Processo: |
RPA-07/00527940 |
Unidade Gestora: |
Prefeitura
Municipal de São José |
Interessados: |
Edio
Osvaldo Vieira; Adeliana
Dal Pont; Amaury
da Silva; João
R. de Farias; Neri
Osvaldo Amaral; Osni
Meurer; Antônio
Luiz Battisti; SINASC
Sinalização e Conservação de Rodovias Ltda |
Responsável: |
Fernando
Melquíades Elias, ex-Prefeito Municipal |
Assunto: |
Representação
de agentes públicos contra a concessão de serviço público de remoção de
veículos automotivos retidos em operações de fiscalização de trânsito urbano,
no âmbito da circunscrição do Município de São José, devido à ausência de
autorização legislativa |
Relatório e Voto n°: |
GAC/HJN
– 064/2014 |
1.
INTRODUÇÃO
Tratam
os autos de Representação encaminhada pelo Sr. Edio Osvaldo Vieira, Presidente
da Câmara Municipal de São José no exercício de 2007, também subscrita por
Adeliana Dal Pont; Amaury da Silva, João R. de Farias; Neri Osvaldo Amaral;
Osni Meurer e Antônio Luiz Battisti (todos na condição de vereadores naquele
exercício), através do qual se insurgem
contra ato praticado pelo Sr. Fernando Melquíades Elias, Prefeito Municipal
naquele exercício, devido a inexistência de autorização legislativa para
concessão de serviço de remoção de veículos automotivos retidos em operações de
fiscalização de trânsito urbano em nível municipal, no âmbito da circunscrição
do Município, bem como a guarda destes veículos até a entrega aos legítimos
proprietários ou adquirentes em hasta pública, se não recuperados pelos donos,
respondendo a Concessionária pela autorização, execução e controle desse
procedimento, incluindo, ainda, o serviço de registro, controle e monitoramento
das operações, conforme o Edital de Concorrência Pública n° 008/2006 (fls.
18-30) e Contrato n. 111/2007 (fls. 458-464).
Os
autos foram examinados pela Diretoria de Licitações e Contratações (DLC), que
sugeriu o conhecimento da Representação e a audiência do gestor sobre a
ausência de lei municipal autorizativa para a outorga de concessão dos serviços
de remoção dos veículos (Relatório de Instrução n° DLC/INSP2/DIV6 n° 440/08,
fls. 466-474).
O
Ministério Público junto ao Tribunal ratificou a sugestão da Instrução (Parecer
MPTC/4.783/2008, fls. 476-477).
Conhecida
a Representação (Decisão Singular n. GACMB 041/2008, fl. 478), foi procedida à
audiência do responsável, que se manifestou às fls. 485-491, juntando os
documentos de fls. 492-533.
Em
reanálise, a DLC conclui pela procedência da Representação, aplicação de multa
ao gestor, determinação da anulação do Contrato e comunicação à Câmara
Municipal (Relatório de Reanálise n° DLC/INSP2/DIV6 n° 183/2009, fls. 536-547).
O
Ministério Público de Contas acompanhou em parte o posicionamento da DLC,
manifestando-se pela audiência da empresa contratada (Parecer n. MPTC/6445/2011,
fls. 549-559).
Restou
determinada a audiência da Concessionária (Despacho n° GAC/HJN-63/2011, fl.
560-561) que, depois de autorizado o pedido de vista, cópia dos autos e
prorrogação do prazo, se manifestou nos autos por intermédio de seu procurador,
Dr. Pedro Peres da Silva (fls. 581-632 e documentos de fls. 633-791).
Ao
reinstruir os autos a Diretoria Técnica manteve seu posicionamento inicial (Relatório
de Reinstrução n° DLC-482/2012, fls. 794-802).
O Parquet Especial manifestou-se pela
irregularidade do certame, aplicação de sanção pecuniária ao gestor da época,
determinação ao município de São José para a anulação da Concorrência Pública e
adoção de providências para a instauração de novo certame, incluindo a remessa
de projeto de lei ao Poder Legislativo local, visando regular a concessão do
serviço, bem como pela necessidade de manter a prestação dos serviços até a
realização da nova licitação. Por fim sugeriu que a atual Responsável comprove
a adoção das providências no prazo de 60 dias.
É o
Relatório.
2. DISCUSSÃO
2.1PRELIMINARES
2.1.1 Ilegitimidade passiva do
ex-Prefeito Municipal de São José.
O
Sr. Fernando Melquíades Elias alegou que não pode ser responsabilizado, pois o
procedimento licitatório foi realizado sob a direção do Secretário de
Administração da época, que se baseou em pareceres e documentos exarados pela
Secretaria e pela Procuradoria Jurídica do Município acerca da legalidade da
Concessão.
A
Instrução rechaça a preliminar aventada, pois o ordenador de despesas somente
deixa de ser responsável pelo ato quando o delega através de instrumento formal,
o que não ocorreu no caso em tela, tanto que o ex-Prefeito Municipal assinou o
contrato de concessão (fls. 458-464). A Instrução também cita a Lei Orgânica do
Município que prevê a necessidade de outorga ou delegação de atribuições pelo
Prefeito ao Secretário (art. 61, parágrafo único) e o teor do prejulgado 1533 deste
Tribunal, que também exige a apresentação da delegação de competência na
fixação da responsabilidade de quem seja ordenador de despesa.
O
MPjTC também afirma que não foi dado publicidade ao ato supostamente delegado e
que tal prova caberia ao gestor que o alega, nos termos do Prejulgado 1533. Outrossim,
a situação do representado se agrava no fato de ter homologado e contratado o
serviço.
De fato, resta esta
inequívoca a responsabilidade do ex-Prefeito Municipal. No mais, quanto à alegada
ilegitimidade, nos termos do art. 133, § 1º, da Resolução nº TC-06/2001,
considera-se responsável aquele que
figure no processo em razão da utilização, arrecadação, guarda, gerenciamento ou administração de dinheiro, bens,
e valores públicos, ou pelos quais o Estado ou o Município respondam, ou que, em nome destes assuma obrigações de
natureza pecuniária, ou por ter dado causa a perda, extravio, ou outra
irregularidade de que resulte prejuízo ao erário.
Assim, para os fins
legais, responsável é todo aquele que atua na administração ou no gerenciamento
do dinheiro público, vale dizer, é o gestor da coisa pública, salvo se
apresentado o ato formal de delegação de competência.
Considerando que o
ex-Prefeito Municipal não trouxe aos autos prova que viesse descaracterizar a
sua responsabilidade, esta permanece.
2.1.2 Cerceamento de defesa em relação à
empresa contratada
A
empresa contratada para a execução dos serviços foi a SINASC Sinalização e
Conservação de Rodovias Ltda., com sede no Distrito Industrial do município de
Palhoça. Através da resposta a audiência, requereu a nulidade deste
procedimento, em vista do alegado desrespeito a ampla defesa e ao contraditório
por este Tribunal, tendo em vista que esta Corte teria buscado anular um
contrato administrativo sem a prévia oitiva desta, por sua vez, terceira de
boa-fé.
Alega
que este Tribunal iniciou a presente Representação pautada apenas nas alegações
dos Representantes, passando a adotar providências administrativas para apurar
o alegado, sem jamais cientificar a empresa contratada do presente feito,
inclusive havendo decisão final por este Tribunal, qual seja, da anulação do
contrato administrativo que concedeu o serviço público. Suscita que a
manifestação da empresa a essa altura não passará de simples teatro buscando
formalizar um inalcançável respeito ao contraditório e a ampla defesa, o que é
ilegal e passível de anulação pelo Judiciário, inclusive, devido à afronta a Súmula
Vinculante n° 03 do Supremo Tribunal Federal[1].
Cita jurisprudência do Excelso Pretório, do Tribunal de Contas do Estado de
Minas Gerais e do Superior Tribunal de Justiça, que trata da necessidade de
audiência pelas Cortes de Contas das empresas contratadas pela Administração
Pública e da observância ao direito constitucional da ampla defesa e
contraditório, sob pena de nulidade processual.
Como
afirmado pela Instrução e pelo MPjTC, não assiste razão à qualquer das
assertivas da Concessionária, por absoluta falta de sustentação, além de não condizer
com o que dos autos constam.
Quando
este Tribunal autuou o expediente recebido como Representação de Agente Público
(RPA), passou a adotar as providências regimentais para apurar o alegado, que
se iniciou através do conhecimento da Representação devido ao atendimento dos
requisitos de admissibilidade, seguido do envio da audiência aos
Responsáveis, conceituada como “o procedimento pelo qual o Tribunal Pleno, as
Câmaras ou o Relator oferecem oportunidade ao responsável para corrigir ou
justificar, por escrito, ilegalidade ou qualquer irregularidade quanto à
legitimidade ou economicidade verificadas em processo de fiscalização de atos
administrativos, inclusive contratos e atos sujeitos a registro, passíveis de
aplicação de multa” (art. 123, §2º do Regimento Interno).
O fato da audiência da empresa ter sido
realizada após a decorrência de certo tempo da autuação dos autos em nada
prejudica o andamento do feito, tampouco a defesa ou contraditório da empresa que
ainda se encontra executando os serviços.
Ao
contrário do afirmado pela Concessionária, até a presente data não houve
qualquer decisão emitida pelo Tribunal Pleno, menos ainda uma decisão definitiva
visando à sustação ou anulação do contrato em exame. Apenas houve sugestão da
Diretoria Técnica e do Ministério Público de Contas pela anulação do contrato,
sendo que ambos procederam ao exame do contraditório e ampla defesa do
ex-Prefeito e da Concessionária.
A
defesa exercida pela empresa está sendo avaliada neste momento por este Relator
bem como pelo Tribunal Pleno desta Casa, ou seja, somente após o exercício do
contraditório e da ampla defesa das partes, não havendo qualquer divergência da
jurisprudência trazida pela empresa contratada em sua argumentação, tampouco
com a Súmula Vinculante n° 03, do STF.
Consequentemente
resta descaracterizada qualquer ofensa ao princípio da ampla defesa e
contraditório, motivo pelo qual o requerimento da nulidade do presente processo
não merece guarida.
2.1.3 Cerceamento de defesa configurado
em relação ao Município de São José
A Concessionária
também arguiu o cerceamento de defesa do Município de São José, por considerará-lo
como parte intimamente interessada no desfecho do presente processo. Em face
disso, requer a nulidade do processo.
Vindo
os autos conclusos, antes de analisar a legalidade e efetuar qualquer juízo de
valor sobre a questão que se apresenta, observei que a decisão a ser proferida
nesse processo poderia resultar em modificação da situação jurídica formalizada
entre a Concessionária e o Município de São José. Assim, se tal fato viesse a
se concretizar, ponderei através do Despacho n° GAC/HJN-072/2013 (fls. 817-818)
que é a atual gestão municipal que deverá adotar as providências emanadas por
este Tribunal, o que a torna interessada
neste processo. [2]
Desta
forma, considerando a possibilidade de eventual alteração jurídica entre os
contratantes, aliada a possibilidade de prorrogação da concessão por mais 10
anos, assegurei à atual gestão do Município de São José a ciência da
instauração do processo e a oportunidade de se manifestar nos autos, em atenção
ao devido processo legal e do princípio da ampla defesa e do contraditório
(CF/88, art. 5°, LIV e LV), antes da deliberação plenária, da mesma forma como
este Tribunal tem oportunizado o direito as empresas contratadas, também na
qualidade de interessadas.
Contudo,
realizada a Audiência (fl. 819-820), a Sra.
Adeliana Dal Pont – Prefeita Municipal, optou
por não se manifestar nos autos (fl.
821 e verso).
Desta
forma, está afastada a preliminar aventada.
2.1.4 Advento da prescrição para a anulação
de atos administrativos
A
Concessionária arguiu a prescrição quinquenal do presente processo,
considerando que a autuação do procedimento licitatório ocorreu em 09/11/2006 e
a ciência da Concessionária sobre este processo se deu em 28/11/2011. Para a
Concessionária, não está sendo observado o disposto no art. 54 da Lei n°
9784/1999, onde “O direito da
administração em anular os atos administrativos que decorrem efeitos favoráveis
para os destinatários decai em 5 (cinco) anos contados da data em que foram
praticados, salvo comprovada má-fé”.
Conforme
registrado pela área técnica e pelo MPjTC, esta Corte já se
manifestou sobre a questão da prescrição da pretensão punitiva em diversas
oportunidades, consolidando-se o entendimento segundo o qual a prescrição se
consuma pelo decurso do prazo de dez anos, quando a lei
não lhe haja fixado prazo menor, aplicando-se à espécie o disposto
no art. 205 do Código Civil (Precedentes: REC 11/00481300; REC 04/06399085, REC 04/05167091, REC
04/03502233, REC 04/03502614 e REC 07/00127410).
Ademais, como observado pelo Ministério Público de Contas, a Lei
n° 9.784/99 regula exclusivamente o processo administrativo no âmbito da
Administração Pública Federal.
Dessa forma, o instituto da prescrição não se aplica à hipótese
dos autos.
Superadas as preliminares, passo a análise do mérito.
2.2
MÉRITO
A
Representação em tela decorreu da inexistência de autorização legislativa que
validasse o processo licitatório n° 11873/2006, que deu origem a Concorrência
Pública n° 008/2006 (fls. 18-30) e Contrato n° 111/2007 (fls. 458-464), visando
à concessão de serviço de remoção de veículos automotivos retidos em operações
de fiscalização de trânsito urbano em nível municipal, no âmbito da
circunscrição do Município, bem como a guarda destes veículos até a entrega aos
legítimos proprietários ou adquirentes em hasta pública, se não recuperados
pelos donos, respondendo a Concessionária pela autorização, execução e controle
desse procedimento, incluindo, ainda, o serviço de registro, controle e
monitoramento das operações.
A
discussão, portanto, limita-se à necessidade ou não de lei autorizativa para
concessão do serviço em questão, no âmbito do município de São José.
Quanto
ao mérito, segundo o ex-Prefeito
Municipal, Fernando Melquíades Elias, a ausência de lei autorizativa não é motivo para viciar o edital; não há na
norma federal ingerência sobre a autonomia de Estados e Municípios, mas
delineamento geral a respeito do tema; que a exigência de lei fere o princípio
da independência entre os Poderes; que a representação foi ato meramente
“politiqueiro”; que a delegação dos serviços decorreu da ausência de condições
de o Município prestar os serviços. Ao final citou uma Ação Direta de
Inconstitucionalidade, onde restaram impugnados dispositivos da Lei Orgânica
Municipal que maculam o princípio da separação dos Poderes (ADI 2007.048071-1,
de São José).
Já a
empresa SINASC Sinalização e Conservação
de Rodovias Ltda, na qualidade de concessionária, alegou, em síntese, que o
art. 175 da Constituição Federal não determinou que em cada concessão efetuada
o Poder Público deveria promover uma lei específica, pois existe uma lei
federal que trata do regime das concessões públicas (Lei Federal n° 8.987/95);
que se trata de uma concessão comum ou simples; que o art. 2º da Lei Federal n°
9074/95 (que dispõe sobre a outorga e prorrogação das concessões e permissões
de serviços públicos) dispensa a lei autorizativa nos casos referidos pela
Constituição Federal, Constituições Estaduais e Leis Orgânicas e que no caso em
tela a Constituição Estadual (art. 112, V) e a Lei Orgânica do Município (art.
21, caput e inciso VI) permitem a
concessão do serviço.
A
concessionária ainda alega que o Mandado de Segurança impetrado pela empresa
Marthas Serviços Gerais (MS n° 064.07.001692-9, da Vara da Fazenda Pública de
São José) confirmou a legalidade da concorrência; que o convênio n°
12.445/2004-1 firmado entre o município de São José, a Secretaria de Estado da
Segurança Pública e Defesa do Cidadão, o Departamento Estadual de Trânsito e
Segurança Viária e a Polícia Militar do Estado (fls. 736-744) serviu de
autorização legislativa e que há necessidade do Tribunal de Contas convalidar o
ato administrativo, especialmente em razão dos princípios da segurança jurídica
e da boa-fé.
Vejamos.
Analisando
as justificativas apresentadas e o contraponto da Diretoria de Licitações e
Contratações e do Parquet Especial, verifica-se que justificativas a respeito da
ausência de lei autorizativa não prosperam, pois o instituto jurídico da
concessão de serviços públicos, objeto da licitação em comento, é regido,
inicialmente, pelo disposto no art. 175 da Constituição Federal, que determina
que a prestação de serviços públicos será licitada na forma da lei, mediante
licitação:
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na
forma da lei, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, sempre
através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Na legislação infraconstitucional, a
matéria foi regulada pelas Leis Federais ns° 8.987/95 e 9.074/95.
A primeira norma, atinente à formalização das concessões públicas, traz o conceito do instituto em seu art. 2º, inciso II, nos seguintes termos:
Art. 2º Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:
[...]
II – concessão de
serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente,
mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou
consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua
conta e risco e por prazo determinado;
[...].
Já
a Lei n° 9.074/95, por sua vez, impõe como requisito para a realização da
concessão (ou permissão), a promulgação de prévia lei autorizativa:
Art. 2º. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios executarem obras e serviços públicos por meio de concessão
e permissão de serviço público, sem lei
que lhes autorize e fixe os termos, dispensada a lei autorizativa nos casos
de saneamento básico e limpeza urbana e nos já referidos na Constituição
Federal, nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas do Distrito Federal e
Municípios, observado, em qualquer caso, os termos da Lei nº 8.987, de 1995. (Grifo nosso).
Conforme
fundamentado pelo Ministério Público de Contas, as mencionadas leis encontram seu fundamento no inciso XXVII do art. 22 da
Constituição Federal. O dispositivo delega privativamente à União a competência
para elaborar normas gerais de licitações e contratações públicas, cabendo aos
Municípios suplementarem a legislação federal no que couber (art. 30, II),
desde que respeitados os parâmetros estabelecidos pela normal federal. A lei
federal estabelece como requisito para a transferência de um serviço público a
um particular a existência prévia de lei autorizativa, de acordo com o âmbito
de competência de cada ente da federação.
Destaca
ainda o MPjTC que as autorizações legislativas estabelecem diretrizes para o
procedimento licitatório e como instrumento de fiscalização da aplicação de
recursos públicos e que a exigência de lei prévia possibilita a participação do
poder legislativo local, como representantes do povo, nos autos de gestão da coisa
pública. Assim, a existência de convênio não dispensa a exigência de lei
autorizativa.
De
fato, apenas uma autorização legislativa tornaria regular a concessão
realizada. Nesse viés, Marçal Justen Filho[3]
explica o caráter de legitimidade impresso por esta condição:
[...] a concessão apresenta-se muito mais como um ato estatal
do que como manifestação exclusivamente administrativa. Daí haver nítida redução da discricionariedade administrativa no campo
das licitações para concessões e permissões, se comparada à situação com as
demais licitações. O edital deverá ser elaborado nos estritos
limites da lei que autorizou a licitação e estabeleceu as condições para outorgar
dos serviços aos particulares.
[...]
A
referência do art. 175 à edição de lei para delegação do serviço público se
relaciona não apenas com o princípio da legalidade do art. 5°. Trata-se de reconhecer que o povo, por via
do Poder Legislativo, é único titular das escolhas acerca da forma de gestão
dos serviços públicos. E que esses serviços se destinam a assegurar o bem
do povo, a eliminação das carências individuais e regionais e a
institucionalização de um Estado Democrático. Por isso, não se admitem decisões provenientes apenas do Poder Executivo
- ainda que também esse seja integrado por representantes do povo. Mas o
conjunto de órgãos destinado a vocalizar a vontade popular é especificamente o
Poder Legislativo.
Não é possível, portanto, admitir que a
outorga de concessão de serviço público derive exclusivamente de ato
administrativo que autorizou a figura da terceirização, sem prévia autorização
e regulação por meio de lei que disponha sobre a concessão. Interpretação
distinta distorce a estrutura fundamental do Estado brasileiro e torna vazia a
regra do artigo 175 da Constituição Federal. (Grifo nosso).
Do
escólio de Hely Lopes Meireles[4],
destaca-se que:
[...] as concessões para exploração de
serviços de utilidade pública devem também ser autorizadas
por lei especial, na qual a Câmara delimite o âmbito do contrato
a ser firmado entre o Município, representado pelo prefeito, e o
concessionário. [...] o que convém se grave é que tais contratos não podem
ser firmados sem prévia autorização da Câmara de Vereadores, por importar delegação
de poderes do Município a terceiros para a exploração de
determinado serviço público local.
Da
jurisprudência extrai-se:
AÇÃO POPULAR. LICITAÇÃO. CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO,
AUSÊNCIA DE LEI AUTORIZATIVA. NULIDADE DA CONCESSÃO ANTE EXIGÊNCIA DO ART. 175
DA CF.
I – Incumbe ao poder público, na forma da lei,
diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de
licitação, a prestação de serviço público, Assim, portanto, veda-se à União,
aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, executarem obras e serviços
públicos por meio de concessão e permissão, sem lei que lhes autorize e fixe os
termos.[5]
[...]
Nesse
sentido também se manifestou a Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Rio
Grande do Sul, que ensejou a declaração de inconstitucionalidade de Decretos
Municipais que ensejaram a concessão de serviço público, sem a autorização do
Poder Legislativo:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Decretos Municipais
nºs 034/00, 035/00 e 036/00, de Bagé, que autorizam o Poder Executivo a abrir
processo licitatório para concessão de serviço público. Matéria cujo exame e
regramento compete à Câmara de Vereadores. Vício de inconstitucionalidade
formal. Ofensa aos princípios da legalidade, da harmonia e da independência dos
Poderes. As concessões e permissões de serviços públicos necessitam de prévia
autorização legislativa, inclusive nos casos de saneamento básico e limpeza
urbana. Parecer pela procedência da ADIn.[6]
Da
análise dos dispositivos legais, depreende-se que a prestação de serviço
público sob o regime de concessão deve ser precedido de lei que a autorize e
fixe seus termos. A inexistência de lei autorizativa é contrária ao próprio
princípio da legalidade administrativa.
No
presente caso, a municipalidade não estava autorizada pelo respectivo
legislativo e respaldado por ato normativo para dar início ao procedimento
licitatório e concluí-lo com a outorga à atual concessionária.
Ao
contrário do afirmado pela Concessionária, a Constituição Estadual (art. 112,
V) e a Lei Orgânica do Município (art. 21, caput
e inciso VI) não autorizaram a concessão dos serviços públicos em apreço,
pois apenas dispõe que compete ao Município prover tudo quanto diga respeito ao
seu peculiar interesse, como organizar e prestar sob regime de concessão ou
permissão os serviços de interesse locais.
Já
quanto ao Mandado de Segurança impetrado pela empresa Marthas Serviços Gerais
(MS n° 064.07.001692-9, da Vara da Fazenda Pública de São José), verifica-se
que não houve julgamento de mérito quando a ausência de lei autorizativa para a
concessão do serviço em questão, mas apenas com relação à exigência de local
para a sede das empresas proponentes e exigência de caução (itens 2.4 e 2.2 do
edital, respectivamente).
Registra-se
que a edição de lei não gera efeitos automáticos de legalidade para o ato da
concessão, pois a lei deveria ter sido prévia ao lançamento da concorrência do
serviço público.
Acrescento
que não está se referendando as demais questões afetas a Concessão Pública em
questão, tendo em vista que a análise se restringiu ao objeto da Representação,
nos termos do art. 65, § 2° c/c art. 66, parágrafo único, da Lei Complementar
(estadual) n° 202/00.
3.
VOTO
Diante
do exposto, proponho ao Egrégio Tribunal Pleno a adoção da seguinte deliberação
preliminar:
3.1 Assinar prazo de 90 (noventa) dias a contar
da publicação desta decisão no Diário Oficial Eletrônico do TCE (DOTC-e),
para que a Sra. Adeliana Dal Pont – atual
Prefeita Municipal de São José, adote as
providências necessárias ao afastamento da irregularidade evidenciada pela
DLC no Relatório de Reinstrução n° DLC-483/12 abaixo transcrita, e as comprove a adoção das providências este Tribunal no mesmo prazo, sob pena da
anulação do contrato de concessão e aplicação das penalidades prescritas na Lei
Complementar nº 202/00:
3.1.1 Ausência de
autorização legislativa para concessão de serviço de remoção de veículos
automotivos retidos em operações de fiscalização de trânsito urbano em nível
municipal, no âmbito da circunscrição do Município, bem como a guarda destes
veículos até a entrega aos legítimos proprietários ou adquirentes em hasta
pública, se não recuperados pelos donos, respondendo a Concessionária pela
autorização, execução e controle desse procedimento, incluindo, ainda, o
serviço de registro, controle e monitoramento das operações, licitado através
do Edital de Concorrência Pública n° 008/2006 e delegado através do Contrato n.
111/2007.
3.2. Dar ciência da
Decisão, do Voto do Relator, do Relatório de Reinstrução n° DLC-483/2012 e do Parecer
n° MPTC/13.306/2012 que fundamentam a Decisão, a Sra. Adeliana Dal Pont (atual Prefeita Municipal de São José e ainda na
qualidade de Representante dos fatos denunciados), aos Srs. Edio Osvaldo Vieira, Amaury da Silva, João R. de Farias, Neri
Osvaldo Amaral, Osni Meurer e Antônio Luiz Battisti (Representantes),
ao Sr. Fernando Melquíades Elias
(ex-Prefeito Municipal de São José); a empresa SINASC Sinalização e Conservação de Rodovias Ltda (Concessionária),
ao Controle Interno e a Procuradoria do Município de São José,
bem como a Câmara Municipal de São
José.
Gabinete, em 17 de março
de 2014.
HERNEUS DE NADAL
Conselheiro Relator
[1] Nos processos perante
o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa
quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo
que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de
concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.
[2]
Nos
termos do Regimento Interno desta Corte de Contas, interessado é todo “o
administrador que, sem se revestir da qualidade de responsável pelos atos
objeto de julgamento ou de apreciação pelo Tribunal de Contas, deva se
manifestar nos autos na atual condição de gestor”. E para os interessados, será
assegurada a ampla defesa em todas as etapas do processo, nos termos do art.
133, § 1°, “b”:
Art.
133.
Em todas as etapas do processo de julgamento de contas, de apreciação de atos
sujeitos a registro e de fiscalização de atos e contratos será assegurada aos
responsáveis ou interessados ampla defesa.
§ 1º Para efeito do disposto no caput, considera-se:
[...]
b) interessado o administrador que, sem se
revestir da qualidade de responsável pelos atos objeto de julgamento ou de
apreciação pelo Tribunal de Contas, deva se manifestar nos autos na condição de
atual gestor.
[3] JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003, p. 177 e 135.
[4] MEIRELES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 12 ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 656.
[5] Apelação Cível 10294-2004. Município de Imperatriz. Acórdão n° 58.360/2005. Primeira Câmara Cível. Tribunal de Justiça do Maranhão.
[6] AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N.º 70001300904 (599368198). ORIGEM: TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PROPONENTE: PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA DE BAGÉ.