ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

Gabinete da Auditora Substituta de Conselheiro Sabrina Nunes Iocken

 

PROCESSO N.º:

RLA 13/00625292

UNIDADE GESTORA:

CÂMARA MUNICIPAL DE GASPAR

RESPONSÁVEL:

SR. JOSÉ HILÁRIO MELATO

ASSUNTO:

Auditoria in loco na Câmara Municipal de Gaspar para verificar a legalidade dos atos de pessoal relativos a cargos comissionados, remuneração/proventos, cargos efetivos, cessão de servidores, controle de frequência e controle interno, ocorridos no período de 01/01/2012 a 09/2013.

 

I - RELATÓRIO

 

  Tratam os autos de Auditoria in loco realizada na Câmara Municipal de Gaspar, com o objetivo de verificar a legalidade dos atos de pessoal relativos à remuneração/proventos, cargos de provimento efetivo, comissionados, cessão de servidores, controle de frequência e controle interno, com abrangência sobre os atos ocorridos no período de 01/01/2012 a 09/2013.

  A Diretoria de Controle de Atos de Pessoal – DAP –, por meio do Relatório nº 5441/2013, sugeriu determinar audiência do Sr. José Hilário Melato, Presidente da Câmara Municipal de Gaspar, para apresentar considerações ou justificativas acerca das restrições que foram identificadas, como segue:

5.1. Determinar AUDIÊNCIA do responsável, nos termos do art. 29, § 1º c/c art. 35 da Lei Complementar nº 202/2000, para que apresente justificativas a este Tribunal de Contas, em observância ao princípio do contraditório e da ampla defesa, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar do recebimento desta, relativamente às irregularidades abaixo especificadas:

5.1.1. Responsável Sr. José Hilário Melato – Presidente da Câmara Municipal de Gaspar, no período de 01/01/2013 até a data da auditoria 13/09/2013, com endereço na Rua Avenida das Comunidades, 133, Caixa Postal 29 - Gaspar- SC, tendo em vista as atribuições a ele vinculadas pelo desempenho do cargo, pelo art. 37, inciso V, combinado com o art. 31, V, VIII, do Regimento Interno da Câmara Municipal de Gaspar (item 3 deste relatório), quanto às condutas de:

a) Manter na função de Procurador Jurídico, o servidor Pedro Paulo Schramm, titular do cargo de provimento efetivo de Analista do Legislativo, que percebe remuneração compatível ao cargo de Procurador, como sendo função de confiança, agindo com inobservância aos princípios que regem a Administração Pública e propiciando a investidura no cargo de Procurador Jurídico de forma contrária ao imposto pela Constituição Federal/88, em seu artigo 37 II caput, e incisos II e V, da Constituição Federal, configurando burla ao instituto do concurso público (item 2.1 deste relatório);

 b) Omitir-se no dever de supervisionar a jornada extraordinária de trabalho diário do ocupante do cargo de provimento efetivo de motorista que extrapola o máximo diário permitido, em confronto a normativa legal - Lei Complementar de n. 1.305/1991, art. 84, que dispõe sobre o Regime Jurídico Único dos Servidores do Município de Gaspar e regulamenta o adicional por serviço extraordinário, ao Prejulgado n. 1742 do TCE/SC e ao Princípio da Legalidade, inserto no artigo 37, caput, da Constituição Federal/88 (item 2.2 deste relatório);

c) Deixar de tomar as devidas providências, para coibir o excessivo número de cargos comissionados, superando o número de cargos efetivos em (133% cento e trinta e três por cento), em descumprimento ao previsto no art. 37, incisos II e V, da Constituição Federal/88, e aos Princípios da proporcionalidade, razoabilidade e moralidade administrativa (Decisão exarada no processo AgR/RE 365368/SC, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 22/05/2007, STF, configurando burla ao instituto do concurso público (item 2.3 deste relatório).

 

  Após ter sido autorizada por esta Relatora a realização de audiência, o Responsável apresentou manifestação de fls.138 a 165.

  Em seu Relatório conclusivo (n° 88/2014), a DAP sugeriu conhecer do Relatório de Auditoria in loco realizado na Câmara Municipal de Gaspar, considerando irregulares os seguintes atos: a designação de Procurador Jurídico mediante função de confiança; a realização de horas extras concedidas em quantidade superior à prevista em Lei; e a existência de expressivo número de cargos comissionados, superando em 133% (cento e trinta e três por cento) o número de servidores ocupantes de cargo de provimento efetivo. A DAP também sugeriu que fossem aplicadas multas ao Sr. José Hilário Melato pelas irregularidades explicitadas nos itens 4.2.1 e 4.2.3 da conclusão do Relatório.

   Após, o MPTC exarou o Parecer nº 23018/2014, no qual considerou irregular somente a designação de Procurador Jurídico mediante função de confiança, em afronta aos princípios constitucionais elencados no art. 37, caput e incisos II e V, da Constituição, como também sugeriu aplicação de multa em vista da desta irregularidade.

 

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

 

   Vindo o processo à apreciação desta Relatora, passo a tratar das irregularidades que foram objeto de audiência ao Responsável, com vistas a sistematizar a presente Proposta de Voto:

 

      a) Manter no cargo  de Procurador Jurídico, o servidor Pedro Paulo Schramm, titular do cargo de provimento efetivo de Analista do Legislativo, que percebe remuneração compatível ao cargo de Procurador, agindo com inobservância aos princípios que regem a Administração Pública e propiciando a investidura no cargo de Procurador Jurídico de forma contrária ao imposto pela Constituição Federal/88, em seu artigo 37 II caput, e incisos II e V, da Constituição Federal, configurando burla ao instituto do concurso público. (IRREGULARIDADE SUJEITA À ASSINATURA DE PRAZO)

   Segundo o Responsável, após entrevistas com vários candidatos/advogados, a Câmara selecionou e nomeou no cargo de Assessor Técnico o advogado Pedro Paulo Schramm, sendo mantido no citado cargo por conta de decisão das Mesas Diretoras que se sucederam, em face do seu currículo e pelos trabalhos desenvolvidos naquela Casa de Leis. Mediante concurso público, o mesmo foi arovado e nomeado  posteriormente para o Cargo de Assessor Técnico Legislativo, tendo sido convidado a assumir novamente os encargos jurídicos da Casa (mais tarde, por vontade da Câmara, transformado em "função de confiança", oportunizando que servidores do quadro efetivo desempenhassem a missão jurídica), salientando ainda o princípio da continuidade e economicidade do Serviço Público.

Previamente à análise do mérito da irregularidade, apresento a cronologia dos fatos a seguir analisados:

1. Por meio da Lei Municipal nº 2134/2001, foi criado o cargo de provimento em comissão de Assessor Jurídico (fls 30/31).

2. Posteriormente, a Câmara Municipal nomeou o Sr. Pedro Paulo Schramm, ocupante do cargo efetivo de Assessor Técnico Legislativo, para exercer o cargo de provimento em comissão de Assessor Jurídico (Resolução nº 05/2004 - fls. 26/27).

3. A Lei Municipal n° 2802/2006 criou função de confiança para o cargo de Assessor Jurídico (cargo de provimento em comissão), especificando que deveria ser ocupada por servidor público efetivo da Câmara de Vereadores de Gaspar, com ensino superior completo em Direito e inscrição na OAB/SC (fls. 44/57).

4. Posteriormente, por meio da Lei Municipal n° 3096/2009, a nomenclatura do cargo comissionado de Assessor Jurídico foi alterada para Procurador Jurídico (fl. 58).

No caso em tela, considerando que o cargo de Procurador Jurídico da Câmara Municipal de Gaspar é comissionado, verifico que a questão fulcral diz respeito a  possibilidade jurídica  de designação de cargo em comissão para o desempenho das atribuições de  Procurador Jurídico do Município, quando inexistente um quadro jurídico de advogados efetivos .

Destaco que a questão da obrigatoriedade de realização de concurso público para o exercício das funções típicas e permanentes da Administração somente foi pacificada no âmbito desta Corte de Contas  a partir do exercício de 2008 por meio do Prejulgados de nº 1.911[1], a seguir transcrito:

Prejulgados

1911

Reformado

1. É de competência da Câmara Municipal decidir qual a estrutura necessária para execução dos seus serviços jurídicos, considerando entre outros aspectos, a demanda dos serviços se eventual ou permanente; o quantitativo estimado de horas necessárias para sua execução; o quantitativo e qualificação dos servidores necessários para realização dos serviços; e a estimativa das despesas com pessoal.

2. De acordo com o ordenamento legal vigente a execução das funções típicas e permanentes da Administração Pública, das quais decorram atos administrativos, deve ser efetivada, em regra, por servidores de seu quadro de pessoal, ocupantes de cargos de provimento efetivo ou comissionado, estes destinados exclusivamente ao desempenho de funções de direção, chefia ou assessoramento, conforme as disposições do art. 37, II e V, da Constituição Federal.

3. Nas Câmaras de Vereadores cuja demanda de serviços jurídicos é reduzida, os serviços jurídicos poderão ser executados por servidor com formação específica e registro no Órgão de Classe (OAB), com a carga horária proporcional ao volume dos serviços (item 6.2.2.1 desta Decisão), nomeado para exercer cargo de provimento efetivo, através de prévio concurso público (art. 37, II, da Constituição Federal).

4. Sempre que a demanda de serviços jurídicos - incluindo a defesa judicial e extrajudicial - for permanente e exigir estrutura de pessoal especializado com mais de um profissional do Direito, é recomendável a criação de quadro de cargos efetivos para execução desses serviços, com provimento mediante concurso público (art. 37, II, da Constituição Federal), podendo ser criado cargo em comissão (art. 37, II e V, da Constituição Federal) para chefia da correspondente unidade da estrutura organizacional (Procuradoria, Departamento Jurídico, Assessoria Jurídica, ou denominação equivalente).

5. O(s) cargo(s) de provimento efetivo ou em comissão deve(m) ser criado(s) mediante Resolução aprovada em Plenário, limitado(s) à quantidade necessária ao atendimento dos serviços e do interesse público, a qual deve estabelecer as especificações e atribuições do(s) cargo(s) e a carga horária a ser cumprida (item 6.2.8 desta Decisão), devendo a remuneração ser fixada mediante lei de iniciativa da Câmara (art. 37, X, da Constituição Federal), proporcional à respectiva carga horária (item b.1 desta Decisão), observados a disponibilidade orçamentária e financeira, bem como os limites de gastos previstos pela Constituição Federal (art. 29-A) e pela Lei Complementar (federal) n. 101, de 2000, e os princípios da economicidade, da eficiência, da legalidade e da razoabilidade.

6. Para suprir a falta transitória de titular de cargo efetivo de advogado, assessor jurídico ou equivalente, já existente na estrutura administrativa do órgão ou entidade, ou pela necessidade de ampliação do quadro de profissionais, e até que ocorra o regular provimento, a Câmara Municipal poderá promover a contratação de profissional em caráter temporário, nos termos do inciso IX do art. 37 da Constituição Federal.

7. Na hipótese de serviços específicos que não possam ser executados pela assessoria jurídica da Câmara, poderá ser realizada, justificadamente, a contratação da prestação dos serviços definidos no objeto, através de Escritório de Advocacia ou de profissional do Direito com habilitação especializada, mediante a realização de processo licitatório na forma da Lei Federal n. 8.666, de 1993, ou por meio de procedimento de inexigibilidade de licitação, só admissível para atender a serviços de caráter singular e desde que o profissional seja reconhecido como de notória especialização na matéria objeto da contratação, devidamente justificados e comprovados, nos termos do disposto no art. 25, inciso II, § 1º, c/c os arts. 13, inciso V e § 3º, e 26 da Lei (federal) n. 8.666/93, observada a determinação contida nos arts. 54 e 55 da mesma Lei, bem como os princípios que regem a Administração Pública.

8. Compete à Câmara Municipal definir a carga horária necessária para execução dos seus serviços jurídicos, podendo ser estabelecida em 10, 20, 30 ou 40 horas semanais, para melhor atender o interesse público, devendo a remuneração ser fixada proporcionalmente à carga horária efetivamente cumprida.

 

Atualmente, a Câmara Municipal de Gaspar conta com apenas um servidor, o Sr. Pedro Paulo Schramm, que exerce as atribuições de Procurador Jurídico por ter sido nomeado para cargo de provimento em comissão. No presente caso está configurado violação ao princípio do  concurso público, pois as tarefas que estão sendo desempenhadas são típicas e permanentes exigindo, portanto, a criação de um cargo de natureza efetiva, com a atribuições definidas em lei e compatíveis com o cargo de Procurador Jurídico.

Conforme dispõe o citado prejulgado, cargo de provimento em comissão poderia ter sido criado para a chefia da correspondente unidade caso a estrutura organizacional  contasse com mais de um profissional do Direito (ocupante de cargo efetivo), o que não se verifica no presente caso.

Quando da discussão relativa ao processo CON 07/00413421, que deu origem ao citado prejulgado, assim asseverou o Auditor Substituto de Conselheiro Cleber Muniz Gavi, em proposição, acolhida pelo Plenário, da qual resultou a supressão de item constante da proposta de voto original, o qual permitia que o cargo de Assessor Jurídico fosse ocupado por servidor ocupante de cargo efetivo ou em comissão:

O cargo de assessor jurídico, por si só, é uma função eminentemente técnica, sem o caráter peculiar de assessoramento, chefia ou direção, características estas exclusivas dos cargos em comissão. Ademais, as atividades desempenhadas pelo ocupante de referido cargo dizem respeito à própria atividade fim do órgão legislativo, não sendo a prestação de seus serviços de exclusivo interesse da cúpula administrativa da Câmara, motivo pelo qual não se justifica a criação de um cargo que estaria a ela subordinada por relação de confiança.

Segundo o entendimento do STF, manifestado em reiteradas decisões,1 ofende a o art. 37, II, da Constituição Federal a criação de cargos em comissão nos quais não se verifica o vínculo de confiança que permite a livre nomeação e exoneração, de modo que seja utilizado apenas para contornar o requisito do concurso público. O Acórdão abaixo dá conta de tal entendimento:

EMENTA: CONSTITUCIONAL. CONCURSO PÚBLICO. CARGO EM COMISSÃO. OFICIAL DE JUSTIÇA. Lei 12.499, de 12.12.94, do Estado de Goiás. C. F., art. 37, II.

I – Cargos de Oficial de Justiça instituídos em comissão: inconstitucionalidade. Somente os cargos que pressuponham o vínculo de confiança a autorizar a livre nomeação e exoneração é que podem ser instituídos em comissão, o que não ocorre com o cargo de Oficial de justiça, sujeito à regra constitucional do concurso público ( C.F., art. 37, II).

II – Suspensão cautelar da eficácia do art. 2º da Lei 12.499, de 12.12.94, do Estado de Goiás. (STF, ADI 1269-0/GO, Rel. Min. Carlos Velloso, D.J. 25.08.95)

Dos Tribunais de Justiça extraem-se as seguintes decisões:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI - Lei Municipal n. 3.443/02 - Criação de cargo em comissão de 'Diretor de Área Jurídica' - Cargo de caráter eminentemente técnico - Ausência de relação de confiança - Burla ao princípio do concurso público - Inconstitucionalidade da lei - Procedência da ação" (TJSP - ADI n. 106.917.0/8, rel. Des. Gentil Leite, j. em 23.06.94) (Grifei)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEIS MUNICIPAIS. CARGOS EM COMISSÃO.

"Mostram-se inconstitucionais disposições de Leis Municipais que criam e elevam o número de cargos em comissão, sem definir as respectivas atribuições e sem que constituam, apesar da denominação, cargos de direção, chefia ou assessoramento, para atividades burocráticas e de caráter permanente. Afronta ao art. 32, da Constituição Estadual. Ação julgada procedente. (TJRS - ADI n. 70008013906, rel. Des. Leo Lima, j. em 13.09.04)

CONSTITUCIONAL - ADMINISTRATIVO - PROCESSUAL CIVIL - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - CARGO EM COMISSÃO.

Proclamou o Supremo tribunal Federal ao julgar a Representação nº 1.282-4-SP: A criação de cargo em comissão, em moldes artificiais e não condizentes com as praxes de nosso ordenamento jurídico e administrativo, só pode ser encarada como inaceitável esvaziamento da exigência constitucional do concurso.

Também proclamou o mesmo pretório no julgamento da ADIn nº 1141, rel. Min. Pertence que, A exigência constitucional do concurso público não pode ser contornada pela criação arbitrária de cargos em comissão para o exercício de funções que não pressuponham o vínculo de confiança que explica o regime de livre nomeação e exoneração que os caracteriza.

Em se tratando de cargo em comissão enfatizar é preciso que se a administração pode criar todos os cargos com provimento em comissão, estará aniquilando a regra do concurso público. Da mesma forma, a simples criação de um único cargo em comissão sem que isso se justifique, significa uma burla à regra do concurso público. É a lição de Adilson Abreu Dallari (Regime Constitucional dos Servidores Públicos, 2ª edição, RT, 1990, págs. 40/41).

O referido administrativista, citando os escólios de Márcio Cammarosano, registrou: Com efeito, verifique-se desde logo que a Constituição, ao admitir que o legislador ordinário crie cargo em comissão, de livre nomeação e exoneração, o faz com a finalidade de propiciar ao chefe do governo o seu real controle, mediante o concurso, para o exercício de certas funções, de pessoas de sua absoluta confiança, afinadas com as diretrizes políticas que devem pautar a atividade governamental.

Terminando o seu ponto de vista Dallari afirmou ser inconstitucional a lei que cria cargo em comissão para o exercício de funções técnicas, burocráticas ou operacionais, de natureza puramente profissional, fora dos níveis de direção, chefia e assessoramento superior. Referência legislativa: Constituição Federal, artigo 37, inciso II; Código de Processo Civil, artigo 343, § § 1º e 2º; leis do município de Tibagí nºs. 1.515/97, 1.526/97 e 1.587/97." (TJPR, Apelação cível n. 82065-3, de Tibagi, rel. Des. Ulysses Lopes, j. em 29.02.00)

Não é outro o entendimento do Tribunal de Justiça Catarinense:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI DO MUNICÍPIO DE SANTA TEREZINHA QUE CRIA CARGOS DE PROVIMENTO EM COMISSÃO - CARGOS DE FISCAL DE OBRAS E FISCAL DE SERVIÇOS URBANOS INCLUÍDOS NAQUELE ROL - APARENTE AFRONTA À REGRA DO CONCURSO PÚBLICO - INCONSTITUCIONALIDADE - LIMINAR CONCEDIDA PARA SUSPENDER A EFICÁCIA DE REFERIDAS EXPRESSÕES, CONSTANTES DO ANEXO II DA LEI MUNICIPAL N. 46/93" (Ação direta de inconstitucionalidade n. 01.009057-0, de Itaiópolis, rel. Des. João Martins, j. em 06.06.01)

Portanto e diante do entendimento dos Tribunais pátrios a respeito do tema, não posso deixar de exarar meu entendimento no sentido que o cargo de assessor jurídico configura-se de natureza técnica, que demanda contratação através de concurso público.

Ressalte-se que a previsão do item "a.4" do voto do Relator, que prevê a possibilidade de criação de cargo em comissão para chefia da correspondente unidade da estrutura organizacional, se compatibiliza com o texto constitucional, desde que limitadamente a esta hipótese (chefia ou direção dentro de uma estrutura de assessoria jurídica composta por vários servidores).

Ante o exposto e considerando a jurisprudência sobre o assunto em questão, proponho ao egrégio plenário a adoção do voto do eminente Conselheiro Moacir Bertoli com a exclusão do item "a.3.2" (fl. 105), conferindo-se ao item "a.3" a seguinte redação:

[...]

a.3) Nas Câmaras de Vereadores cuja demanda de serviços jurídicos é reduzida, os serviços jurídicos poderão ser executados por servidor com formação específica e registro no Órgão de Classe (OAB), com a carga horária proporcional ao volume de serviços (item b.1 desta Decisão), nomeado para exercer cargo de provimento efetivo, através de prévio concurso público (art. 37, II, da CF).

Permitir que servidor ocupante de cargo de Analista Técnico Legislativo exerça as atribuições do cargo de Procurador Jurídico mediante a nomeação para cargo de provimento em comissão com atribuições distintas do seu cargo original  afronta o princípio constitucional do concurso público, que é o meio constitucionalmente definido a garantir o amplo acesso, sem discriminação, aos cargos, empregos e funções públicas, uma vez preenchidos os requisitos estabelecidos em lei.

No caso em tela, está demonstrada também a existência de dissonância entre o conteúdo das Leis Municipais nºs 2134/2001 e 3096/2009, responsáveis, respectivamente, pela criação do cargo de  provimento em comissão de Assessor Jurídico e pela alteração da sua denominação para Procurador Jurídico, as quais atualmente fundamentam a permanência do referido servidor no cargo de Procurador, e o que estabelece a Carta Magna.

Considerando o contexto da Câmara Municipal de Gaspar, que conta com apenas um servidor na sua Procuradoria Jurídica, verifico que o cargo de Procurador Jurídico deve ser de provimento efetivo, respeitando assim a regra do concurso público, razão pela qual mantenho a restrição inicialmente apontada.

Contudo, diante de ter sido firmado por este Tribunal posicionamento acerca da matéria somente em 2008 e que não havia cargo de provimento efetivo a ser preenchido por essa via, considero não ser razoável propor a aplicação de penalidade por contratação sem concurso público.

Nesse sentido, verifico ser pertinente encaminhar determinação ao Chefe do Poder Legislativo de Gaspar para que, no prazo definido pelo Egrégio Plenário, adote providências visando a criação e conseqüente provimento mediante concurso público do cargo efetivo de Procurador Jurídico ou equivalente, fazendo cessar a nomeação de servidor mediante cargo comissionado, em observância ao que dispõe o artigo 37, incisos II e V, da Constituição Federal, atentando para a Decisão nº 2591/2007 (Prejulgado n. 1911) deste Tribunal.

 

                    b) Omitir-se no dever de supervisionar a jornada extraordinária de trabalho diário do ocupante do cargo de provimento efetivo de motorista, que extrapola o máximo diário permitido, em confronto a normativa legal - Lei Complementar de n. 1.305/1991, art. 84, que dispõe sobre o Regime Jurídico Único dos Servidores do Município de Gaspar e regulamenta o adicional por serviço extraordinário, ao Prejulgado n. 1742 do TCE/SC e ao Princípio da Legalidade, inserto no artigo 37, caput, da Constituição Federal/88. (IRREGULARIDADE PASSÍVEL DE RECOMENDAÇÃO)

                   Quanto ao disposto acima, o Responsável esclareceu que não é prática constante, mas esporádica, realizada segundo as necessidades da Casa Legislativa. De acordo com o Sr. José Hilário Melato, embora o quadro elaborado pela DAP demonstre a ocorrência de horas extraordinárias todos os meses durante o período de fevereiro a agosto/2013, estas ocorreram em apenas 18 (dezoito) dias de durante todo aquele período, em virtude de 09 viagens realizadas à capital do Estado e a outros municípios vizinhos.

Em sua reanálise, a DAP considera que os esclarecimentos prestados justificam a presente restrição. Contudo, a Diretoria Técnica propõe que seja encaminhada determinação à Câmara Municipal de Gaspar para que adote as providências necessárias com vistas ao exato cumprimento da Lei Complementar nº 1.305/1991, que trata do Regime Jurídico Único dos Servidores Municipais, a qual, em seu artigo 84, assim estabelece: "Somente será permitido serviço extraordinário para atender a situações excepcionais e temporárias, respeitado o limite máximo de 2 (duas) horas diárias, podendo ser prorrogado por igual período se a necessidade pública assim o exigir, conforme dispuser em Decreto".

No caso em tela, considero importante destacar que o meio para compensar o deslocamento do servidor em viagens é a concessão de diárias, que suprem a necessidade de pagamento de horas-extraordinárias. Se o servidor está em viagem a serviço não realiza horas extras, não se aplicando o pagamento em face da realização de serviço extraordinário.

Entretanto, em face das justificativas encaminhadas pelo responsável, considero pertinente recomendar à Câmara Municipal de Gaspar que observe o disposto na Lei Complementar nº 1.305/1991, que trata do Regime Jurídico Único dos Servidores Municipais, acerca do limite de horas extras diárias, abstendo-se de pagar essa verba a servidores aptos a receberem diárias.

 

                   c) Deixar de tomar as devidas providências, para coibir o excessivo número de cargos comissionados, superando o número de cargos efetivos em (133% cento e trinta e três por cento), em descumprimento ao previsto no art. 37, incisos II e V, da Constituição Federal/88, e aos Princípios da proporcionalidade, razoabilidade e moralidade administrativa (Decisão exarada no processo AgR/RE 365368/SC, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 22/05/2007, STF, configurando burla ao instituto do concurso público. (IRREGULARIDADE PASSÍVEL DE RECOMENDAÇÃO)

 O responsável alegou, em síntese, que para oferecer melhores condições aos Vereadores para exercerem as suas funções foi criado cargo de Assessor e determinado que cada Vereador pudesse indicar somente um Assessor para atuar junto ao respectivo gabinete, sendo que se não houvesse esses assessores de gabinetes/parlamentar, a Câmara Municipal teria apenas 3 (três) servidores comissionados: (1) Assessor de Imprensa; (1) Assessor Legislativo - junto ao Programa Vereador Mirim; e (1) Procurador Jurídico.

 Cabe ressaltar que o provimento de forma comissionada, sem que o servidor submeta-se a concurso público, é uma modalidade excepcional destinada ao desempenho de funções de chefia, direção ou assessoramento, sendo imprescindível, ainda, a relação de inequívoca confiança entre a autoridade nomeante e o servidor nomeado.

Contudo, conforme consignado no Parecer do MPTC n° 23018/2014, nem sempre a desproporcionalidade entre a quantidade de cargos efetivos e de provimento em comissão revela afronta à lei, devendo ser avaliado em conjunto com outros fatores.

No caso em tela, os cargos de provimento em comissão cujo quantitativo leva à citada desproporção são os de assessores parlamentares e de gabinete, necessários ao andamento das atividades dos Vereadores e cujo atributo “confiança” é determinante na seleção dos servidores.

Sendo assim, acompanho o entendimento do Ministério Público de Contas no sentido de que na criação de cargos comissionados, bem como nas contratações de servidores para ocupação de tais cargos, observe o teor da decisão exarada pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do Recurso Extraordinário nº 365368/SC (Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 22-5-2007).

AGRAVO INTERNO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ATO NORMATIVO MUNICIPAL. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. OFENSA. INCOMPATIBILIDADE ENTRE O NÚMERO DE SERVIDORES EFETIVOS E EM CARGOS EM COMISSÃO. I – Cabe ao Poder Judiciário verificar a regularidade dos atos normativos e de administração do Poder Público em relação às causas, aos motivos e à finalidade que os ensejam. II – Pelo princípio da proporcionalidade, há que ser guardada correlação entre o número de cargos efetivos e em comissão, de maneira que exista estrutura para atuação do Poder Legislação local. III – Agravo improvido (Primeira Turma, publicado no DJ em 29/06/2007) (grifo nosso)

  Quanto às demais questões auditadas, recomendo à Unidade Gestora que passe a exercer um controle mais efetivo e eficiente sobre o registro de frequência de seus servidores comissionados, em consonância ao artigo 20 da Lei Municipal n. 1305/1991 e aos Princípios da Eficiência, Impessoalidade e Moralidade, insertos no caput do artigo 37, da Constituição Federal.

 

 

 

 

Diante do exposto, apresento ao Egrégio Plenário a seguinte

 

III - PROPOSTA DE VOTO:

 

1. CONHECER do Relatório de Auditoria n. 88/2014, realizada na Câmara Municipal de Gaspar, com o intuito de verificar a legalidade dos atos de pessoal, com abrangência a cargos comissionados, remuneração/proventos, cargos efetivos, cessão de servidores, controle de frequência e controle interno, ocorridos no período de 01/01/2012 a 09/2013.

2. CONSIDERAR IRREGULAR, com fundamento no art. 36, § 2º, alínea “a”, da Lei Complementar nº 202/2000, a criação de cargo de provimento em comissão para o cargo de Procurador Jurídico, que possui natureza jurídica de cargo efetivo, em afronta aos princípios constitucionais dispostos no artigo 37 caput e incisos II e V da c/c o artigo 39, § 1°, I, II, III Constituição Federal;

3. DETERMINAR ao Chefe do Poder Legislativo de Gaspar que, no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da publicação desta decisão no DOTC-e, comprove a adoção de providências visando a criação e conseqüente provimento mediante concurso público do cargo efetivo de procurador jurídico ou equivalente, em observância ao que dispõe o artigo 37, incisos II e V, da Constituição Federal, atentando para a o Prejulgado nº 1911 deste Tribunal, fazendo cessar a nomeação de servidor mediante cargo comissionado, em observância ao disposto no art. 37, II, da Constituição.

4. DETERMINAR ao Chefe do Poder Legislativo de Gaspar que, no prazo de 60 (sessenta) dias a contar da publicação desta decisão no DOTC-e, comprove a adoção de providências para a implantação de controles eficientes de frequência dos servidores efetivos e comissionados da Câmara, que possibilitem a verificação da regular liquidação das despesas, em atendimento ao disposto no art. 63 da Lei nº 4.320/64 e aos princípios administrativos da eficiência e da moralidade, insculpidos no art. 37, caput, da Constituição, além do disposto no art. 20-A da Lei [municipal] nº 1.305/91.

5. ALERTAR ao Chefe do Poder Legislativo de Gaspar que o não cumprimento dos itens 3 e 4 desta deliberação implicará na cominação das sanções previstas no art. 70, inciso VI e §1º, da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000, conforme o caso, e o julgamento irregular das contas, na hipótese de reincidência no descumprimento de determinação, nos termos do art. 18, §1º, do mesmo diploma legal.

   6. RECOMENDAR à Câmara de Gaspar que, na criação de cargos comissionados, bem como nas contratações de servidores para ocupação de tais cargos, observe os comandos da decisão exarada pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do Recurso Extraordinário nº 365.368/SC (Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 22-5-2007).

    7. RECOMENDAR ao gestor que, quanto ao pagamento de horas-extras e custeio de despesas com viagens a serviço de servidores, atente para o disposto no art. 84 da Lei [municipal] nº 1.305/91, e ao conteúdo dos Prejulgados nºs 277, 1001 e 1742, especialmente os itens 4 e 7 deste último.

8. DETERMINAR à Secretaria Geral - SEG, deste Tribunal, que cientifique à Diretoria-geral de Controle Externo - DGCE, após o trânsito em julgado, acerca das determinações constantes dos itens 3 e 4 para fins de registro no banco de dados e comunicação à Diretoria de Controle competente para consideração no processo de contas do atual gestor.

    9. DAR CIÊNCIA da decisão ao responsável Sr. José Hilário Melato, Presidente da Câmara Municipal de Gaspar de 01/01/2013 até a data da auditoria (13/09/2013), e ao atual Presidente da Câmara de Gaspar.

 

 

Gabinete, em 23 de abril de 2014.

 

 

 

Sabrina Nunes Iocken

Auditora Substituta de Conselheiro



[1] Prejulgado reformado pelo Tribunal Pleno em sessão de 24.08.2009, mediante a Decisão n. 3000/09 exarada no Processo CON-08/00526490.