ESTADO DE SANTA CATARINA
Gabinete
Conselheiro Julio Garcia
PROCESSO: CON-10/00435935
UG/CLIENTE: Federação
Catarinense de Municípios – FECAM
INTERESSADO: Saulo
Sperotto
ASSUNTO: Consulta sobre assuntos
diversos relacionados a execução de programas de saúde pelos Municípios.
VOTO nº GC-JG/2013/025
CONSULTA. MUNICÍPIO. GESTÃO, OPERACIONALIZAÇÃO E
EXECUÇÃO DO PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA (PSF) E PROGRAMA DE AGENTES
COMUNITÁRIOS DE SAÚDE (PACS). ENTIDADES DO TERCEIRO SETOR. TEMAS DIVERSOS. RESPONDER
À CONSULTA.
I – RELATÓRIO
O Sr. Saulo Sperotto, ex-Prefeito Municipal de Caçador e Presidente da Federação Catarinense de Municípios – FECAM em 2010, formulou consulta a esta Corte de Contas nos seguintes termos:
Conforme
disposições previstas no ordenamento jurídico pátrio, e em atenção ao dever do
estado (lato sensu) na efetivação das políticas públicas na área da saúde,
faz-se a seguinte consulta:
a) pode
determinado Município celebrar contrato de gestão com entidade caracterizada
como Organização Social, para a gestão, operacionalização e prestação de
serviços públicos inerentes ao Programa de Saúde da Família (PSF) e ao Programa
de Agentes Comunitários de Saúde (PACS)?
b) pode
este mesmo Município hipotético instituir fundação pública para a gestão,
operacionalização e prestação de serviços públicos inerentes ao Programa de
Saúde da Família (PSF) e ao Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS)?
c) caso
afirmativo o questionamento realizado no item “a” e/ou item “b”, os recursos
públicos destinados a cobrir os custos do Programa de Saúde da Família (PSF) e
Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) deverão ser contabilizados na
base de cálculo dos gastos com pessoal, para fins de aplicação dos limites
estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal?
A peça consultiva (fls. 02-03), protocolizada em 05.07.2010, veio instruída com parecer da assessoria jurídica da FECAM, conforme se verifica às fls. 04 a 15 do feito.
Posteriormente, em 10.08.2010, o consulente requereu aditamento à consulta, “[...] a fim de que se incluam as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) na discussão envolvendo a execução dos programas de saúde pelos municípios, pela importância da temática para a sociedade catarinense.” (fl. 17 – grifos do original).
Novo aditamento foi requerido, em 07.12.2010, para que fosse incluído à consulta mais um item, denominado de “d”, nos seguintes termos (fls. 22-23):
d) pode determinado Município celebrar contrato de gestão
com entidade privada, sem fins econômicos, qualificada como entidade
filantrópica, ou organização social, ou ainda organização da sociedade civil de
interesse público (Oscip), para prestação de serviços de saúde complementares à
atenção básica, cabendo ao município a gestão das atividades e ao contratado a
execução dos serviços nos termos contratuais?
I.1 – Da Consultoria Geral
Nos termos regimentais, seguiram os autos para análise técnica da Consultoria Geral, que elaborou o substancioso Parecer nº COG-404/2010, de fls. 24 a 72, sugerindo, preliminarmente, o conhecimento da peça indagativa, para respondê-la nos seguintes termos:
3.2. Responder à Consulta nos seguintes termos:
3.2.1. A saúde é direito de todos e dever do Estado,
devendo ao Poder Público tomar todas as providências cabíveis para a execução
de políticas de saúde. Não se trata de serviço que o Poder o Público possa
repassar a totalidade de sua execução. O constituinte permitiu que os serviços
de saúde fossem prestados de forma complementar pela iniciativa privada,
mediante autorização e fiscalização do ente, o que não se confunde com a
delegação de serviços;
3.2.2. Os Programas Saúde da Família e Agentes
Comunitários da Saúde se consolidaram como estratégias para reorganizar a
Atenção Básica à Saúde no SUS no âmbito municipal, sendo dever do Poder Público
oferecê-los de maneira direta por órgãos e entidades da administração direta,
autárquica e fundacional (art. 197, da Constituição Federal c/c art. 4ª, da Lei
n.º 8.080/90 e art. 2º, da Lei n.º 11.350/06);
3.2.3. Fica a critério do Município, observadas as
exigências e diretrizes da Portaria n.º 648/2006 do Ministério da Saúde, a
instituição de Fundação Pública com vistas a gestão, operacionalização e
prestação de serviços inerentes aos Programas Saúde da Família e Agentes
Comunitários da Saúde;
3.2.4. Na condição de pessoas jurídicas de direito
privado sem fins lucrativos, as entidades qualificadas como Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público poderiam executar as ações e serviços afetos à Estratégia Saúde da
Família somente de forma complementar nos termos do art. 199, § 1º da
Constituição Federal c/c o art. 24, da Lei n.º 8.080/90 e da Portaria n.º
1.034/10 do Ministério da Saúde, quando a capacidade instalada pelo Município
for insuficiente para garantir a cobertura assistencial à população de uma
determinada área, e, desde que, comprovada a necessidade da complementação,
mediante aprovação do Conselho de Saúde e previsão no Plano de Saúde e, haja a
impossibilidade de ampliação dos serviços públicos de saúde;
3.2.5. A atuação complementar da iniciativa privada
nas ações e serviços públicos de saúde não se coaduna com a natureza jurídica e
forma de transferência de serviço público definidos no âmbito da União na Lei
n.º 9.637/98 das entidades qualificadas como organizações sociais.
3.2.6. Considerando que os recursos originários de
transferências voluntárias integram o cálculo para apuração da receita corrente
líquida - RCL (LC nº 101/00, art. 2º, IV), as despesas de pessoal realizadas
com esses recursos também devem integrar a despesa total com o pessoal do Poder
e do ente.
3.2.7. A atenção básica foi eleita como prioridade
para ser prestada pelos Municípios, não excluindo a execução dos demais tipos
de ações e serviços de saúde pelo Município (média e alta complexidade),
conforme art. 30, inciso VII, da Constituição e artigo 18 da Lei 8.080/90. A
partir do Pacto pela Saúde, assinado em 2006, o gestor municipal passa a
assumir imediata ou paulatinamente a plenitude da gestão das ações e serviços
de saúde oferecidos em seu território.
3.3. Remeter ao Sr. Saulo Sperotto, Prefeito do
Município de Caçador, nos termos do art. 105, § 3º, do Regimento Interno
(Resolução nº TC-06, de 28 de dezembro de 2001), cópia dos Pareceres n.º GC-OGS/2007/040,
Parecer COG n.º 670/06, que fundamentaram a Decisão 1007/2007, referente à CON
nº 05/00173222, resultando no Prejulgado 1867 e Parecer COG n.º 141/08, que
fundamentou a Decisão n.º 3225/2010, resultando no Prejulgado 2064, que tratam
de matéria análoga.
I.2 – Do
Ministério Público junto ao Tribunal de Contas
O Ministério
Público de Contas, por meio do Parecer nº MPTC/1304/2011 (fls. 73-84), da lavra
do Exmo. Procurador Mauro André Flores Pedrozo, acompanhou parcialmente o
entendimento da Instrução. A divergência manifestada pelo Parquet diz respeito ao item 2 da presente consulta, no qual
afirmou que “a hipótese apresentada pelo
Consulente só será possível após regulamentação do art. 37, XIX da Constituição
Nacional, caso lei federal faculte a atuação de fundações públicas na área da
saúde, envolvendo o Programa de Saúde de Família e o Programa Agentes
Comunitários de Saúde.” (fl. 79). E, ante a impossibilidade de serem
colocadas em prática as alternativas nos itens “a” e “b”, afirmou restar
prejudicada a apreciação da questão inserta no item “c”.
Esta, pois, a
manifestação do Ministério Público junto a esta Corte de Contas.
Vieram os autos
conclusos, na forma regimental, para voto.
Nesse ínterim, a
FECAM juntou aos autos documentação complementar, que se trata de decisão
exarada pelo egrégio Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul acerca
da possibilidade dos municípios terceirizarem serviços de saúde mediante
contrato de gestão (fls. 85-99).
É o relatório.
II
– DISCUSSÃO
Trata a consulta de matéria sujeita a exame e fiscalização desta Corte de Contas, nos termos do inciso XII do artigo 59 da Constituição Estadual c/c inciso I do artigo 104 da Resolução nº TC-06/2001.
Atendidos estão os pressupostos de admissibilidade do art. 104 da Resolução nº TC-06/2001, porquanto a matéria versa sobre questão formulada em tese, com natureza interpretativa de lei, de competência deste Tribunal, subscrita por pessoa detentora de legitimidade ativa para formular a consulta. Bem assim, há indicação precisa da dúvida a ser esclarecida e ainda, está instruída com parecer jurídico da entidade consulente. Dessa forma, a consulta deve ser conhecida.
Passo, assim, ao exame do mérito.
Da leitura da peça indagativa[1]
e seus aditamentos[2],
verifico que o Consulente almeja que esta Corte de Contas se pronuncie, mais
uma vez, acerca da possibilidade de
delegação dos atos de gestão, operacionalização e prestação de serviços
públicos inerentes ao Programa Saúde da Família (PSF) e ao Programa de Agentes
Comunitários de Saúde (PACS).
Digo mais uma vez porque este tema tem sido objeto de reiteradas consultas no âmbito desta Corte de Contas, conforme consignado pelo próprio Assessor Jurídico da Fecam, pelo Órgão Consultivo e pelo Procurador Geral junto ao Ministério Público de Contas em seus pareceres, resultando em diversos Prejulgados: 1095, 1083, 1186 (revogado), 1347, 1419 (revogado), 1700, 1853 e 1867.
Devo acrescentar, também, os Prejulgados 2055[3] e 2064, que também guardam relação direta com o tema sob exame e que foram publicadas no transcorrer da instrução deste processo.
A propósito, as últimas manifestações do egrégio Plenário sobre
a temática foi no processo de consulta nº CON-09/00294884, julgado na sessão de
24/03/2010, que tratou especificadamente acerca do regime jurídico dos
profissionais de saúde da família e agentes comunitários, questão esta discutida
na cautelar deferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de
Inconstitucionalidade – ADI nº 2135-4, que teve como efeito o retorno à adoção do
regime jurídico único administrativo em razão de vício formal admitido na Emenda
Constitucional nº 19/98. Contudo, este
tema específico – regime jurídico – não será discutido nestes autos, vez que
não foi objeto de indagação na presente consulta.
Este mesmo tema também foi enfrentado no processo de consulta nº CON-08/00153952, Decisão Plenária nº 3225/2010 exarada na sessão de 26/07/2010, e que resultou no Prejulgado 2064, reafirmando o entendimento desta Corte de Contas firmado em suas manifestações anteriores.
Feitos esses registros, devo dizer, desde já, que sei da importância do tema e da dificuldade que muitos municípios catarinenses enfrentam para contratarem principalmente médicos para atuarem no Programa de Saúde de Família – PSF, em razão do teto remuneratório.
Outrossim, tenho consciência de que a matéria é complexa, tanto é que chegou até ao Supremo Tribunal Federal (STF) em razão do ajuizamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 1923/98[4], que discute a constitucionalidade de vários artigos da Lei federal nº 9.637/1998, que trata das Organizações Sociais, uma vez que, no âmbito do Programa Nacional de Publicização, tais organizações poderiam, mediante ato do chefe do Poder Executivo e de um contrato de gestão, absorver atividades tais como ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação ao meio ambiente, cultura e saúde, que antes eram de instituições integrantes da administração, além de gerir e aplicar recursos públicos a ela destinados na lei orçamentária sem, todavia, submeter-se às limitações estabelecidas para as atividades administrativas estatais, tais como a realização de licitação.
Ademais, além de ser uma questão delicada e complexa, a matéria não é pacífica. Algumas unidades da federação entendem não ser possível a transferência desses serviços para entidades do terceiro setor; aquelas que admitem, como no caso o Estado do Rio Grande do Sul[5], São Paulo[6], Rio de Janeiro, admitem dificuldades na sua operacionalização. Além disso, muitas das contas dessas Organizações Sociais e OSCIPs têm sido julgadas irregulares por esses Tribunais de Contas, e o Ministério Público desses Entes Federativos e o Ministério Público Federal têm questionado em juízo essa delegação, como mencionado no parecer técnico da COG.
O Tribunal de Contas catarinense, por sua vez, enfrentou essa questão num passado não muito distante, através do Prejulgado 1867, que tratava da mesma matéria ora discutida e assentou o posicionamento da Corte sobre a temática, após amplo debate e discussão neste Tribunal.
Aliás,
a consulta que deu origem ao Prejulgado
1867 versava sobre o Programa Saúde da Família e Agentes Comunitários da Saúde,
questionando:
1. Qual o parecer deste Egrégio Tribunal de Contas
em relação a contratação realizada indiretamente através de OSCIP?
2. Qual a melhor forma de contratação da equipe, uma
vez não conseguimos profissionais com valor menor ou igual a do Prefeito?
Por ora, devido a essa gama de informações com vetores diversos, este Relator não tem elementos suficientes para divergir do entendimento desta Casa.
De plano, já registro que o voto que a seguir profiro será no sentido de acompanhar a substanciosa análise efetivada pelos Auditores da Consultoria Geral deste Tribunal exposta no Parecer COG nº 404/2010, de fevereiro de 2011, com exceção da resposta sugerida ao item “d”, mais especificadamente acerca da possibilidade das Organizações Sociais prestarem serviços complementares de assistência à saúde, para o qual a COG entende negativamente.
De qualquer forma, passo a enfrentar a seguir cada um dos questionamentos formulados.
a)
Pode determinado Município celebrar contrato de gestão e/ou termo de parceria com
entidade caracterizada como Organização Social e/ou Organizações da Sociedade
Civil de Interesse Público (OSCIP), para a gestão, operacionalização e
prestação de serviços públicos inerentes ao Programa Saúde da Família (PSF) e
ao Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS)?
Para
responder ao presente questionamento, a Consultoria Geral traçou em seu parecer
considerações acerca do direito à saúde no âmbito constitucional e
infraconstitucional, chamando a atenção deste Relator o fato de que, de acordo
com a Portaria nº 648/2006[7], do Ministério da
Saúde, a Saúde da Família é entendida como uma estratégia prioritária de
reorganização da Atenção Básica do país, efetivando os princípios do SUS como a
universalidade, a integralidade e a equidade, mediante a implantação de equipes
multiprofissionais em Unidades Básicas de Saúde, levando-a para mais perto da
família e, com isso, melhorar a qualidade de vida dos brasileiros. Uma vez
implementada a estratégia da Saúde da Família, ela substituirá a rede de
atenção básica existente no território.
O
Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) é, da mesma forma, uma
estratégia a ser inserida nas Unidades Básicas de Saúde visando a reorganização
inicial da Atenção Básica.
Portanto,
tanto o PSF quanto o PACS deixaram de ser programas, temporários, para serem
inseridos e incorporados na Atenção Básica, em caráter perene, a cargo dos
Municípios.
Na
sequência, a COG discorreu sobre as Organizações Sociais (OSs) e sobre as
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs), espécies de
entidade do Terceiro Setor, e que são pessoas jurídicas de direito privado sem
fins lucrativos, regidas pelas Leis nº 9.637/98 e 9.790/99, respectivamente.
Essas entidades são instituídas por particulares para desempenharem serviços
sociais não exclusivos do Estado, com incentivo e fiscalização do Poder
Público, mediante vínculo jurídico instituído por meio de contrato de gestão,
no primeiro caso, e termo de parceria no segundo.
Após
discorrer sobre as características de cada uma delas, a COG passou a enfrentar
diretamente o tema em questão, isto é, se gestão e operacionalização das
Estratégias Saúde da Família e Agentes Comunitários de Saúde poderiam ser
executadas por uma entidade qualificada como Organização Social ou Organização
da Sociedade Civil de Interesse Público.
Neste
contexto, o Órgão Consultivo registrou que desde a criação do Programa Agente
Comunitário de Saúde o Tribunal já recebeu e respondeu diversas consultas dos
municípios catarinenses, e delineou um panorama interessante acerca da evolução
da matéria no âmbito desta Corte de Contas, de forma a justificar a manutenção
do entendimento contido no Prejulgado 1867, que foi firmado após intenso
debate.
A
propósito, a COG mencionou que entre as manifestações exaradas na Consulta que
resultou no Prejulgado 1867 está o Voto do Conselheiro Moacir Bertoli, que dentre
os fundamentos utilizados para a negativa de autorização para realização de
parceria entre o Poder Público e as OSs e OSCIPs na execução do PACS e PSF
destacou a Deliberação n.º 1/2005, de 10/03/2005, do Conselho Nacional de
Saúde, que se posicionou contrariamente à terceirização da gerência e da gestão
de serviços e de pessoal do setor da saúde, assim como da administração
gerenciada de ações e serviços, a exemplo das OSs e OSCIPs ou outros mecanismos
com objetivos idênticos.
Por
fim, quanto a este ponto, a Consultoria Geral consignou que acompanham o
posicionamento do Conselho Nacional de Saúde, o Conselho Municipal de Saúde de
São Paulo e o Ministério Público Federal, que labutam contra tal terceirização.
Feitas
essas considerações, devo dizer que acolhendo a conclusão do Órgão Consultivo,
chancelada que foi neste ponto pela opinião de nossa Procuradoria de Contas,
tenho que a resposta a presente indagação é negativa.
E
assim o faço com lastro no entendimento pacífico desta Corte consolidado no
Prejulgado 1867 desta Corte, que assim dispõe:
Prejulgado
1867
[...]
6. Os Agentes
Comunitários de Saúde exercerão suas atividades no âmbito do Sistema Único
de Saúde-SUS, mediante vínculo direto
com o órgão ou entidade da administração direta, autárquica ou fundacional (art. 2º da Lei n. 11.350, de 2006). É
vedada a contratação temporária ou terceirizada de Agentes Comunitários de
Saúde, conforme art. 16 da Lei n. 11.350, de 2006.
7. Por
constituir-se de serviço público essencial e atividade-fim do Poder Público,
inserida na Atenção Básica à Saúde, cuja execução é de competência do gestor
local do SUS, as atividades dos demais profissionais de saúde, tais como,
médico, enfermeiro e auxiliar ou técnico de enfermagem, necessários ao atendimento do Programa de Saúde da Família-PSF, não
podem ser delegadas a organizações não-governamentais com ou sem fins
lucrativos, nem terceirizadas para realização por intermédio de Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), criadas conforme a Lei Federal n.
9.790, de 1999, mediante celebração de convênio, termo de parceria,
credenciamento ou mesmo contratação através de licitação, assim como, não
encontra amparo legal o credenciamento direto de pessoal ou a contratação de
prestadores autônomos de serviço, ou quaisquer outras formas de terceirização. [...][8] (grifei).
Tal orientação, por sua vez, foi de certo modo reafirmada pelo Plenário quando do julgamento do processo nº CON-09/00294884, relatado pelo Auditor Substituto de Conselheiro Cleber Muniz Gavi, na sessão de 24.03.2010, e também pelo Prejulgado 2064, resultante do processo nº CON-08/00153952, Decisão Plenária nº 3225/2010, Relator Conselheiro Salomão Ribas Junior, exarada na sessão de 26.07.2010, este último assim redigido:
A ADI n. 2.135-4 não afetou as contratações dos
agentes comunitários de saúde, uma vez que a volta da regra do regime jurídico
único estatutário estabelecida pelo texto original do art. 39, caput, da
Constituição Federal fica ressalvada pela norma do § 5º do art. 198 da
Constituição Federal, mantendo-se, no entanto, o entendimento desta Corte de
Contas firmado no Prejulgado 1867, no que tange à contratação dos referidos
agentes.
Destaco,
por fim, que o próprio assessor jurídico da Fecam coaduna, de certo modo, com o
entendimento desta Corte, ao afirmar em seu parecer que “pode o
Município celebrar contrato de gestão com entidade qualificada como organização
social, tendo como objeto a prestação
material das atividades inerentes ao PSF e PACS, sendo vedada a delegação dos atos de gestão, planejamento e controle
dos programas de saúde;”. (fl. 14 – grifei).
Pelo
exposto, a resposta a presente indagação é negativa, sendo pertinente o
encaminhamento de cópia do Voto nº GC-OGS/2007/040 e Parecer COG nº 670/06, que
fundamentaram a Decisão nº 1007/2007, exarada no bojo do processo de consulta
nº CON-05/00173222 e que resultou no Prejulgado 1867, e Parecer COG nº 141/08,
que fundamentou a Decisão nº 3225/2010, resultando no Prejulgado 2064, que
tratam de matéria análoga, conforme sugerido pelo Órgão Consultivo.
b) Pode este mesmo Município hipotético
instituir fundação pública para gestão, operacionalização e prestação de
serviços públicos inerentes ao Programa Saúde de Família (PSF) e ao Programa de
Agentes Comunitários de Saúde (PACS)?
No parecer técnico exarado pela COG, o
questionamento obteve resposta afirmativa, restando assentado que “Fica a
critério do Município, observadas as exigências das diretrizes da Portaria nº
648/2006 do Ministério da Saúde, a instituição de Fundação Pública com vistas a
gestão, operacionalização e prestação de serviços inerentes aos Programas Saúde
da Família e Agentes Comunitários da Saúde.”
A fundamentação consignada no parecer que
subsidia a resposta afirmativa ao questionamento reside nos seguintes pontos:
- a resposta a essa questão decorre
diretamente da fundamentação na questão anterior, pois são serviços do sistema
único de saúde – SUS e devem ser prestados de forma direta e principal pelo
Poder Público;
- o art. 4º da Lei nº 8.080/90, que dispõe
sobre o SUS, afirma que o direito à saúde é garantido pela execução de ações e
serviço prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e
municipais, da administração direta e indireta, e das fundações mantidas pelo
Poder Público, constituindo o Sistema Único de Saúde;
- no tocante aos agentes comunitários, a Lei
nº 11.350/2006, em seu art. 2º, é clara ao exigir o vínculo destes com órgão ou
entidade da administração direta, autárquica e fundacional. Dessa forma, como
os agentes comunitários prestam os serviços ligados ao PSF e PACS, fazendo
parte das equipes multiprofissionais, visualiza-se a atuação da Fundação
Pública na prestação de serviços;
- prevalece o entendimento na doutrina de que
tanto a fundação de direito público quanto a de direito privado integram a
Administração Pública, sendo que a dúvida maior reside na figura de direito
privado;
- o tema da natureza jurídica das fundações
públicas ainda é muito controvertido, em especial após a nova redação do inciso
XIX do artigo 37 da Constituição Federal, conferida pela Emenda Constitucional
nº 19/1998, que prevê a possibilidade do Poder Público instituir fundações de
direito privado;
- em relação a este inciso (XIX, art. 37), a
interpretação dominante verificada na doutrina é de que as fundações públicas
de direito público teriam o mesmo status
das autarquias, devendo ser instituídas por lei, e as fundações públicas de
direito privado seguiriam o regime das empresas públicas e das sociedades de
economia mistas, bastando haver autorização em lei para a sua criação; neste
último caso, a área de atuação deve ser definida por lei complementar, não
editada até o presente momento;
- apesar de ainda não terem sido definidas as
áreas de atuação das fundações públicas de direito privado, vez que não editada
a lei complementar necessária, a Consultoria Geral advoga a tese de que a essas
fundações caberia a realização de atividades não exclusivas do Estado e até
mesmo atividades econômicas. Porém, enquanto não definidas as áreas em que
poderão atuar, toda essa discussão torna-se irrelevante pois atualmente a
natureza jurídica das fundações tem sido definida pelo Supremo Tribunal Federal
basicamente pela origem dos recursos e pela finalidade, ou seja, se presta ou
não serviço público, enquadrando-se as fundações de direito privado que prestam
serviços públicos como de natureza jurídica pública, conforme se verifica nos
julgados RE n.º 219.900-1-RS, RE 127.489-1-RJ e RE 381.204-RS, dentre outros.;
- o projeto de lei complementar apresentado
pelo Governo Federal (PLC nº 92/2007, em tramitação no Congresso Nacional), que
vem regulamentar o inciso XIX do artigo supracitado, definindo as áreas de
atuação para fundações instituídas pelo Poder Público, tem como proposta a
instituição de fundações estatais visando substituir o modelo de terceirização
da gestão do SUS que se tenta extirpar. Essas fundações estatais permitiriam,
pois, uma retomada pelo Poder Público da prestação direta dos serviços de saúde
do SUS, em contraponto a fase de privatização que vigorou na década passada.
A manifestação do Procurador de Contas, por
sua vez, foi no sentido de que “[...] a hipótese apresentada pelo Consulente,
só será possível após regulamentação do art. 37, XIX da Constituição Nacional,
caso lei federal faculte a atuação de fundações públicas na área da saúde,
envolvendo o Programa Saúde da Família e o Programa Agentes Comunitários de
Saúde.” (fl. 79).
Neste ponto, após sopesar as manifestações
contidas nos autos, inclino-me ao posicionamento manifestado pela Consultoria
Geral no parecer nº 404/2010, para responder ao consulente nos seguintes termos:
“Fica a critério do Município, observadas
as exigências das diretrizes da Portaria nº 648/2006 do Ministério da Saúde, a
instituição de Fundação Pública com vistas a gestão, operacionalização e
prestação de serviços inerentes aos Programas Saúde da Família e Agentes
Comunitários da Saúde.”
c)
Caso afirmativo o questionamento realizado no item “a” e/ou item “b”, os
recursos públicos destinados a cobrir os custos do Programa Saúde de Família
(PSF) e ao Programa de Agentes Comunitários de Saúde (PACS) deverão ser
contabilizados na base de cálculo dos gastos com pessoal, para fins de
aplicação dos limites estabelecidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal?
Em razão da resposta negativa ofertada no item
“a”, como já visto, o questionamento será enfrentado apenas em relação aos
gastos com pessoal quando se tratar de fundação pública.
Nesse diapasão, a Consultoria Geral salientou
que, em outras oportunidades, este Tribunal já se manifestou sobre a possibilidade
das despesas com profissionais contratados para atuarem no PACS e PSF
integrarem os gastos com pessoal, gerando vários prejulgados – 1095
(reformado); 1186 (revogado); e 1347 (reformado). Tanto o prejulgado 1186
quanto o 1347 mantiveram o primeiro entendimento adotado no prejulgado 1095,
que em seu item 5 assim dizia:
Prejulgado 1095
[...]
5. Considerando que os recursos originários de
transferências voluntárias integram o cálculo para apuração da receita corrente
líquida, as despesas de pessoal realizadas com esses recursos também devem
integrar a Despesa Total com Pessoal do Poder e do Ente.
Sobre a reforma do prejulgado 1095, a
Consultoria Geral salientou que decorreu da Decisão nº 1007/2007, exarada no
processo nº CON-05/001732222. Referida decisão determinou a reforma dos itens 4
e 5 do prejulgado, dando, porém, nova redação apenas para item 4. Consequentemente,
restou revogado o item 5, supracitado.
Para entender o motivo da revogação do item
5, consultou-se os pareceres elaborados pela Consultoria Geral (nºs 037/05,
734/05, 282/06, 670/06) que fundamentaram a Decisão nº 1007/2007.
Nesse sentido,
consignou-se que os pareceres nºs 037/05, 734/05 e 282/06, sugeriram, entre as
demais respostas à consulta, a mesma resposta que vinha sendo adotada pela Casa,
ex vi dos Prejulgados 1095, 1186 e
1347, nos seguintes termos:
Considerando que os recursos originários de
transferências voluntárias integram o cálculo para apuração da receita corrente
líquida – RCL (LC nº 101/00, art. 2º, IV), as despesas de pessoal realizadas
com esses recursos também devem integrar a despesa total com o pessoal do Poder
e do ente.
Aduziu o parecer que apenas o último parecer
oriundo da COG, nº 670/06, não levou à conclusão a resposta então sugerida nos
demais pareceres – isso porque o assunto não havia sido objeto específico da
consulta, além do fato de já haver prejulgamento da matéria. Entretanto, por um
lapso, entre os itens do prejulgado 1095 que deveriam ser reformados
mencionou-se, além do item 4, também o item 5, que acabou sendo revogado por
não haver sugestão de nova redação para ele.
Assim, o Órgão Consultivo afirmou que,
conforme visto, não havia necessidade para tal encaminhamento, não havendo
incompatibilidade da resposta sugerida na consulta com o tema contido no item 5
do Prejulgado 1095. Uma porque a matéria não tinha sido objeto de consulta, e a
segunda porque não havia incompatibilidade da sugestão encaminhada com posicionamento
até então adotado pelo referido Prejulgado 1095.
Desta forma, a COG manteve no presente caso o
posicionamento do revogado item 5 do Prejulgado 1095, de forma a responder ao
consulente que as despesas de pessoal realizadas com recursos originários de
transferências voluntárias devem integrar a despesa total com o pessoal do
Poder uma vez que os recursos originários de transferências voluntárias
integram o cálculo para apuração da receita corrente líquida – RCL (LC n.º
101/00, art. 2º, IV).
O parecer ministerial, como já dito
anteriormente, consignou a prejudicialidade da indagação que ora se examina,
haja vista as respostas ofertadas nos itens anteriores, no sentido da negativa
do questionado.
Acato integralmente a análise técnica
constante do Parecer COG nº 404/2010, a fim de que este Tribunal ofereça a
seguinte resposta ao presente questionamento: “as despesas de pessoal realizadas com recursos originários de
transferências voluntárias devem integrar a despesa total com o pessoal do
Poder uma vez que os recursos originários de transferências voluntárias
integram o cálculo para apuração da receita corrente líquida – RCL (LC n.º
101/00, art. 2º, IV).”
d) pode determinado Município celebrar contrato de gestão com entidade
privada, sem fins econômicos, qualificada como entidade filantrópica, ou
organização social, ou ainda organização da sociedade civil de interesse público
(OSCIP), para prestação de serviços de saúde complementares à atenção básica,
cabendo ao Município a gestão das atividades e ao contratado a execução dos
serviços nos termos contratuais.
A última questão trazida à apreciação desta Corte de Contas está relacionada à participação de entidades filantrópicas, Organizações Sociais e/ou OSCIP na prestação de serviços de saúde complementares à atenção básica.
Em seu parecer, destacou a COG que o §1º do art. 199 da Constituição Federal dispõe sobre a atuação da iniciativa privada no SUS, ou seja, nas ações e serviços públicos de saúde, in verbis:
Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.
§1º As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo
as diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo
preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos. (grifei).
Também, que o artigo 24 da Lei nº 8.080/90, que regulamenta o §1º do art. 199 da Constituição, dispõe que o gestor local do SUS poderá recorrer aos serviços ofertados pela iniciativa privada quando a capacidade instalada pelo Município for insuficiente para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área:
Art. 24. Quando as suas disponibilidades forem insuficientes para
garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, o
Sistema Único de Saúde (SUS) poderá recorrer aos serviços ofertados pela
iniciativa privada.
Parágrafo único. A participação complementar dos serviços privados será
formalizada mediante contrato ou convênio, observadas, a respeito, as normas de
direito público.
Salientou o Órgão Consultivo que a participação de forma complementar, por sua vez, não se confunde com a delegação do serviço de saúde. As ações e serviços de saúde não podem ser repassados na sua totalidade à iniciativa privada.
Ainda, afirmou que cabe à direção nacional do SUS elaborar normas para regular as relações entre o SUS e os serviços privados de assistência à saúde, estabelecendo os critérios e valores para a remuneração de serviços e os parâmetros de cobertura assistencial, sendo que os serviços contratados submeter-se-ão às normas técnicas e administrativas e aos princípios e diretrizes do SUS, mantido o equilíbrio econômico e financeiro do contrato, sendo tais serviços prestados de forma autônoma direta e não vinculadas de qualquer forma aos órgãos de execução do Poder Público.
Ressaltou que a atuação da iniciativa privada no setor da saúde foi reforçada pelo “Pacto pela Saúde 2006”, cujo modelo, dividido em três setores; Pacto pela Vida, Pacto em Defesa do SUS e Pacto de Gestão, não preconiza a participação exclusiva do Estado.
Concluiu que “considerando a natureza jurídica das Organizações Sociais e a forma como se efetiva a transferência dos serviços públicos às entidades qualificadas no âmbito federal, definidos na Lei Federal n.º 9.637/98, descarta-se a possibilidade de celebração de contrato de gestão com entidade qualificada na organização social para gestão, operacionalização e execução das Estratégias Saúde da Família e Agentes Comunitários de Saúde.” (fl. 58).
Afirmou, ainda, que haveria possibilidade de firmar parceria com OSCIP, com vistas à execução de programas e projetos de saúde, somente com objetivo de complementar aos serviços do SUS e, desde que, formalizada mediante contrato ou convênio com observância das normas de direito público, dentre elas as regras previstas na Lei n.º 8.080/90 e Portarias do Ministério da Saúde.
Nesse contexto, aduziu que hoje vigora a Portaria n.º 1.034, de 5 de maio de 2010[9], que dispõe sobre a participação complementar das instituições privadas com ou sem fins lucrativos de assistência à saúde no âmbito do SUS, cujo art. 2º desta Portaria dispõe:
Art. 2º. Quando as disponibilidades forem insuficientes para garantir a
cobertura assistencial à população de uma determinada área, o gestor estadual
ou municipal poderá complementar a oferta com serviços privados de assistência
à saúde, desde que:
I – comprovada a necessidade de complementação dos serviços públicos de
saúde e;
II – haja a impossibilidade de ampliação dos serviços públicos de
saúde.
Alertou que tanto o artigo 24 da Lei nº 8.080/90 quanto o artigo supracitado (art. 2º da Portaria nº 1.034/2010) falam em insuficiência da cobertura assistencial à população, para que então possa haver a complementação por serviços privados, e que deverão ainda ser atendidos os princípios e as diretrizes do SUS, já que o serviço privado integrará o sistema.
Afirmou que a comprovação da necessidade de complementaridade se efetivará mediante um Plano Operativo e deverá ser aprovada pelo Conselho de Saúde (§§1º e 2º do artigo 2º da referida Portaria).
Mencionou que o artigo 3º disciplina os instrumentos jurídicos que serão utilizados para formalizar a complementaridade de serviços de saúde com a iniciativa privada:
Art. 3º A participação das instituições privadas de assistência à saúde
no SUS será formalizada mediante contrato
ou convênio, celebrado entre o ente público e a instituição privada,
observadas as normas de direito público e o disposto nesta Portaria.
Parágrafo único. Para a complementaridade de serviços de saúde com
instituição privada com ou sem fins lucrativos serão utilizados os seguintes
instrumentos:
I – convênio, firmado entre o ente público e a instituição privada sem
fins lucrativos, quando houver interesse comum em firmar parceria em prol da
prestação de serviços assistenciais à saúde;
II – contrato administrativo, firmado entre ente público e instituições
privadas com ou sem fins lucrativos, quando o objeto do contrato for a compra
de serviços de saúde; (grifei).
Registrou, ainda, que os arts. 4º, 5º e 6º da Portaria nº 1.034/2010
falam sobre a preferência das entidades filantrópicas na escolha do Poder
Público:
Art. 4º O Estado ou o Município deverá, ao
recorrer às instituições privadas, dar preferência às entidades filantrópicas e
às sem fins lucrativos, observado o disposto na legislação vigente.
Art. 5º As entidades filantrópicas e sem fins
lucrativos deixarão de ter preferência na contratação com o SUS, e concorrerão
em igualdade de condições com as entidades privadas lucrativas, no respectivo
processo de licitação, caso não cumpram os requisitos fixados na legislação
vigente.
Parágrafo único. As entidades filantrópicas e
sem fins lucrativos deverão satisfazer, para a celebração de instrumento com a
esfera de governo interessada, os requisitos básicos contidos na Lei n.º 8.666,
de 1993, e no art. 3º, da Lei n.º 12.101, independentemente das condições
técnicas, operacionais e outros requisitos ou exigências fixadas pelos gestores
do SUS.
Art. 6º Após ter dada a devida preferência às
entidades filantrópicas e sem fins lucrativos, e ainda persistindo a
necessidade de complementação da rede pública de saúde, será permitido ao ente
público recorrer à iniciativa privada, observado o disposto na Lei n. 8.666, de
1993.
Segundo a COG, o parágrafo único do artigo 3º deixa claras as hipóteses
em que caberá convênio ou contrato administrativo, podendo o Município celebrar
contrato de prestação de serviço, mediante prévia licitação, com a iniciativa
privada, nos casos em que, mesmo tendo sido dada preferência às entidades
filantrópicas e sem fins lucrativos, persistir a necessidade de complementação
da rede pública de serviço.
Esclareceu que até 25/12/2006, quando vigorava a Portaria nº 358/GM do
Ministério da Saúde, havia previsão de um terceiro instrumento, o contrato de
gestão, celebrado com organizações sociais, quando o objeto do contrato fosse a
transferência de gestão de um órgão estatal, nos seguintes termos:
Art. 3º [...]
[...]
II - contrato de gestão com organizações
sociais, quando o objeto do contrato for a transferência de gestão de um órgão
estatal; e
III - contrato administrativo com empresas
privadas de fins lucrativos, ou, em casos excepcionais, com filantrópicas e
organizações sociais.
Afirmou que, extirpada a celebração do contrato de gestão, a formalização
da parceria com determinada entidade qualificada como OSCIP deverá ser formalizada
por convênio. Citou a doutrina de Lucas Rocha Furtado, que menciona inclusive que
os termos de parcerias mais se assemelham aos convênios, sendo possível em
muitas situações, ser utilizados um indistintamente no lugar do outro.
Desta forma, concluiu a COG que, na condição de pessoas jurídicas de
direito privado sem fins lucrativos, as Organizações da Sociedade Civil (OSCIP)
só poderiam executar as Estratégias da Saúde da Família de forma complementar
nos termos do art. 199, § 1º da Constituição, art. 24, da Lei n.º 8.080/90, e
da Portaria nº 1.034/10 do Ministério da Saúde, quando as disponibilidades de
serviço público de saúde ofertadas pelo Município forem insuficientes para
garantir a cobertura assistencial à população de determinada área, e, desde
que, comprovada a necessidade da complementação, mediante aprovação do Conselho
de Saúde e previsão no Plano de Saúde e, haja a impossibilidade de ampliação
dos serviços públicos de saúde.
Ressaltou que não se trata da celebração de termo de parceria, mas sim de
formalização da participação da entidade de forma complementar por meio da
celebração de convênio ou contrato, nos termos do art. 3º, parágrafo único,
incisos I e II, da Portaria nº 1.034/2010 do Ministério da Saúde.
Em relação aos Agentes Comunitários de Saúde - ACS que integram tanto a
equipe multiprofissional da Estratégia Saúde da Família quanto da Estratégia
Agentes Comunitários, juntamente com um enfermeiro supervisor, afirmou o Órgão
Consultivo que a Lei n.º 11.350/2006 trouxe a vedação expressa quanto às
contratações temporária e terceirizada dos agentes comunitários de saúde e de
combate à endemias, in verbis:
Art. 16. Fica vedada a contratação temporária
ou terceirizada de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate às
Endemias, salvo na hipótese de combate a surtos endêmicos, na forma da lei
aplicável.
Salientou que a própria lei veda contratação temporária bem como a
terceirização de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate às
Endemias, salvo na hipótese de combate a surtos endêmicos, na forma da lei
aplicável.
Portanto, em se tratando de funções atribuídas aos ACS e aos ACE, sendo
expressamente vedada a contratação desses agentes por intermédio de terceiros, concluiu
a COG que há óbice legal para a celebração de termo de parceria com as OSCIPs
para execução da Estratégia Agentes Comunitários de Saúde.
Em resumo, a resposta ofertada pela COG sobre o presente questionamento é
a seguinte:
3.2.4. Na condição de pessoas jurídicas de
direito privado sem fins lucrativos, as entidades qualificadas como
Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público poderiam executar as ações
e serviços afetos à Estratégia Saúde da Família somente de forma complementar
nos termos do art. 199, § 1º da Constituição Federal c/c o art. 24, da Lei n.º
8.080/90 e da Portaria n.º 1.034/10 do Ministério da Saúde, quando a capacidade
instalada pelo Município for insuficiente para garantir a cobertura
assistencial à população de uma determinada área, e, desde que, comprovada a
necessidade da complementação, mediante aprovação do Conselho de Saúde e
previsão no Plano de Saúde e, haja a impossibilidade de ampliação dos serviços
públicos de saúde;
3.2.5. A atuação complementar da iniciativa
privada nas ações e serviços públicos de saúde não se coaduna com a natureza
jurídica e forma de transferência de serviço público definidos no âmbito da
União na Lei n.º 9.637/98 das entidades qualificadas como organizações sociais.
O Ministério Público de Contas, por sua vez, pontuou em sua manifestação
que “[..] a lei nº 8080/90 e principalmente a Constituição Federal, conforme
grifos anteriores, apenas admitem como aplicáveis à matéria contrato de direito
público e convênio, na efetivação da transação, afastada, por falta de
previsão, quaisquer outras formas.” (fl. 83).
Alertou, também, que “a complementação implica na total saturação da
estrutura pública e a impossibilidade de sua ampliação, logo, a instituição
privada contratada ou conveniada deverá apresentar-se com estrutura própria,
englobando, por exemplo, instalações, materiais e pessoal.” Citou, neste
sentido, a doutrina da Maria Sylvia Zanella Di Pietro (fl. 83).
Assim, opinou no sentido de que “os serviços
de saúde aqui tratados poderão ser ofertados de forma complementar por
instituição privada, que se apresente com estrutura própria, observados os
requisitos constitucionais aplicáveis à espécie, inclusive os princípios
administrativos, a Lei nº 8080/90, a Portaria MS-GB nº 1034/2010 e demais
termos contidos neste tópico.” (fls. 83-84, grifei).
Analisando atentamente a matéria, e acolhendo
as manifestações contidas nos autos, tenho a ponderar o que segue.
Como já dito, no pertinente à terceirização
da área da saúde, a Constituição Federal faz referência à possibilidade de
serem os serviços públicos de saúde prestados por terceiros, em caráter
complementar (§1º do art. 199).
A participação complementar da iniciativa
privada a que alude o §1º do art. 199 da Constituição Federal encontra-se
regulada nos artigos 24 a 26[10] da Lei federal nº 8.080/90 (Lei Orgânica da
Saúde – LOS), que no art. 24 dispõe que referida participação complementar só é
admitida quando as disponibilidades do SUS forem insuficientes para garantir a
cobertura assistencial à população (art. 24). Vale dizer, o Poder Público só
deve contratar serviços de terceiros (pessoa física ou jurídica) quando os seus
serviços forem insuficientes para garantir a saúde da população, conforme já
transcrito.
Ainda, de acordo com o art. 27 da LOS, a
política de recursos humanos da área da saúde é formalizada e executada
articuladamente pelas diferentes esferas de governo, com responsabilidade pela
seleção, contratação e remuneração dos profissionais delegada às unidades
federadas executoras.
Nesse contexto, é relevante frisar que a LOS
estabelece que a política de recursos humanos na área da saúde será executada e
formalizada de modo articulado pelas diferentes esferas de governo e não
independente. Desta maneira, extrai-se que deverão ser observadas as regras de
contratação constitucionais e infraconstitucionais, cumulativamente com os
comandos específicos baixados pelo Ministério da Saúde.
Assim é que o Ministério da Saúde baixou recentemente nova portaria disciplinando a participação complementar da iniciativa privada com ou sem fins lucrativos de assistência à saúde no âmbito do SUS – Portaria n.º 1.034, de 5 de maio de 2010[11], que revogou a Portaria nº 3.277/GM, de 22 de dezembro de 2006, conforme leitura do seu art. 16.
A portaria em vigor assim dispõe:
Art. 2º Quando as disponibilidades forem insuficientes para garantir a
cobertura assistencial à população de uma determinada área, o gestor estadual
ou municipal poderá complementar a oferta com serviços privados de assistência
à saúde, desde que:
I - comprovada a necessidade de complementação dos serviços públicos de
saúde; e
II - haja a impossibilidade de ampliação dos serviços públicos de
saúde.
§ 1º A complementação dos serviços deverá observar aos princípios e as
diretrizes do SUS, em especial, a regionalização, a pactuação, a programação,
os parâmetros de cobertura assistencial e a universalidade do acesso.
§ 2º Para fins de organização da rede de serviços e justificativa da
necessidade de complementaridade, deverá ser elaborado um Plano Operativo para
os serviços públicos de saúde, nos termos do art. 7º da presente Portaria.
§ 3º A necessidade de complementação de serviços deverá ser aprovada
pelo Conselho de Saúde e constar no Plano de Saúde respectivo.
O cerne da minha divergência à resposta ofertada pela COG está calcada tão somente no fato de que nesta portaria, que se encontra plenamente em vigor, há previsão expressa acerca da possibilidade da celebração de contrato de gestão, ou seja, da participação das Organizações Sociais nesta seara (art. 3º, parágrafo único, inciso III), mas não nos mesmos moldes da Portaria nº 358/GM, de 22 de fevereiro de 2006. Senão vejamos:
Portaria nº 1.034/2010
Art. 3º A participação complementar das instituições privadas de
assistência à saúde no SUS será formalizada mediante contrato ou convênio,
celebrado entre o ente público e a instituição privada, observadas as normas de
direito público e o disposto nesta Portaria.
Parágrafo único. Para a complementaridade de serviços de saúde com
instituições privadas serão utilizados os seguintes instrumentos:
I - convênio, firmado entre ente público e a instituição privada sem
fins lucrativos, quando houver interesse comum em firmar parceria em prol da
prestação de serviços assistenciais à saúde;
II - contrato administrativo, firmado entre ente público e instituições
privadas com ou sem fins lucrativos, quando o objeto do contrato for a compra
de serviços de saúde; e
III - contrato de gestão, firmado entre
ente público e entidade privada qualificada como Organização Social, com vistas
à formação de parceria entre as partes para fomento e execução de serviços
assistenciais à saúde.
Portaria nº 358/2006
Art. 3º Para fins do disposto nesta Portaria, será utilizado o termo
contratação de serviços para todo e qualquer acordo firmado entre o Poder
Público e o Setor Privado.
§ 1º Quando houver cooperação entre órgãos públicos de níveis de
governo diferentes, o instrumento utilizado será o Termo de Cooperação entre
entes Públicos.
§ 2º Para a complementaridade de serviços com o Setor Privado serão
utilizados os seguintes instrumentos:
I – convênio para empresas filantrópicas ou sem fins lucrativos;
II – contrato de gestão com organizações
sociais, quando o objeto do contrato for a transferência de gestão de um
órgão estatal; e
III – contrato administrativo com empresas privadas de fins lucrativos,
ou, em casos excepcionais, com filantrópicas e organizações sociais. (grifei).
Registro, ainda, que a Portaria nº 358/GM, de 22 de fevereiro de 2006, e que fazia menção à previsão de celebração de contrato de gestão (art. 3º, I, como já transcrito acima), foi revogada no mesmo ano pela Portaria n° 3.277/GM, de 22 de dezembro de 2006, ex vi do art. 15, que vigorou até a entrada em vigor do novel diploma em 2010.
Esta última portaria, por sua vez, não fazia mais menção ao contrato de gestão[12] mas, como visto, passou a estar novamente prevista na Portaria nº 1.034/2010.
Portanto, ao meu ver, a resposta a presente indagação deve ser no sentido de que na condição de pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, as entidades qualificadas como Organização Social, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público ou Entidades Filantrópicas podem executar as ações e serviços afetos à Estratégia Saúde da Família somente de forma complementar nos termos do art. 199, § 1º da Constituição Federal c/c o art. 24, da Lei n.º 8.080/90 e da Portaria n.º 1.034/10 do Ministério da Saúde, quando a capacidade instalada pelo Município for insuficiente para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, e, desde que, comprovada a necessidade da complementação, mediante aprovação do Conselho de Saúde e previsão no Plano de Saúde e, haja a impossibilidade de ampliação dos serviços públicos de saúde.
Por fim, acerca da participação complementar
das entidades do terceiro setor na prestação de serviços de saúde, entendo
pertinente citar, a título de esclarecimento, o Acórdão nº 680/06 – Tribunal
Pleno, do Tribunal de Contas do Estado do Paraná, que demarca mo âmbito de sua
competência as condições de participação de entidades da sociedade civil nesta
seara.
A parte dispositiva do acórdão contempla, no
item 5, o resumo do entendimento daquele Tribunal de Contas acerca da matéria.
Vejamos:
5.
Prestação de Serviços na área da Saúde Pública
5.1. Não podem ser objeto de vinculações externas os
cargos referentes aos níveis de direção, supervisão, gerência, planejamento,
controle e fiscalização das áreas de saúde, os quais serão exercidos por
intermédio de vínculos internos (mandato eletivo, cargos efetivos, empregos
públicos, contratação temporária, cargos comissionados), atendidos os
pressupostos legais de preenchimento.
5.2.
De igual forma, não pode ser objeto de vínculos externos a cessão total de
unidades de assistência à saúde e hospitalares (capacidade instalada), as quais
devem ser objeto de gestão própria por vínculos internos, conforme orientação
inclusive do Conselho Nacional de Saúde (Deliberação nº. 001/2005); mantida,
porém, a faculdade de vínculos externos para a execução e prestação de serviços
parciais e específicos.
5.3. Consideram-se como vínculos externos a
prestação indireta de serviços públicos de saúde, como por exemplo, contrato de
prestação de serviços, convênios e termos correlatos, contratos de gestão e
termos de parcerias, atendidos os pressupostos legais de sua formalização e
objetos, bem como as condições de legitimidade para a vinculação externa do
Gestor do Sistema Único de Saúde.
5.4. A vinculação externa que consiste, basicamente,
na participação do sistema privado e do Terceiro Setor (Organizações Sociais e
OSCIP’s), em caráter complementar terá como condição de legitimidade
inafastável a comprovação, pelo gestor, dos requisitos de insuficiência das
disponibilidades para garantir a cobertura assistencial (Lei 8080, art. 24), da
utilização de toda a capacidade instalada (art. 2º, Portaria 358/06-MS) e do
esgotamento da capacidade de prestação de ações e serviços de saúde pelos
órgãos e entidades da administração direta, indireta e fundacional (art. 5º,
Portaria nº. 358/06). A comprovação destes requisitos de legitimidade deverá
atender, dentre outros pressupostos, os contidos na Portaria nº. 358/06-GM, em
especial ser:
a) comprovado pelos planos operativos e demais
instrumentos de planejamento previstos nas normas operacionais e diretrizes do
SUS;
b) aprovado pelo respectivo Conselho da Saúde
regularmente constituído;
c) avaliação da capacidade de investimento, metas e
resultados na área da saúde, previstas nos planos de saúde, planos e leis
orçamentárias.
5.5. Estes mesmos requisitos devem ser observados pelos
vínculos externos de cooperação, a exemplo dos Contratos de Gestão
(Organizações Sociais) e Termos de Parceria (Organizações da Sociedade Civil de
Interesse Público), que observarão estritamente a sua natureza, com
estabelecimento de metas e resultados, além de projetos específicos e
determinados, na forma das Leis nºs. 9790/99 e 9637/98.
5.6. Para a realização de vínculos externos e
demonstração do atendimento aos pressupostos previstos no item 5.4. e demais
requisitos legais e regulamentares, deverão ser obrigatoriamente considerados,
dentre outros elementos de informação e prova:
a) o efetivo preenchimento dos cargos ou empregos
públicos previstos para o quadro próprio de pessoal na área da saúde;
b) a implantação de mecanismos de adequação do quadro
próprio, de forma a obedecer as diretrizes e normas de recursos humanos do SUS
e;
c) processo adequado de motivação e apresentação das
medidas de proteção e valorização dos vínculos internos e da política de gestão
dos recursos humanos próprios na área da saúde.
5.7. Considero, ainda, no conceito de esgotamento da
capacidade de prestação de serviços de saúde, os seguintes eventos:
a) Incapacidade de contratação face às restrições da
Lei de Responsabilidade Fiscal no que tange os limites de gastos com pessoal,
desde que devidamente comprovadas as seguintes situações:
- Comprovação do preenchimento de todos os
requisitos da responsabilidade fiscal, como a elaboração dos relatórios de
receitas, a indicação das medidas de combate à sonegação e de cobrança da
dívida administrativa e ativa, além da efetividade da arrecadação dos tributos
de sua competência, previstos na Lei Complementar nº. 101/2000;
- Demonstrativo de atendimento a todas as medidas de
redução d os gastos com limite de pessoal previstas na Constituição Federal e
na Lei Fiscal.
b) Comprovação documental do não atendimento aos
chamamentos para preenchimento dos cargos ou empregos públicos, mediante
processo com ampla divulgação e com medidas de valorização da política de
recursos humanos na área da saúde, de forma a caracterizar a real intenção do
Gestor Público de preenchimento dos cargos ou empregos públicos com base em
vínculos internos, e que a impossibilidade do preenchimento de tais funções se
deu por razões de mercado.
5.8. Deverão ser atendidos os demais pressupostos de
contratação e requisitos estabelecidos pelas Diretrizes e Normas do SUS,
inclusive as decorrentes do Pacto de Gestão 2006, tais como as normas previstas
na Portaria nº. 358, de 22 de fevereiro de 2006, elaborada pelo Ministério da
Saúde.
6.
Prestação de Serviços Complementares e Medidas Administrativas
6.1. Deve-se considerar, como condição de
legitimidade que, para fins de comprovação, execução e fiscalização dos
vínculos externos, deverá ser efetivamente instituído o Controle Interno pelo
Gestor Público, atendendo-se ao contido no art. 74 da Constituição Federal.
6.2. Na vinculação externa e prestação de serviços
indiretos o Gestor de Saúde deverá adotar as medidas de Gestão de Trabalho
previstas nas Diretrizes Operacionais do Pacto pela Saúde 2006, sob pena de
responsabilidades.
6.3. A formalização dos controles contratuais deverá
se dar em conjunto com o controle interno e com o controle a ser exercido pelos
respectivos Conselhos de Saúde, estes devidamente incentivados pelo Poder
Público local.
6.4. Deverão ser realizados os atos de planejamento
previstos nas normas operacionais e diretrizes do SUS, com vistas ao
estabelecimento de indicadores, metas e resultados, inclusive para servirem de
elemento fundamental ao exercício de opção pelas vinculações por cooperação
(gestão e parcerias).
6.5. Os procedimentos complementares para a
vinculação externa deverão estar previstos em normas legais locais, inclusive
com lei específica, para a legitimidade de realização de Termos de Parcerias e
Contratos de Gestão, atendendo, assim, os Princípios e Diretrizes do Pacto de
Gestão do SUS (Pacto pela Vida 2006).
III – VOTO
Diante de todo o exposto, estando os autos instruídos na forma regimental, acolho o parecer exarado pela COG, referendado que foi pelo Ministério Público Especial, e proponho ao e. Plenário o seguinte voto:
1 – Conhecer da presente Consulta por
preencher os requisitos e formalidades preconizados no Regimento Interno deste
Tribunal e respondê-la nos seguintes
termos:
1.1 A saúde é direito de todos e dever do Estado, devendo o Poder Público tomar todas as providências cabíveis para a execução de políticas de saúde. Não se trata de serviço que o Poder o Público possa repassar a totalidade de sua execução. O constituinte permitiu que os serviços de saúde fossem prestados de forma complementar pela iniciativa privada, mediante autorização e fiscalização do ente, o que não se confunde com a delegação de serviços;
1.2. Os Programas Saúde da Família e Agentes Comunitários da Saúde se consolidaram como estratégias para reorganizar a Atenção Básica à Saúde no SUS no âmbito municipal, sendo dever do Poder Público oferecê-los de maneira direta por órgãos e entidades da administração direta, autárquica e fundacional (art. 197, da Constituição Federal c/c art. 4ª, da Lei n.º 8.080/90 e art. 2º, da Lei n.º 11.350/06);
1.3. Fica a critério do Município, observadas as exigências e diretrizes da Portaria n.º 648/2006 do Ministério da Saúde, a instituição de Fundação Pública com vistas a gestão, operacionalização e prestação de serviços inerentes aos Programas Saúde da Família e Agentes Comunitários da Saúde;
1.4. Na condição de pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, as entidades qualificadas como Organização Social, Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público ou Entidades Filantrópicas podem executar as ações e serviços afetos à Estratégia Saúde da Família somente de forma complementar nos termos do art. 199, § 1º da Constituição Federal c/c o art. 24, da Lei n.º 8.080/90 e da Portaria n.º 1.034/10 do Ministério da Saúde, quando a capacidade instalada pelo Município for insuficiente para garantir a cobertura assistencial à população de uma determinada área, e, desde que, comprovada a necessidade da complementação, mediante aprovação do Conselho de Saúde e previsão no Plano de Saúde e, haja a impossibilidade de ampliação dos serviços públicos de saúde;
1.5. Considerando que os recursos originários de transferências voluntárias integram o cálculo para apuração da receita corrente líquida - RCL (LC nº 101/00, art. 2º, IV), as despesas de pessoal realizadas com esses recursos também devem integrar a despesa total com o pessoal do Poder e do ente.
1.6. A atenção básica foi eleita como prioridade para ser prestada pelos Municípios, não excluindo a execução dos demais tipos de ações e serviços de saúde pelo Município (média e alta complexidade), conforme art. 30, inciso VII, da Constituição e artigo 18 da Lei 8.080/90. A partir do Pacto pela Saúde, assinado em 2006, o gestor municipal passa a assumir imediata ou paulatinamente a plenitude da gestão das ações e serviços de saúde oferecidos em seu território.
2 – Remeter ao Sr. Saulo Sperotto, ex-Prefeito do Município de Caçador, nos termos do art. 105, § 3º, do Regimento Interno (Resolução nº TC-06, de 28 de dezembro de 2001), cópia dos Pareceres n.º GC-OGS/2007/040, Parecer COG n.º 670/06, que fundamentaram a Decisão 1007/2007, referente à CON nº 05/00173222, resultando no Prejulgado 1867, e Parecer COG n.º 141/08, que fundamentou a Decisão n.º 3225/2010, resultando no Prejulgado 2064, que tratam de matéria análoga.
3 – Dar ciência da decisão, do Relatório e Voto do Relator ao Consulente.
4 – Determinar o arquivamento dos autos.
Gabinete, em 21 de fevereiro de 2013.
Conselheiro Julio Garcia
Relator
[1]
fls. 02-03.
[2] fl. 17 e fls. 22-23.
[3]
No processo de consulta CON-09/00592710, de
minha relatoria, e que resultou no Prejulgado
2055, abaixo transcrito, foi enfrentada a questão dos serviços de
complementares de saúde, sem adentrar no exame dos sujeitos que estariam aptos
a sua prestação. Vejamos:
“Prejulgado 2055
1. Serviços médicos
ambulatoriais, pequenos procedimentos cirúrgicos, expedição de carteiras de
saúde, verificação de exames e demais procedimentos constantes da Tabela do SUS
podem ser compreendidos como serviços complementares de saúde a serem
oferecidos à população, dentro das normas prescritas pela Lei (federal) n.
8.080/90 e pela Portaria n. 3.277/06, do Ministério da Saúde.
2. A contratação de serviços
complementares de saúde pode ocorrer para:
2.1. atividades-meio, desde
que não inseridas por lei no Sistema Único de Saúde.
2.2. atividades finalísticas
em razão do volume, quando a demanda ultrapassar a capacidade instalada da rede
pública, tanto própria quanto à vinculada a outro nível de governo.
a) neste caso, a dimensão do
serviço público deve ser reavaliada periodicamente, tendo em conta variáveis
como a evolução populacional, evolução da demanda, evolução científica etc., de
forma que o volume físico e/ou financeiro dessas contratações não
descaracterize o caráter subsidiário em relação às atividades estatais.
2.3. atividades
finalísticas, em razão da urgência.
a) neste caso, a
Administração deve, quando for o caso, promover as medidas necessárias para
restabelecer o sistema público potencial existente antes da situação de
urgência que implicou a diminuição de sua capacidade potencial;
b) a contratação junto à
iniciativa privada ocorrerá somente durante o período necessário para que sejam
adotadas as medidas para o restabelecimento do serviço público.
3. A contratação de serviços
complementares de saúde deve atender ainda aos seguintes requisitos:
3.1. Preferência às
entidades filantrópicas e às sem fins lucrativos;
3.2. Celebração de convênio
ou contrato conforme as normas de direito administrativo, prevalecendo o
interesse público sobre o particular;
3.3. Integração dos serviços
privados às diretrizes organizativas do SUS;
3.4. Prevalência dos
princípios da universalidade, equidade, integralidade, etc.
4. Deve o poder público utilizar o sistema de credenciamento a todos os interessados, que se vincula ao manifesto interesse da administração em colocar à disposição da comunidade uma rede de profissionais da área da saúde, incluindo o preço a ser pago, previamente definidas e amplamente difundidas, às quais os interessados possam aderir.”
[4] Conforme se extrai do sitio do Supremo Tribunal Federal, a ação atualmente pende de julgamento quanto ao mérito, e ainda não há previsão do julgamento da referida ADI.
[5] É o que se infere da decisão proferida no processo nº 5868-02.00/09-8, Recurso de Embargos, Relator Conselheiro Algir Lorenzon, julgado em 20.07.2011.
[6] O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo,
respondendo a uma consulta do Município de Patrocínio Paulista, respondeu que
“é possível a contratação de Oscip para operacionalização do Programa de Saúde
da Família e do Programa de Agentes Comunitários da Saúde” desde que
“observados os respectivos procedimentos de seleção das entidades interessadas
em celebrar os termos de parceria e convênios decorrentes”.
Entendo interessante,
também, citar julgado do Colendo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que
confirma a atuação das organizaões sociais na área da saúde naquele Estado: “AÇÃO
INDENIZATÓRIA. LEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO DE SÃO PAULO RESPONSABILIDADE
SOLIDÁRIA.
1. Ação extinta sem
julgamento de mérito por suposta ilegitimidade passiva do Estado de São Paulo
em relação a fato ocorrido no Hospital Estadual de Diadema, sob gestão da ADPM,
entidade que pertence à UNIFESP.
2. O Estado é cogestor do
SUS, e sua responsabilidade objetiva independe de contrato de gestão com
organização social. Caracterização de responsabilidade solidária que não impede
eventual ação regressiva.
3. Necessidade de realização
de prova pericial e dilação probatória. Sentença extintiva sem julgamento de
mérito afastada. Retorno dos autos à origem. Recurso parcialmente provido.”
(TJ-SP, Apelação Cível, Processo nº 0008848-02.2009.8.26.0053, Desembargador Relator
Nogueira Diefenthaler, 5ª Câmara de Direito Público, v.u. DJe, 29 fev. 2012)
[7] A Portaria nº 648/06 trata das ações de atenção básica e estabelece a revisão de diretrizes e normas para a organização da Atenção Básica para o Programa Saúde da Família (PSF) e Programa Agentes Comunitários de Saúde (PACS).
[8]Processo:
CON-05/00173222. Parecer: GC-OGS/2007/040. Decisão: 1007/2007. Origem:
Prefeitura Municipal de Mirim Doce. Relator: Conselheiro Otávio Gilson dos
Santos. Data da sessão: 18/04/2007. Data do Diário Oficial: 07/05/2007.
[9] Referida portaria revogou a Portaria nº 3.277/GM, de 22 de dezembro de 2006, conforme leitura do seu art. 16.
[10] CAPÍTULO II – Da
Participação Complementar
Art. 24. Quando as suas disponibilidades forem
insuficientes para garantir a cobertura assistencial à população de uma
determinada área, o Sistema Único de Saúde (SUS) poderá recorrer aos serviços
ofertados pela iniciativa privada.
Parágrafo único. A participação complementar dos
serviços privados será formalizada mediante contrato ou convênio, observadas, a
respeito, as normas de direito público.
Art. 25. Na hipótese do artigo anterior, as entidades
filantrópicas e as sem fins lucrativos terão preferência para participar do
Sistema Único de Saúde (SUS).
Art. 26. Os critérios e valores para a remuneração de
serviços e os parâmetros de cobertura assistencial serão estabelecidos pela
direção nacional do Sistema Único de Saúde (SUS), aprovados no Conselho Nacional
de Saúde.
§ 1° Na fixação dos critérios, valores, formas de
reajuste e de pagamento da remuneração aludida neste artigo, a direção nacional
do Sistema Único de Saúde (SUS) deverá fundamentar seu ato em demonstrativo
econômico-financeiro que garanta a efetiva qualidade de execução dos serviços
contratados.
§ 2° Os serviços contratados submeter-se-ão às normas
técnicas e administrativas e aos princípios e diretrizes do Sistema Único de
Saúde (SUS), mantido o equilíbrio econômico e financeiro do contrato.
§ 3° (Vetado).
§ 4° Aos proprietários, administradores e dirigentes
de entidades ou serviços contratados é vedado exercer cargo de chefia ou função
de confiança no Sistema Único de Saúde (SUS).
[11] http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2010/prt1034_05_05_2010.html
[12] Portaria nº 3.277/2006
“Art. 3º A participação
complementar dos serviços privados de assistência à saúde no SUS será
formalizada mediante contrato ou convênio celebrado entre o poder público e a
entidade privada, observadas as normas de direito público e o disposto nesta
Portaria.
Parágrafo único. Para a complementaridade de serviços com
instituições privadas serão utilizados os seguintes instrumentos:
I - convênio, quando houver
interesse comum em firmar parceria em prol da prestação de serviços/promoção da
saúde à população; e
II - contrato
administrativo, quando o objeto do contrato for a mera compra de serviços.”