Processo:

RPA-07/00527940

Unidade Gestora:

Prefeitura Municipal de São José

Interessados:

Edio Osvaldo Vieira;

Adeliana Dal Pont;

Amaury da Silva;

João R. de Farias;

Neri Osvaldo Amaral;

Osni Meurer;

Antônio Luiz Battisti;

SINASC Sinalização e Conservação de Rodovias Ltda

Responsável:

Fernando Melquíades Elias, ex-Prefeito Municipal

Assunto:

Representação de agentes públicos contra a concessão de serviço público de remoção de veículos automotivos retidos em operações de fiscalização de trânsito urbano, no âmbito da circunscrição do Município de São José, devido à ausência de autorização legislativa

Relatório e Voto n°:

GAC/HJN – 064/2014

 

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

Tratam os autos de Representação encaminhada pelo Sr. Edio Osvaldo Vieira, Presidente da Câmara Municipal de São José no exercício de 2007, também subscrita por Adeliana Dal Pont; Amaury da Silva, João R. de Farias; Neri Osvaldo Amaral; Osni Meurer e Antônio Luiz Battisti (todos na condição de vereadores naquele exercício),  através do qual se insurgem contra ato praticado pelo Sr. Fernando Melquíades Elias, Prefeito Municipal naquele exercício, devido a inexistência de autorização legislativa para concessão de serviço de remoção de veículos automotivos retidos em operações de fiscalização de trânsito urbano em nível municipal, no âmbito da circunscrição do Município, bem como a guarda destes veículos até a entrega aos legítimos proprietários ou adquirentes em hasta pública, se não recuperados pelos donos, respondendo a Concessionária pela autorização, execução e controle desse procedimento, incluindo, ainda, o serviço de registro, controle e monitoramento das operações, conforme o Edital de Concorrência Pública n° 008/2006 (fls. 18-30) e Contrato n. 111/2007 (fls. 458-464).

Os autos foram examinados pela Diretoria de Licitações e Contratações (DLC), que sugeriu o conhecimento da Representação e a audiência do gestor sobre a ausência de lei municipal autorizativa para a outorga de concessão dos serviços de remoção dos veículos (Relatório de Instrução n° DLC/INSP2/DIV6 n° 440/08, fls. 466-474).

O Ministério Público junto ao Tribunal ratificou a sugestão da Instrução (Parecer MPTC/4.783/2008, fls. 476-477).

Conhecida a Representação (Decisão Singular n. GACMB 041/2008, fl. 478), foi procedida à audiência do responsável, que se manifestou às fls. 485-491, juntando os documentos de fls. 492-533.

Em reanálise, a DLC conclui pela procedência da Representação, aplicação de multa ao gestor, determinação da anulação do Contrato e comunicação à Câmara Municipal (Relatório de Reanálise n° DLC/INSP2/DIV6 n° 183/2009, fls. 536-547).

     O Ministério Público de Contas acompanhou em parte o posicionamento da DLC, manifestando-se pela audiência da empresa contratada (Parecer n. MPTC/6445/2011, fls. 549-559).

Restou determinada a audiência da Concessionária (Despacho n° GAC/HJN-63/2011, fl. 560-561) que, depois de autorizado o pedido de vista, cópia dos autos e prorrogação do prazo, se manifestou nos autos por intermédio de seu procurador, Dr. Pedro Peres da Silva (fls. 581-632 e documentos de fls. 633-791).

Ao reinstruir os autos a Diretoria Técnica manteve seu posicionamento inicial (Relatório de Reinstrução n° DLC-482/2012, fls. 794-802).

O Parquet Especial manifestou-se pela irregularidade do certame, aplicação de sanção pecuniária ao gestor da época, determinação ao município de São José para a anulação da Concorrência Pública e adoção de providências para a instauração de novo certame, incluindo a remessa de projeto de lei ao Poder Legislativo local, visando regular a concessão do serviço, bem como pela necessidade de manter a prestação dos serviços até a realização da nova licitação. Por fim sugeriu que a atual Responsável comprove a adoção das providências no prazo de 60 dias.

É o Relatório.

 

 

2. DISCUSSÃO

 

2.1PRELIMINARES

 

2.1.1 Ilegitimidade passiva do ex-Prefeito Municipal de São José.

 

O Sr. Fernando Melquíades Elias alegou que não pode ser responsabilizado, pois o procedimento licitatório foi realizado sob a direção do Secretário de Administração da época, que se baseou em pareceres e documentos exarados pela Secretaria e pela Procuradoria Jurídica do Município acerca da legalidade da Concessão.

A Instrução rechaça a preliminar aventada, pois o ordenador de despesas somente deixa de ser responsável pelo ato quando o delega através de instrumento formal, o que não ocorreu no caso em tela, tanto que o ex-Prefeito Municipal assinou o contrato de concessão (fls. 458-464). A Instrução também cita a Lei Orgânica do Município que prevê a necessidade de outorga ou delegação de atribuições pelo Prefeito ao Secretário (art. 61, parágrafo único) e o teor do prejulgado 1533 deste Tribunal, que também exige a apresentação da delegação de competência na fixação da responsabilidade de quem seja ordenador de despesa.

O MPjTC também afirma que não foi dado publicidade ao ato supostamente delegado e que tal prova caberia ao gestor que o alega, nos termos do Prejulgado 1533. Outrossim, a situação do representado se agrava no fato de ter homologado e contratado o serviço.

De fato, resta esta inequívoca a responsabilidade do ex-Prefeito Municipal. No mais, quanto à alegada ilegitimidade, nos termos do art. 133, § 1º, da Resolução nº TC-06/2001, considera-se responsável aquele que figure no processo em razão da utilização, arrecadação, guarda, gerenciamento ou administração de dinheiro, bens, e valores públicos, ou pelos quais o Estado ou o Município respondam, ou que, em nome destes assuma obrigações de natureza pecuniária, ou por ter dado causa a perda, extravio, ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário.

Assim, para os fins legais, responsável é todo aquele que atua na administração ou no gerenciamento do dinheiro público, vale dizer, é o gestor da coisa pública, salvo se apresentado o ato formal de delegação de competência.

Considerando que o ex-Prefeito Municipal não trouxe aos autos prova que viesse descaracterizar a sua responsabilidade, esta permanece.

 

2.1.2 Cerceamento de defesa em relação à empresa contratada

 

A empresa contratada para a execução dos serviços foi a SINASC Sinalização e Conservação de Rodovias Ltda., com sede no Distrito Industrial do município de Palhoça. Através da resposta a audiência, requereu a nulidade deste procedimento, em vista do alegado desrespeito a ampla defesa e ao contraditório por este Tribunal, tendo em vista que esta Corte teria buscado anular um contrato administrativo sem a prévia oitiva desta, por sua vez, terceira de boa-fé.

Alega que este Tribunal iniciou a presente Representação pautada apenas nas alegações dos Representantes, passando a adotar providências administrativas para apurar o alegado, sem jamais cientificar a empresa contratada do presente feito, inclusive havendo decisão final por este Tribunal, qual seja, da anulação do contrato administrativo que concedeu o serviço público. Suscita que a manifestação da empresa a essa altura não passará de simples teatro buscando formalizar um inalcançável respeito ao contraditório e a ampla defesa, o que é ilegal e passível de anulação pelo Judiciário, inclusive, devido à afronta a Súmula Vinculante n° 03 do Supremo Tribunal Federal[1]. Cita jurisprudência do Excelso Pretório, do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais e do Superior Tribunal de Justiça, que trata da necessidade de audiência pelas Cortes de Contas das empresas contratadas pela Administração Pública e da observância ao direito constitucional da ampla defesa e contraditório, sob pena de nulidade processual.

Como afirmado pela Instrução e pelo MPjTC, não assiste razão à qualquer das assertivas da Concessionária, por absoluta falta de sustentação, além de não condizer com o que dos autos constam.

Quando este Tribunal autuou o expediente recebido como Representação de Agente Público (RPA), passou a adotar as providências regimentais para apurar o alegado, que se iniciou através do conhecimento da Representação devido ao atendimento dos requisitos de admissibilidade, seguido do envio da audiência aos Responsáveis, conceituada como “o procedimento pelo qual o Tribunal Pleno, as Câmaras ou o Relator oferecem oportunidade ao responsável para corrigir ou justificar, por escrito, ilegalidade ou qualquer irregularidade quanto à legitimidade ou economicidade verificadas em processo de fiscalização de atos administrativos, inclusive contratos e atos sujeitos a registro, passíveis de aplicação de multa” (art. 123, §2º do Regimento Interno).

 O fato da audiência da empresa ter sido realizada após a decorrência de certo tempo da autuação dos autos em nada prejudica o andamento do feito, tampouco a defesa ou contraditório da empresa que ainda se encontra executando os serviços.

Ao contrário do afirmado pela Concessionária, até a presente data não houve qualquer decisão emitida pelo Tribunal Pleno, menos ainda uma decisão definitiva visando à sustação ou anulação do contrato em exame. Apenas houve sugestão da Diretoria Técnica e do Ministério Público de Contas pela anulação do contrato, sendo que ambos procederam ao exame do contraditório e ampla defesa do ex-Prefeito e da Concessionária.

A defesa exercida pela empresa está sendo avaliada neste momento por este Relator bem como pelo Tribunal Pleno desta Casa, ou seja, somente após o exercício do contraditório e da ampla defesa das partes, não havendo qualquer divergência da jurisprudência trazida pela empresa contratada em sua argumentação, tampouco com a Súmula Vinculante n° 03, do STF.

Consequentemente resta descaracterizada qualquer ofensa ao princípio da ampla defesa e contraditório, motivo pelo qual o requerimento da nulidade do presente processo não merece guarida.

 

 

 

 

 

2.1.3 Cerceamento de defesa configurado em relação ao Município de São José

 

A Concessionária também arguiu o cerceamento de defesa do Município de São José, por considerará-lo como parte intimamente interessada no desfecho do presente processo. Em face disso, requer a nulidade do processo.

Vindo os autos conclusos, antes de analisar a legalidade e efetuar qualquer juízo de valor sobre a questão que se apresenta, observei que a decisão a ser proferida nesse processo poderia resultar em modificação da situação jurídica formalizada entre a Concessionária e o Município de São José. Assim, se tal fato viesse a se concretizar, ponderei através do Despacho n° GAC/HJN-072/2013 (fls. 817-818) que é a atual gestão municipal que deverá adotar as providências emanadas por este Tribunal, o que a torna interessada neste processo. [2]

Desta forma, considerando a possibilidade de eventual alteração jurídica entre os contratantes, aliada a possibilidade de prorrogação da concessão por mais 10 anos, assegurei à atual gestão do Município de São José a ciência da instauração do processo e a oportunidade de se manifestar nos autos, em atenção ao devido processo legal e do princípio da ampla defesa e do contraditório (CF/88, art. 5°, LIV e LV), antes da deliberação plenária, da mesma forma como este Tribunal tem oportunizado o direito as empresas contratadas, também na qualidade de interessadas.

Contudo, realizada a Audiência (fl. 819-820), a Sra. Adeliana Dal Pont – Prefeita Municipal, optou por não se manifestar nos autos (fl. 821 e verso).

Desta forma, está afastada a preliminar aventada.

 

 

2.1.4 Advento da prescrição para a anulação de atos administrativos

A Concessionária arguiu a prescrição quinquenal do presente processo, considerando que a autuação do procedimento licitatório ocorreu em 09/11/2006 e a ciência da Concessionária sobre este processo se deu em 28/11/2011. Para a Concessionária, não está sendo observado o disposto no art. 54 da Lei n° 9784/1999, onde “O direito da administração em anular os atos administrativos que decorrem efeitos favoráveis para os destinatários decai em 5 (cinco) anos contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé”.

Conforme registrado pela área técnica e pelo MPjTC, esta Corte já se manifestou sobre a questão da prescrição da pretensão punitiva em diversas oportunidades, consolidando-se o entendimento segundo o qual a prescrição se consuma pelo decurso do prazo de dez anos, quando a lei não lhe haja fixado prazo menor, aplicando-se à espécie o disposto no art. 205 do Código Civil (Precedentes: REC 11/00481300; REC 04/06399085, REC 04/05167091, REC 04/03502233, REC 04/03502614 e REC 07/00127410).

Ademais, como observado pelo Ministério Público de Contas, a Lei n° 9.784/99 regula exclusivamente o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal.

Dessa forma, o instituto da prescrição não se aplica à hipótese dos autos.

Superadas as preliminares, passo a análise do mérito.

 

 

 

 

2.2 MÉRITO

 

A Representação em tela decorreu da inexistência de autorização legislativa que validasse o processo licitatório n° 11873/2006, que deu origem a Concorrência Pública n° 008/2006 (fls. 18-30) e Contrato n° 111/2007 (fls. 458-464), visando à concessão de serviço de remoção de veículos automotivos retidos em operações de fiscalização de trânsito urbano em nível municipal, no âmbito da circunscrição do Município, bem como a guarda destes veículos até a entrega aos legítimos proprietários ou adquirentes em hasta pública, se não recuperados pelos donos, respondendo a Concessionária pela autorização, execução e controle desse procedimento, incluindo, ainda, o serviço de registro, controle e monitoramento das operações.

A discussão, portanto, limita-se à necessidade ou não de lei autorizativa para concessão do serviço em questão, no âmbito do município de São José.

Quanto ao mérito, segundo o ex-Prefeito Municipal, Fernando Melquíades Elias, a ausência de lei autorizativa  não é motivo para viciar o edital; não há na norma federal ingerência sobre a autonomia de Estados e Municípios, mas delineamento geral a respeito do tema; que a exigência de lei fere o princípio da independência entre os Poderes; que a representação foi ato meramente “politiqueiro”; que a delegação dos serviços decorreu da ausência de condições de o Município prestar os serviços. Ao final citou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, onde restaram impugnados dispositivos da Lei Orgânica Municipal que maculam o princípio da separação dos Poderes (ADI 2007.048071-1, de São José).

Já a empresa SINASC Sinalização e Conservação de Rodovias Ltda, na qualidade de concessionária, alegou, em síntese, que o art. 175 da Constituição Federal não determinou que em cada concessão efetuada o Poder Público deveria promover uma lei específica, pois existe uma lei federal que trata do regime das concessões públicas (Lei Federal n° 8.987/95); que se trata de uma concessão comum ou simples; que o art. 2º da Lei Federal n° 9074/95 (que dispõe sobre a outorga e prorrogação das concessões e permissões de serviços públicos) dispensa a lei autorizativa nos casos referidos pela Constituição Federal, Constituições Estaduais e Leis Orgânicas e que no caso em tela a Constituição Estadual (art. 112, V) e a Lei Orgânica do Município (art. 21, caput e inciso VI) permitem a concessão do serviço.

A concessionária ainda alega que o Mandado de Segurança impetrado pela empresa Marthas Serviços Gerais (MS n° 064.07.001692-9, da Vara da Fazenda Pública de São José) confirmou a legalidade da concorrência; que o convênio n° 12.445/2004-1 firmado entre o município de São José, a Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa do Cidadão, o Departamento Estadual de Trânsito e Segurança Viária e a Polícia Militar do Estado (fls. 736-744) serviu de autorização legislativa e que há necessidade do Tribunal de Contas convalidar o ato administrativo, especialmente em razão dos princípios da segurança jurídica e da boa-fé.

Vejamos.

Analisando as justificativas apresentadas e o contraponto da Diretoria de Licitações e Contratações e do Parquet Especial, verifica-se que justificativas a respeito da ausência de lei autorizativa não prosperam, pois o instituto jurídico da concessão de serviços públicos, objeto da licitação em comento, é regido, inicialmente, pelo disposto no art. 175 da Constituição Federal, que determina que a prestação de serviços públicos será licitada na forma da lei, mediante licitação:

Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.

 

 

Na legislação infraconstitucional, a matéria foi regulada pelas Leis Federais ns° 8.987/95 e 9.074/95.

A primeira norma, atinente à formalização das concessões públicas, traz o conceito do instituto em seu art. 2º, inciso II, nos seguintes termos:

Art. 2º Para os fins do disposto nesta Lei, considera-se:

[...]

II – concessão de serviço público: a delegação de sua prestação, feita pelo poder concedente, mediante licitação, na modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por prazo determinado;

[...].

 

 

Já a Lei n° 9.074/95, por sua vez, impõe como requisito para a realização da concessão (ou permissão), a promulgação de prévia lei autorizativa:

 Art. 2º.  É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios executarem obras e serviços públicos por meio de concessão e permissão de serviço público, sem lei que lhes autorize e fixe os termos, dispensada a lei autorizativa nos casos de saneamento básico e limpeza urbana e nos já referidos na Constituição Federal, nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas do Distrito Federal e Municípios, observado, em qualquer caso, os termos da Lei nº 8.987, de 1995. (Grifo nosso).

 

Conforme fundamentado pelo Ministério Público de Contas, as mencionadas leis encontram seu fundamento no inciso XXVII do art. 22 da Constituição Federal. O dispositivo delega privativamente à União a competência para elaborar normas gerais de licitações e contratações públicas, cabendo aos Municípios suplementarem a legislação federal no que couber (art. 30, II), desde que respeitados os parâmetros estabelecidos pela normal federal. A lei federal estabelece como requisito para a transferência de um serviço público a um particular a existência prévia de lei autorizativa, de acordo com o âmbito de competência de cada ente da federação.

Destaca ainda o MPjTC que as autorizações legislativas estabelecem diretrizes para o procedimento licitatório e como instrumento de fiscalização da aplicação de recursos públicos e que a exigência de lei prévia possibilita a participação do poder legislativo local, como representantes do povo, nos autos de gestão da coisa pública. Assim, a existência de convênio não dispensa a exigência de lei autorizativa.

De fato, apenas uma autorização legislativa tornaria regular a concessão realizada. Nesse viés, Marçal Justen Filho[3] explica o caráter de legitimidade impresso por esta condição:

 [...] a concessão apresenta-se muito mais como um ato estatal do que como manifestação exclusivamente administrativa. Daí haver nítida redução da discricionariedade administrativa no campo das licitações para concessões e permissões, se comparada à situação com as demais licitações. O edital deverá ser elaborado nos estritos limites da lei que autorizou a licitação e estabeleceu as condições para outorgar dos serviços aos particulares.

[...]

A referência do art. 175 à edição de lei para delegação do serviço público se relaciona não apenas com o princípio da legalidade do art. 5°. Trata-se de reconhecer que o povo, por via do Poder Legislativo, é único titular das escolhas acerca da forma de gestão dos serviços públicos. E que esses serviços se destinam a assegurar o bem do povo, a eliminação das carências individuais e regionais e a institucionalização de um Estado Democrático. Por isso, não se admitem decisões provenientes apenas do Poder Executivo - ainda que também esse seja integrado por representantes do povo. Mas o conjunto de órgãos destinado a vocalizar a vontade popular é especificamente o Poder Legislativo.

Não é possível, portanto, admitir que a outorga de concessão de serviço público derive exclusivamente de ato administrativo que autorizou a figura da terceirização, sem prévia autorização e regulação por meio de lei que disponha sobre a concessão. Interpretação distinta distorce a estrutura fundamental do Estado brasileiro e torna vazia a regra do artigo 175 da Constituição Federal. (Grifo nosso).

 

Do escólio de Hely Lopes Meireles[4], destaca-se que:

 

 [...] as concessões para exploração de serviços de utilidade pública devem também ser autorizadas por lei especial, na qual a Câmara delimite o âmbito do contrato a ser firmado entre o Município, representado pelo prefeito, e o concessionário. [...] o que convém se grave é que tais contratos não podem ser firmados sem prévia autorização da Câmara de Vereadores, por importar delegação de poderes do Município a terceiros para a exploração de determinado serviço público local.

 

Da jurisprudência extrai-se:

 

AÇÃO POPULAR. LICITAÇÃO. CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO, AUSÊNCIA DE LEI AUTORIZATIVA. NULIDADE DA CONCESSÃO ANTE EXIGÊNCIA DO ART. 175 DA CF.

I – Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviço público, Assim, portanto, veda-se à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, executarem obras e serviços públicos por meio de concessão e permissão, sem lei que lhes autorize e fixe os termos.[5]

[...]

Nesse sentido também se manifestou a Procuradoria Geral de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que ensejou a declaração de inconstitucionalidade de Decretos Municipais que ensejaram a concessão de serviço público, sem a autorização do Poder Legislativo:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Decretos Municipais nºs 034/00, 035/00 e 036/00, de Bagé, que autorizam o Poder Executivo a abrir processo licitatório para concessão de serviço público. Matéria cujo exame e regramento compete à Câmara de Vereadores. Vício de inconstitucionalidade formal. Ofensa aos princípios da legalidade, da harmonia e da independência dos Poderes. As concessões e permissões de serviços públicos necessitam de prévia autorização legislativa, inclusive nos casos de saneamento básico e limpeza urbana. Parecer pela procedência da ADIn.[6]

 

 

Da análise dos dispositivos legais, depreende-se que a prestação de serviço público sob o regime de concessão deve ser precedido de lei que a autorize e fixe seus termos. A inexistência de lei autorizativa é contrária ao próprio princípio da legalidade administrativa.

No presente caso, a municipalidade não estava autorizada pelo respectivo legislativo e respaldado por ato normativo para dar início ao procedimento licitatório e concluí-lo com a outorga à atual concessionária.

Ao contrário do afirmado pela Concessionária, a Constituição Estadual (art. 112, V) e a Lei Orgânica do Município (art. 21, caput e inciso VI) não autorizaram a concessão dos serviços públicos em apreço, pois apenas dispõe que compete ao Município prover tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse, como organizar e prestar sob regime de concessão ou permissão os serviços de interesse locais.

Já quanto ao Mandado de Segurança impetrado pela empresa Marthas Serviços Gerais (MS n° 064.07.001692-9, da Vara da Fazenda Pública de São José), verifica-se que não houve julgamento de mérito quando a ausência de lei autorizativa para a concessão do serviço em questão, mas apenas com relação à exigência de local para a sede das empresas proponentes e exigência de caução (itens 2.4 e 2.2 do edital, respectivamente).

Registra-se que a edição de lei não gera efeitos automáticos de legalidade para o ato da concessão, pois a lei deveria ter sido prévia ao lançamento da concorrência do serviço público.  

Acrescento que não está se referendando as demais questões afetas a Concessão Pública em questão, tendo em vista que a análise se restringiu ao objeto da Representação, nos termos do art. 65, § 2° c/c art. 66, parágrafo único, da Lei Complementar (estadual) n° 202/00.

 

 

3. VOTO

 

Diante do exposto, proponho ao Egrégio Tribunal Pleno a adoção da seguinte deliberação preliminar:

 

3.1 Assinar prazo de 90 (noventa) dias a contar da publicação desta decisão no Diário Oficial Eletrônico do TCE (DOTC-e), para que a Sra. Adeliana Dal Pont – atual Prefeita Municipal de São José, adote as providências necessárias ao afastamento da irregularidade evidenciada pela DLC no Relatório de Reinstrução n° DLC-483/12 abaixo transcrita, e as comprove a adoção das providências este Tribunal no mesmo prazo, sob pena da anulação do contrato de concessão e aplicação das penalidades prescritas na Lei Complementar nº 202/00:

3.1.1 Ausência de autorização legislativa para concessão de serviço de remoção de veículos automotivos retidos em operações de fiscalização de trânsito urbano em nível municipal, no âmbito da circunscrição do Município, bem como a guarda destes veículos até a entrega aos legítimos proprietários ou adquirentes em hasta pública, se não recuperados pelos donos, respondendo a Concessionária pela autorização, execução e controle desse procedimento, incluindo, ainda, o serviço de registro, controle e monitoramento das operações, licitado através do Edital de Concorrência Pública n° 008/2006 e delegado através do Contrato n. 111/2007.

 

 

3.2. Dar ciência da Decisão, do Voto do Relator, do Relatório de Reinstrução n° DLC-483/2012 e do Parecer n° MPTC/13.306/2012 que fundamentam a Decisão, a Sra. Adeliana Dal Pont (atual Prefeita Municipal de São José e ainda na qualidade de Representante dos fatos denunciados), aos Srs. Edio Osvaldo Vieira, Amaury da Silva, João R. de Farias, Neri Osvaldo Amaral, Osni Meurer e Antônio Luiz Battisti (Representantes), ao Sr. Fernando Melquíades Elias (ex-Prefeito Municipal de São José); a empresa SINASC Sinalização e Conservação de Rodovias Ltda (Concessionária), ao Controle Interno e a Procuradoria do Município de São José, bem como a Câmara Municipal de São José.

 

 

Gabinete, em 17 de março de 2014.

 

 

 

HERNEUS DE NADAL

                                 Conselheiro Relator



[1] Nos processos perante o Tribunal de Contas da União asseguram-se o contraditório e a ampla defesa quando da decisão puder resultar anulação ou revogação de ato administrativo que beneficie o interessado, excetuada a apreciação da legalidade do ato de concessão inicial de aposentadoria, reforma e pensão.

[2] Nos termos do Regimento Interno desta Corte de Contas, interessado é todo “o administrador que, sem se revestir da qualidade de responsável pelos atos objeto de julgamento ou de apreciação pelo Tribunal de Contas, deva se manifestar nos autos na atual condição de gestor”. E para os interessados, será assegurada a ampla defesa em todas as etapas do processo, nos termos do art. 133, § 1°, “b”:

Art. 133. Em todas as etapas do processo de julgamento de contas, de apreciação de atos sujeitos a registro e de fiscalização de atos e contratos será assegurada aos responsáveis ou interessados ampla defesa.

§ 1º Para efeito do disposto no caput, considera-se:

[...]

b) interessado o administrador que, sem se revestir da qualidade de responsável pelos atos objeto de julgamento ou de apreciação pelo Tribunal de Contas, deva se manifestar nos autos na condição de atual gestor.

 

 

 

[3] JUSTEN FILHO, Marçal. Teoria geral das concessões de serviço público. São Paulo: Dialética, 2003, p. 177 e 135.

[4] MEIRELES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 12 ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 656.

[5] Apelação Cível 10294-2004. Município de Imperatriz. Acórdão n° 58.360/2005. Primeira Câmara Cível. Tribunal de Justiça do Maranhão.

[6] AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N.º 70001300904 (599368198). ORIGEM: TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PROPONENTE: PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA DE BAGÉ.