Processo:

DEN 10/00747740

Unidade Gestora:

Prefeitura Municipal de Gaspar

Responsável:

Pedro Celso Zuchi – Prefeito Municipal de Gaspar (desde 01/01/2009)

Interessado:

Aurélio Marcos de Souza

Assunto:

Supostas irregularidades atinentes à criação e provimento

Relatório e Voto:

GAC/HJN - 110/2014

 

 

 

1. INTRODUÇÃO

 

Trata-se de denúncia formulada pelo Sr. Aurélio Marcos de Souza (fls. 02-25) o qual juntou os documentos de fls. 26-69, relatando supostas irregularidades atinentes à criação e provimento de cargos em comissão, em infração ao art. 37, incisos II e V, da Constituição Federal.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, foi conhecida a Representação[1], sendo determinada à DAP a adoção de providências objetivando a apuração dos fatos apontados como irregulares.

Realizada diligência pela área técnica[2] foi apresentada manifestação (fls. 98-102) e juntados documentos (fls. 103-142) pelo Prefeito Municipal, Sr. Pedro Celso Zuchi.

Realizada audiência[3], o responsável manifestou-se novamente juntando documentos[4], a seguir a DAP realizou análise conclusiva[5] sugerindo por se considerar irregulares as nomeações para os cargos em comissão, objeto da representação e aplicação de multa ao gestor.

O Ministério Público Especial acompanhou o entendimento da instrução[6] (Parecer n. 14.481/2012 – fls. 186-199), acrescentando, ainda, pela manifestação plenária sobre a inconstitucionalidade da norma (Lei Municipal n. 3.224/2010) e pela determinação de adoção de providências ao Município de Gaspar.

É o relatório.

 

2. DISCUSSÃO

 

2.1. Da Preliminar suscitada pela defesa e pelo Ministério Público de Contas:

O Responsável alega que o Tribunal de Contas não teria competência para matérias de cunho constitucionais – análise de atos administrativos municipais ou leis municipais que eventualmente afrontarem a Constituição, que seriam de competência do Supremo Tribunal Federal, por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade.

A preliminar merece ser afastada, uma vez que análise nos presentes autos não tem por condão atacar a lei em abstrato, mas sim auferir a sua constitucionalidade no caso concreto, já que a Lei Municipal 3.224/2010 deu origem às nomeações, objetos da denúncia.

Como bem fundamentou o MPTC (Parecer n. 14.481/2012 – fls. 186-199), o Supremo Tribunal Federal editou o Enunciado nº 347 da sua súmula de jurisprudência, a qual dispõe que “O Tribunal de Contas, no exercício de suas atribuições, pode apreciar a constitucionalidade das leis e dos atos do poder público”.

A referida competência encontra-se expressamente prevista no Regimento Interno do Tribunal de Contas, em seu art. 149, o qual estabelece que este “no exercício de suas atribuições, poderá pronunciar-se sobre inconstitucionalidade das leis e dos atos do Poder Público”.

Além disso, a análise acerca da constitucionalidade da lei municipal que autorizou a criação de cargos em comissão no Município de Gaspar somente terá efeitos para fins de julgamento do caso em comento. Este é o posicionamento firmado pelo Tribunal de Contas de Santa Catarina, conforme entendimento esposado pelo Prejulgado 1783 [7].

 

 

2.2. Do pedido de suspensão do processo em razão da tramitação da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2010.068061-0 em face da Lei Municipal n. 3.224/2010:

O responsável requereu a suspensão do processo nesta Corte de Contas em razão de que o Diretório do Partido Popular Socialista do Município de Gaspar ajuizou perante o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, Ação Direta de Inconstitucionalidade em face da Lei Municipal n. 3.224/2010. A ADIN ainda não possui decisão definitiva, conforme consulta ao endereço eletrônico do TJSC[8].

Referida Lei Municipal é também objeto desta denúncia e que serviu como base legal para as nomeações dos servidores nominados no Relatório de Audiência n. 2214/2011 (fls. 144-150).

A ADIN ainda não possui decisão definitiva, conforme consulta ao endereço eletrônico do TJSC[9].

Não vislumbro, nesse caso, motivo para o sobrestamento dos autos, uma vez que a análise desta Corte de Contas é independente daquela realizada pelo Poder Judiciário.

Entretanto, tendo em vista a competência do Poder Judiciário para análise da constitucionalidade de leis em abstrato, portanto, mais abrangente, entendo que esta prejudicada tal análise neste processo até decisão definitiva do Tribunal de Justiça de Santa Catarina nos autos da ADIN n. 2010.068061-0, o que não constitui fato impeditivo da análise do mérito.

 

 

2.3.        Do mérito:

 

Da análise do Relatório Conclusivo da Diretoria de Atos de Pessoal[10] e do Parecer do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas[11], verificou-se que as nomeações aos cargos comissionados criados pela Lei Municipal 3.224/2010 se deram, de fato, ao arrepio do comando constitucional (art. 37, V) que ao excepcionar a regra de realização de concurso público prevista no inciso II, dispõe que os referidos cargos (cargos em comissão) destinam-se somente às atribuições de direção, chefia e assessoramento, circunstâncias nas quais se exige uma especial relação de confiança a justificar a forma diferenciada de ingresso em tal cargo.

Segundo as justificativas do responsável[12] não houve burla ao instituto do concurso público, uma vez que os cargos em comissão faziam-se necessários diante da exigência de relação de confiança.

Do apontado pela DAP e o MPTC, verificou-se que no Município de Gaspar foram nomeados, à época da denúncia, os seguintes servidores (cópia do diário oficial municipal, às fls. 57 a 63):

Nome do Servidor

Decretos de nomeação

Cargo

Lotação

João David

de Borba

Decreto n. 3981, de 09/07/2010

Assessor Administrativo

Procuradoria

Geral do Município

Peterson

Correa

Decreto n. 4056, de 04/10/2010

Assessor Administrativo

Secretaria Municipal de Administração e Finanças

Dayro José

Bornhausen

Decreto n. 4043, de 21/09/2010

Assessor Administrativo

Secretaria Municipal de Educação

Fernando

Stroisch (exonerado)

Decreto n. 4022, de 08/09/2010

Assessor Administrativo

Secretaria Municipal de Planejamento e Desenvolvimento

 

Instado a se manifestar a respeito das reais atribuições dos cargos comissionados criados pela Lei n. 3.224/2010, o prefeito se limitou a informar que as mesmas encontravam-se implícitas na denominação do cargo.

Conforme ressaltou o MPTC, não se pode ignorar o conteúdo das declarações prestadas pelo chefe do poder executivo municipal à imprensa local, na análise do real objetivo destas contratações[13]:

Em entrevista à Rádio Sentinela do Vale AM (transcrição às fls. 52- 54), realizada na data de 25/03/2010, o Sr. Pedro Celso Zuchi informou que o Município de Gaspar precisava contratar engenheiros para elaboração de projetos de reurbanização na cidade e advogados para a análise da documentação necessária à execução dos mesmos. O prefeito esclareceu, ainda, que haveria uma alternativa à forma de contratação em análise, a qual seria a terceirização de engenheiros e advogados, de forma a possibilitar a continuidade dos projetos em andamento.

Em entrevista à Rádio Nativa FM (transcrição às fl. 55), na data de 1º/06/2010 o prefeito reiterou que o projeto de Lei – que ensejou a promulgação da Lei Municipal nº. 3224/2010 – foi elaborado com o intuito de contratar engenheiros e advogados para assessorar os secretários municipais. Informou ainda que a prefeitura carecia deste tipo de profissional.

Por fim, consta em cópia da ata de reunião realizada em fevereiro de 2010 no Plenário da Câmara de Vereadores de Gaspar (fl. 48), que os futuros cargos de assessores administrativos deveriam ser preenchidos por profissionais com conhecimentos técnicos na área de direito e engenharia. Na mesma reunião, afastou-se a hipótese de terceirização de funcionários em decorrência do maior custo envolvido nesta forma de contratação do que o dispendido com a simples criação de cargos. (grifou-se)

 

E ainda, argumenta o MPTC que caso houvesse necessidade de criação de cargos a demandar um especial vínculo de confiança, não se cogitaria da possibilidade de contratação de terceirizados para a realização das mesmas atribuições, não podendo suposto vínculo ser utilizado como fundamento para a criação dos cargos em análise.

E mais, as atribuições alardeadas pelo prefeito, quais sejam, a elaboração de pareceres jurídicos e a atuação profissional em torno de projetos de engenharia afeiçoam-se aos vínculos normais de confiança que se estabelecem entre a administração pública e seus servidores, ou seja, estão inseridas na categoria de atividades técnicas, de natureza permanente e contínua, não demandantes de vínculos especiais de confiança a justificar a contratação com amparo no art. 37, V, da Carta Magna.

 

A esse respeito, já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

AÇÃO POPULAR. Pirassununga. Assessor jurídico. Emprego público em comissão. Contrata­ção sem concurso. LM n"1.695/86 e 3.245/04. Advogados concursados à espera de contra­tação. Despedida determinada pela juíza. - 1. Litisconsórcio. Não se forma litisconsórcio necessário entre os réus e outras autoridades e advogados que, em ocasião anterior, te­nham sido contratados para o mesmo cargo em comissão. Situações individuais que devem ser analisadas individualmente. - 2. Gratuidade de justiça. A gratuidade de Justiça não podia mesmo ser concedida aos réus Octávio e Viviane. Não devia ter sido concedida à ré Carmem Karine, advogada, sócia em escritório de renomado advogado, Procurador Geral do Município e com relevante prática na cidade; causa espécie que o pedido tenha sido fei­to. Fica revogado. - 3. Cargo em comissão. O art. 37 V da Constituição Federal permite a nomeação em comissão para cargos de direção, chefia e assessoramento, em que não se enquadram os cargos técnicos de advogado; e o art. 66 a 68 da Lei Orgânica do Município atribuem a assessoria do Executivo à Procuradoria do Município, com admissão mediante concurso público. A LM n" 3.245/04, que procurou reviver os cargos em comissão de asses­sor jurídico, foi declarada inconstitucional pelo Tribunal de Justiça. Inconstitucionalidade e ilegalidade da contratação dos réus, sem prévio concurso público. - 4. Ressarcimento. Não se põe em dúvida que os serviços tenham sido prestados, apesar da nulidade da con­tratação. Inclinou-se a jurisprudência em, nesses casos, não determinar a devolução dos salários ou a restituição ao erário, para evitar o enriquecimento ilícito da administração. (grifo nosso)[14]

(...)

Além disso, como destacado nos relatórios técnicos e pelo MPTC, não bastasse a contratação irregular, à época dos fatos já havia candidatos aprovados em concurso público (edital n. 01/2008) aptos a preencher os cargos de engenheiro agrimensor e civil (resultado disponível no endereço http://www.furb.br/concurso/classificacao/final_249.pdf e  http://www.furb.br/concurso/classificacao/final_251.pdf) e o cargo de advogado (http://www.furb.br/concurso/classificacao/final_267.pdf), tendo inclusive a validade do certame sido prorrogada por mais dois anos, por meio do Decreto nº. 3935/2010 (fls. 65).

Extrai-se do memorando nº. 009/2011 (fls. 113) emitido pela Secretaria Municipal de Administração e Finanças do Município de Gaspar na data de 19/04/2011, que das 13 (treze) vagas para o cargo de Assessor Administrativo, criadas pela Lei nº. 3224/2010, seis estão atualmente ocupadas (fls. 114), sendo que destas apenas uma é ocupada por um servidor efetivo.

3.            VOTO

 

Diante do exposto, proponho ao Egrégio Tribunal Pleno a adoção da seguinte deliberação:

3.1. Considerar procedente a Denúncia apresentada por Aurélio Marcos de Souza para considerar irregulares as nomeações dos Srs. João David de Borba, Peterson Correa, Dayro José Bornhausen e Fernando Stroisch para o cargo de Assessor Administrativo na Prefeitura Municipal de Gaspar, por restar caracterizado burla ao concurso público, em descumprimento ao estabelecido no art. 37, inciso II e VI, da Constituição Federal, restando comprovado nos autos que referidos servidores foram nomeados para exercer função de caráter técnico – operacional e administrativo (engenharia e advocacia) – conforme documentos de fls. 48 e 52-54 e 55).

 

3.2. Aplicar multa de R$ 2.000,00 (dois mil reais) ao Sr. Pedro Celso Zuchi (CPF n. 181.649.359-72), Prefeito Municipal de Gaspar, nos termos do art. 70, II da Lei Complementar 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do acórdão no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas, para comprovar a este Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, o que fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, inciso II e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.

 

3.3. Dê-se ciência da Decisão Plenária ao Responsável, Sr. Pedro Celso Zuchi, Prefeito Municipal de Gaspar, à Prefeitura Municipal de Gaspar e ao Representante.

Florianópolis, em 05 de maio de 2014.

 

 

HERNEUS DE NADAL

Conselheiro Relator

 



[1] Despacho Singular n. 92/2011 – fls. 88-90.

[2] Fl. 92.

[3] Fls. 144-150.

[4] Fls. 154-160 e 162-173.

[5] Relatório conclusivo n. 5370/2012 – fls. 181-184.

[6] Parecer n. 12.128/2012 – fls. 315-319.

[7] A apreciação de inconstitucionalidade de artigo de lei municipal, à vista do disposto nos arts. 149 e seguintes do Regimento Interno desta Casa, somente poderá se dar em caso concreto submetido a julgamento pelo Tribunal Pleno. Disponível em: http://www.tce.sc.gov.br/web/menu/decisoes, consulta em 15.05.2013.

[8] http://app6.tjsc.jus.br/cposg/pcpoResultadoConsProcesso2Grau.jsp# consulta em 15.04.2014.

[9] http://app6.tjsc.jus.br/cposg/pcpoResultadoConsProcesso2Grau.jsp# consulta em 15.04.2014.

[10] Relatório n. 5370/2012 – fls. 181-184.

[11] Parecer n. 186-199.

[12] Fls. 154-160.

[13] Fl. 194.

[14] SÃO PAULO. Tribunal de Justiça. Apelação n. 994090035259 (9006635500). 10ª Câmara de Direito Público Relator: Torres de Carvalho. Relator: Torres de Carvalho. Julgado em 03/05/2010.