ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

 

 

 

PROCESSO Nº:

PCA 09/00284307

 

UNIDADE GESTORA:

SAPIENS PARQUE S.A.

 

ASSUNTO:

Prestação de Contas do Exercício de 2008.

 

 

 

VOTO DIVERGENTE

 

Cuida-se de exame de Prestação de Contas relativo ao exercício de 2008, do Sapiens Parque S.A.

Em 18 de outubro de 2012, a Diretoria Geral de Controle da Administração Estadual – DCE exarou o Relatório nº 0668/2012 (fls. 443/447), com as seguintes conclusões:

 

3.1. Julgar IRREGULARES, com imputação de débito na forma do Art.18, III, alíneas “b” e “c”, c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar nº. 202/2000, a Prestação de Contas do Administrador do Sapiens Parque S.A., referente ao exercício de 2008 e condenar o Responsável, Sr. Saulo Vieira, CPF: 104.466.489-49, com endereço comercial situado na Avenida Luiz Boiteux Piazza, nº. 1302 - Cachoeira Bom Jesus, CEP: 88.056-000 - Florianópolis - SC e endereço residencial situado na Avenida Rubens de Arruda Ramos, nº. 1770, Apto. 1102 – Centro, CEP: 88.015-700 – Florianópolis – SC, ao pagamento de débito de sua responsabilidade, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação do Acórdão no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, para comprovar, perante este Tribunal, o recolhimento do valor dos débitos aos cofres do Sapiens Parque S.A., atualizados monetariamente e acrescidos dos juros legais (arts. 40 e 44 da Lei Complementar nº. 202/2000), calculados a partir das datas de ocorrência dos fatos geradores dos débitos, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (art. 43, II, da Lei Complementar nº. 202/2000):

3.1.1 – R$ 905,99 (novecentos e cinco reais e noventa e nove centavos) pela realização de despesas sem amparo legal, com pagamento da alimentação de terceiros, cuja presença junto a Sapiens Parque precedia a condição de integrarem entidade, a qual estavam vinculados e que a seu mando foram designados para o exercício de um determinado fim/representação, com infringência dos Princípios da Legalidade e da Moralidade, insculpidos no art. 37, caput, da Constituição Federal, bem como configurarem ato de liberalidade à custa da Companhia, vedado pelo art. 154, § 2º, alínea “a”, da Lei nº 6.404/1976. (item 2.1 do relatório nº 813/2011);

3.1.2 – R$ 113.500,00 (cento e treze mil e quinhentos reais) pela realização de despesas sem amparo legal, com pagamento de indenizações para desocupação de edificações irregulares em área de sua propriedade, sem promover as ações jurídicas cabíveis, optando por celebrar acordos, com infringência dos Princípios da Legalidade e da Moralidade, insculpidos no art. 37, caput, da Constituição Federal, bem como configurarem ato de liberalidade à custa da Companhia, vedado pelo art. 154, § 2º, alínea “a”, da Lei nº 6.404/1976 (itens 2.1 do relatório nº 813/2011 e 2 do presente relatório).

 

3.2 - Aplicar ao Responsável já qualificado, com fundamento no art. 70 incisos I e II, da Lei Complementar nº. 202/2000, c/c art. 109, II, do Regimento Interno, as multas a seguir especificadas, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do Acórdão no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina para comprovar ao Tribunal o recolhimento das multas cominadas ao Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos  43, II e 71 da Lei Complementar nº. 202/2000:

3.2.1 - Ausência de remessa como integrante da presente prestação de contas do Certificado de Auditoria Interna com o parecer do dirigente do órgão de controle interno, consignando qualquer irregularidade ou ilegitimidade constatada, e indicando as medidas adotadas para corrigi-las, conforme dispõe o artigo 11, inciso III da Lei Complementar nº 202/2000, combinado com o artigo 10, inciso II da Resolução nº TC 06/2001 – Regimento Interno, ambos instituídos a luz da prerrogativa firmada no artigo 4º da Lei Complementar nº. 202/2000. (item 2.2 do relatório nº 813/2011)

3.2.2 - Pelo não envio de dados do Sistema e-Sfinge relativos ao último bimestre de 2007 e aos cinco primeiros bimestres de 2008, com descumprimento do art. 3º, incisos VI, I, II, III, IV e V, respectivamente, da Instrução Normativa nº TC-04/2004, instituída com amparo no artigo 4º da Lei Complementar nº. 202/2000. (item 2.3 do relatório nº 813/2011)

 

3.3 – Recomendar ao atual gestor do Sapiens Parque S.A.

3.3.1 – Que a elaboração dos históricos de lançamentos da escrita contábil permita o efetivo controle, conhecimento e levantamento a qualquer tempo das operações efetuadas, a luz do artigo 88 da Resolução TC 16/1994. (item 2.4 do relatório nº 813/2011).

 

Em sua manifestação de fls. 448/460, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas recepcionou as justificativas apresentadas pelos advogados da Sapiens Parque S.A., posicionando-se apenas pela formulação de recomendação para a entidade, no sentido de que, em procedimentos futuros, se atente às observações contidas no relatório instrutivo.

Em seu voto (fls. 432/471), o Relator seguiu o entendimento do Ministério Público, propondo a adoção da seguinte deliberação:

 

3.1. Julgar regulares com ressalva, com fundamento no art. 18, II, c/c o art. 20 da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, as contas anuais do exercício de 2008, referentes a atos de gestão do Sapiens Parque S.A., e dar quitação ao Responsável, de acordo com os pareceres emitidos nos autos;

 

3.2. Recomendar ao Sapiens Parque S.A. que:

        

3.2.1. elabore os históricos de lançamentos da escrita contábil de modo a permitir o efetivo controle, conhecimento e levantamento a qualquer tempo das operações efetuadas, a luz do artigo 88 da Resolução TC 16/1994. (item 2.4 do relatório nº 813/2011);

 

3.2.2. observe a necessidade de remessa, como integrante da presente prestação de contas, do Certificado de Auditoria Interna com o parecer do dirigente do órgão de controle interno, consignando qualquer irregularidade ou ilegitimidade constatada, e indicando as medidas adotadas para corrigi-las, conforme dispõe o artigo 11, inciso III da Lei Complementar nº 202/2000, combinado com o artigo 10, inciso II da Resolução nº TC 06/2001 – Regimento Interno, ambos instituídos a luz da prerrogativa firmada no artigo 4º da Lei Complementar nº. 202/2000. (item 2.2 do relatório nº 813/2011);

 

3.2.3. observe os prazos de remessa de dados do Sistema e-Sfinge, em cumprimento ao que determinam o art. 3º, incisos VI, I, II, III, IV e V, respectivamente, da Instrução Normativa nº TC-04/2004, instituída com amparo no artigo 4º da Lei Complementar nº. 202/2000. (item 2.3 do relatório nº 813/2011).

 

3.3. Determinar à Diretoria de Controle da Administração Estadual - DCE, deste Tribunal de Contas, que adote providências visando à verificação do atendimento das recomendações constantes dos itens 3.2.1 a 3.2.3 desta Deliberação, procedendo à realização de auditoria, se necessário.

 

3.4. Ressalvar que o exame das contas de Administrador em questão foi procedido mediante auditoria pelo sistema de amostragem, não sendo considerado o resultado de eventuais auditorias ou inspeções realizadas.

 

3.5. Dar ciência da Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam ao Sr. Saulo Vieira e ao Sapiens Parque S.A..

 

Atuei como Relatora no processo (fl. 380) e, percebendo a plausibilidade da análise realizada pela DCE no Relatório nº 0266/2011, sobretudo a partir da documentação constante nos autos, determinei a citação do Sr. Saulo Vieira, para que apresentasse manifestação acerca do pagamento de indenizações para desocupação das edificações irregulares.

Em que pese a profunda análise realizada pelo Ministério Público em seu parecer e, posteriormente, pelo douto Relator em seu voto, mantenho minha convicção inicial, de que a análise realizada pela Diretoria Geral de Controle da Administração Estadual – DCE, especificamente no que tange ao item 3.1.2 do Relatório nº 0668/2012, é a que mais se amolda ao Direito, na medida em que, em meu juízo, os gastos no valor de R$ 113.500,00 (cento e treze mil e quinhentos reais), com pagamento de indenizações para desocupação de edificações irregulares em área de propriedade do Sapiens Parque S.A., sem a promoção das ações judiciais cabíveis, configura ofensa aos princípios constitucionais da legalidade e da moralidade, constituindo, ainda, atos de liberalidade à custa da Companhia, em afronta ao disposto no art. 154, § 2º, “a”, da Lei Federal nº 6.404/1976.

Conforme apontado no Relatório nº 0266/2011 da DCE, “as edificações em questão remontam a época da destinação da área para a antiga colônia penal agrícola, ou seja, a titularidade da época era do Governo do Estado e nesta condição não poderia sofrer qualquer ação de posse/ocupação por particulares” (fl. 372).

Sabe-se que os bens públicos, mesmo os dominicais sem utilização pelo poder público, não podem ser usados ou fruídos pelo particular. Nesse sentido, Marçal Justen Filho alerta que “Esse bem deve ser preservado na sua integridade pelo Estado, especialmente porque seu potencial econômico deverá reverter para a realização das funções estatais” (JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. 8. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 1.057).

Inclusive, a invasão de terras públicas é crime previsto no art. 20 da Lei Federal nº 4.947/1966.

Então, identificada a utilização irregular, a entidade prestadora de contas deveria, em vez de premiar a conduta criminosa com indenizações para seus autores, ter promovido as medidas administrativas ou judiciais cabíveis para a regularização da situação.

A jurisprudência é remansosa acerca da impossibilidade de pagamento de indenização em hipóteses semelhantes. Veja-se, a propósito, a Apelação Cível nº 20040110095544, de Relatoria do Des. Fernando Habibe, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal: “Dada a precariedade de que se reveste a ocupação de área pública, mostra-se incabível a indenização por benfeitorias e, bem assim, o direito de retenção”. E a Apelação Cível nº 2000011093218, de Relatoria do Des. Jair Soares, do mesmo Tribunal: “Se aqueles que ocupam imóvel de domínio público não dispunham de qualquer autorização para tanto, nele entrando clandestinamente, não há posse, muito menos de boa-fé, inexistindo, por conseguinte, direito à indenização pelas benfeitorias necessárias e úteis que erigiram, assim como exercer direito de retenção, quanto a essas, e levantar as voluptuárias”.

Ademais, o argumento de que os acordos firmados pelo Sapiens Parque S.A. e os posseiros viabilizou investimentos na ordem de R$ 37.000.000,00 (trinta e sete milhões de reais) não impressiona, pois penso que, aqui, a lógica não deve ser a do lucro.

O controle do Sapiens Parque S.A. pelo Estado de Santa Catarina faz com que o objetivo de expansão do empreendimento esteja obviamente limitado pelos princípios norteadores da Administração Pública, como o princípio da legalidade e o princípio da moralidade.

Em meu sentir, relativizar uma liberalidade do Gestor (e, portanto, uma ilegalidade) à custa da Companhia, por conta de um posterior sucesso financeiro equivaleria a inverter a ordem do Direito Administrativo.

 

Ante o exposto, submeto à apreciação do Plenário o seguinte voto, que considera em seus termos os fundamentos ora apresentados, os quais demonstram a gravidade das irregularidades verificadas, de modo a justificar a valoração das multas aplicadas:

1. Julgar IRREGULARES, com imputação de débito na forma do art. 18, III, alíneas “b” e “c”, c/c o art. 21, caput, da Lei Complementar nº 202/2000, a Prestação de Contas do Administrador do Sapiens Parque S.A., referente ao exercício de 2008 e condenar o Responsável, Sr. Saulo Vieira, CPF: 104.466.489-49, com endereço comercial situado na Avenida Luiz Boiteux Piazza, nº. 1302 - Cachoeira Bom Jesus, CEP: 88.056-000 - Florianópolis - SC e endereço residencial situado na Avenida Rubens de Arruda Ramos, nº. 1770, Apto. 1102 – Centro, CEP: 88.015-700 – Florianópolis – SC, ao pagamento de débito de sua responsabilidade, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação do Acórdão no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, para comprovar, perante este Tribunal, o recolhimento do valor dos débitos aos cofres do Sapiens Parque S.A., atualizados monetariamente e acrescidos dos juros legais (arts. 40 e 44 da Lei Complementar nº 202/2000), calculados a partir das datas de ocorrência dos fatos geradores dos débitos, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial (art. 43, II, da Lei Complementar nº 202/2000):

1.1. R$ 113.500,00 (cento e treze mil e quinhentos reais) pela realização de despesas sem amparo legal, com pagamento de indenizações para desocupação de edificações irregulares em área de sua propriedade, sem promover as ações jurídicas cabíveis, optando por celebrar acordos, com infringência dos Princípios da Legalidade e da Moralidade, insculpidos no art. 37, caput, da Constituição Federal, bem como configurarem ato de liberalidade à custa da Companhia, vedado pelo art. 154, § 2º, alínea “a”, da Lei nº 6.404/1976 (itens 2.1 do Relatório nº 813/2011 e 2 do Relatório nº 0668/2012).

2. Aplicar ao Responsável, Sr. Saulo Vieira, CPF: 104.466.489-49, com endereço comercial situado na Avenida Luiz Boiteux Piazza, nº. 1302 - Cachoeira Bom Jesus, CEP: 88.056-000 - Florianópolis - SC e endereço residencial situado na Avenida Rubens de Arruda Ramos, nº. 1770, Apto. 1102 – Centro, CEP: 88.015-700 – Florianópolis – SC, a multa prevista no art. 68 da Lei Complementar nº 202/2000 c/c o art. 108, caput, do Regimento Interno, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar nº 202/2000:

2.1. R$ 5.675,00 (cinco mil seiscentos e setenta e cinco reais), em razão da irregularidade apontada no item 2.1 do Relatório nº 813/2011 e 2 do Relatório nº 0668/2012.

3. No mais, manter as recomendações constantes no item 3.2 e a determinação constante no item 3.3 do voto do ilustre Relator.

4. Dar ciência desta Decisão e do Voto que a fundamentam ao Sr. Saulo Vieira e ao Sapiens Parque S.A.

 

Florianópolis, 16 de maio de 2014.

 

 

SABRINA NUNES IOCKEN

AUDITORA SUBSTITUTA DE CONSELHEIRO