Florianópolis que passe a:

3.3.1 observar o disposto no art. 58, parágrafo 2º, do Decreto n. 1.291/2008, no que diz respeito à utilização de cheque nominativo cruzado ao credor (conforme item 2.2 do Relatório Técnico n. 851/2011);

3.3.2 apresentar na prestação de contas o custo de cada evento, definindo cada despesa de maneira detalhada, especificando o valor pago a cada músico integrante do espetáculo, a fim de demonstrar a finalidade e a pertinência com o respectivo projeto cultural (conforme itens 2.4 e 2.5 do Relatório Técnico n. 851/2011);

3.3.3 atentar para as disposições contidas no Decreto n. 1.291/2008 e demais disposições normativas, mormente no que tange às limitações na utilização dos recursos advindos dos fundos do SEITEC - Sistema Estadual de Incentivo à Cultura, ao Turismo e ao Esporte (item 3.3. do Relatório Técnico n. 851/2012).

 

3.4 Determinar à Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte que passe a:

3.4.1 Exigir a formalização do Contrato de Apoio Financeiro para regular a concessão de recursos do SEITEC, em cumprimento ao disposto nos arts. 1º e 37 do Decreto n. 1.291/08;

3.4.2 Observar os parâmetros de legitimidade na realização de despesas com recursos dos fundos do SEITEC, adequando seus procedimentos de análise para aprovação de projetos, a fim de evitar, já na origem, eventual direcionamento dos recursos para autorremuneração dos proponentes ou ilegítima contratação de familiares, devendo, também, orientar todos os beneficiários quanto à disciplina contida nos arts. 44 e 48 do Decreto Estadual n. 1291/2008 e demais disposições normativas, alertando-os quanto às consequências de seu descumprimento, que incluem a possibilidade de ressarcimento ao erário;

3.5. Remeter, após o trânsito em julgado, cópia desta decisão ao Ministério Público Estadual de Santa Catarina para que sejam tomadas as providências que entender necessárias acerca do que estabelece a Lei n. 8.429/92.

3.6 Dar ciência desta Decisão, do Voto e do Relatório Técnico n. 851/2011 que a fundamentam ao Sr. Gilmar Knaesel, à Secretária de Estado do Turismo, Cultura e Esporte – SOL, à Sra. Maria Elita Pereira e a Associação Filarmônica Camerata Florianópolis.

 

Gabinete do Conselheiro, em 23 de outubro de 2012.

 

 

 

Julio Garcia

Conselheiro Relator



[1] Alexandrino, Marcelo; Paulo, Vicente. Direito Administrativo. 13 ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2007, p. 58.

[2] Art. 144. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiro, bens e valores públicos, ou pelos quais o Estado responda, ou que, em nome deste, assuma obrigações de natureza pecuniária.

§ 1º Quem quer que utilize dinheiro público, terá de comprovar o seu bom e regular emprego, na conformidade das leis, regulamentos e normas emanadas das autoridades administrativas competentes.