|
ESTADO
DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO Gabinete do Auditor
Substituto de Conselheiro Cleber Muniz Gavi |
PROCESSO: REP 13/00027638
UG/CLIENTE: Secretaria de Estado da Segurança
Pública
RESPONSÁVEL: Ricardo
Azevedo
INTERESSADO: Cesar
Augusto Grubba e outros
REPRESENTANTE: Ice Cartões Especiais Ltda.
ASSUNTO: Irregularidades
no Edital de Chamamento Público n. 203/SSP/2012, promovido pela Secretaria de
Estado da Segurança Pública.
REPRESENTAÇÃO.
EDITAL DE cHAMAMENTO PÚBLICO. DOAÇÃO DE SOFTWARE
DE RASTREAMENTO DE LACRES. VINCULAÇÃO DE FUTURAS AQUISIÇÕES DE LACRES não
CONFIRMADAS. PORTARIA N. 272 DO DENATRAN. CONTRADIÇÕES ENTRE AS CLÁUSULAS
CONTRATUAIS ACERCA DA INEXISTÊNCIA DE CUSTOS POSTERIORES. IRREGULARIDADES
PASSÍVEIS DE SANEAMENTO NA OPORTUNIDADE DA CONTRATAÇÃO. DETERMINAÇÕES.
I – RELATÓRIO
Tratam os autos de representação formulada pela empresa
Ice Cartões Especiais Ltda., noticiando
supostas irregularidades cometidas no edital de Chamamento Público n.
203/SSP/SC, lançado pela Secretaria de Estado de Segurança Pública - SSP, com
pedido de medida cautelar para suspensão do certame e, em julgamento
definitivo, a anulação do edital.
Alegou a representante que o edital licitatório visa a
obtenção de sistema informatizado de rastreabilidade para o controle de todas
as etapas de fabricação, distribuição, armazenamento, lacração e descarte
final, com utilização de identificação dos lacradores e de lacres de segurança
para placas veiculares, nos termos da Portaria n. 272/2007, do Departamento
Nacional de Trânsito – DENATRAN.
Sustentou, em síntese: a) que o procedimento originou-se
por ofício encaminhado pela Associação das Empresas Fabricantes e Lacradoras de
Placas Automotivas do Estado de Santa Catarina – APLASC e pela Associação
Catarinense de Fabricante de Placas de Veículos do Estado de Santa Catarina –
AFAPV; b) que o DETRAN/SC, o CIASC e a Secretaria de Segurança Pública, por
iniciativa própria, propuseram disponibilizar ao Estado de Santa Catarina, a
título gratuito, sistema informatizado para atender as necessidades técnicas do
DETRAN/SC e as exigências da Portaria n. 272/2007 do DENATRAN, incluindo
proposta de custear a implantação de software
no sistema DENATRANNET e a manutenção do sistema pelo prazo de 2 (dois) anos;
c) que a instauração do processo de chamamento público resultou de orientação
da Consultoria Jurídica da SSP, a fim de verificar a existência de outros
interessados em doar o sistema de rastreabilidade de lacres; d) que a
representante participou do procedimento licitatório, sendo habilitada junto
com a empresa Placas de Veículos Norte Ltda. – ME, única concorrente no
certame, mas foi desclassificada no julgamento das propostas; e) que a outra
empresa participante na verdade é uma associada da AFAPV, a qual seria a
verdadeira fornecedora do software mas
estaria impedida de figurar diretamente no certame devido a inadimplência no
recolhimento de ICMS, questão inclusive objeto de ações cíveis e penais; f) que
o edital não exigiu a apresentação de documento de renúncia ao direito de autor
[o que acarreta riscos
para o Estado diante do disposto na Lei de Softwares
e na Lei de Direitos Autorais relativamente à proteção dos respectivos
direitos], não exigiu a comprovação de titularidade do direito
autoral e tampouco impôs a comprovação de homologação do sistema de
rastreabilidade junto ao DENATRAN; g) que o sistema de rastreabilidade
apresentado – nominado como “LACRESNET”, “...
não contempla solução para lacração de veículos de outras Unidades da
Federação, que estejam em circulação no Estado de Santa Catarina, como exige o
artigo 24 da Portaria n. 272/2007 do DENATRAN (fl. 16); h) que haverá direcionamento no sistema para aquisição dos lacres
de segurança, posto que a partir do momento que for utilizado o módulo de
produção do LACRESNET (item 2.1.2, fls. 19), somente as fabricantes de lacres
que possuírem e utilizarem esse módulo poderão fornecer lacres físicos (fl. 16)
e i) que houve renúncia fiscal, uma vez que, atualmente, a cobrança da taxa
para emplacamento (R$ 38,79) tem sido direcionada diretamente ao responsável
pela lacração das placas (fls. 07/08).
Os autos foram encaminhados à DLC, que se manifestou por
conhecer a representação, indeferir o pedido de cautelar e determinar a
audiência do Secretário Estadual de Administração (fls. 64/2013).
Em juízo perfunctório, a cautelar foi concedida, tendo
sido determinada a sustação do Edital de Chamamento Público n. 203/SSP/2012 e
de qualquer providência para a assinatura ou execução do respectivo contrato
(fls. 168/179).
Determinei a tramitação conjunta do feito com a REP
13/00023306 e REP 13/00007017, ante a vinculação do objeto presente com a
futura e eventual aquisição de lacres de segurança para placas veiculares (fls.
196/197).
O responsável comprovou a suspensão do edital, a fls.
198/199.
A empresa Placas de Veículos Norte Ltda. - ME peticionou,
na condição de terceira interessada, requerendo a reconsideração da cautelar e,
ao final, a improcedência da representação (fls. 232/249).
Os autos foram encaminhados ao órgão de instrução, que
emanou o Relatório n. 147/2013, fls. 266/278, analisando conjuntamente os fatos
dos processos, REP 13/00027638, REP 13/00007017 e REP 13/00023306.
O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, em
parecer da lavra do Exmo. Procurador-Geral Márcio de Sousa Rosa, acompanhou
entendimento da Diretoria Técnica (fls. 279/283).
Determinei, por meio do despacho de fls. 284/285, a
instrução em separado dos processos.
Os autos seguiram a Diretoria Técnica, que exarou o
Relatório n. 276/2013, sugerindo a audiência do Sr. César Augusto Grubba,
Secretário de Estado de Segurança Pública, para que fosse oportunizado o
contraditório e ampla defesa em razão das seguintes irregularidades:
3.2.1. Indícios de renúncia de receitas por parte do Erário Estadual, em função
da ausência da cobrança da taxa
para emplacamento no
valor de R$38,79 (trinta e oito
reais e setenta e nove centavos), que decorre da imposição da Lei
Estadual nº 7.541/88,
alterada pela Lei
Estadual nº 15.711/11,
em combinação com a Portaria nº 272/07 do DENATRAN (item 3.3.1 da
conclusão do Relatório DLC nº 64/2013); e
3.2.2. Ausência de exigência de documentação que
assegure proteção frente
aos direitos do
autor do software, em
consonância com o que
dispõe o artigo 111, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93, combinado com o artigo 49 da Lei nº 9.610/98, como condição
para assinatura do contrato decorrente da doação (item 3.3.2 da conclusão do
Relatório DLC nº 64/2013).
Por meio do Despacho n. 18/2013, a suspensão cautelar do
edital de chamamento foi ratificada e determinou-se a audiência do Sr. Cesar
Augusto Grubba, para que se manifestasse sobre os seguintes pontos
controversos:
2.1. Renúncia de receitas por
parte do Erário Estadual, em função da ausência da cobrança da taxa para
emplacamento no valor de R$ 38,79 (trinta e oito reais e setenta e nove
centavos), que decorre da imposição da Lei Estadual n. 7.541/88, alterada pela
Lei Estadual n. 15.711/11 (item 3.3.1 da conclusão do Relatório DLC n. 64/2013);
2.2. Ausência de análise da
conveniência da doação do sistema, sob o ponto de vista da relação
custo/benefício e da responsabilidade pela sua atualização depois de vencido o
prazo de dois anos de manutenção e de suporte realizados pela doadora,
contrariando o art. 23, § 1º da Lei Federal n. 8.666/93 (Prejulgado n. 525);
2.3. Direcionamento das futuras
aquisições de lacres de placas de veículos automotivos, que só poderão ser
fornecidos pelas empresas com tecnologia compatível com o software doado, contrariando o art. 37, XXI, o art. 170, IV, e o
art. 173, § 4º, da Constituição Federal, bem como o art. 3º, §1º, I, e o art.
7º, § 5º, da Lei Federal n. 8.666/93;
2.4. Adoção de sistema que não
possibilita a lacração de veículos de outras Unidades da Federação, que estejam
em circulação no Estado de Santa Catarina, consoante prevê o art. 24, §1º, da
Portaria n. 272/2007 do DENATRAN.
2.5. Participação da Associação
Catarinense de Fabricante de Placas de Veículos do Estado de Santa Catarina –
AFAPV através de uma de suas associadas (Placas de Veículos Norte Ltda. – ME),
cuja irregularidade fiscal contraria o disposto no art. 27, IV, da Lei Federal
n. 8.666/93.
2.6. Ausência de previsão no
edital acerta da exigência de balanço patrimonial, contrariando o art. 31, I,
da Lei Federal n. 8.666/93, possibilitando a participação da Associação
Catarinense de Fabricante de Placas de Veículos do Estado de Santa Catarina –
AFAPV através de uma de suas associadas (Placas de Veículos Norte Ltda. – ME).
2.7. Ausência de previsão no
edital acerca da documentação que assegure a proteção frente aos direitos do
autor do software, em consonância com
o que dispõe o artigo 111, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93, combinado com o
artigo 49 da Lei nº 9.610/98, como condição para assinatura do contrato
decorrente da doação (item 3.3.2 da conclusão do Relatório DLC nº 64/2013);
2.8. Ausência de previsão no
edital acerta da exigência de homologação do sistema (inscrição da empresa) no
DENATRAN, prevista no art. 7º da Resolução n. 272/2007 do DENATRAN.
O responsável ofereceu defesa, a fls. 984/1002,
sustentando, resumidamente, que: a) o Estado não é dotado no momento da
infraestrutura necessária para a realização da atividade de “autorizar lacrar
placas”, o que possibilitaria a cobrança do tributo instituído; b) atualmente o
serviço é delegado e os executores não solicitam autorização para a lacração de
placas, de forma que inexiste renúncia de receita; c) a cobrança da taxa só
poderia ocorrer após a instalação de novo sistema informatizado; d) a Diretoria
de Governança Eletrônica, órgão competente para avaliar a situação,
manifestou-se favoravelmente à doação; e) o Centro de Informática e Automação
do Estado de Santa Catarina - CIASC seria o órgão técnico responsável por
atualizar, manter e dar suporte ao sistema doado, absorvendo toda a tecnologia
e conhecimento ao longo do processo e por meio de futuro contrato com a
Secretaria, tornar-se-ia apto a responder pela atualização do sistema; g) ao
contrário do que sustenta a representante, ao realizar os procedimentos
licitatórios em separado – para aquisição de lacres e para o sistema de
rastreamento de veículos – haveria ampla competitividade, porquanto se
permitiria que todas as empresas fabricantes de lacres participassem do
certame, sem restrição quanto àquelas empresas que não possuírem ambos os
produtos a oferecer (lacre e sistema); h) não haverá direcionamento, porquanto
a confecção dos lacres será possibilitada às empresas de forma distinta; i) a
ata da reunião informou as especificações do lacre, as quais podem ser seguidas
por qualquer empresa nacional que os forneça, já que o acesso ao software será sempre franqueado à
empresa vencedora do certame; j) os códigos fontes do sistema serão de
propriedade da SSP; k) o sistema doado servirá para incluir as informações
constantes dos números dos lacres, que serão fornecidos pelo DENATRAN, sendo
que a empresa contratada deverá apenas confeccioná-los com a numeração
respectiva e alimentar o sistema do Estado com essas informações; l) ao contrário
do que alegou a representante, sustenta que a adoção do sistema de rastreamento
não impossibilita a lacração de veículos provenientes de outros Estados e,
ainda que assim não fosse, a lacração de veículos de outros Estados em
circulação é descipienda, ante o conteúdo da Portaria n. 272/2007 do DENATRAN;
m) a empresa Placas de Veículos Norte Ltda. - ME fora devidamente habilitada ao
certame, apresentando todos os documentos exigidos no edital, sendo de
desconhecimento da administração o motivo da ausência da AFAPV ao certame; n) a
abstenção da exigência do balanço patrimonial seria apenas uma irregularidade
formal, inexistindo nexo com a participação da AFAPV ao certame; o) a
administração pública, para a assinatura do contrato, exigirá a documentação hábil
à cessão dos direitos do autor do software
a ser doado; p) tão-logo a SSP/DETRAN incorpore a seu patrimônio o sistema
operacional a ser doado será o mesmo submetido a homologação junto ao DENATRAN,
possibilidade descrita no art. 22, parágrafo único, da Portaria n. 272/2007 do
DENATRAN.
Os autos retornaram à Diretoria Técnica. Por meio do
Relatório n. 497/2013, foi sugerido o que segue:
3.1. Determinar que seja
procedida AUDIÊNCIA COMPLEMENTAR ao Sr. CÉSAR AUGUSTO GRUBBA – Secretário de
Estado da Secretaria de Segurança Pública, inscrito no CPF nº, com endereço à
Rua, nº, /SC, para que exerça o direito de manifestação em atenção ao princípio
do contraditório e da ampla defesa, nos termos do “caput” do artigo 35 da Lei
Complementar nº 202/00, em face dos seguintes itens:
3.1.1. Ausência de demonstração
das reais providências adotadas ou que serão adotadas com vistas ao afastamento
da irregularidade
na gestão
3.1.2. Ausência de demonstração
e esclarecimentos suficientes e objetivos que tornem inequívoco que o referido software a ser fornecido determina de
forma objetiva e clara as características mínimas e necessárias para
monitoramento dos lacres “físicos”, e possibilita a absorção da maior
quantidade possível de fornecedores fabricantes de lacres, a ser licitada em
separado, garantindo a ampliação da competitividade e proteção ao princípio
licitatório da impessoalidade, sem qualquer direcionamento aos associados
vinculados à Associação das Empresas Fabricantes e Lacradoras de Placas
Automotivas do Estado de Santa Catarina – APLASC, e a Associação Catarinense de
Fabricantes de Placas de Veículos do Estado de Santa Catarina – AFAPV (item
2.9.1 do presente relatório);
3.1.3. Ausência de
esclarecimentos que permitam tornar transparente sob o ponto de vista
econômico, a doação do software em
questão, haja vista a previsão de suporte e manutenção gratuita atribuída ao
doador do sistema de rastreabilidade, configurando violação ao princípio geral
do direito que veda o enriquecimento sem causa (item 2.9.2 do presente
relatório e 2.7 do Relatório nº DLC 64/2013);
O Ministério Público ofereceu parecer, acompanhando a
sugestão da área técnica (fls. 1070/1071).
Em despacho, exarado a fls. 1072, discordei da sugestão
oferecida e determinei o retorno dos autos para instrução definitiva.
A Diretoria Técnica manifestou-se por meio do Relatório
n. 630/2013, cujo teor segue:
3.1. JULGAR parcialmente procedente a representação,
conforme segue:
3.1.1. PROCEDENTE a
representação no que tange à irregularidade em função da renúncia de receitas por parte
do Erário Estadual, em função da ausência da cobrança da taxa para emplacamento
no valor de R$ 38,79 (trinta e oito reais e setenta e nove centavos), que
decorre da imposição da Lei Estadual n. 7.541/88, alterada pela Lei Estadual n.
15.711/11 (item 2.1 do presente Relatório);
3.1.2.
IMPROCEDENTE a representação no que tange às irregularidades denunciadas que
recaem sobre o Chamamento Público nº 203/SSP/2012 (item 2.2 a 2.8 do presente Relatório);
3.2. Determinar a revogação da
medida cautelar proferida em 22 de fevereiro de 2013 (fls. 168 a 179), que
sustou o andamento do Edital de Chamamento Público nº 203/SSP/2012;
3.3. Determinar à Unidade que
encaminhe a Ata da Sessão de Abertura e Julgamento das propostas do Edital de
Chamamento Público nº 203/SSP/2012, bem como a minuta do contrato assinado pela
licitante vencedora;
3.4. Dar ciência do Relatório
Técnico e da Decisão à Assessoria Jurídica e ao Controle Interno da Secretaria
de Estado da Estado da Segurança Pública; bem como a Assessoria Jurídica e o
Controle Interno da Secretaria de Estado da Administração;
O Parquet, na
sequência, opinou por acompanhar o órgão de instrução, a fls. 1087/1088.
A empresa representante ofereceu sustentação oral, a fls.
1109.
Vieram os autos conclusos.
II –
FUNDAMENTAÇÃO
Os
autos versam sobre a implantação e operacionalização de novo modelo de lacração
de placas de veículos no Estado de Santa Catarina, nos termos da Portaria n.
272, de 21 de dezembro de 2007, do DENATRAN. A regulamentação criou regras para
a fabricação dos lacres, instituindo a sua rastreabilidade desde a fabricação,
venda, distribuição, aplicação, registro de aplicação com a respectiva
armazenagem de dados de identificação.
Segundo
consta dos autos, até então o DETRAN/SC utilizava o sistema PlacasNET, que não atenderia às
especificações exigidas na referida norma e teria sido cedido pela Associação
dos Fabricantes de Placas do Estado de Santa Catarina - AFAPV em 2006 ao Estado
(fls.62).
Neste
mesmo ano, o Estado de Santa Catarina firmou um Termo de Ajustamento de Conduta
perante o Ministério Público do Estado (fls. 297/330 da REP 13/00023306), se
comprometendo a promover licitações, uma com vistas a escolha de fornecedor de
lacres para placas de veículos, outra para seleção de fornecedor que abasteceria
as permissionárias de serviço público de lacração de placas automotivas com
insumos necessários a realização desses serviços (clausula 5°). Neste mesmo
instrumento, firmou compromisso para produzir ato normativo que estabelecesse
os critérios para a elaboração de planilha de custos de serviço de fornecimento
de placas e lacração de placas automotivas, que deveriam refletir as reais
despesas de operação e estar em consonância com os princípios da modicidade das
tarifas e publicidade, de forma a não sujeitar os consumidores a preços
excessivos ou elevações das tarifas sem justa causa.
Não
há nos autos informação acerca da realização de procedimento licitatório para a
outorga do serviço de lacração de placas automotivas a que se refere o art. 1°,
V, da Lei Estadual n. 13.721/2006, pois as informações a respeito do
cumprimento do TAC não abordam diretamente tal assunto (fls. 291/296 da REP
13/00023306).
Em
2010, houve a tentativa de se adquirir os lacres em conjunto com o sistema de
informática para o rastreamento, por meio do Edital n. 245/SSP/2010, promovido
pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa do Cidadão. O procedimento foi
objeto de análise desta Corte na REP 10/00767261. Discutia-se a possibilidade
de utilização da modalidade pregão para a aquisição do sistema informatizado
para o controle de todas as etapas descritas na portaria, contudo o processo
foi julgado procedente e determinada a anulação do edital, sendo o principal motivo
a exigência de “tecnologia biométrica” (fls. 173/206 da REP 13/00023306).
Posteriormente,
a fim de implantar o modelo no Estado de Santa Catarina e para possibilitar a
cobrança de taxa instituída por meio da Lei Estadual n. 15.711/11, no valor de
R$38,75, a Administração decidiu cindir a aquisição, promovendo o Chamamento
Público n. 203/SSP/2012 (para aquisição do software),
bem como o Edital de Pregão Eletrônico n. 187/2012, na modalidade registro de
preços, para a aquisição dos lacres físicos.
Ambos
os procedimentos foram questionados pela representante, que defende a tese de
que a doação do sistema informatizado foi uma alternativa para burlar eventual
e futura desclassificação da Associação dos Fabricantes de Placas de Veículos
do Estado de Santa Catarina – AFAPV, utilizando-se da empresa Placas de
Veículos Norte Ltda. – ME para participar do fornecimento. Alega que a doação
do sistema LACRESNET, desenvolvido
pela Bludata, direcionaria a futura aquisição de lacres, uma vez que apenas a
empresa Brasiltran utiliza o LACRESNET,
estando impossibilitadas de participarem do fornecimento de lacres as outras
oito empresas homologadas pelo DENATRAN.
Além
disso, questionou a doação como melhor alternativa ao interesse público,
porquanto o edital lançado não exigiu a documentação de renúncia dos direitos
do autor, que no caso de softwares é
de 50 (cinquenta) anos, a partir de sua publicação ou de sua criação, nem mesmo
que o sistema a ser fornecido seja registrado no INPI. Suscitou que o edital
não poderia deixar de exigir a comprovação de titularidade do direito autoral,
bem como a prévia homologação no DENATRAN, e que a ausência desta se deve pelo
fato de que nem a Bludata, nem a APLASC ou a AFAPV possuem tal requisito.
A
cautelar concedida foi calcada em dois fundamentos apenas, que no entender
desse relator seriam primordiais para resguardar o interesse público: 1) o
direcionamento das futuras aquisições dos lacres físicos, que poderia
movimentar valores significativos, considerando a frota de veículos do Estado;
e 2) a possibilidade da doação não se configurar como vantagem econômica para o
Estado, nem para o cidadão, usuário do serviço.
Passa-se,
então, a análise definitiva da matéria, a fim de aferir se restam confirmados
ou não os fatos mencionados na inicial.
Consta
dos autos a informação que a empresa representante participou do “chamamento”,
juntamente com a empresa Placas de Veículos Norte Ltda. (fls. 75).
Nenhum
dos documentos juntados comprova que o software
a ser doado (pela empresa Placas Veículos Norte Ltda.) seria o LACRESNET. Apenas por meio de pesquisa
no site da empresa Bludata (http://www.bludata.com.br/Produtos/lacresnet/) é
que se extrai que esta possui o produto que a represente alega que seria o
doado, sendo o mesmo descrito da seguinte maneira: gerenciador de processo de
lacres veiculados integrado ao DETRAN, com solução desenvolvida para rastrear
todo o processo que envolve a lacração de veículos, desenvolvido em parceria
com a AFAPV – Associação das Fábricas de Veículos.
Portanto,
é fato que a empresa Bludata possui esse produto. Contudo não se comprovou que
este é o software a ser doado, nem
mesmo qual das empresas é a proprietária da tecnologia ali desenvolvida, ou
qual seria o liame entre esta e a empresa Placas de Veículos Norte Ltda. O que
existe, mesmo após todo o trâmite processual, são fortes indícios de que este
seria o software a ser doado ao
Estado de Santa Catarina, mas sem confirmação peremptória.
Mas
além da ausência de informação/esclarecimento sobre o verdadeiro proprietário
do software ou de qual seria o
fornecido, também restaram frustradas as
tentativas de demonstrar que eventual sistema a ser doado vincularia a futura
aquisição dos lacres físicos, direcionando o procedimento licitatório, ou que
seria irregular a licitação em separado de softwares
e lacres físicos.
Volto
a atenção ao conteúdo da Portaria n. 272/2007, que estabelece os requisitos
para a inscrição das empresas fornecedoras de lacres junto ao DENATRAN, nos
seguintes termos:
Art.
7º Os lacres, para serem aplicados nas placas de identificação de veículos,
deverão ser fabricados por empresas inscritas no DENATRAN, mediante a
apresentação da seguinte documentação:
I - relativa à documentação da empresa
fabricante:
a) ofício ao DENATRAN requerendo a inscrição;
b) documento declaratório informando que a
empresa dispõe de infra-estrutura fabril, com boas práticas de fabricação,
conforme Anexo A.3 da Norma ISO/PASS 17712 ou a que vier substituí-la,
indicando seu responsável técnico;
c) documento
declaratório informando que a empresa dispõe de sistema informatizado que controla todas as etapas de
fabricação, venda, distribuição, aplicação, registro de aplicação com
respectiva armazenagem dos dados de identificação dos lacres pelo período
mínimo de 7 (sete) anos, para controle e rastreabilidade dos lacres e
informações da lacração;
d) cópia do Contrato Social da empresa,
atualizado;
e) comprovante de inscrição no CNPJ/MF;
f) comprovante de inscrição estadual;
g) certidões negativas de débitos com a
União, Estado e Município da sede da empresa interessada;
II - relativa à documentação de Avaliação
Técnica para homologação do modelo de lacre e sistema de acompanhamento e
monitoramento dos mesmos:
a) Laudo de Certificação, em nome da empresa
fabricante requerente, do modelo de lacre a ser utilizado nas placas de
identificação de veículos, expedido por laboratório de testes certificado
conforme padrão da norma ISO/IEC 17025, acompanhado dos seguintes resultados de
ensaios:
1) verificação visual;
2) exame da codificação/personalização;
3) tração no fio de selagem;
4) envelhecimento acelerado;
5) inviolabilidade do lacre.
b) Diagrama Funcional e Descrição do
Sistema Informatizado que deverão garantir a confiabilidade nos procedimentos
de fabricação, venda, distribuição, armazenamento, lacração, registro da
lacração, analise e descarte final, e devendo contemplar, pelo menos, os
seguintes módulos:
1) controle de acesso ao sistema
2) controle de distribuição de lacres
3) operações de emplacamento
4) consulta de movimentações
5) controle de lacres
c) desenho esquemático contendo as dimensões
do lacre;
d) declaração de confidencialidade,
garantindo que nenhuma informação que lhe seja confiada pelo DENATRAN e pelos órgãos
executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal será fornecida a
terceiros sem autorização expressa e escrita dos mesmos;
e) declaração garantindo a segurança durante
o processo de fabricação, de forma que nenhum lacre fabricado seja desviado por
funcionários ou qualquer outra pessoa que tenha acesso às instalações fabris,
bem como garantindo a segurança durante o transporte para entrega dos lacres;
f) declaração de compromisso em manter
arquivo completo de fornecimento dos lacres (com as respectivas codificações
numéricas, notas fiscais, datas de fornecimento etc.), permitindo, sempre que
solicitado, o acesso do DENATRAN e dos DETRAN a este arquivo para
consultas
e auditorias. [...] Sem grifos no
original
Consoante
se extrai da leitura do dispositivo regulamentar, para que seja autorizada a
fornecer os lacres físicos, exige-se das empresas a inscrição no DENATRAN,
impondo-se condições a serem atestadas por documento declaratório acerca da infraestrutura
fabril, do sistema informatizado que deve possuir para controlar todas as
etapas, e de outros pré-requisitos. São padrões exigidos dos particulares,
sinalizando que o rastreamento dos lacres poderia ser efetuado não só pelo
Estado, mas também pelo particular, que armazenaria os dados de identificação
pelo período mínimo de 7 (sete) anos. Tal hipótese ocorreria em Estados da
Federação que optassem por terceirizar essa operação, utilizando-se das
empresas no controle de todas as etapas, inclusive no armazenamento de dados.
No
entanto, a mesma portaria excepciona as hipóteses em que a Administração detenha
a tecnologia de desenvolvimento do sistema, fazendo-o por meio da seguinte
prescrição:
Art.22. Excepcionalmente, os órgãos
executivos de trânsito dos Estados ou do Distrito Federal que detiverem
tecnologia de desenvolvimento de sistema poderão adequar suas aplicações
locais para garantir a rastreabilidade do lacre, respeitados os padrões
definidos nesta Portaria.
Parágrafo único. Independente da forma de
rastreamento do lacre, via sistema da empresa fornecedora homologada ou em
sistema próprio do DETRAN, a identificação do lacre deverá ser cadastrada
no RENAVAM conforme especificações técnicas do Manual do Usuário. (Sem grifos
no original).
Logo,
o DETRAN/SC poderia aperfeiçoar o software
que já se encontra em uso pela administração ou adquirir algum outro, como forma
a garantir a rastreabilidade do lacre. Ou seja, nada impede que as aquisições
do software e do lacre sejam feitas
em separado.
Da
mesma forma, não restou comprovado que para o fornecimento dos lacres deve a
empresa comprovar a propriedade de um sistema homologado no DENATRAN. Para o
fornecimento de lacres, a norma exige que a empresa pleiteante de inscrição
no DENATRAN apresente documento declaratório sobre a disponibilização de
sistema informatizado que controla as etapas de fabricação, venda,
distribuição, aplicação, registro de aplicação com armazenagem de dados dos
lacres (art. 7°, I, c). Veja-se que não exige qualquer atestado sobre a
propriedade do software, apenas a
disponibilização do sistema, a ser comprovada mediante documento declaratório,
o que significa que a própria empresa estaria atestando que disponibilizaria o
sistema de informática.
Ao
descrevê-lo, a referida portaria impõe algumas características para o software, quando trata da avaliação
técnica. Dos requisitos colocados no art. 7°, II, b, deduz-se a simplicidade do
sistema a ser exigido das empresas, que deve conter controle de acesso, controle
de distribuição de lacres, operação de emplacamento, consulta de movimentações,
controle de lacres e desenho esquemático contendo as dimensões do lacre.
Ao
tecer os olhos sobre toda a legislação, resta claro que se trata de um sistema
relativamente simples, para o banco de dados ou informações das operações
realizadas, sendo possível, para obtenção da inscrição da empresa no DENATRAN,
que a mesma tenha disponível algum software, não que seja proprietária
deste. Outra conclusão que se pode extrair da legislação é que a propriedade do
software não é condição sine qua
non para que as empresas fornecedoras dos lacres obtenham a inscrição no
DENATRAN, bastando ter uma licença de uso para tal finalidade.
Tampouco
se confirmou a hipótese de eventual restrição de competividade, no caso da
obtenção em separado de um software pelo
Estado. Ou, sob outro viés, não restou suficientemente comprovado que uma única
licitação para compra conjunta do software
e dos lacres, adjudicando o serviço e fornecimento de insumos a uma única
empresa, seria a melhor opção para a Administração Pública, sob o aspecto da
competitividade ou economicidade.
Importante
destacar que um dos requisitos para a inscrição no DENATRAN corresponde ao
laudo de certificação expedido por laboratório de testes, com o objetivo de
atestar a padronização exigida dos lacres físicos (art. 7°, II, a), o que
significa que existe uniformidade nos lacres. Logo, se os lacres são padronizados, presume-se que qualquer software de rastreabilidade homologado
no DENATRAN deverá permitir a inserção de dados referentes a estes mesmos
lacres (cuja produção, reitere-se, obedece a um modelo uniforme).
Portanto,
ausentes elementos técnicos que comprovem o contrário, não há como adotar para
decisão definitiva do processo a mera alegação de que a doação do sistema
informatizado vincularia o futuro fornecimento dos lacres físicos. Como já
dito, este produto (lacre físico) possui descrição detalhada, padrões e características
minuciosamente exigidos pelo DENATRAN e atestados por meio de laboratórios
certificados conforme norma padrão.
O
que se tornou certo, ao revés do que defende a representante, é que existe a
possibilidade de adquirirem-se os lacres físicos separadamente ao software, sem que tal opção implique
diretamente na vinculação dos dois contratos. Em rápida pesquisa na internet encontram-se Estados da
Federação que passaram a adquirir os lacres sem o sistema de rastreamento, a
exemplo do Estado de Alagoas, em que se afigura como licitante a empresa
representante inclusive.
Essa
tese foi confirmada tanto pela empresa Placas de Veículos Norte Ltda., quanto
pela Secretaria de Estado da Segurança Pública em suas defesas, lançadas nos
seguintes termos:
“Caso o Estado tivesse optado em deflagrar
procedimento licitatório para a aquisição de lacres juntamente com o sistema
informatizado, o vencedor do certame seria o responsável pelo fornecimento
de lacres e pela operacionalização do sistema. Nesse caso o Estado seria
apenas um usuário do sistema, sem, contudo, ser detentor da tecnologia, que
seria exclusivamente da empresa fornecedora de lacres. Em termos práticos, o
banco de dados com as informações das operações de emplacamento estaria à disposição
da empresa fornecedora de lacres, que seria a detentora dos direitos
patrimoniais do sistema. Já no formato escolhido pelo Estado, em que a
tecnologia é recepcionada gratuitamente, a empresa fornecedora de lacres
vencedora do certame passa a ser apenas fornecedora dos lacres físicos, sendo
que o sistema informatizado de
rastreabilidade passa a ser propriedade do Estado, o qual será detentor, além
da propriedade, do conhecimento tecnológico do banco de dados, não
dependendo, com a absorção da tecnologia, de empresas privadas no que se refere
ao sistema informatizado. Nesse caso, a segurança pública está resguardada.”
(fls. 238/239)
“O acesso ao software será sempre
franqueado à empresa pela SSP, detentora dos códigos fontes do sistema”
[...]
“[...] a alegação de que a doação do sistema
restringe o fornecimento de lacres a apenas uma empresa é absurda, isso porque
a doação significa a transferência total de tecnologia que realizará a
rastreabilidade dos lacres. O sistema servirá para incluir as informações
dos números dos lacres, que serão fornecidos pelo DENATRAN. A empresa
que irá fornecer os lacres deverá apenas confeccioná-los com a numeração
respectiva e alimentar o sistema do Estado com essas informações”. (fls.
225) (Sem grifos no original)
Consta
do processo, ainda, a declaração de outra empresa do mercado, AFP Lacres Ltda.
EPP, com sede na cidade de São Paulo, que afirma:
“Não vemos nenhuma possibilidade de
direcionamento por parte da vencedora do referido Chamamento, visto que de
acordo com o mesmo código fonte do software será de propriedade do estado de
Santa Catarina, impossibilitando a empresa doadora de ter controle sobre o
sistema e consequentemente de interferir na licitação do lacre físico” (fls.
250).
Por
conseguinte, não confirmada a tese acerca da vinculação e restritividade na
aquisição dos lacres, seria irrazoável imiscuir-se no poder discricionário
da Administração para compeli-la a adquirir o software conjuntamente aos
lacres físicos, ou obrigá-la a licitar o software de rastreamento, ou
afirmar que a hipótese de doação poderia prejudicar o interesse público. Em
todo o caso, nada impede que seja expedida recomendação à Secretaria de Estado
de Segurança Pública a fim de que, por meio de seus órgãos técnicos
competentes, assegure-se que o futuro sistema a ser doado não crie qualquer
espécie de restrição à participação de empresas interessadas no fornecimento de
lacres físicos (Edital n. 187/2012).
Afastada
a restritividade de um futuro procedimento para a aquisição dos lacres físicos
(item 2.3 da audiência, fls. 295), resta também prejudicada (pelos mesmos
motivos) a confirmação da irregularidade relacionada à adoção de sistema que
impossibilitaria a lacração de veículos de outras unidades da federação que
estejam em circulação no Estado de Santa Catarina (item 2.4. da audiência, fls.
295).
Outro
ponto a ser analisado alude ao suposto custo de aquisição dos lacres e a
eventual renúncia de receitas, que também constituíram pontos de análise na
decisão cautelar.
Convém
enfatizar que a cautelar foi concedida com base em um juízo de verossimilhança
acerca dos custos envolvidos. Partindo do que fora alegado pela representante
acerca da renúncia de receitas, entendeu-se que o valor da lacração da placa
atualmente vigente e praticado pelas empresas lacradoras seria de R$ 38,75
(trinta e oito reais e setenta e cinco centavos). Com base nesse custo foi
desenvolvido todo o raciocínio, com ênfase sobre o preço de R$ 16,00 (dezesseis
reais) tido como correspondente a aquisição do lacre em conjunto com sistema de
informática em outra unidade da federação.
Em
análise mais aprofundada, no entanto, verifica-se que o valor da taxa para o serviço
de lacração (R$ 38,75) não serve de parâmetro para o custo da aquisição do insumo
“lacre físico”; são referências totalmente distintas, sendo que o último,
certamente possui um valor bem menor. Assim, a referência obtida pela análise
de procedimentos licitatórios que indicam os valores do insumo (lacre físico),
não se presta para eventual comparativo com o valor de taxa de lacração (que
constitui serviço).
As
explicações do ente público conduzem a conclusão de que o valor de R$ 38,70
será a taxa a ser desembolsada pelo usuário, referente ao serviço de “lacração
de placas”, e o lacre propriamente dito será adquirido diretamente pelo Estado,
tanto que lançou em sequência o Edital de Pregão n. 187/2012, objeto dos autos
REP 13/00023306 e REP 13/00007017. Essa
informação é confirmada pela Ata da concorrência n. 02/2012 já citada por este
relator na oportunidade da cautelar:
(...) O Senhor Paulo e a senhora Andrea pedem
a palavra e relatam que muitos órgãos deixam a logística para a empresa que
vence o certame, não sendo preciso que o Governo se preocupe com este
procedimento, situação nos Estados que consideram o lacre um insumo para as
fábricas de placas. Na sequência, o senhor Francisco informa que este
procedimento precisa ser amadurecido, junto com o diretor do DETRAN e as
empresas que desenvolverão o sistema, ou seja, CIASC e Associações, uma vez que
neste cenário o Estado passará a adquirir e precificar os lacres, e,
portanto, a responsabilidade pela logística seria do DETRAN. Assim será
preciso que o sistema possa prever esta capacidade de responsabilizar todos ou
envolvidos, seja no sistema Lacresnet ou no sistema DETRANNET. (...) O senhor
Nei sugeriu que na ata fosse colocados os itens que poderiam sofrer evolução e
que não estariam sendo contemplados nem pelo DETRANNET e nem pelo LACRESNET.
(fls. 82/84)
Em
consulta ao site do DETRAN/SC (http://www.detran.sc/detran-sc-emplacamento),
observa-se que sem a implantação e o gerenciamento do sistema imposto
pela Portaria n. 272/2007 do DENATRAN, o cidadão catarinense desembolsa R$
45,00 (quarenta e cinco reais), referente à obtenção das placas, lacres físicos
e suas respectivas instalações, que são diretamente quitadas junto às empresas
denominadas “fabricante de autoplacas”.
Ao
esclarecer sobre a renúncia de receitas alegada pela representante, a Administração
sustenta que o Estado de Santa Catarina ainda
não montou a estrutura necessária para que a taxa seja arrecadada,
esclarecendo que atualmente o serviço de “lacração de placas” é delegado, por
meio do art. 1°, IV, da Lei Estadual n. 13.721/2006. O órgão de trânsito
explica que:
Não a (sic) de se falar em renúncia de
receita dentro do atual modelo utilizado pelo DETRAN (sistema PlacasNet) para o
serviço de lacração, pois inexiste o fato gerador do tributo. O DETRAN não
autoriza expressamente a lacração, atendo-se somente ao controle da atividade.
(fls. 987)
Em
que pese ser visível a existência de impropriedades relacionadas ao
recolhimento dos valores referentes às taxas, infere-se que assiste razão à DLC
ao afirmar que a suposta renúncia de receitas não atinge diretamente a
legalidade dos editais de doação ou de fornecimento de lacres, não se tratando,
portanto, de matéria essencial para o deslinde da matéria.
Superado
esse ponto, passo a analisar a conveniência da doação do software.
O
que se infere, ao examinar minuciosamente o art. 22 da Portaria n. 272/2007, é
a possibilidade dos órgãos executivos de trânsito dos Estados em adequarem as
aplicações locais, garantindo a rastreabilidade, se detiverem tecnologia de
desenvolvimento do sistema.
A
Administração do Estado lançou o presente certame, a fim de adquirir a
propriedade do software de forma
graciosa, ou seja, por meio de “doação”, criando procedimento não previsto em
lei, denominado “chamamento”.
Ao
deter-me ao conteúdo do edital, passei a compreender que a Administração
pretende desenvolver e implantar, junto com a empresa doadora e a equipe
técnica de governo (composta por profissionais do DETRAN, Secretaria de
Segurança Pública - SSP e equipe de apoio Centro de Informática e Automação do
Estado de Santa Catarina - CIASC – item 2.2, do Anexo I, fls. 52), o referido software, a fim de obter a homologação
posterior junto ao DENATRAN (item 2.16 do Anexo II, fls. 60).
Destarte,
cuida-se de procedimento seletivo em que a administração visa a encontrar no
mercado interessados em realizar o desenvolvimento desse software sem custo para o Estado, segundo as suas necessidades e
parâmetros. Traçado esse objetivo, a irregularidade sobre a prévia inscrição do
sistema de informática no DENATRAN afigura-se como improcedente.
A
princípio não há falar em competitividade, melhor preço ou outros princípios e
regras da Lei n. 8.666/93, estando prejudicadas as alegadas ausências sobre
habilitação apontadas nos itens 2.5 e 2.6 do Despacho n. GACMG 18/2013, a fls.
296, acerca de eventuais infrações aos arts. 27, IV, e 31, I, da Lei n. 8.666/93.
Nesse rumo, cite-se o doutrinador Marçal Justen Filho:
Assim, considere-se o caso da doação, que é
tipicamente uma liberalidade. Portanto, quando o contrato importar benefício em
favor da administração, produzido por liberalidade do outro contratante, não se
cogitará de licitação. A administração receberá um presente, sendo impossível
cogitar de uma outra alternativa mais vantajosa. Se um outro terceiro pretender
ofertar doação ainda mais generosa, nada impedirá que o faça.
Quando alguém pretende doar algo em favor da
Administração não existe, em princípio, possibilidade de competição. Como o
doador é titular do poder de determinar as condições da doação, não haverá
possibilidade de seleção de uma única proposta como a mais vantajosa. A doação
ao Estado configura, em última análise, hipótese de inexigibilidade de
licitação. [...] Ademais, nem há contrapartida por parte da Administração que
pudesse ser eleita como critério para identificar a melhor vantagem. (In: Comentários à lei de licitações e contratos.
15ªed. São Paulo: Dialética, 2012. p. 52-53)
Não
obstante a superação dos pontos acima tratados, tem-se que a generalidade com
que o edital foi redigido e as obscuridades com que pontos cruciais foram
tratados conduzem à procedência parcial de alguns pontos suscitados pela
representante, bem como à necessidade de exarar determinações para saneamento
de pontos omissos.
Isto
porque, em se tratando de “doação” e com o escopo de acautelar-se contra a
futuras contestações do procedimento conduzido pelo Estado, é crucial que seja
elidida qualquer possibilidade de cobrança ou lucro indevido por parte da
empresa que se propôs a conceder gratuitamente o software para a Administração Pública.
Assim,
por exemplo, deve ser excluída qualquer possibilidade de cobrança por custos
futuros, como direitos autorais, manutenção etc. Também deve ser eliminada a
possibilidade de que a empresa fornecedora do sistema posteriormente (após
aprimoramento do software com auxílio
do Estado) venha a comercializá-lo para terceiros, como no caso dos prestadores
de serviço de lacração ou mesmo da empresa que venha a vencer a licitação para
a venda dos lacres físicos.
Foi
apontada, inicialmente, ausência de previsão acerca da documentação que
assegure a proteção referente aos direitos do autor do software, nos termos do art. 49 da Lei n. 9.610/98, como condição
para a assinatura do contrato decorrente da doação. Em uma leitura mais
detalhada do instrumento observou-se que o documento, de fato, não traduz
claramente o que será objeto de doação à Administração. Vejam-se os seguintes
excertos:
Item 2.1. O presente Chamamento Público tem
por objeto a seleção de interessados para doação, de sistema informatizado
de rastreabilidade, para controle de todas as etapas de fabricação,
distribuição, armazenamento, lacração e descarte final [...]
Item 2.2. O sistema informatizado de
rastreabilidade dos lacres dentro dos moldes estabelecidos pela regulamentação do
DENATRAN, deverá ser disponibilizado ao DETRAN/SC pela empresa sem
quaisquer outros custos adicionais, durante a vigência contratual e será
gerenciado exclusivamente pelo DETRAN/SC, sendo esse o único detentor de todas
as informações registradas no banco de dados e o responsável pela alimentação
do sistema RENAVAN. Aos demais usuários do sistema, será permitido tão
somente, o registro de informações que lhes competir para a execução da
atividade que lhes for determinada pelo DETRAN.
O
que se nota é que item 2.1 refere-se à propriedade do sistema informatizado de
rastreabilidade. Mas, o item seguinte trata de disponibilização ao DETRAN e
gerenciamento exclusivo pela autarquia deste sistema. Ocorre que são institutos
diferentes a doação e a disponibilização, considerando que o uso
e a propriedade do software são
tratados de forma distinta pelo ordenamento jurídico. Por conseguinte, é procedente
a representação nesse ponto, o que demanda a expedição de determinação para
correção da cláusula contratual respectiva, a fim de que seja assegurada a
“doação” do sistema.
Outros
aspectos do contrato também devem ser aprimorados.
Ao
abrir o contraditório em razão da ausência de análise de conveniência da doação
do sistema (item 2.2 do Despacho n. GACMG 18/2013), duas irregularidades foram
reportadas: 1) conveniência do ponto de vista da relação custo/beneficio, já
delineada e esclarecida pelo responsável ao tratar da renúncia de receitas e 2)
a responsabilidade sobre a atualização depois de vencido o prazo de dois anos
de manutenção e de suporte realizados pela doadora, o que demonstraria a
possibilidade de custos posteriores para a administração.
Tal
preocupação advém do que fora dito no Parecer n. 012/DETRAN/2012, acostado a
fls. 92, onde se consignava que “além da
doação, as associações comprometem-se a custear integralmente a manutenção do
sistema pelo período de 2 (dois) anos após a doação”. Contudo, tal condição
não foi colacionada no instrumento de contrato, a fim de que posteriormente não
se pleiteie eventual direito à cobrança por aludida manutenção.
Outra
contradição encontrada, que merece a aposição de determinação para saneamento,
diz respeito ao item 2.2, a fls. 49. O edital reporta-se a “ausência de custos, durante a vigência
contratual” (fls. 49) e a minuta de contrato, por sua vez, especifica, na
cláusula quinta, que o mesmo terá vigência de 24 (vinte e quatro) meses a
partir da sua assinatura, possibilitando a cobrança de valores adicionais
posteriores (fls. 65).
Possuindo
idêntico vício, encontra-se a cláusula oitava da minuta contratual. Esta, ao
tratar da rescisão, estabelece na alínea “p” que o atraso superior a 90
(noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração constitui motivo
para o distrato, aludindo-se novamente a pagamento/quitação de valores.
É
possível elencar, ainda, o item 4.4 que menciona aspectos sobre a transferência
de propriedade intelectual, possibilitando a sua comercialização:
[...] a interessada fica proibida de veicular
e/ou comercializar os produtos mantidos ou gerados relativos a objeto desta
prestação de serviços, salvo se houver prévia autorização por escrito da SSP.
(fls. 62)
Reputo
que a autorização desta cobrança, mesmo com a anuência da Administração
Pública, traz a reboque a possibilidade de futura exploração comercial do software pela empresa doadora. Seria
possível, a título ilustrativo, que ficasse com a exclusividade no fornecimento
deste software para os outros
integrantes da cadeia de prestação dos serviços de emplacamento e lacração
(fornecedor de lacres, emplacadores, lacradores etc). A concessão desta espécie
de direito de exploração comercial seria ilegítima, pois para tal hipótese demandar-se-ia,
sim, prévio procedimento licitatório.
Esses
parâmetros conduzem à procedência parcial da representação, impondo-se a
correção dos termos do futuro contrato a ser assinado como forma de assegurar a
conveniência e legitimidade da doação. Saliente-se, inclusive, ter sido destacado
na defesa da unidade jurisdicionada a aptidão do CIASC para a manutenção e
suporte do sistema doado. Assim sendo, deve ser refutada qualquer possibilidade
de futuro pagamento à empresa doadora por tais serviços.
Conforme dito, entendo como possível o
saneamento das irregularidades na oportunidade da assinatura do contrato,
providência que afastaria a nulidade do procedimento, motivo pelo qual, em que
pese a procedência parcial da representação, não será declarada a nulidade do
edital de chamamento público, apenas sendo impostas determinações à Secretaria
de Estado da Segurança Pública para correções.
III
– VOTO
Ante
o exposto, estando os autos instruídos na forma Regimental, submeto ao egrégio
Plenário a seguinte proposta de voto:
1.
Julgar parcialmente procedente a representação apresentada
em face da Secretaria de Estado da Segurança Pública, a respeito de
irregularidades ocorridas no Edital de Chamamento Público n. 203/SSP/2012, com
fundamento no art. 36, § 2º, “a”, da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro
de 2000.
2.
Determinar à Secretaria de Estado da
Segurança Pública, na pessoa do seu titular, que no prazo máximo de 30 (trinta dias) a contar da
publicação desta Decisão no Diário Oficial Eletrônico, adote providências, comprovando-as
a este Tribunal, com vistas a contemplar no futuro contrato a ser assinado as
seguintes condições:
2.1. Estabelecer como condição para a assinatura do
contrato a exigência de documentação hábil à cessão dos direitos do autor do software doado;
2.2. Estabelecer em cláusula contratual que os códigos
fontes do sistema serão de propriedade da Secretaria de Segurança Pública;
2.3. Estabelecer em cláusula contratual que o acesso ao software doado será franqueado pela
Administração Pública às empresas fornecedoras de lacres, bem como às empresas que
efetuem o serviço de emplacamento/lacração;
2.4. Estabelecer em
cláusula contratual que a empresa doadora ficará proibida de veicular e/ou
comercializar os produtos mantidos ou gerados relativos ao desenvolvimento e
doação do software;
2.5. Estabelecer expressamente, por meio de cláusula
contratual, que o Centro de Informática e Automação do Estado
de Santa Catarina - CIASC será o órgão técnico responsável por atualizar,
manter e dar suporte ao sistema doado, absorvendo toda a tecnologia e
conhecimento ao longo do processo, tornando-se apto a responder pela
atualização do sistema;
2.6. Cancelar o conteúdo
da cláusula oitava, alínea “p”, que estabeleceu como motivo para rescisão
contratual o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela
administração, considerando a gratuidade do procedimento.
3. Recomendar à Secretaria de Estado de Segurança Pública, na pessoa
de seu titular, que, por meio de seus órgãos técnicos competentes, assegure-se de
que o recebimento em doação do sistema informatizado de rastreabilidade de
lacres não representará qualquer espécie de restrição à participação de
empresas interessadas no fornecimento de lacres físicos (Edital n. 187/2012)
4. Revogar
a medida cautelar proferida em 22 de fevereiro de 2013 (fls. 168/179), que
sustou o andamento do Edital de Chamamento Público n.
203/SSP/2012
5. Alertar ao
Secretário de Estado da Segurança Pública que o não-cumprimento do item 2 dessa
deliberação implicará a cominação das sanções previstas no art. 70, § 1º, da
Lei Complementar (Estadual) nº 202/2000, conforme o caso.
6. Dar
ciência dessa decisão à representante, ao responsável e à
Secretaria de Estado da Segurança Pública.
Gabinete,
em 03 de setembro
de 2014.
Cleber Muniz Gavi
Auditor
Substituto de Conselheiro
Relator