ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

 

 

Gabinete do Auditor Substituto de Conselheiro Cleber Muniz Gavi

 

PROCESSO:             RLA 09/00592800

UG/CLIENTE:           Celesc Distribuição S.A

INTERESSADO:       Eduardo Pinho Moreira

ASSUNTO:                Irregularidades concedidas em plano de demissão voluntária incentivada - PDVI (exercício de 2007 em diante)

 

RELATÓRIO DE AUDITORIA. CELESC DISTRIBUIÇÃO. PLANO DE DEMISSÃO VOLUNTÁRIA INCENTIVADO. ANÁLISE DE MÉRITO ACERCA DE SUA EFICIÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. IMPRESCINDIBILIDADE DE ESTUDO ESPECÍFICO E APROFUNDADO. IRREGULARIDADE AFASTADA. NECESSIDADE DE APROVAÇÃO DO PLANO PELA ASSEMBLEIA-GERAL. DESCUMPRIMENTO DO ART. 121, CAPUT, DA LEI 6.404/76. IRREGULARIDADE. APLICAÇÃO DE MULTA.

 

 

I – RELATÓRIO

Tratam os autos de auditoria realizada pela Diretoria de Controle da Administração Estadual (DCE) em face da Celesc Distribuição S.A, oriunda de  representação n° 07/00552979,  encaminhada através do Ofício n° 06236/07, firmado pelo Sr. Juiz do Trabalho Roberto Massami Nakajo, lotado na 3ª Vara do Trabalho de Florianópolis,  referente aos valores pagos, a título de indenização, por ocasião de rescisão de trabalho originada da implementação do Plano de Demissão Voluntária Incentivado - PDVI.

Em decisão exarada nos autos da representação, foi determinada a tomada de providências para verificação de eventuais irregularidades quanto aos valores pagos no Plano de Demissão Voluntária Incentivada (PDVi) implementado pela Celesc Distribuição S.A.

Na Informação n° 125/2009 (fls. 08 a 26), a Diretoria de Controle da Administração Estadual (DCE) sugeriu a adoção de medidas com o escopo de verificar o impacto econômico-financeiro do PDVI sobre o erário público.

Em Despacho de fls. 31/32, determinei a constituição de autos específicos para apuração das matérias arroladas na representação.

A CELESC Distribuição encaminhou documentos de fls. 38 a 6862, os quais foram considerados na elaboração Relatório de instrução n° 1048/2010, que considerou irregulares determinadas condutas praticadas na implementação do PDVi/2002. Cumpre, neste ponto, transcrever os itens do mencionado relatório, constantes da fl. 7387 dos autos:

1.1. Inexistência de autorização para implantação do PDVi/2002 pela Assembléia Geral e Conselho de Administração, tendo em vista que as decisões relacionadas ao Plano foram exclusivamente adotadas e implementadas pela diretoria executiva da Companhia, em desrespeito ao Estatuto Social da Celesc, arts. 12 e 23, §1°, inciso IV, da Lei Federal n.  6.404/76, arts. 121, 138, §1°, 142, inciso I e VI, 153, 154,  §2°, 155, conforme item 4.1 do presente relatório;

1.2. Ausência de estabelecimento de critérios técnicos e financeiros para a efetivação da implantação do PDVI/2002, tendo em vista que não houve a preocupação com o estabelecimento de diretrizes na área de recursos humanos que antecipassem e permitissem a elaboração de planejamento das mudanças internas e externas promovidas no contexto da organização, ocasionando o esvaziamento em relação aos empregados, ante a inexistência da previsão de realização de concurso público. Além disso, verificou-se a perda do capital intelectual da Companhia e a falta de estudo prévio que demonstrasse a viabilidade técnica e financeira da implantação do Plano. Tais fatos infringiram o princípio da eficiência, previsto no caput do art. 37 da Constituição Federal e os arts. 153 e 1545, ambos da Lei Federal n. 6404/76, conforme itens 3.1 e 4.3 do presente relatório.

Além das irregularidades apontadas, a DCE, por meio do referido relatório, opinou pela determinação cautelar da suspensão de eventuais pagamentos de indenizações dos próximos PDVI´s com base em salário decorrente de enquadramento realizado após 23 de abril de 1993.

Em Despacho exarado à fl. 7389, excluí a hipótese de concessão de medida cautelar, por ausentes o periculum in mora e o fumus boni iuris, e determinei a audiência dos responsáveis.

O Sr. José Fernando Xavier Faraco, Diretor-Presidente da CELESC apresentou justificativas (fls. 7397 a 7418), alegando, em síntese, que participou apenas do PDVI planejado em 2002, de modo que a subsequente alteração promovida pela nova diretoria da CELESC estendeu o prazo para o encerramento do programa de demissões. Observou, ainda, que teria havido equívoco quanto à contabilização dos gastos com o PDVI, na medida em que, no balanço de 2003, restou consignada uma projeção de demissões dissociada do número real de desligamentos em face da implementação do PDVI. Arguiu também a legalidade da estabilidade provisória concedida aos funcionários, em razão de acordo coletivo celebrado com entidade sindical. Ao final, pugnou pela regularidade da aprovação do PDVI, considerando que o mesmo foi aprovado pela Conselho de Política Financeira e pelo Governador do Estado, e arguiu a prescrição da sanção punitiva em decorrência do transcurso do prazo legal.

 O Sr. Francisco de Assis Küster apresentou suas justificativas às fls. 7680/7685, aduzindo, em resumo, que esteve no cargo de Diretor-Presidente da CELESC até o mês de abril de 2002 e que  o PDVI/2002 não foi prejudicial aos interesses da companhia.

Em 21/10/2010 foi protocolado o Ofício n° 26579/2010 (fls. 7720), encaminhado pela Sra. Quézia Araújo Duarte de Aguiar, Procuradora do Ministério Público do Trabalho, cujo conteúdo se refere a ação civil pública proposta em face da CELESC, por meio da qual foram impugnados os pagamentos de indenizações feitos com base em salário correspondente a cargo ou emprego no qual o empregado tenha sido enquadrado, entre 05/10/1988 e março de 1996, sem prévia aprovação em concurso público. Consoante as cópias de documentos juntadas a posteriori (fls .7737 a 7768), verificou-se que o processo foi extinto sem julgamento de mérito, tendo havido interposição de recurso por parte do MPT.

O Relatório de Reinstrução n° 307/2012 da DCE (fls. 7785 a 7813) concluiu pelas seguintes irregularidades, in verbis (fl. 7812):  

1.1.1 Inexistência de autorização para implantação do PDVI/2002 pela Assembleia Geral e pelo Conselho de Administração, tendo em vista as decisões relacionadas ao Plano foram exclusivamente adotadas e implementadas pela diretoria executiva da Companhia, em desrespeito ao Estatuto Social da Celesc, arts. 12 e 23, §1º, inciso IV, a Lei Federal n. 6.404/76, arts. 121, 138, §1°, 142, inciso I e VI, 153, 154, §1°, 142, inciso I e VI, 153, 154, §2°, 155, conforme item 3.2.1 do presente Relatório.

1.2.1 Ausência de estabelecimento de critérios técnicos e financeiros para a efetivação da implantação do PDVI/2002, tendo em vista que não houve a preocupação com o estabelecimento de diretrizes na área de recursos humanos que antecipassem e permitissem a elaboração de planejamento das mudanças internas e externas promovidas no contexto da organização, ocasionando o esvaziamento em relação aos empregados, ante a inexistência da previsão de realização de concurso público. Além disso, verificou-se a perda do capital intelectual da Companhia e a falta de estudo prévio que demonstrasse a viabilidade técnica e financeira da implantação do plano. Tais fatos infringiram o princípio da eficiência, previsto no caput do art. 37 da Constituição Federal a aos arts. 153 e 154, ambos da Lei Federal n. 6.404/76, conforme item 3.2.2 do presente Relatório.

 

O Parecer n° 165338/2013 do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas (fls. 7814 a 7818), da lavra do Sr. Procurador Márcio de Sousa Rosa, foi pela regularidade, com ressalvas, dos atos apontados nos Relatórios da DCE, assim como pelo afastamento das multas sugeridas.

Vieram os autos conclusos.

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1 Da alegação de prescrição

A preliminar de prescrição não merece ser acolhida.

A partir da interpretação do art. 189 do Código Civil, a doutrina define a prescrição como sendo "a perda da pretensão de reparação do direito violado, em virtude da inércia do seu titular, no prazo previsto pela lei" (Gagliano, Pablo Stolze. In. Novo curso de direito civil. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 497).  Em sua redação, o art. 189 do Código Civil preceitua: "Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206". Por sua vez, o art. 205 do referido diploma legal estabelece o prazo de dez anos para que ocorra a prescrição, salvo previsão diversa em dispositivo específico.

Neste ponto, cabe lembrar o entendimento desta Corte de Contas, no sentido de que, na lacuna da lei,  aplica-se o art. 205 do Código Civil aos processos em trâmite. Seguindo esta linha de raciocínio, cabe colacionar os seguintes precedentes: REC 04/03502233, PDI 01/01547447, PDI 02/00331760 e RPJ 01/01321716.

Há, no entanto, que se fazer ressalva quanto à disposição transitória prevista no art. 2028 do Código Civil, in verbis: "Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada". Importa lembrar que o art. 177 do Código Civil de 1916 fixava o prazo prescricional de vinte anos para as ações pessoais. Cabe a observação de que a correta interpretação do art. 2.028 do Código de 2002 pressupõe a contagem do novo lapso temporal a partir da entrada em vigor desta lei, o que se deu em 01/01/2003.

Nos termos do art. 202, inc. I, do Código Civil, a interrupção da prescrição dar-se-á, dentre outras causas, “por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual”. Adotando-se tal disciplina e tendo em vista o despacho de fls. 568, já seria possível afirmar que a interrupção do prazo prescricional se deu em setembro de 2010, não havendo prejuízo ao julgamento do mérito do processo.

Conquanto a referência ao dispositivo do Código Civil já se revele suficiente para afastar a prejudicial de mérito suscitada por alguns dos responsáveis, é importante enfatizar que a análise conjunta deste artigo com a disposição do art. 219, §1º, do Código de Processo Civil (CPC), permitiria concluir que o marco interruptivo seria até anterior, retroagindo à data da autuação do processo. Com efeito, prevê o dispositivo da legislação processual civil que:

Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição.

§1º A interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação.

 

Assim, poder-se-ia afirmar que, se num primeiro momento o despacho determinando a audiência constituiria o ato processual ensejador da interrupção da prescrição (art. 202, inc. I, do CC), haveria retroação do marco interruptivo à data da autuação do processo, face à disciplina contida na legislação processual civil (art. 219, §1º, do CPC).

A título ilustrativo, corroborando a tese ora suscitada, cabe citar a seguinte doutrina do autor Leonardo Carneiro da Cunha:

O que se percebe é que o art. 202, I, do Código Civil/2002 cuidou de derrogar apenas o caput do art. 219 do CPC, eliminando um dos efeitos da citação válida. Realmente, a citação válida, na dicção do referido art. 219 do CPC, produzia 5 (cinco) efeitos, dentre os quais sobressaía a interrupção da prescrição. Com a regra contida no inciso I do art. 202 do atual Código Civil, a citação válida passa a produzir apenas 4 (quatro) efeitos, deixando a interrupção da prescrição de defluir de sua realização. A partir dessa regra do inciso I do art. 202 do Código Civil, a prescrição se interrompe com o despacho que ordenar a citação.

A inovação trazida pelo inciso I do art. 202 do atual Código Civil parece não ter modificado nem suprimido as regras contidas nos parágrafos do art. 219 do CPC. Muito pelo contrário, as regras compatibilizam-se, porquanto servem para beneficiar o alegado credor.

Assim, a prescrição é interrompida pelo despacho que ordenar a citação, mas tal interrupção retroage à data da propositura da demanda (CPC, art. 263), desde que o autor promova a citação no prazo de 10 (dez) dias (CPC, art. 219, parágrafo 2°), prorrogado até 90 (noventa) dias (CPC, art. 219, parágrafo 3°).

(In. A fazenda pública em juízo. 10 ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 80)

 

Ademais, o Superior Tribunal de Justiça, interpretando o art. 174 do Código Tributário Nacional (CTN) – cuja redação é semelhante ao art. 202, I, do Código Civil – tem se manifestado favorável à aplicação concomitante do art. 219, §1º, do CPC, sendo o que se extrai dos seguintes arestos:

TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PEDIDO DE PARCELAMENTO. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. ART. 174, IV. CTN. CITAÇÃO. RETROAÇÃO. ART. 219, § 1°, DO CPC.
1. Tendo sido realizado o pedido de parcelamento pela recorrente em junho de 1992 e deferido pelo fisco em julho do mesmo ano, interrompeu-se o prazo prescricional por, nos termos do art. 174, IV, do CTN, configurar ato inequívoco de reconhecimento de dívida.
A execução fiscal foi ajuizada em abril de 1997, dentro do prazo portanto.
2. A Primeira Seção deste Tribunal firmou o entendimento de que, na cobrança judicial do crédito tributário o termo a quo prescricional (no caso, citação válida) retroage à data da propositura da ação, conforme dispõe o art. 219, § 1° do CPC c/c o art. 174, I, do CTN. Precedente: REsp 1.120.295/SP, submetido à sistemática do art. 543 –C do CPC, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 21.5.2010.
3. Decidiu-se, ainda, que a retroação prevista no referido artigo 219, § 1°, do CPC, somente é afastada quando a demora é imputável exclusivamente ao fisco, o que não é a hipótese dos autos.
4. Recurso especial não provido.
(REsp 1325296/SP, 2ª Turma, Rel. Min. Castro Meira, DJe de 19.08.2013)
 

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO. ARTS. 174 E 219, § 1º, DO CPC. DIES A QUO DO PRAZO PRESCRICIONAL. PROPOSITURA DA AÇÃO. ENTENDIMENTO FIRMADO EM RECURSO REPETITIVO. RESP PARADIGMA 1.120.295/SP.  DEMORA DA CITAÇÃO. MECANISMOS DA JUSTIÇA. SÚMULA 106/STJ. MODIFICAÇÃO DA CONCLUSÃO. REEXAME DE PROVA. SÚMULA 7/STJ. RESP PARADIGMA 1.102.431/RJ. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. ART. 40, § 4º, DA LEF. OITIVA DA FAZENDA PÚBLICA. DESNECESSIDADE. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. PRESCRIÇÃO DIRETA. ART. 219, § 5º, CPC. DECRETAÇÃO EX OFFICIO . INÉRCIA DA FAZENDA PÚBLICA. SÚMULA 83/STJ.

1. O entendimento firmado pelo Tribunal a quo não merece censura, pois a jurisprudência da Primeira Seção do STJ, no julgamento do REsp .120.295/SP, relatoria do Min. Luiz Fux, submetido ao regime dos recursos repetitivos, reconheceu que o art. 174 do Código Tributário Nacional deve ser interpretado conjuntamente com o art. 219, § 1º, do Código de Processo Civil, concluindo que é a propositura da ação o termo inicial para a contagem do prazo prescricional.

(...)

(AgRG no AREsp 323719/BA, 2ª Turma, Rel. Humberto Martins, DJe 26.08.2013)
 
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ARTIGO 543-C, DO CPC. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DE O FISCO COBRAR JUDICIALMENTE O CRÉDITO TRIBUTÁRIO. TRIBUTO SUJEITO A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. CRÉDITO TRIBUTÁRIO CONSTITUÍDO POR ATO DE FORMALIZAÇÃO PRATICADO PELO CONTRIBUINTE (IN CASU, DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS). PAGAMENTO DO TRIBUTO DECLARADO. INOCORRÊNCIA. TERMO INICIAL. VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA DECLARADA. PECULIARIDADE: DECLARAÇÃO DE RENDIMENTOS QUE NÃO PREVÊ DATA POSTERIOR DE VENCIMENTO DA OBRIGAÇÃO PRINCIPAL, UMA VEZ JÁ DECORRIDO O PRAZO PARA PAGAMENTO. CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL A PARTIR DA DATA DA ENTREGA DA DECLARAÇÃO.
(...)
2. A prescrição, causa extintiva do crédito tributário, resta assim regulada pelo artigo 174, do Código Tributário Nacional, verbis:
"Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva. 
Parágrafo único. A prescrição se interrompe:
I - pela citação pessoal feita ao devedor;
I - pelo despacho do juiz que ordenar a citação em execução fiscal;
(Redação dada pela Lcp nº 118, de 2005)
II - pelo protesto judicial;
III - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor;
IV - por qualquer ato inequívoco ainda que extrajudicial, que
importe em reconhecimento do débito pelo devedor."
(...)
13. Outrossim, o exercício do direito de ação pelo Fisco, por intermédio de ajuizamento da execução fiscal, conjura a alegação de inação do credor, revelando-se incoerente a interpretação segundo a qual o fluxo do prazo prescricional continua a escoar-se, desde a constituição definitiva do crédito tributário, até a data em que se der o despacho ordenador da citação do devedor (ou até a data em que se der a citação válida do devedor, consoante a anterior redação do inciso I, do parágrafo único, do artigo 174, do CTN).
14. O Codex Processual, no § 1º, do artigo 219, estabelece que a interrupção da prescrição, pela citação, retroage à data da propositura da ação, o que, na seara tributária, após as alterações promovidas pela Lei Complementar 118/2005, conduz ao entendimento de que o marco interruptivo atinente à prolação do despacho que ordena a citação do executado retroage à data do ajuizamento do feito executivo, a qual deve ser empreendida no prazo prescricional.
15. A doutrina abalizada é no sentido de que:
"Para CÂMARA LEAL, como a prescrição decorre do não exercício do direito de ação, o exercício da ação impõe a interrupção do prazo de prescrição e faz que a ação perca a 'possibilidade de reviver', pois não há sentido a priori em fazer reviver algo que já foi vivido (exercício da ação) e encontra-se em seu pleno exercício (processo). Ou seja, o exercício do direito de ação faz cessar a prescrição.
Aliás, esse é também o diretivo do Código de Processo Civil:
'Art. 219. A citação válida torna prevento o juízo, induz
litispendência e faz litigiosa a coisa; e, ainda quando ordenada por
juiz incompetente, constitui em mora o devedor e interrompe a prescrição.
§ 1º A interrupção da prescrição retroagirá à data da propositura da ação.'
Se a interrupção retroage à data da propositura da ação, isso significa que é a propositura, e não a citação, que interrompe a prescrição. Nada mais coerente, posto que a propositura da ação representa a efetivação do direito de ação, cujo prazo prescricional perde sentido em razão do seu exercício, que será expressamente reconhecido pelo juiz no ato da citação.
Nesse caso, o que ocorre é que o fator conduta, que é a omissão do direito de ação, é desqualificado pelo exercício da ação, fixando-se, assim, seu termo consumativo. Quando isso ocorre, o
fator tempo torna-se irrelevante, deixando de haver um termo temporal da prescrição." (Eurico Marcos Diniz de Santi, in "Decadência e Prescrição no Direito Tributário", 3ª ed., Ed. Max Limonad, São Paulo, 2004, págs. 232/233)
16. Destarte, a propositura da ação constitui o dies ad quem do prazo prescricional e, simultaneamente, o termo inicial para sua recontagem sujeita às causas interruptivas previstas no artigo 174, parágrafo único, do CTN.
17. Outrossim, é certo que "incumbe à parte promover a citação do réu nos 10 (dez) dias subsequentes ao despacho que a ordenar, não ficando prejudicada pela demora imputável exclusivamente ao serviço judiciário" (artigo 219, § 2º, do CPC).
18. Consequentemente, tendo em vista que o exercício do direito de ação deu-se em 05.03.2002, antes de escoado o lapso qüinqüenal (30.04.2002), iniciado com a entrega da declaração de rendimentos (30.04.1997), não se revela prescrita a pretensão executiva fiscal, ainda que o despacho inicial e a citação do devedor tenham sobrevindo em junho de 2002.
 

Assim sendo, seja qual for o critério adotado, data do despacho que ordena a citação ou data da autuação do processo - conclui-se que houve interrupção do prazo prescricional, não merecendo acolhida a questão prejudicial suscitada.

Afastada, portanto, a preliminar arguida.

 

 

 

 

II. 2 Da inexistência de autorização, pela Assembleia-Geral, para implantação do PDVI/2002

De acordo com o arts. 121, caput, da Lei 6.404/76, é obrigatória a manifestação prévia da Assembleia-Geral das sociedades anônimas quanto às deciões que digam respeito à realização de negócios relativos ao objeto da companhia.

No caso em exame, conforme apontado no item 3.2.1 do Relatório de Reinstrução, verificou-se que os gestores da Companhia não cumpriram o disposto na referida legislação. Segundo alegou o Sr. José Fernando Xavier Faraco (fl. 7413), a matéria referente à criação do PDVI/2002 foi submetida somente ao Conselho de Administração.

Assim, mantém-se a irregularidade apontada no item 1.1.1 do Relatório de Reinstrução.

II.3 Das irregularidades apuradas quanto ao Plano de Demissão Voluntária Incentivado (PDVI)

 A política de gestão das empresas públicas e sociedades de economia mista  está submetida ao disposto no art. 173, §1°, da CF/88, que consagra,  essencialmente um regime de direito privado aplicável a essas entidades da administração indireta. No entanto, conforme aceito amplamente pela doutrina e jurisprudência brasileiras,ocorre a incidência concomitante do regime de direito público. De acordo com José dos Santos Carvalho Filho,

 

As sociedades de economia mista e as empresas públicas, como se tem observado até o momento, exibem dois aspectos inerentes à sua condição jurídica: de um lado, são pessoas jurídicas de direito privado e, de outro, são pessoas sob o controle do Estado.

Esses dois aspectos demonstram, nitidamente, que nem estão elas sujeitas inteiramente ao regime de direito privado nem inteiramente ao de direito público. Na verdade, pode dizer-se, como o fazem alguns estudiosos, que seu regime tem certa natureza híbrida, já que sofrem o influxo de normas de direito privado em alguns setores de sua atuação e de normas de direito público em outros desses setores. E nem poderia ser de outra forma, quando se analisa seu revestimento jurídico de direito privado e sua ligação com o Estado". (In. Manual de direito administrativo. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 495/496)

 

Consoante o raciocínio exposto acima, não há de se afastar a incidência desse regime híbrido às hipóteses que envolvem, no âmbito das entidades mencionadas acima, a contratação e demissão de seus empregados, sendo possível concluir que tais atos devem  estar orientados pelo zelo ao interesse público.

Na situação descrita nos autos, é perceptível que a criação e a implementação do PDVI/2002 estão inseridas em um contexto histórico caracterizado pela aplicação de políticas que tinham como meta principal a redução da estrutura  estatal. Não por acaso, a implementação do PDVI descrito nos autos é imediatamente subsequente ao período durante o qual foi executado o plano nacional de desestatização, marcado pela transferência, à iniciativa privada, de serviços até então de competência do Estado.

Nesse mesmo contexto, a filosofia desestatizante incorporada pela política econômica brasileira nos três níveis da federação avançou sobre os diversos entes da Administração Pública, sendo incorporada pelos gestores das empresas estatais e convertida em medidas diversas, que redundaram, invariavelmente, na redução do número de empregados.  

  Os Planos de Demissão Voluntária, portanto, são consequência de um modo de gestão adotado com a finalidade de, a princípio, reduzir custos e aumentar a eficiência das empresas públicas e sociedades de economia mista. Assim, partindo do pressuposto de que, na gestão pública das empresas públicas e sociedades de economia mista há a incidência de normas de direito privado, sendo permitido concluir-se que há determinada margem de discricionariedade para a implementação de medidas destinadas a tornar mais eficiente a aplicação dos recursos dessas entidades.

No entanto, há um elemento que sempre deve ser considerado quando se trata da administração de sociedades de economia mista prestadoras de serviço público, a exemplo do que ocorre com a Celesc. Convém lembrar que, ao contrário do que ocorre com as entidades da administração indireta que assumem personalidade jurídica de direito privado para explorar atividade econômica, as empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviço público atuam muitas vezes como verdadeiros entes autárquicos, sobretudo quando sua área de atuação está submetida ao regime de monopólio.

Não à toa, o Supremo Tribunal Federal, em verdadeiro leading case, reconheceu que a Empresa de Correios e Telégrafos (ECT) goza de imunidade tributária em relação a todos os seus serviços. No entendimento do Ministro Ricardo Lewandoviski

Não se pode equiparar os Correios a empresas comuns em termos de concorrência porque não concorre de forma igualitária com estas. Primeiro porque precisa contratar seus bens e serviços mediante a Lei 8.666/93, que engessa sobremaneira a administração pública (...) não há nenhuma disparidade de armas no que tange ao reconhecimento dessa imunidade fiscal relativamente aos Correios (RE 601392/PR)

 

Sob o mesmo enfoque, porém tratando de questão diversa, é pacífico o entendimento de que as empresas públicas e sociedades de economia mista que prestam serviço público gozam dos mesmos privilégios processuais destinados à Fazenda Pública. A tais entes, portanto, são aplicados os prazos processuais do art. 188 do Código de Processo Civil. Ressalte-se que o fundamento para semelhante tratamento privilegiado decorre da tutela ao interesse público primário.

Neste ponto, cabem algumas ressalvas.

Conforme prevê o art. 175, caput, da CF/88, é incumbência do Poder Público a prestação de serviços públicos, diretamente ou sob regime de concessão. Assim, cabe aos próprios entes estatais escolher de que forma os serviços serão prestados.

Quando ocorre a prestação indireta, o Poder Público se utiliza da concessão, nos moldes da Lei 8.987/94, delegando a execução do serviço a particulares, mediante prévia escolha através de licitação na modalidade concorrência.

Na hipótese de prestação direta, é comum que se dê a descentralização administrativa, mecanismo por meio do qual o Estado cria entidades dotadas de autonomia de gestão para que estas executem o serviço público. A natureza jurídica dessas entidades varia de acordo com a opção política do  instituidor, de modo que incumbe ao Poder Executivo optar pela iniciativa de criar autarquia, empresa pública ou sociedade de economia mista.

Cabe ressaltar que, ao contrário do que se dá com as empresas públicas e sociedades de economia mista, as autarquias são regidas essencialmente por normas de direito público, não lhes sendo aplicado regime híbrido mencionado acima. Como consequência, é lícito concluir que as empresas públicas e sobretudo as sociedades de economia mista dispõem de maior liberdade de gestão, inclusive no tocante à demissão de empregados. É neste sentido, inclusive, o entendimento do TST, sintetizado no inciso II da Súmula n° 390, in verbis: "Ao empregado de empresa pública ou de sociedade de economia mista, ainda que admitido mediante aprovação em concurso público, não é garantida a estabilidade prevista no art. 41 da CF/1988".

 Desse modo, é viável admitir que o ordenamento jurídico, nesses casos, confere ao administrador certa discricionariedade quanto ao modo como se dará o desligamento dos empregados de empresas públicas e sociedades de economia mista, sempre atentando para a consecução de seus objetivos institucionais.

Em relação aos Planos de Demissão Voluntária, revela-se inevitável incluí-los entre as inúmeras medidas típicas de um regime de direito privado, aplicadas a partir de projeções econômico-financeiras que não gozam de uma margem absolutamente segura de efetividade, com a ressalva de que, quando se trata de entidade da administração indireta, o interesse público deve ser preservado.  

Sob outro aspecto, importa destacar que os Srs. José Fernando Xavier Faraco e Francisco de Assis Küster ocuparam a Presidência da Celesc durante o planejamento e aprovação do PDVI/2002, não tendo participado efetivamente de sua implementação nos anos seguintes. No entanto, deve ser destacado que, conforme afirmado acima, o contexto político-econômico da época da elaboração do PDVI/2002 se mostrava favorável a essa espécie de política administrativa. Esse raciocínio é corroborado, inclusive, pela leitura do art. 19, §1°, II da Lei Complementar n° 101/2000 (Lei de Responsabilidade Fiscal), que estabelece que a realização de despesas com pessoal pode exceder os limites legais quando relativa a despesas com incentivos a demissões voluntárias.

Ante o raciocínio exposto, resta afastada qualquer irregularidade relativa ao mérito na criação do Plano de Demissão Voluntária.

II.3 Dos enquadramentos irregulares

De acordo com o item 4 do Relatório de Reinstrução, a atuação do Ministério Público do Trabalho teve por objeto a fiscalização quanto à ilegalidade do pagamento de novo incentivo financeiro aos empregados que aderissem ao PDVI a partir de 2010. Tal medida atingiria inclusive os empregados reenquadrados após a data da promulgação da Constituição Federal de 1988.

Convém lembrar que, de acordo com os autos, a fiscalização realizada pelo MPT resultou na celebração do Termo de Ajustamento de Conduta n° 65/2007, no qual restou consignada a proibição de pagamento de indenização calculada com base em salário decorrente de enquadramento ilegal.

Deve ser feita ressalva quanto ao fato de que há, em tramitação nesta Corte de Contas, os processos RPJ n° 03/07350762 e RPJ n° 04/00296110, que tratam de questões relativas a pagamentos decorrentes de reenquadramentos ilegais.

Neste ponto, cabe destacar que os Srs. Francisco de Assis Küster e José Fernando Xavier Faraco, ao tempo da Deliberação n° 41/2005 da Celesc, já não ocupavam cargo de direção na estatal, de sorte que não houve participação dos mesmos na decisão de efetuar o pagamento de indenizações com base em salários decorrentes de reenquadramentos ilegais.

Em relação ao novo Plano de Demissão Voluntária lançado pela Celesc em maio de 2012, nota-se que o mesmo faz referência à possibilidade de ser efetuado novo cálculo do valor do incentivo, levando em conta a base salarial fixada após  o reenquadramento realizado em data posterior à da promulgação da Constituição Federal de 1988, desde que este tenha tido sua legalidade por decisão judicial com trânsito em julgado.

Com efeito, embora necessária, uma análise mais profunda e pormenorizada acerca do PDVI/2012 restou, no presente contexto, prejudicada, principalmente tendo em vista o escasso material instrutório trazido aos autos. Importa frisar ainda que o PDVI/2012 não foi, em sua integralidade, objeto da auditoria realizada. Contudo, em que pese o fato de aparentemente não se vislumbrar indícios de irregularidades no atual PDVI, é de bom alvitre recomendar à Celesc o cumprimento integral do Termo de Ajustamento de Conduta firmado com o Ministério Público do Trabalho.

Sob outro aspecto, ressalte-se que, conforme mencionado pela área técnica (verso da fl. 7809), houve decisão judicial proferida pelo TRT da 12ª Região nos autos de ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho, na qual foi reconhecida a prescrição da pretensão quanto à possibilidade de revisão judicial dos reenquadramentos efetuados pela Celesc.

III – VOTO

Ante o exposto, estando os autos instruídos na forma Regimental, submeto ao egrégio Plenário a seguinte proposta de voto:

3.1. Conhecer parcialmente do Relatório da Auditoria realizada na Celesc Distribuição S.A, referente aos valores pagos, a título de indenização, por ocasião de rescisão de trabalho originada da implementação do Plano de Demissão Voluntária Incentivada - PDVI de 2002, com fundamento no art. 36, § 2º, alínea “a” da Lei Complementar n. 202/2000, para considerar irregular a seguinte conduta:

3.1.1 Implementação do Plano de Demissão Voluntária Incentivada - PDVI de 2002 sem a prévia aprovação da Assembleia-Geral, em desacordo com o art. 121, caput, da Lei 6.404/76.

2.  Aplicar a multa, prevista no art. 70 inciso II, da Lei Complementar 202, de 15 de dezembro de 2000 c/c art. 109, II, do Regimento Interno ao Sr. Francisco de Assis Küster, no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas, para comprovar o recolhimento das multas aos cofres públicos, sem o que fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observando o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar nº 202/2000.

3.  Aplicar a multa, prevista no art. 70 inciso II, da Lei Complementar 202, de 15 de dezembro de 2000 c/c art. 109, II, do Regimento Interno ao Sr. José Fernando Xavier Faraco, no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas para comprovar o recolhimento da multas aos cofres do Estado, sem o que fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observando o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar nº 202/2000.

4. Recomendar à Celesc que cumpra integralmente o Termo de Ajustamento de Conduta firmado com o Ministério Público do Trabalho, observando, quanto ao atual Plano de Demissão Voluntária Incentivado - PDVI e também quanto aos que  eventualmente forem realizados no futuro, as regras quanto ao pagamento de indenizações aos empregados admitidos em data anteriores aos reenquadramentos apontados como irregulares. 

5. Dar ciência deste Acórdão aos Responsáveis nominados no item 3 desta deliberação, aos procuradores constituídos nos autos e à CELESC Distribuição S/A.

 

 

 

Gabinete, em 15 de agosto de 2013.

 

Cleber Muniz Gavi

Auditor Substituto de Conselheiro

                                                                      Relator