ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

Gabinete do Auditor Substituto de Conselheiro Cleber Muniz Gavi

PROCESSO:                        REC 08/00224213

UNIDADE:                 Câmara Municipal de Palmeira

ASSUNTO:                Recurso de Reexame contra decisão exarada no Processo CON n. 07/0041321 – consulta sobre contratação de assessor jurídico

 

 

VOTO-VISTA

 

Tendo em vista as duas propostas de voto postas em deliberação, venho declarar o meu voto, favorável à posição externada pelo Exmo. Relator do processo, Exmo. Auditor Gerson dos Santos Sicca, diante dos motivos abaixo consignados:

Inicialmente, reporto-me aos argumentos por mim já externados no processo originário, em voto divergente aprovado por maioria:

Tendo em vista o resultado da deliberação relativa ao processo acima epigrafado, na Sessão Plenária de 27.08.2007, na qual se sagrou vencedor o voto divergente apresentada por este signatário, constituído novo relator do processo, vieram os autos para fins de formalização das razões jurídicas e da proposta de decisão acolhida pelo Pleno.

A divergência concerne aos itens "a.3.2", tendo por objetivo sua supressão.

O cargo de assessor jurídico, por si só, é uma função eminentemente técnica, sem o caráter peculiar de assessoramento, chefia ou direção, características estas exclusivas dos cargos em comissão. Ademais, as atividades desempenhadas pelo ocupante de referido cargo dizem respeito à própria atividade fim do órgão legislativo, não sendo a prestação de seus serviços de exclusivo interesse da cúpula administrativa da Câmara, motivo pelo qual não se justifica a criação de um cargo que estaria a ela subordinada por relação de confiança.

Segundo o entendimento do STF, manifestado em reiteradas decisões,1 ofende a o art. 37, II, da Constituição Federal a criação de cargos em comissão nos quais não se verifica o vínculo de confiança que permite a livre nomeação e exoneração, de modo que seja utilizado apenas para contornar o requisito do concurso público. O Acórdão abaixo dá conta de tal entendimento:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. CONCURSO PÚBLICO. CARGO EM COMISSÃO. OFICIAL DE JUSTIÇA. Lei 12.499, de 12.12.94, do Estado de Goiás. C. F., art. 37, II.

I – Cargos de Oficial de Justiça instituídos em comissão: inconstitucionalidade. Somente os cargos que pressuponham o vínculo de confiança a autorizar a livre nomeação e exoneração é que podem ser instituídos em comissão, o que não ocorre com o cargo de Oficial de justiça, sujeito à regra constitucional do concurso público ( C.F., art. 37, II).

II – Suspensão cautelar da eficácia do art. 2º da Lei 12.499, de 12.12.94, do Estado de Goiás. (STF, ADI 1269-0/GO, Rel. Min. Carlos Velloso, D.J. 25.08.95)

Dos Tribunais de Justiça extraem-se as seguintes decisões:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI - Lei Municipal n. 3.443/02 - Criação de cargo em comissão de 'Diretor de Área Jurídica' - Cargo de caráter eminentemente técnico - Ausência de relação de confiança - Burla ao princípio do concurso público - Inconstitucionalidade da lei - Procedência da ação" (TJSP - ADI n. 106.917.0/8, rel. Des. Gentil Leite, j. em 23.06.94) (Grifei)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS MUNICIPAIS. CARGOS EM COMISSÃO.

"Mostram-se inconstitucionais disposições de Leis Municipais que criam e elevam o número de cargos em comissão, sem definir as respectivas atribuições e sem que constituam, apesar da denominação, cargos de direção, chefia ou assessoramento, para atividades burocráticas e de caráter permanente. Afronta ao art. 32, da Constituição Estadual. Ação julgada procedente. (TJRS - ADI n. 70008013906, rel. Des. Leo Lima, j. em 13.09.04)

CONSTITUCIONAL - ADMINISTRATIVO - PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CARGO EM COMISSÃO.

Proclamou o Supremo tribunal Federal ao julgar a Representação nº 1.282-4-SP: A criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes de nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso.

Também proclamou o mesmo pretório no julgamento da ADIn nº 1141, rel. Min. Pertence que, A exigência constitucional do concurso público não pode ser contornada pela criação arbitrária de cargos em comissão para o exercício de funções que não pressuponham o vínculo de confiança que explica o regime de livre nomeação e exoneração que os caracteriza.

Em se tratando de cargo em comissão enfatizar é preciso que se a administração pode criar todos os cargos com provimento em comissão, estará aniquilando a regra do concurso público. Da mesma forma, a simples criação de um único cargo em comissão sem que isso se justifique, significa uma burla à regra do concurso público. É a lição de Adilson Abreu Dallari (Regime Constitucional dos Servidores Públicos, 2ª edição, RT, 1990, págs. 40/41).

O referido administrativista, citando os escólios de Márcio Cammarosano, registrou: Com efeito, verifique-se desde logo que a Constituição, ao admitir que o legislador ordinário crie cargo em comissão, de livre nomeação e exoneração, o faz com a finalidade de propiciar ao chefe do governo o seu real controle, mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental.

Terminando o seu ponto de vista Dallari afirmou ser inconstitucional a lei que cria cargo em comissão para o exercício de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior. Referência legislativa: Constituição Federal, artigo 37, inciso II; Código de Processo Civil, artigo 343, § § 1º e 2º; leis do município de Tibagí nºs. 1.515/97, 1.526/97 e 1.587/97." (TJPR, Apelação cível n. 82065-3, de Tibagi, rel. Des. Ulysses Lopes, j. em 29.02.00)

Não é outro o entendimento do Tribunal de Justiça Catarinense:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI DO MUNICÍPIO DE SANTA TEREZINHA QUE CRIA CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - CARGOS DE FISCAL DE OBRAS E FISCAL DE SERVIÇOS URBANOS INCLUÍDOS NAQUELE ROL - APARENTE AFRONTA À REGRA DO CONCURSO PÚBLICO - INCONSTITUCIONALIDADE - LIMINAR CONCEDIDA PARA SUSPENDER A EFICÁCIA DE REFERIDAS EXPRESSÕES, CONSTANTES DO ANEXO II DA LEI MUNICIPAL N. 46/93" (Ação direta de inconstitucionalidade n. 01.009057-0, de Itaiópolis, rel. Des. João Martins, j. em 06.06.01)

Portanto e diante do entendimento dos Tribunais pátrios a respeito do tema, não posso deixar de exarar meu entendimento no sentido que o cargo de assessor jurídico configura-se de natureza técnica, que demanda contratação através de concurso público.

Ressalte-se que a previsão do item "a.4" do voto do Relator, que prevê a possibilidade de criação de cargo em comissão para chefia da correspondente unidade da estrutura organizacional, se compatibiliza com o texto constitucional, desde que limitadamente a esta hipótese (chefia ou direção dentro de uma estrutura de assessoria jurídica composta por vários servidores)

Ante o exposto e considerando a jurisprudência sobre o assunto em questão, proponho ao egrégio plenário a adoção do voto do eminente Conselheiro Moacir Bertoli com a exclusão do item "a.3.2" (fl. 105), conferindo-se ao item "a.3" a seguinte redação:

[...]

a.3) Nas Câmaras de Vereadores cuja demanda de serviços jurídicos é reduzida, os serviços jurídicos poderão ser executados por servidor com formação específica e registro no Órgão de Classe (OAB), com a carga horária proporcional ao volume de serviços (item b.1 desta Decisão), nomeado para exercer cargo de provimento efetivo, através de prévio concurso público (art. 37, II, da CF).

[...]

 

E mais do que reiterar tais argumentos, enfatizo que as considerações do Exmo. Relator aditam diversas outras vertentes aptas a reforçar minha convicção acerca da pertinência do prejulgado de n. 1911, de cuja redação emerge a necessidade de provimento efetivo, via concurso, de cargos para atendimento à demanda de serviços jurídicos das Câmaras Municipais, nos casos em que não configurada a exceção do art. 37, inc. V, da CF.

Como realçou o digníssimo Relator, em passagens que reproduzo literalmente:

- “a dimensão do ente federativo [...] não é elemento juridicamente relevante para afastar a aplicação das normas constitucionais” (fl. 33);

- “a desconsideração das regras constitucionais não se mostra viável do ponto de vista jurídico, diante da evidência de que a norma jurídica deve impor-se à realidade e não ao contrário” (fl. 34);

- “a Câmara de Vereadores necessita de uma série de serviços jurídicos permanentes tais como pareceres em licitações, em processos administrativos que envolvam pleitos de servidores e vereadores e em processo administrativos disciplinares. O profissional encarregado por tais serviços também será chamado a manifestar-se sobre atos jurídicos diversos praticados pela Mesa Diretora e pelos demais servidores no exercício de suas atribuições, bem como deverá responder a questionamentos jurídicos sobre a legalidade das despesas realizadas pelo Legislativo. Some-se a isso a tarefa de auxiliar as Comissões Técnicas, principalmente a Comissão de Constituição e Justiça. Todas essas atribuições escapam à concepção de “assessoramento” que se possa legitimamente extrair do texto da Constituição.” (fl. 36);

- “[...] os serviços jurídicos da Câmara devem ser realizados por ocupante de cargo de provimento efetivo, em observância aos valores protegidos pela Constituição Federal. Somente será possível a criação de cargo comissionado para a chefia da procuradoria do Legislativo, nunca para o desempenho de tarefas habituais das Câmaras” (fls. 36/37).

 

Examinando, portanto, a manifestação do Relator – muito mais robustecida na íntegra do voto –, entendo que sua proposta de deliberação estabelece adequadamente os contornos da matéria, de acordo com a matriz constitucional a ser obedecida, e por este motivo a ela adiro.

Por outro lado, aferindo as razões contidas no Recurso de Reexame de iniciativa do Exmo. Conselheiro Wilson Rogério Wan Dall e no voto divergente da lavra do Exmo Conselheiro Cesar Filomento Fontes,vislumbro a possibilidade de tecer novas considerações na tentativa de demonstrar que, substancialmente, as divergências são bastante sutis, gravitando na realidade em torno do juízo firmado por cada um dos membros do Plenário acerca de qual seria a demanda de serviço a ser suprida pelo profissional da área jurídica dentro das Câmaras Municipais.

Basicamente, se de um lado se entende que a tarefa do “assessor jurídico” traduz a assistência ao chefe do legislativo local, de outro (na linha que também defendo) pressupõe-se que a atividade do profissional do Direito vai muito além, a ele cabendo subsidiar tecnicamente todas as atividades da Câmara, não se prestando ao assessoramente exclusivo do Vereador-Presidente. Neste último caso, como já bem salientado pelo Relator, a autonomia do servidor é elemento imprescindível, vez que em determinadas circunstâncias sua atuação técnica poderá colidir com o interesse do parlamentar que chefia o legislativo local. Os ensinamentos do administrativista Diógenes Gasparini são esclarecedores quanto às características do cargo em comissão e em relação à situação que se pretende evitar:

Os cargos de provimento em comissão são próprios para direção, comando ou chefia de certos órgãos, para os quais se necessita de um agente que sobre ser de confiança da autoridade nomeante se disponha a seguir sua orientação, ajudando-o a promover a direção superior da Administração. Também destinam-se ao assessoramento (art. 37, V, da CF). Por essas razões percebe-se quão necessária é essa fragilidade do liame. A autoridade nomeante não pode desfazer-se dessa competência para exonerar os titulares de tais cargos, sob pena de não poder contornar dificuldades que surgem quando o nomeado deixa de gozar da sua confiança. A exoneração, nessas hipóteses, é imprescindível, pois com ela se aplaca a ira de todos os envolvidos. Mas, por certo, não pode criar somente cargos em comissão, pois outras razões existem contra essa possibilidade. Tal criação, desmedida e descabida, deve ser obstada, a todo custo, quando a intenção evidente é burlar a obrigatoriedade do concurso público para o provimento de cargos efetivos. De sorte que os cargos que não apresentam aquelas características ou alguma particularidade entre seu rol de atribuições, como seu titular privar da intimidade administrativa da autoridade nomeante (motorista, copeiro), devem ser de provimento efetivo, pois de outro modo cremos que haverá desvio de finalidade na sua criação e, portanto, possibilidade de sua anulação. Por esse motivo são em menor número.  O Supremo Tribunal Federal, como acerto, tem repelido não somente a criação de cargos comissionados com atribuições meramente técnicas (ADI 3706, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ, 5 out. 2007), mas também a criação deles em número superior ao de cargos efetivos existentes no órgão ou entidade (RE 365.368-AGR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ, 29 jun. 2007).

 

Como sabido, inevitavelmente a composição do legislativo abarca partidos diversos, muitas vezes em franca oposição. Por conseguinte, o atendimento ao texto constitucional (que não admite flexibilização) atende também ao objetivo prático de ao menos fornecer maiores garantias de atuação imparcial do profissional jurídico, admitido via concurso público.

Cumpre salientar que os casos usualmente apontados nos processos de prestação de contas, nos quais figura a irregularidade relacionada à indevida admissão de assessor jurídico em cargo comissionado ou contratação terceirizada, aludem àquelas hipóteses em que caracterizado o caráter permanente do serviço e o desempenho de atividades que subsidiam, não apenas a atividade do chefe do legislativo, mas o funcionamento da Câmara como um todo (análise de licitações, projetos de lei, auxílio técnico aos parlamentares etc.). De outro giro, não se configura a restrição nos casos em que as duas situações estão bem delimitadas, havendo de um lado o assessor jurídico nomeado em cargo comissionado para assistência ao Presidente da Câmara (assessoria, chefia ou direção), e de outros profissionais jurídicos admitidos via concurso público para auxiliar nas tarefas de interesse do órgão como um todo.

Além destas questões, descrevo outras circunstâncias fáticas que permitem uma melhor reflexão acerca das conseqüências advindas de uma eventual mudança de redação no prejulgado:

1)    O que se está a discutir neste processo não é um caso concreto, mas sim a redação de uma consulta, a qual, se aprovado por dois terços dos membros do plenário, “tem caráter normativo e constitui prejulgamento da tese” (art. 1, par. 3, da LC 202/2000). Neste cenário, muito mais prudente ater-se a literalidade da disciplina constitucional, sem prejuízo de que na análise de cada situação individualizada possa o Tribunal Pleno relevar eventuais restrições desta espécie diante dos fundamentos de defesa. Importante lembrar que, salvo engano, praticamente todos os membros do Plenário em determinadas circunstâncias já procederam desta forma – relevando a restrição – ao constatarem ou que houve tentativa de realização de concurso público, ou que foram adotadas providências para criação do cargo efetivo, ou que a não criação do cargo decorrera de dificuldades de alterações legislativas em função de conflito entre o executivo e o legislativo etc. Ou seja, a redação do prejulgado não retirou o espaço de valoração que cada relator pode adotar na análise do processo que preside;

2)    A posição mais rigorosa do Tribunal de Contas tem fomentado a mudança de paradigmas no âmbito das Câmaras Municipais, havendo diversas decisões exortando à regularização da contratação dos profissionais da área jurídica. Eventual mudança de entendimento poderia representar um retrocesso, na contramão da concepção jurídica (e até cultural) de que os cargos comissionados somente são legítimos para atendimento às específicas situações disciplinadas constitucionalmente, pois fora isto fomentam o risco de privilégios indevidos, sem justificativa juridicamente plausível.

3)    Eventual dificuldade para admissão via concurso público, se adequadamente comprovada (falta de candidatos), obviamente será relevada pelo Tribunal de Contas. Alegações genéricas, entretanto, não devem ser admitidas, já que se não há advogados interessados em assumir os cargos via concurso público em virtude de peculiaridades locais (o que se alega ocorrer em caráter permanente), em tese também não haveria interessados na ocupação de cargos comissionados.

4)    Independentemente do porte da Câmara Municipal, é pressuposto para seu adequado funcionamento a existência de um aparato técnico mínimo para auxílio e orientação aos parlamentares locais. A justificativa de que a manutenção de uma estrutura técnica permanente representa gastos desnecessários em uma Câmara Municipal que se auto-intitula de pequeno porte, sequer pode rivalizar com a percepção de que, sob a ótica da economicidade e eficiência, o que é realmente desnecessária é a manutenção de um órgão que não possui condições para fiel exercício de suas atividades finalísticas e se recusa a implementá-las. Lembre-se que mesmo a menor Câmara Municipal do Estado terá o dever de aprovar leis, analisar a regularidade dos atos do executivo, julgar as contas prestadas anualmente pelo Prefeito etc. Por conseguinte, o apoio técnico a todos parlamentares e às diversas comissões  revela-se como instrumento essencial para legítimo e eficiente exercício de seus mandatos. E é também essencial que haja uma estrutura permanente, fixa e preparada para dar continuidade às atividades do órgão, mesmo nas mudanças de legislaturas.

5)    Se a despeito de todas estas ressalvas, os membros da Câmara Municipal ainda considerarem ser o seu órgão de pequeno porte e sua demanda de serviços reduzida (circunstância que a meu juízo pode ser facilmente revertida, diante das inúmeras funções que podem ser exercidas pelo legislativo municipal), cabe lembrar a possibilidade de que a carga horária do profissional jurídico seja reduzida, com a fixação proporcional de remuneração, conforme assentado no texto do prejulgado n. 1911.

São estas, portanto, as razões que me levam a acompanhar o voto apresentador pelo Relator, formulada nos termos da proposta de fls. 26/40 e 99/101.

É como voto.

 

Gabinete, em 13 de setembro de 2013.

 

 

Cleber Muniz Gavi

Auditor Substituto de Conselheiro

Relator