ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

 

PROCESSO:                        RLA 09/00337605

UNIDADE:                 Departamento Estadual de Infraestrutra - DEINFRA

RESPONSÁVEL:      Paulo Ekke Moukarzel – Tenente Coronel PMRV

                                    Romualdo Theophanes de França Júnior- Presidente do DEINFRA

ASSUNTO:                Auditoria in loco com objetivo de verificar os regimes de apreensão, retenção, guarda e liberação dos veículos apreendidos e recolhidos aos pátios da Polícia Rodoviária Estadual, localizados na SC 401/Posto 01 e SC 405/Posto 19

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

I - RELATÓRIO

Trata-se de auditoria in loco levada a efeito pela Diretoria de Controle da Administração Estadual – DCE na Polícia Militar do Estado – Batalhão de Polícia Militar Rodoviário e no Departamento Estadual de Infraestrutra - DEINFRA, que teve por objetivo verificar os setores de veículos apreendidos pela Polícia Rodoviária, localizados na SC 401/Posto 01 e SC 405/Posto 19, especificamente quanto aos regimes de apreensão, retenção, guarda e liberação dos veículos.

 

Após a realização da auditoria in loco, o Corpo Instrutivo emitiu o Relatório nº 191/2009 (fls. 285-311, anexos fls. 312-345), sugerindo a audiência dos Srs. Romualdo Theophanes de França Júnior, Presidente do Departamento Estadual de Infraestrutura – DEINFRA, e Paulo Ekke Moukarzel, Tenente Coronel da Polícia Militar Rodoviária Estadual, para se manifestarem a respeito das irregularidades constantes do Relatório de Auditoria.

Os Responsáveis apresentaram justificativas e documentos (fls. 350-417 e 420-611).

A DCE examinou a defesa através do Relatório nº 229/2010 (fls. 615/630), sugerindo aplicar multa ao Sr. Romualdo Theophanes Júnior, Presidente do DEINFRA, e determinações à Unidade.

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas manifestou-se por meio Parecer nº MPTC/823/2011 (fls. 631/634) divergindo do posicionamento da área técnica, opinando pela não aplicação de multa.

Após realização de diligência, conforme Despacho de fls. 635/638, com apresentação de esclarecimentos e documentos (fls. 639/667), a DCE emitiu o Relatório n.º 212/2012, mantendo as sugestões do Relatório de Reinstrução. Ato contínuo, o MPTC/SC exarou o Parecer n.º 12432/2012, ratificando sua manifestação na íntegra.

Vieram os autos conclusos

 

II - DISCUSSÃO

A auditoria realizada pela DCE teve por objetivo a análise do regime de aplicação da penalidade de apreensão de veículos e das medidas administrativas de retenção e remoção de veículo, previstos no Código de Trânsito Brasileiro, com abrangência nos exercícios de 2008 e 2009.

Dois foram os responsáveis pelos atos tidos por irregulares pela área técnica: o Sr. Romualdo Theophanes de França Júnior, Presidente do DEINFRA, e o Sr. Paulo Ekke Moukarzel, Tenente Coronel da Polícia Militar Rodoviária Estadual. Em razão do falecimento deste último (fl. 613), afastou-se a sugestão de aplicação de multa, mantendo-se, contudo, sugestão de determinação à Unidade quanto aos fatos apurados.

Passo a análise das irregularidades constatadas pela área técnica.

 

2.1 Não inscrição de dívida ativa das receitas provenientes das multas a arrecadar decorrentes das infrações de trânsito (item 3.1.1 do Relatório n.º 191/2009)

Verificou-se na auditoria in loco que a Unidade não efetuava os lançamentos contábeis com a respectiva inscrição em dívida ativa das receitas a arrecadar provenientes de multas por infrações de trânsito.

Na resposta encaminhada por meio da Consultoria de Controle de Gestão do DEINFRA, foram identificados os lançamentos contábeis de multas a arrecadar de acordo com a situação da mesma no ano de 2008: devedores por multas emitidas (fl. 425); devedores por multas com recurso impetrado (fl. 426); devedores por multas com recurso indeferido (fl.427). Nesses casos, elas são registradas pelo valor de face (sem desconto) no Ativo Compensado até a inscrição em Dívida Ativa, em razão dos prazos recursais e licenciamento dos veículos. Em relação à inscrição de direitos a receber por multas de trânsito emitidas, há comprovação dos lançamentos às fls. 429 – dívida ativa não tributária (ativo circulante), fl. 431 – dívida ativa não tributária (ativo longo prazo). No tocante aos lançamentos do ano de 2009, informa que são adotados os mesmo procedimentos, entretanto, em razão da implantação do novo Sistema de Gestão Financeira e Orçamentária do Estado – SIGEF, as integrações entre os sistemas de multas e dívida ativa estão em processamento.

Comprovada a existência de registros contábeis e a posterior inscrição das multas de trânsito em dívida ativa, a Diretoria Técnica entendeu sanada a irregularidade apontada, motivo pelo qual, sendo pertinente o entendimento exarado pela DCE, afasto a aplicação de qualquer penalidade.

 

2.2 Ausência de licitação para a contratação de serviços de guincho, nos termos do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal e do art. 2º da Lei Federal n.º 8.666/93 (item 3.1.2 do Relatório n.º 191/2009)

No item 3.1.2 do Relatório de Auditoria verificou-se que a Unidade não realiza licitação para contratação de serviços de guincho utilizados para o recolhimento[1] dos veículos aos pátios da Polícia Militar Rodoviária Estadual. A equipe de auditoria constatou que os prestadores do serviço são escolhidos pelos próprios condutores autuados, por meio de uma listagem fornecida pelos policiais militares responsáveis pela fiscalização das rodovias.

A Polícia Militar Rodoviária Estadual, no exercício da competência prevista no art. 21, VI, e art. 269, do Código de Trânsito Brasileiro, delegada pelo DEINFRA, através do Convênio 08.09/2004-0 (fls. 18/22), poderá aplicar as medidas administrativas de retenção e remoção do veículo para o depósito fixado pelo órgão ou entidade competente com circunscrição sobre a via.

Não possuindo guincho próprio, a Polícia Rodoviária aciona prestador de serviço particular para execução da medida. A escolha do prestador do serviço de guincho fica a cargo do condutor penalizado, que indicará um dentre aqueles relacionados em uma lista de prestadores de serviço que atuam na circunscrição. Nesta lista há a indicação do valor da guinchada. Na hipótese de não haver escolha pelo infrator ou ficar a critério da polícia rodoviária, é acionado de modo discricionário um prestador de serviço relacionado, que esteja disponível para execução do serviço. O pagamento é realizado pelo proprietário do veículo diretamente ao guincho e, no caso de leilão, com os recursos advindos da arrematação.

O responsável pela Unidade apresentou suas justificativas encaminhando informações prestadas pelo Presidente da Comissão de Leilão do DEINFRA, onde, primeiramente, confirma a constatação feita pela equipe técnica de que o serviço de guincho é prestado por particular à escolha do condutor do veículo retido. Alega que os pagamentos do serviço de guincho daqueles veículos levados a leilão (quitação dos débitos vinculados ao veículo) estão em conformidade com o que prevê a Resolução n. 178/2005[2] do CONTRAN.

Junto às justificativas do responsável constam informações prestadas pelo Sr. José Norberto de Souza Filho, Tenente Coronel PM, que responde pelo Batalhão de Polícia Militar Rodoviária, onde afirma que o serviço inserido no conceito da doutrina[3] colacionado pelos Senhores Auditores diz respeito ao ato administrativo de reter e/ou remover o veículo, no exercício do Poder de Polícia, e não aos mecanismos, meios materiais (serviço de guincho) necessários ao transporte do veículo porventura a ser retido e/ou removido. Entende tratar-se o serviço de guincho de ato administrativo discricionário. Ademais, apresenta seu entendimento quanto ao disposto no art. 271, do CTB, in verbis:

Art. 271. O veículo removido, nos casos previstos neste código, para o depósito fixado pelo órgão ou entidade competente, com circunscrição sobre a via.

Parágrafo Único. A restituição dos veículos removidos só ocorrerá mediante o pagamento das multas, taxas e despesas com remoção e estada, além de outros encargos previstos na legislação específica (grifos conforme manifestação).

 

Balizou o legislador infraconstitucional, seu entendimento, prevendo duas hipóteses, no que tange aos meios materiais necessários à consumação da atividade estatal (aplicação das medidas administrativas em tela), ao utilizar o serviço de transporte de veículo a ser removido. Na primeira, podendo ser realizado com meios públicos, diretamente pela Administração Pública interessada, com a conseqüente cobrança de Tributo, na espécie prevista – TAXA. Na segunda, realizado por terceiros (particulares), tratando sua contraprestação como DESPESAS com remoção. Na primeira hipótese, o transporte do veículo, é considerado serviço público, estabelecendo um vínculo contratual entre a Administração Pública, que executa um serviço público, de caráter singular e divisível ao administrado, e de outro pólo contratual, o particular que recebeu tal prestação estatal, que deverá ressarcir à Administração Pública por meio do pagamento de Taxa prevista em lei. 

[...]

Na segunda hipótese, o vínculo contratual, é estabelecido entre particular interessado e o particular prestador do serviço de transporte (guincho), sendo de natureza privada, embora presente o interesse público na remoção do veículo, com seu correspondente pagamento previsto na legislação como despesas de remoção, negócio jurídico entre dois particulares.

 

A conclusão é no sentido de tratar-se de serviço de natureza privada, custeado pelo particular e pago diretamente ao prestador do serviço de guincho (despesa), por isso a escolha do prestador caberia ao particular. Diferentemente, caso o serviço fosse prestado com meios próprios da Administração, os custos do serviço estariam previamente definidos em lei, cabendo ao condutor/proprietário o pagamento da taxa. Aduz que o tema não é pacífico, uma vez que não há lei definindo expressamente que o serviço de guincho seja essencialmente público.

Equivoca-se o responsável em relação à natureza do serviço prestado, bem como quanto ao responsável pelo pagamento do serviço (particular).

A resposta à questão demanda a distinção de duas atividades administrativas: o serviço público e o poder de polícia. Servimo-nos dos conceitos de Celso Antônio Bandeira de Mello[4] e Hely Lopes Meirelles[5]:

Serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, prestado pelo Estado ou por quem lhe faça às vezes, sob o regime de direito público – portanto consagrador de prerrogativas de supremacia e de restrições especiais – instituído pelo Estado em favor dos interesses que houver definido como próprios no sistema normativo.

Poder de Polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e o gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefícios da coletividade ou do próprio Estado.

A atividade da autoridade de trânsito nos termos disciplinados no CTB amolda-se no conceito de poder de polícia, já que não se disponibiliza nenhuma comodidade aos administrados, mas ao contrário, visa restringir, limitar, condicionar a atuação dos administrados, em nome do interesse público.

O artigo 78, da Lei 5.172/66 - CTN dispõe que:

Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Parágrafo único. Considera-se regular o exercício do poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei aplicável, com observância do processo legal e, tratando-se de atividade que a lei tenha como discricionária, sem abuso ou desvio de poder.

 

A prestação do serviço público pode ser centralizada quando executada por meio de órgãos do próprio Estado e descentralizada quando deslocada para outra pessoa jurídica, pública, governamental ou privada. Neste último caso, quando delegada à particular, faz-se mediante autorização, concessão ou permissão.

No tocante ao poder de polícia administrativa, a regra amplamente divulgada pela doutrina é sua indelegabilidade à pessoas privadas[6]. Todavia, não se entende violada esta regra quando há execução de atividades materiais prévias e indispensáveis à formalização do ato de polícia por empresas particulares. Nesse sentido, a breve explanação de José dos Santos Carvalho Filho[7] elucida bem a questão:

Em determinadas situações em que se faz necessário o exercício do poder de polícia fiscalizatório (normalmente de caráter preventivo), o Poder Público atribui a pessoas privadas, por meio de contrato, a operacionalização material da fiscalização através de máquinas especiais, como ocorre, por exemplo, na triagem em aeroportos para detectar eventual porte de objetos ilícitos ou proibidos. Aqui o Estado não se despe do poder de polícia nem procede a qualquer delegação, mas apenas atribui ao executor a tarefa de operacionalizar máquinas e equipamentos, sendo-lhe incabível, por conseguinte, instituir qualquer tipo de restrição; sua atividade limita-se, com efeito, à constatação de fatos. O mesmo ocorre, aliás, com a fixação de equipamentos de fiscalização de restrições de polícia, como os aparelhos eletrônicos por excesso de velocidade: ainda que a fixação e a manutenção de tais aparelhos possam ser atribuídos a pessoas privadas, o poder de polícia continua sendo da titularidade do ente federativo constitucionalmente competente. Nada há de ilícito em semelhante atribuição operacional. 

 

Nesse sentido os meios necessários à aplicação da medida administrativa de remoção de veículo poderão ser executados por particulares, o que não significa dizer que houve delegação do poder de polícia, tampouco delegação de serviço público.

Todavia, esta atribuição a particulares deve se revestir dos instrumentos legais indispensáveis a legalidade do ato, pois se estará diante de um serviço prestado à administração, formalizado por meio de contrato, sendo precedida, a priori, da licitação nos termos do art. 37, XXI, da Constituição Federal, in verbis:

Art. 37. [...].

XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente, permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

 

Conforme prevê o próprio dispositivo constitucional, a legislação pode estabelecer exceções à regra licitatória, hipóteses estas que estão previstas no art. 24 e 25 da Lei n.º 8.666/93, denominados de dispensa e inexigibilidade.

O credenciamento vem sendo qualificado como uma forma de contratação direta, tendo como fundamento a inexigibilidade de licitação do art. 25, caput, da Lei n.º 8.666/93[8]. Apesar de não estar expressamente previsto no art. 25, já que a leitura do dispositivo sempre foi no sentido de apenas um produto ou serviço poder atender o interesse público através da contratação, ele, de fato, se enquadra na inviabilidade de competição, uma vez que todos podem ser contratados para prestação do serviço.

Jacoby Fernandes[9] descreve a inviabilidade no credenciamento nos seguintes termos:

Se a Administração convoca todos os profissionais de determinado setor dispondo-se a contratar todos os que tiverem interesse e que satisfaçam os requisitos estabelecidos, ela própria fixando o valor que se dispõe a pagar, os possíveis licitantes não competirão, no estrito sentido da palavra, inviabilizando a competição, uma vez que a todos foi assegurada a contratação.

 

O credenciamento vem sendo aceito pelo TCU para a contratação de serviços médicos[10], jurídicos[11] e de treinamento[12]. No mesmo sentido, esta Corte de Contas já se pronunciou sobre o tema através dos prejulgados n.º 519, 579, 680, 1.193, 1.399, 1.485, 1.714, 1.778 e 1994, valendo a pena a transcrição do prejulgado n.º 519 e 1994:

Prejulgado n.º 519

1. A regra geral expressa no artigo 37, inciso XXI, da Constituição Federal compele à realização de prévia licitação para a contratação de obras, serviços, compras e alienações, objetivando assegurar a igualdade de condições a todos os concorrentes.

2. Em conformidade com o artigo 197 da Constituição Federal, combinado com a Lei Federal nº 8080, de 19.09.90, a execução das ações e serviços de saúde deve ser feita diretamente ou através de pessoas físicas ou jurídicas de direito privado, ressalvando-se que o artigo 199 da Carta Magna estabelece que as instituições privadas poderão participar, no que se refere à constituição do sistema único de saúde, de forma complementar.

3. Quando se tratar da execução das ações e serviços de saúde, compreendendo a prestação dos serviços médico-assistenciais, médico-hospitalares e laboratoriais, entre outros, nada impede que o Poder Público utilize o sistema de credenciamento, que se vincula ao manifesto interesse da Administração em colocar à disposição da comunidade toda a rede de serviços de profissionais da área da saúde, bem como de pessoas jurídicas que prestam serviços assistenciais, hospitalares ou laboratoriais, mediante condições, incluindo o preço a ser pago, previamente definidas e amplamente difundidas, às quais os interessados poderão aderir livremente a qualquer tempo.

4. Caracterizado o interesse de absorver todos os profissionais e pessoas jurídicas que satisfaçam os requisitos e que expressamente acatem as condições do Poder Público, configurar-se-á a inviabilidade de competição contemplada no caput do artigo 25 da Lei Federal n. 8666/93, de 21 de junho de 1993, com as alterações subseqüentes, estando plenamente atendidos os princípios previstos pelo artigo 3° da Lei de Licitações.

 

Prejulgado n.º 1994

1. A contratação por inexigibilidade de licitação, mediante sistema de credenciamento, cuja convocação é aberta a todos os profissionais interessados na prestação do serviço, implica a contratação daqueles que tiverem interesse e que satisfaçam as condições exigidas no edital.

 

Vislumbra-se, portanto, no presente tipo de serviço, que além da possibilidade de realização do procedimento licitatório, subsiste a alternativa de adotar-se o instituto do credenciamento como uma boa alternativa para o tipo de contratação desejada pela Administração, cabendo a ela fixar o valor e permitir o mais amplo acesso de interessados na prestação deste tipo de serviços.

Em relação ao segundo argumento de defesa do responsável, o fato de o particular pagar diretamente ao prestador de serviço de guincho e não ao Estado a despesa gerada, o que faria por meio do pagamento de taxa, não afasta a possibilidade de cobrança do referido tributo, uma vez que o Estado de Santa Catarina já possui previsão legal para cobrança deste, no art. 4º, da Lei Estadual n.º 7.541/88,[13] estando especificado como atos do Departamento de Infraestrutura de “guinchada de veículos retidos e/ou removidos a qualquer título[14]”:

Art. 4° É fato gerador da taxa de serviços gerais a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição, ou o exercício regular de atividades inerentes ao poder de polícia.

§ 1º. Os serviços e atividades sujeitas à Taxa de Serviços Gerais são os especificados nas Tabelas I a V-A, anexas a esta Lei.

Ademais, a competência para arrecadar os valores provenientes de estada e remoção de veículos também está prevista no CTB, em seu art. 21, VI, fazendo-o com base no disposto no parágrafo único do art. 271, que prevê o seguinte:

Art. 271. O veículo será removido, nos casos previstos neste Código, para o depósito fixado pelo órgão ou entidade competente, com circunscrição sobre a via.

Parágrafo único. A restituição dos veículos removidos só ocorrerá mediante o pagamento das multas, taxas e despesas com remoção e estada, além de outros encargos previstos na legislação específica.

 

Para o Ministério Público Especial a ausência de licitação para contratação de serviço de guincho na remoção dos veículos apreendidos não configura ilegalidade, e ainda que se viesse a concluir pela violação aos arts. 37, inciso XXI, da Constituição e 2º da Lei n.º 8.666/93, não se revestiria de gravidade suficiente para aplicar a multa fundamentada no art. 70, inciso II, da Lei Complementar n.º 202/00.

Partindo do pressuposto de que, a princípio, todos os prestadores de serviços de guincho de determinada região poderiam atuar, conforme cadastramento efetuado pela Polícia Militar (fl. 640), entendo que este fato não se reveste de gravidade suficiente para aplicação de multa.  Isso porque o procedimento, apesar de não estar amparo legalmente, muito se aproxima do credenciamento, atendendo aos princípios do art. 3º[15] da Lei de Licitações. O interesse público, salvo prova em contrário, estaria resguardado na medida que se obtinha o maior número possível de profissionais para prestar o serviço (cabendo a escolha ao particular), evitando-se a criação de  um irregular privilégio administrativo para tal ou qual prestador.

Nesta senda, recomendar à Unidade que adéque o procedimento atual ao credenciamento ou que realiza licitação para a prestação de serviços de guincho é a medida que entendo pertinente para o presente caso, não havendo gravidade suficiente para penalização por esta Corte conforme apontou a área técnica.

 

 

2.3 Inadequalibilidade e precariedade do local para depósito dos veículos recolhidos, em afronta ao princípio da eficiência e da finalidade (item 3.1.3 do Relatório n.º 191/2009)

A equipe técnica analisou a adequabilidade do local destinado ao depósito dos veículos recolhidos nos Postos n.º 1, localizado na Rodovia SC 401-Km9, Ratones e n.º 19, localizado na rodovia SC 405, Campeche.

A sugestão de penalidade teve como fundamento legal a prática de ato de gestão ilegítimo e antieconômico, nos termos do art. 69, c/c o parágrafo primeiro do art. 21, considerando fato atentatório aos princípios da eficiência e finalidade, prescritos no art. 37 da Constituição Federal.

Ao se manifestar acerca das razões que levaram os técnicos desta casa a considerar o local inadequado, o responsável, utilizando-se de expediente encaminhado pelo Sr. José Norberto de Souza, Tenente Coronel PM, que respondia à época pelo Batalhão de Polícia Militar Rodoviária, afirma que não seria possível encontrar local de depósito de veículos a céu aberto em melhores condições que o ora inspecionado, fazendo comparação, inclusive, com depósito do DETRAN-SC. Solicita a não aplicação da teoria da responsabilidade objetiva ao Estado, haja vista a concorrência de culpa/dolo do proprietário no dano supostamente constatado no veículo em função do tempo que permite que se perdure a medida administrativa não regularizando a situação irregular de seu veículo.

Não há dúvida quanto às constatações reveladas pela área técnica de inexistência de abrigo, limpeza do local e segurança dos veículos, e de conservação de carros fora do perímetro do depósito, demonstrando sério risco a ocorrência de dano ao patrimônio de terceiros deixados à guarda do Estado.   

A remoção do veículo gera como consequência para o Estado o depósito e guarda do mesmo. Nesta condição estará obrigado a ter na guarda e conservação da coisa depositada o cuidado e diligência que costuma com o que lhe pertence, bem como restituí-la, quando o proprietário regularizar a situação (art. 629, CC), sendo este serviço remunerado, inclusive, por meio do pagamento da taxa.

Nos termos do art. 37, §6º, da Constituição Federal e art. 43, do Código Civil o Estado sujeita-se à teoria da responsabilidade objetiva, forma esta que dispensa a verificação do fator culpa em relação ao fato danoso. Assim, demonstrando o particular que seu patrimônio sofreu lesão enquanto depositados à guarda do Estado, tem este o dever de indenizar o lesado pelos danos que lhe foram causados sem que se faça necessária a investigação sobre se a conduta administrativa foi, ou não, conduzida pelo elemento culpa.

Em relação aos fatos de criminosos, furtos e roubos não podem ser considerados como motivo de força maior, ou seja, excludente de responsabilidade. A exclusão de responsabilidade da Administração decorre da não identificação de nexo de causalidade entre o evento danoso e a atividade do poder público. A medida extremada do poder de polícia não pode vir desacompanhada da irresponsabilidade estatal, devendo o Estado estar preparado para enfrentar pequenas criminalidades.

Assim, considerando as conseqüências que podem advir da situação ora constatada, entendo cabível expedir-se uma determinação à Unidade, a fim de que adote providências para adequar o local de depósitos dos veículos recolhidos de modo a preservar-lhes de ações criminosas e de intempéries.

 

2.4 Divergência entre os Autos de Retirada de Veículos de Circulação e as condições constatadas nos veículos recolhidos em afronta ao princípio da eficiência e da finalidade

A restrição em comento é decorrência da irregularidade destacada no item anterior, quando constatado que os veículos depositados no pátio da polícia não se encontravam nas mesmas condições anotadas quando de sua remoção (fotos acostadas aos autos às fls. 313/333).

Nas mesmas justificativas apresentadas pelo Tenente Coronel PM José Norberto de Souza Filho, o responsável rebate sete (7) problemas constatados pelos auditores de um total de dez veículos (10), aduzindo que as peças supostamente extraviadas teriam sido localizadas.

A área técnica não acatou as explicações apresentadas, considerando que as vistorias foram acompanhadas e firmadas pelos policiais rodoviários em serviço e realizadas em apenas 10,05% dos veículos num universo de 587.

Ainda que se tenha regularizado a situação irregular detectada pelos técnicos desta casa, fato é que o dano ao patrimônio do particular restou comprovado nos restantes 3 autos de retiradas. E diferentemente do que alega o responsável (que o dever reparatório depende do interesse apenas do particular) o Estado deve se pautar de todos os meios necessários para guarda de patrimônio a ele depositado.

Entendo que a restrição em comento, assim como aquela apontada no item 3.2.1, do Relatório 191/2009, direcionada ao Sr. Tenente Coronel PM Paulo Ekke Moukarzel (falecido) [onde ficou constatada a ausência de lavratura do termo de liberação dos veículos, mediante o cotejo das condições dos veículos com as condições anotadas quando de seu recolhimento], são passíveis de recomendação à Unidade Gestora para que, em conjunto com a adequação do local para depósito de veículos, regularize o trâmite de procedimento administrativo de depósito e liberação de cada veículo, minimizando o risco de dano ao patrimônio de terceiro.

 

2.5 Extrapolação do prazo para a realização de leilão dos veículos recolhidos em afronta ao art. 5º da lei federal n.º 6.575/78

O art. 5º da Lei n.º 6.575/78[16] autoriza a realização de leilão dos veículos após o nonagésimo dia do recolhimento ao depósito.

Art. 5º - Não atendendo os interessados ao disposto no artigo anterior, e decorridos noventa dias da remoção apreensão ou retenção, o veículo será vendido em leilão público, mediante avaliação.

 

A equipe técnica constatou a permanência de veículos no pátio por período superior a 90 dias sem que se adotassem providências para realização de leilão (Relatório de 2008 e 2009, fls. 216/253).

O Ministério Público Especial segue opinando pela não aplicação de multa considerando não existir limites para permanência do veículo no depósito, não sendo o prazo de 90 dias ali estabelecido um prazo peremptório.

São ditos como peremptórios, os prazos fixados de forma imperativa e que não permitem qualquer alteração pelas partes, ou seja, não podem ser ampliados ou reduzidos.

Apesar desta resolução do CONTRAN fixar novos prazos para diligências e notificações (art. 3º, 4º e 5º) antes que se efetive o leilão, prorrogando o prazo para a venda efetiva do bem, constatou a área técnica que nenhum procedimento havia sido inicializado no prazo de 90 dias para a realização do leilão, tanto é assim que os prazos detectados quanto ao atraso (295, 278, 258 – fls. 305) perfazem um período superior à soma[17] de todos os prazos procedimentais para venda do veículo (50 dias).

É fundamental que o gestor atente para o prazo fixado na lei para colocar a venda em leilão público os veículos não buscados por seus proprietários, sob pena de depreciação do valor dos veículos prejudicando sobremaneira a compensação das despesas com o depósito e estada. 

Não há negativa do fato por parte do gestor responsável. Afirma apenas que a Comissão de Leilão vem atuando desde 2004 objetivando diminuir o tempo de estada dos veículos, depositados nos pátios, até que se alcance o prazo legal de 90 dias.

No tocante a legalidade do limite 30 dias para cobrança de taxa de estada, esta foi citada pela área técnica apenas como argumento para configuração da irregularidade, considerando que os valores arrecadados, em alguns casos, não são suficientes para cobrir todas as despesas vinculadas ao veículo.

A situação em comento não deve ser penalizada apenas como simples inobservância ao prazo disposto na lei, mas também em razão das conseqüências advindas do não atendimento aos procedimentos e prazos para o leilão. Isso porque, o atraso na venda faz crescer o número de veículos depositado nos pátios da Polícia, trazendo para o Estado os custos com o cuidado do patrimônio alheio e os riscos dali advindos, além do prejuízo ao erário quando o valor advindo da venda não é suficiente para quitação de todas as dívidas atinentes ao veículo.

Correta, portanto, a sugestão de penalidade sugerida pela área técnica, a qual será acolhida por este relator e fixada em percentual acima do mínimo legal em virtude da gravidade da situação detectada.

 

III - VOTO

Estando os autos instruídos na forma Regimental, considerando o parecer do Ministério Público Especial e o relatório da instrução dos quais adoto os fundamentos, propondo a este egrégio Plenário o seguinte VOTO:

1. Conhecer do Relatório nº 229/2010 que tratou de auditoria realizada para verificar os regimes de apreensão, retenção e guarda e liberação dos veículos apreendidos e recolhidos aos pátios da polícia Rodoviária Estadual, com fundamento no art. 36, § 2º, alínea “a”, da Lei Complementar nº 202/2000, para considerar irregulares os atos a seguir relacionados.

2. Aplicar ao Sr. Romualdo Theophanes de França Júnior, Presidente do Departamento Estadual de Infraestrutura – DEINFRA, CPF 486.844.499-91, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar nº 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, as multas abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar nº 202/2000:

2.1 - R$ 2.000,00 (dois mil reais), em razão estrapolação do prazo para a realização de leilão dos veículos recolhidos, em afronta ao art. 5º da Lei n.º 6.575/78, conforme item 3.1.4 do Relatório n.º229/2010;

3. Recomendar ao Comandante do Batalhão de Polícia Militar Rodoviária que, quando da lavratura do termo de liberação dos veículos recolhidos, seja em regime de penalidade ou de medida administrativa, registre o cotejo das condições do veículo,

4. Determinar ao Departamento Estadual de Infraestrutura – DEINFRA que:

4.1 regularize a contratação do serviço de guincho para recolhimento dos veículos ao depósito, nos termos da Lei n.º 8.666/93;

4.2. providencie local adequado para o depósito dos veículos recolhidos, no que tange ao asseio, abrigo e segurança do local, de forma a observar o dever de guarda e conservação dos bens colocados a sua disposição, atendendo o disposto no art. 37, caput, da Constituição Federal;

5. Alertar ao Departamento Estadual de Infraestrutura – DEINFRA, na pessoa de seu Presidente, que o não-cumprimento do item 4 desta deliberação implicará a cominação das sanções previstas no art. 70, VI e § 1º, da Lei Complementar (estadual) n. 202/00, conforme o caso, e o julgamento irregular das contas, na hipótese de reincidência no descumprimento de determinação, nos termos do art. 18, § 1º, do mesmo diploma legal.

6. Dar ciência do presente Relatório, do Voto e Decisão do Tribunal ao Sr. Romualdo Theophanes de França Júnior, ex-Presidente do Departamento Estadual de Infraestrutura - DEINFRA, ao atual Presidente do DEINFRA, ao Controle Interno e o Comandante do Batalhão de Polícia Militar Rodoviária Estadual.

Gabinete, em 20 de dezembro de 2012

 

Cleber Muniz Gavi

Auditor Substituto de Conselheiro

Relator



[1] Decorrente das medidas administrativas de retenção e remoção, previstos no art. 269, do CTB.

[2] Art. 13. Realizado o leilão, os valores arrecadados com a venda do veículo deverão ser destinados à quitação dos débitos incidentes sobre o prontuário do mesmo, obedecida a seguinte ordem: I – Débitos tributários, na forma da lei; II – Órgão ou entidade responsável pelo leilão: a) multas a ele devidas; b) despesas de remoção e estada; c) despesas efetuadas com o leilão. [...]. Resolução 331/2009 que revogou a n.º 178/2005 dispõe no mesmo sentido.

[3] Serviço público, conceitua Di Pietro (1993, p. 80), diz respeito a “toda atividade material que a lei  atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados”. Sendo assim, a execução do serviço de recolhimento de veículos, por meio de guincho, seja em sede administrativa, seja na ordem de aplicação de penalidade de apreensão, caracteriza, por óbvio, a execução de atividade estatal (exercício do poder de polícia), decorrente do assinalado pela lei de regência – Código de Trânsito Brasileiro (Brasil, 1997).

[4] MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. Malheiros, 8ª ed. 1996, pag. 405.

[5] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Malheiros, 21ª ed. 1996, p. 115

[6] No julgado RESP 817.534/MG, j. 04.08.2009, a 2ª Turma do STJ, adotando entendimento minoritário da doutrina, entendeu que as fases de consentimento de polícia e de fiscalização de polícia, que, por não terem natureza coercitiva, podem ser delegadas a entidades com personalidade de direito privada integrantes da administração pública, e ao contrário, as fases de ordem de polícia e sanção de polícia, por implicarem coerção, não podem ser delegadas a tais entidades.

[7] FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 13ª Ed. 2010,  p.88.

[8] Art. 25.  É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial:

[9] JACOBY FERNANDES, Jorge Ulisses. Contratação direta sem licitação: dispensa de licitação: inexigibilidade de licitação: comentários às modalidades de licitação, inclusive o pregão: procedimentos exigidos para a regularidade da contratação direta. 9 ed. BH: Fórum, 2012. p. 540.

[10] Decisão n.º 104/95 – Plenário

[11] Acórdão n.º 1913/2006 – 2ª Câmara

[12] Decisão n.º 535/1996 - Plenário

[13] Dispõe sobre as taxas estaduais  

[14] Item 9.0 da Tabela V-A do Anexo Único da Lei Estadual n.º 7.541/88, atualizada pela Lei n.º 14.263/07.

[15] Art. 3o  A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

[16] Dispõe sobre o depósito e venda de veículos removidos, apreendidos e retidos, em todo território nacional. Art. 5º - Não atendendo os interessados ao disposto no artigo anterior, e decorridos noventa dias da remoção apreensão ou retenção, o veículo será vendido em leilão público, mediante avaliação.

[17]Art. 6o.  Esgotados os prazos estabelecidos nos Artigos 4º e 5º desta Resolução e não tendo comparecido o interessado para a retirada do veículo e quitação dos débitos, será feito o levantamento das condições de cada veículo, para fins de avaliação.