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ESTADO
DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO Gabinete do Auditor
Substituto de Conselheiro Cleber Muniz Gavi |
PROCESSO: TCE 08/00377630
UNIDADE: Prefeitura
Municipal de São Bento do Sul
INTERESSADO: Justiça do Trabalho – Vara do
Trabalho de São Bento do Sul
RESPONSÁVEL: Juarez Evers Mendes – ex-Gestor do Fundo
Municipal de Saúde de São Bento do Sul
ASSUNTO: Representação do
Poder Judiciário – supostas irregularidades em face da contratação irregular de
profissionais para prestação de serviços em unidade hospitalar.
TOMADA DE CONTAS ESPECIAL
DECORRENTE DE REPRESENTAÇÕES DA JUSTIÇA DO TRABALHO. CONTRATAÇÕES DIRETAS, EM
CARÁTER EMERGENCIAL. RELAÇÕES DE EMPREGO PRECÁRIAS. RESCISÕES OCASIONANDO
INDENIZAÇÕES TRABALHISTAS. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO MUNICPIPIO
INOBSERVÂNCIA DE LEGISLAÇÃO CONSTITUCIONAL E MUNICIPAL. DÉBITO.
I –
RELATÓRIO
Trata-se de Tomada de Contas
Especial, decorrente de processo autuado a partir de representação do Poder Judiciário/peças
de reclamatória trabalhista encaminhada pela Vara do Trabalho de São Bento do
Sul, instaurada em cumprimento ao despacho desta relatoria, às fls. 570/572,
para averiguação de irregularidade referente à contratação de profissionais de
saúde para prestarem serviços junto ao Hospital e Maternidade Sagrada Família,
no município de São Bento do Sul, no primeiro semestre do ano de 2006.
Foram apensados aos
presentes autos os processos REP nºs 08/00379926, 08/00377710, 08/00377800,
08/00377982 e 08/00378016, em virtude da conexão entre as matérias.
Os fatos noticiados remetem
à contratação irregular de pessoal por parte do Fundo Municipal de Saúde do
Município, quando os serviços de pronto atendimento médico (PA\24 horas)
passaram a ser prestados diretamente pelo Poder Público em face de situação
peculiar ocorrida no âmbito local. Segundo se constata, a Administração
Municipal resolvera assumir os referidos serviços de saúde e a direção do
referido hospital aquiescera com a cessação dos serviços até então prestados,
após reuniões realizadas nos meses de novembro e dezembro de 2005 (fls.
302/307).
Em virtude do fato, foi
decretada situação de emergência na área de saúde do Município (Decreto nº
1.295, de 05.01.2006 – fls. 308), o que, pelo evidenciado nas peças processuais
trabalhistas juntadas ao processo, resultou na contratação, de forma direta, no
mês de janeiro de 2006, de profissionais da saúde pelo Fundo Municipal de Saúde
(fls. 74/87), utilizando-se de empresa intermediadora de mão de obra (fls. 16).
Com a mudança de
administração do Hospital, nos meses seguintes, tais serviços hospitalares
passaram a ser novamente prestados pelo corpo clínico e funcional da
instituição, tendo a Administração Municipal optado pelo retorno do status quo, determinando a rescisão dos
contratos firmados com os profissionais contratados e, por conseguinte,
ocasionando as demandas trabalhistas originárias das representações remetidas a
este Tribunal.
Em virtude das verificadas
rescisões incorreu o erário no prejuízo da quantia de R$ 8.639,65 (oito mil,
seiscentos e trinta e nove reais e sessenta e cinco centavos), a serem pagas a
título de verbas indenizatórias.
Acontece que, conforme
apontado pelo corpo instrutivo deste Tribunal (vide Relatório DLC nº 854/2010
de fls. 551/565), ao invés de proceder a contratação direta, a Administração
Municipal deveria ter observado o que previa a Lei Municipal nº 1.453, de
30.11.2005 (que dispunha acerca da
contratação temporária por tempo determinado para atender a necessidade
temporária de excepcional interesse público), visto que a referida norma
continha dispositivo que resguardava a Administração no caso de eventual
rescisão, desonerando-a de qualquer indenização.
O Sr. Juarez Evers Mendes,
ex Gestor do Fundo Municipal de Saúde, responsável pelas contratações em tela, em
suas alegações de defesa (fls. 575/598) sustentou que diante da situação
emergencial, não havendo tempo hábil para a contratação de uma empresa através
de prévia licitação, procedeu à contratação direta, posto que a contratação por
tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional
interesse público ainda demandaria tempo, sendo que a situação que se avistava
não permitia que o município ficasse com os serviços de plantão de
urgência/emergência interrompidos.
O
processo foi reexaminado pela DLC, que emitiu o Relatório nº 555/2012 (fls. 604/607)
concluindo pela manutenção da restrição apontada, vez que ficou patente a
inobservância do responsável ao que dispunha a legislação municipal aplicável à
espécie – vide Lei nº 1.453/2005, o que teria evitado as demandas trabalhistas
e os consequentes débitos indenizatórios. Pugnou, assim, o corpo instrutivo
pela irregularidade das contas, com imputação de débito ao responsável, entendimento que é
compartilhado pela ilustre representante do Ministério Público junto ao
Tribunal de Contas, Exma. Dra. Cibelly Farias, em seu Parecer nº MPTC/15.460/2013,
de fls. 608/610.
Vieram os autos conclusos.
II
– MÉRITO
Os contratos e aditivos firmados pela
Municipalidade de São Bento do Sul, por intermédio do seu Fundo Municipal de
Saúde (às fls. 74 a 87) evidenciam a inobservância, pelo responsável, aos
normativos legais ínsitos ao caso.
A situação fática originária de
decretação de situação de emergência no município, em face da cessação dos
serviços ambulatoriais/hospitalares de pronto atendimento até então prestados
pelo Hospital e Maternidade Sagrada Família, não comporta análise meritória,
senão a narrativa já perpetrada no introito ao presente voto.
Cabe a manifestação e reprimenda
legal, por outro lado, da via jurídico-administrativa adotada pelo gestor da
saúde municipal, que procedeu à contratação direta de profissionais de saúde,
mediante contratos administrativos e utilizando-se, ainda, de empresa
intermediadora de mão de obra. Esta, por sua vez, firmou contratos trabalhistas
precários, tendo ocasionado o débito verificado, após as rescisões de contrato
de trabalho e as consequentes demandas trabalhistas (sentença trabalhista de
fls. 144/158).
Se tivesse o responsável observado o
que dispunha a Lei municipal nº 1.453, de 30.11.2005, efetivando a contratação
temporária por tempo determinado, quiçá tais irregularidades não se
concretizassem e o dano/débito, no caso, não se verificasse.
É sabido que a contratação por tempo determinado para atender
necessidade excepcional do Poder Público é uma das exceções constitucionais ao
princípio da acessibilidade aos cargos públicos via concurso, estatuindo o art.
37, inciso IX, da CF, que:
Art. 37. A
administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de
legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao
seguinte:
[...]
IX - a lei estabelecerá os casos de
contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de
excepcional interesse público;
Tal exceção subsiste justifica-se para não permitir que a
Administração Pública fique imobilizada em certas circunstâncias, quando
evidenciada a necessidade temporária e o excepcional interesse público para a
contratação de servidores. Para tanto, ressalta a professora Maria Sylvia
Zanella di Pietro (DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito
Administrativo. 18 ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 451), “esses servidores exercerão funções, porém, não como integrantes
de um quadro permanente, paralelo ao dos cargos públicos, mas em caráter
transitório e excepcional”. Os direitos, deveres e garantias dos
contratados temporariamente dependerão da lei que regulamentar o preceptivo
constitucional, que estabelecerá os aspectos da vinculação do servidor perante
a Administração Pública.
Pois bem. Quando da
decretação emergencial sub examen,
vigia a mencionada Lei nº 1.453/2005, que permitia a contratação temporária de
servidores pelo Município para atender a necessidade temporária de pessoal,
fazendo-o de acordo com as seguintes prescrições:
Lei nº 1.453, de 30 de novembro de 2005.
"Dispõe sobre a contratação temporária por
tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional
interesse público".
Art. 1º Para atender à necessidade temporária de excepcional
interesse público, os órgãos da Administração Municipal Direta, poderão efetuar
contratação de pessoal por tempo determinado, nas condições e prazos previstos
nesta Lei.
Art. 2º Consideram-se como necessidades temporárias, de
excepcional interesse público, as contratações que visem:
I - a substituição
temporária de pessoal por vacância, licenças e/ou qualquer outra forma de
redução do quadro efetivo única e exclusivamente nas Secretarias Municipais de
Educação e Saúde, por licença auxílio maternidade e afastamento para tratamento
de saúde;
II - ao atendimento de situações de emergência e de
calamidade pública, que necessitem de pessoal para manter os níveis de
eficiência e de presteza dos serviços públicos;
III - ao enfrentamento
de situações anômalas, de exceção ou de repercussões imprevisíveis;
Art. 3º O recrutamento do pessoal a ser contratado, nos termos
desta Lei, será feito mediante processo seletivo simplificado, sujeito a ampla
divulgação.
§ 1º A contratação para atender as necessidades
decorrentes de calamidade pública, prescindirá de processo seletivo.
§ 2º É proibida a
contratação, nos termos desta Lei, de servidores da Administração Direta ou
Indireta da União e dos Estados, bem como de empregados ou servidores de suas
subsidiárias e controladas.
I - excetua-se do
disposto neste parágrafo, condicionada à formal comprovação da compatibilidade
de horários e contratação de professor.
[...]
Art. 8º O contrato de trabalho temporário celebrado de acordo com
esta Lei, poderá ser rescindido a qualquer tempo, a critério da Administração,
sem que da rescisão advenha qualquer indenização ao contratado (grifo nosso).
Da leitura dos excertos legais
destacados, tem-se que, consolidada a situação emergencial consignada pelo
Decreto nº 1.295/2006, deveria a administração municipal ter procedido a
contratação de tantos profissionais de saúde quanto bastassem para atender a
demanda dos serviços de saúde, invocando-se de forma combinada os arts. 1º; 2º
II; e 3º, §1º, da Lei nº 1.453/05.
A alegação do responsável, feita em
seus argumentos de defesa, de que não teria tempo hábil para promover um
procedimento licitatório e/ou de contratação por tempo determinado, esvai-se,
no tocante a segunda hipótese, na medida em que a Administração Municipal já
tinha certa a intenção de assumir os serviços contratados, diante do teor das
reuniões feitas com os representantes da então prestadora de serviços (nos
meses de novembro de dezembro de 2005 – vide atas de fls. 302/307).
Poderia, certamente, fazer as
contratações diretas sob a forma de contrato administrativo por tempo
determinado, nos termos da Lei nº 1.453/05, acautelando-se pelos seus
preceptivos, sobretudo em face do artigo 8º, que dispensa o pagamento de
indenização em caso de eventuais rescisões.
Ao optar pela contratação direta,
utilizando-se de empresa intermediadora de mão de obra, conforme esclarecido
nos autos trabalhistas, a Administração/Gestor do Fundo Municipal de Saúde
sujeitou-se, como responsável subsidiário, a condenação de verbas rescisórias
decorrentes das relações de emprego precariamente mantidas, tendo a justiça
especializada assim decidido[1]:
Restou, pois,
inequívoca nos autos a prática, pelo Município, de diversas irregularidades, em
flagrante desrespeito aos princípios norteadores da administração pública, não
merecendo nenhum reparo a sentença que reconheceu o vínculo de emprego com a
primeira reclamada e condenou o recorrente a pagar as verbas deferidas de forma
subsidiária.
Ressalto, no que se
refere especificamente à responsabilidade subsidiária do Município, que o ente
estatal e a coletividade lograram proveito com a força de trabalho da autora,
pois usufruíram da prestação laboral a um custo inferior ao que haveria no caso
de contratação de empregados para desempenhar as atividades por ela executadas.
Tal fato, por si só,
implica o reconhecimento da responsabilização do ente público de forma
subsidiária, conforme dispõe a Súmula nº 331/TST, verbis:
IV - O inadimplemento
das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a
responsabilidade subsidiária do tomador de serviços, quanto àquelas obrigações,
inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das
fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista,
desde que hajam participado da relação processual e constem também do título
executivo judicial.
Tal responsabilização também encontra respaldo no art.
37, § 6º, da Constituição Federal, que preconiza a responsabilização das
pessoas jurídicas de direito público e das de direito privado prestadoras de
serviço público por atos de seus agentes que, nessa qualidade, causarem danos a
terceiros, independentemente da prova de dolo ou culpa.
Em
sendo assim, tenho por irregulares as contas pertinentes às contratações de
servidores, em caráter excepcional, para prestarem serviços junto ao Hospital e
Maternidade Sagrada Família, no ano de 2006, resultando no dispêndio de R$
8.639,65[2]
(oito mil, seiscentos de trinta e nove reais e sessenta e cinco centavos) a
título de verbas indenizatórias, sem que tenha sido observado o que prescreve o
art. 37, inc. IX, da CF, combinado com a Lei municipal nº 1.453, de 30.11.2005.
III
– VOTO
Estando os autos instruídos na forma Regimental, considerando o parecer
do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas e o relatório da instrução,
propondo a este egrégio Plenário o seguinte VOTO:
1. Julgar irregulares, com imputação de débito, com fundamento no art. 18, III, “c”, c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, as contas pertinentes a presente Tomada de Contas Especial, que trata de irregularidade constatada em face de Reclamatórias Trabalhistas interpostas contra o Município de São Bento do Sul e condenar o responsável, Sr. Juarez Evers Mendes – ex-Gestor do Fundo Municipal de Saúde de São Bento do Sul, inscrito no CPF sob o nº 591.124.419-53, ao pagamento do débito de sua responsabilidade, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar, perante este Tribunal, o recolhimento do valor do débito aos cofres da Prefeitura Municipal de São Bento do Sul, atualizado monetariamente e acrescido dos juros legais (arts. 40 e 44 da Lei Complementar n. 202/2000), calculados a partir da data da ocorrência do fato gerador do débito, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (art. 43, II, da Lei Complementar n. 202/2000), correspondente ao seguinte valor:
1.1. R$ 8.639,64 (oito mil, seiscentos e trinta e nove reais e
sessenta e quatro centavos), em razão da contratação irregular de profissionais
de saúde para prestarem serviços no Hospital e Maternidade Sagrada Família, no
ano de 2006, inobservando ao permissivo legal insculpido no art. 37, inc. IX,
da CF, combinado com o disposto pela Lei municipal nº 1.453, de 30.11.2005.
2. Dar ciência do presente relatório, do relatório e voto do Relator
e do Acórdão ao Sr. Juarez Evers Mendes – ex-Gestor do Fundo Municipal de Saúde de São Bento do Sul, à Vara do
Trabalho de São Bento do Sul e à Prefeitura Municipal de São Bento do Sul, bem
como ao controle interno e assessoria jurídica do órgão.
Gabinete, em 26 de fevereiro de 2013.
Cleber
Muniz Gavi
Auditor
Substituto de Conselheiro
Relator
[1] Vide www.trt12.gov.br/consulta de
processos/segundo grau/Ac.-3ªT-Nº
04612/2007 - RXOF e RO 01507-2006-024-12-00-9.
[2] Cálculos de fls. 549.