ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

 

 

Gabinete do Auditor Substituto de Conselheiro Cleber Muniz Gavi

 

 

PROCESSO:             REP 13/00027638

UG/CLIENTE:           Secretaria de Estado da Segurança Pública

RESPONSÁVEL:      Ricardo Azevedo

INTERESSADO:       Cesar Augusto Grubba e outros

REPRESENTANTE: Ice Cartões Especiais Ltda.

ASSUNTO:                Irregularidades no Edital de Chamamento Público n. 203/SSP/2012, promovido pela Secretaria de Estado da Segurança Pública.

 

 

 

REPRESENTAÇÃO. EDITAL DE cHAMAMENTO PÚBLICO. DOAÇÃO DE SOFTWARE DE RASTREAMENTO DE LACRES. VINCULAÇÃO DE FUTURAS AQUISIÇÕES DE LACRES não CONFIRMADAS. PORTARIA N. 272 DO DENATRAN. CONTRADIÇÕES ENTRE AS CLÁUSULAS CONTRATUAIS ACERCA DA INEXISTÊNCIA DE CUSTOS POSTERIORES. IRREGULARIDADES PASSÍVEIS DE SANEAMENTO NA OPORTUNIDADE DA CONTRATAÇÃO. DETERMINAÇÕES.

 

 

I – RELATÓRIO

 

Tratam os autos de representação formulada pela empresa Ice Cartões Especiais Ltda., noticiando supostas irregularidades cometidas no edital de Chamamento Público n. 203/SSP/SC, lançado pela Secretaria de Estado de Segurança Pública - SSP, com pedido de medida cautelar para suspensão do certame e, em julgamento definitivo, a anulação do edital.

Alegou a representante que o edital licitatório visa a obtenção de sistema informatizado de rastreabilidade para o controle de todas as etapas de fabricação, distribuição, armazenamento, lacração e descarte final, com utilização de identificação dos lacradores e de lacres de segurança para placas veiculares, nos termos da Portaria n. 272/2007, do Departamento Nacional de Trânsito – DENATRAN.

Sustentou, em síntese: a) que o procedimento originou-se por ofício encaminhado pela Associação das Empresas Fabricantes e Lacradoras de Placas Automotivas do Estado de Santa Catarina – APLASC e pela Associação Catarinense de Fabricante de Placas de Veículos do Estado de Santa Catarina – AFAPV; b) que o DETRAN/SC, o CIASC e a Secretaria de Segurança Pública, por iniciativa própria, propuseram disponibilizar ao Estado de Santa Catarina, a título gratuito, sistema informatizado para atender as necessidades técnicas do DETRAN/SC e as exigências da Portaria n. 272/2007 do DENATRAN, incluindo proposta de custear a implantação de software no sistema DENATRANNET e a manutenção do sistema pelo prazo de 2 (dois) anos; c) que a instauração do processo de chamamento público resultou de orientação da Consultoria Jurídica da SSP, a fim de verificar a existência de outros interessados em doar o sistema de rastreabilidade de lacres; d) que a representante participou do procedimento licitatório, sendo habilitada junto com a empresa Placas de Veículos Norte Ltda. – ME, única concorrente no certame, mas foi desclassificada no julgamento das propostas; e) que a outra empresa participante na verdade é uma associada da AFAPV, a qual seria a verdadeira fornecedora do software mas estaria impedida de figurar diretamente no certame devido a inadimplência no recolhimento de ICMS, questão inclusive objeto de ações cíveis e penais; f) que o edital não exigiu a apresentação de documento de renúncia ao direito de autor [o que acarreta riscos para o Estado diante do disposto na Lei de Softwares e na Lei de Direitos Autorais relativamente à proteção dos respectivos direitos], não exigiu a comprovação de titularidade do direito autoral e tampouco impôs a comprovação de homologação do sistema de rastreabilidade junto ao DENATRAN; g) que o sistema de rastreabilidade apresentado – nominado como “LACRESNET”, “... não contempla solução para lacração de veículos de outras Unidades da Federação, que estejam em circulação no Estado de Santa Catarina, como exige o artigo 24 da Portaria n. 272/2007 do DENATRAN (fl. 16); h) que haverá direcionamento no sistema para aquisição dos lacres de segurança, posto que a partir do momento que for utilizado o módulo de produção do LACRESNET (item 2.1.2, fls. 19), somente as fabricantes de lacres que possuírem e utilizarem esse módulo poderão fornecer lacres físicos (fl. 16) e i) que houve renúncia fiscal, uma vez que, atualmente, a cobrança da taxa para emplacamento (R$ 38,79) tem sido direcionada diretamente ao responsável pela lacração das placas (fls. 07/08).

Os autos foram encaminhados à DLC, que se manifestou por conhecer a representação, indeferir o pedido de cautelar e determinar a audiência do Secretário Estadual de Administração (fls. 64/2013).

Em juízo perfunctório, a cautelar foi concedida, tendo sido determinada a sustação do Edital de Chamamento Público n. 203/SSP/2012 e de qualquer providência para a assinatura ou execução do respectivo contrato (fls. 168/179).

Determinei a tramitação conjunta do feito com a REP 13/00023306 e REP 13/00007017, ante a vinculação do objeto presente com a futura e eventual aquisição de lacres de segurança para placas veiculares (fls. 196/197).

O responsável comprovou a suspensão do edital, a fls. 198/199.

A empresa Placas de Veículos Norte Ltda. - ME peticionou, na condição de terceira interessada, requerendo a reconsideração da cautelar e, ao final, a improcedência da representação (fls. 232/249).

Os autos foram encaminhados ao órgão de instrução, que emanou o Relatório n. 147/2013, fls. 266/278, analisando conjuntamente os fatos dos processos, REP 13/00027638, REP 13/00007017 e REP 13/00023306.

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, em parecer da lavra do Exmo. Procurador-Geral Márcio de Sousa Rosa, acompanhou entendimento da Diretoria Técnica (fls. 279/283).

Determinei, por meio do despacho de fls. 284/285, a instrução em separado dos processos.

Os autos seguiram a Diretoria Técnica, que exarou o Relatório n. 276/2013, sugerindo a audiência do Sr. César Augusto Grubba, Secretário de Estado de Segurança Pública, para que fosse oportunizado o contraditório e ampla defesa em razão das seguintes irregularidades:

3.2.1. Indícios de renúncia de receitas por parte do Erário Estadual, em função da ausência da cobrança  da  taxa  para  emplacamento  no  valor  de R$38,79 (trinta e oito reais e setenta e nove centavos), que decorre da imposição da  Lei  Estadual    7.541/88,  alterada  pela  Lei  Estadual    15.711/11,  em combinação com a Portaria nº 272/07 do DENATRAN (item 3.3.1 da conclusão do Relatório DLC nº 64/2013); e

3.2.2.  Ausência de exigência de documentação que assegure  proteção  frente  aos  direitos  do  autor  do  software,  em  consonância  com  o  que dispõe o artigo 111, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93, combinado com o artigo 49 da Lei nº 9.610/98, como condição para assinatura do contrato decorrente da doação (item 3.3.2 da conclusão do Relatório DLC nº 64/2013).

 

Por meio do Despacho n. 18/2013, a suspensão cautelar do edital de chamamento foi ratificada e determinou-se a audiência do Sr. Cesar Augusto Grubba, para que se manifestasse sobre os seguintes pontos controversos:

2.1. Renúncia de receitas por parte do Erário Estadual, em função da ausência da cobrança da taxa para emplacamento no valor de R$ 38,79 (trinta e oito reais e setenta e nove centavos), que decorre da imposição da Lei Estadual n. 7.541/88, alterada pela Lei Estadual n. 15.711/11 (item 3.3.1 da conclusão do Relatório DLC n. 64/2013);

2.2. Ausência de análise da conveniência da doação do sistema, sob o ponto de vista da relação custo/benefício e da responsabilidade pela sua atualização depois de vencido o prazo de dois anos de manutenção e de suporte realizados pela doadora, contrariando o art. 23, § 1º da Lei Federal n. 8.666/93 (Prejulgado n. 525);

2.3. Direcionamento das futuras aquisições de lacres de placas de veículos automotivos, que só poderão ser fornecidos pelas empresas com tecnologia compatível com o software doado, contrariando o art. 37, XXI, o art. 170, IV, e o art. 173, § 4º, da Constituição Federal, bem como o art. 3º, §1º, I, e o art. 7º, § 5º, da Lei Federal n. 8.666/93;

2.4. Adoção de sistema que não possibilita a lacração de veículos de outras Unidades da Federação, que estejam em circulação no Estado de Santa Catarina, consoante prevê o art. 24, §1º, da Portaria n. 272/2007 do DENATRAN.

2.5. Participação da Associação Catarinense de Fabricante de Placas de Veículos do Estado de Santa Catarina – AFAPV através de uma de suas associadas (Placas de Veículos Norte Ltda. – ME), cuja irregularidade fiscal contraria o disposto no art. 27, IV, da Lei Federal n. 8.666/93.

2.6. Ausência de previsão no edital acerta da exigência de balanço patrimonial, contrariando o art. 31, I, da Lei Federal n. 8.666/93, possibilitando a participação da Associação Catarinense de Fabricante de Placas de Veículos do Estado de Santa Catarina – AFAPV através de uma de suas associadas (Placas de Veículos Norte Ltda. – ME).

2.7. Ausência de previsão no edital acerca da documentação que assegure a proteção frente aos direitos do autor do software, em consonância com o que dispõe o artigo 111, parágrafo único, da Lei nº 8.666/93, combinado com o artigo 49 da Lei nº 9.610/98, como condição para assinatura do contrato decorrente da doação (item 3.3.2 da conclusão do Relatório DLC nº 64/2013);

2.8. Ausência de previsão no edital acerta da exigência de homologação do sistema (inscrição da empresa) no DENATRAN, prevista no art. 7º da Resolução n. 272/2007 do DENATRAN.

 

O responsável ofereceu defesa, a fls. 984/1002, sustentando, resumidamente, que: a) o Estado não é dotado no momento da infraestrutura necessária para a realização da atividade de “autorizar lacrar placas”, o que possibilitaria a cobrança do tributo instituído; b) atualmente o serviço é delegado e os executores não solicitam autorização para a lacração de placas, de forma que inexiste renúncia de receita; c) a cobrança da taxa só poderia ocorrer após a instalação de novo sistema informatizado; d) a Diretoria de Governança Eletrônica, órgão competente para avaliar a situação, manifestou-se favoravelmente à doação; e) o Centro de Informática e Automação do Estado de Santa Catarina - CIASC seria o órgão técnico responsável por atualizar, manter e dar suporte ao sistema doado, absorvendo toda a tecnologia e conhecimento ao longo do processo e por meio de futuro contrato com a Secretaria, tornar-se-ia apto a responder pela atualização do sistema; g) ao contrário do que sustenta a representante, ao realizar os procedimentos licitatórios em separado – para aquisição de lacres e para o sistema de rastreamento de veículos – haveria ampla competitividade, porquanto se permitiria que todas as empresas fabricantes de lacres participassem do certame, sem restrição quanto àquelas empresas que não possuírem ambos os produtos a oferecer (lacre e sistema); h) não haverá direcionamento, porquanto a confecção dos lacres será possibilitada às empresas de forma distinta; i) a ata da reunião informou as especificações do lacre, as quais podem ser seguidas por qualquer empresa nacional que os forneça, já que o acesso ao software será sempre franqueado à empresa vencedora do certame; j) os códigos fontes do sistema serão de propriedade da SSP; k) o sistema doado servirá para incluir as informações constantes dos números dos lacres, que serão fornecidos pelo DENATRAN, sendo que a empresa contratada deverá apenas confeccioná-los com a numeração respectiva e alimentar o sistema do Estado com essas informações; l) ao contrário do que alegou a representante, sustenta que a adoção do sistema de rastreamento não impossibilita a lacração de veículos provenientes de outros Estados e, ainda que assim não fosse, a lacração de veículos de outros Estados em circulação é descipienda, ante o conteúdo da Portaria n. 272/2007 do DENATRAN; m) a empresa Placas de Veículos Norte Ltda. - ME fora devidamente habilitada ao certame, apresentando todos os documentos exigidos no edital, sendo de desconhecimento da administração o motivo da ausência da AFAPV ao certame; n) a abstenção da exigência do balanço patrimonial seria apenas uma irregularidade formal, inexistindo nexo com a participação da AFAPV ao certame; o) a administração pública, para a assinatura do contrato, exigirá a documentação hábil à cessão dos direitos do autor do software a ser doado; p) tão-logo a SSP/DETRAN incorpore a seu patrimônio o sistema operacional a ser doado será o mesmo submetido a homologação junto ao DENATRAN, possibilidade descrita no art. 22, parágrafo único, da Portaria n. 272/2007 do DENATRAN.

Os autos retornaram à Diretoria Técnica. Por meio do Relatório n. 497/2013, foi sugerido o que segue:

3.1. Determinar que seja procedida AUDIÊNCIA COMPLEMENTAR ao Sr. CÉSAR AUGUSTO GRUBBA – Secretário de Estado da Secretaria de Segurança Pública, inscrito no CPF nº, com endereço à Rua, nº, /SC, para que exerça o direito de manifestação em atenção ao princípio do contraditório e da ampla defesa, nos termos do “caput” do artigo 35 da Lei Complementar nº 202/00, em face dos seguintes itens:

3.1.1. Ausência de demonstração das reais providências adotadas ou que serão adotadas com vistas ao afastamento da irregularidade na gestão

 

administrativa, representada pela renúncia de receita oriunda da delegação da prestação dos serviços de lacração de placas à empresas privadas, bem como da arrecadação pela prestação destes serviços, cuja atividade é inerente à administração por força do poder de polícia, representando, portanto, ausência da cobrança da taxa intituída pela Lei Estadual n. 7.541/88, alterada pela Lei Estadual n. 15.711/11 (item 2.1 do presente Relatório);

3.1.2. Ausência de demonstração e esclarecimentos suficientes e objetivos que tornem inequívoco que o referido software a ser fornecido determina de forma objetiva e clara as características mínimas e necessárias para monitoramento dos lacres “físicos”, e possibilita a absorção da maior quantidade possível de fornecedores fabricantes de lacres, a ser licitada em separado, garantindo a ampliação da competitividade e proteção ao princípio licitatório da impessoalidade, sem qualquer direcionamento aos associados vinculados à Associação das Empresas Fabricantes e Lacradoras de Placas Automotivas do Estado de Santa Catarina – APLASC, e a Associação Catarinense de Fabricantes de Placas de Veículos do Estado de Santa Catarina – AFAPV (item 2.9.1 do presente relatório);

 

3.1.3. Ausência de esclarecimentos que permitam tornar transparente sob o ponto de vista econômico, a doação do software em questão, haja vista a previsão de suporte e manutenção gratuita atribuída ao doador do sistema de rastreabilidade, configurando violação ao princípio geral do direito que veda o enriquecimento sem causa (item 2.9.2 do presente relatório e 2.7 do Relatório nº DLC 64/2013);

O Ministério Público ofereceu parecer, acompanhando a sugestão da área técnica (fls. 1070/1071).

Em despacho, exarado a fls. 1072, discordei da sugestão oferecida e determinei o retorno dos autos para instrução definitiva.

A Diretoria Técnica manifestou-se por meio do Relatório n. 630/2013, cujo teor segue:

3.1. JULGAR parcialmente procedente a representação, conforme segue:

3.1.1. PROCEDENTE a representação no que tange à irregularidade em função da renúncia de receitas por parte do Erário Estadual, em função da ausência da cobrança da taxa para emplacamento no valor de R$ 38,79 (trinta e oito reais e setenta e nove centavos), que decorre da imposição da Lei Estadual n. 7.541/88, alterada pela Lei Estadual n. 15.711/11 (item 2.1 do presente Relatório);

3.1.2. IMPROCEDENTE a representação no que tange às irregularidades denunciadas que recaem sobre o Chamamento Público nº 203/SSP/2012 (item 2.2 a 2.8 do presente Relatório);

3.2. Determinar a revogação da medida cautelar proferida em 22 de fevereiro de 2013 (fls. 168 a 179), que sustou o andamento do Edital de Chamamento Público nº 203/SSP/2012;

3.3. Determinar à Unidade que encaminhe a Ata da Sessão de Abertura e Julgamento das propostas do Edital de Chamamento Público nº 203/SSP/2012, bem como a minuta do contrato assinado pela licitante vencedora;

3.4. Dar ciência do Relatório Técnico e da Decisão à Assessoria Jurídica e ao Controle Interno da Secretaria de Estado da Estado da Segurança Pública; bem como a Assessoria Jurídica e o Controle Interno da Secretaria de Estado da Administração;

O Parquet, na sequência, opinou por acompanhar o órgão de instrução, a fls. 1087/1088.

A empresa representante ofereceu sustentação oral, a fls. 1109.

Vieram os autos conclusos.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

Os autos versam sobre a implantação e operacionalização de novo modelo de lacração de placas de veículos no Estado de Santa Catarina, nos termos da Portaria n. 272, de 21 de dezembro de 2007, do DENATRAN. A regulamentação criou regras para a fabricação dos lacres, instituindo a sua rastreabilidade desde a fabricação, venda, distribuição, aplicação, registro de aplicação com a respectiva armazenagem de dados de identificação.

Segundo consta dos autos, até então o DETRAN/SC utilizava o sistema PlacasNET, que não atenderia às especificações exigidas na referida norma e teria sido cedido pela Associação dos Fabricantes de Placas do Estado de Santa Catarina - AFAPV em 2006 ao Estado (fls.62).

Neste mesmo ano, o Estado de Santa Catarina firmou um Termo de Ajustamento de Conduta perante o Ministério Público do Estado (fls. 297/330 da REP 13/00023306), se comprometendo a promover licitações, uma com vistas a escolha de fornecedor de lacres para placas de veículos, outra para seleção de fornecedor que abasteceria as permissionárias de serviço público de lacração de placas automotivas com insumos necessários a realização desses serviços (clausula 5°). Neste mesmo instrumento, firmou compromisso para produzir ato normativo que estabelecesse os critérios para a elaboração de planilha de custos de serviço de fornecimento de placas e lacração de placas automotivas, que deveriam refletir as reais despesas de operação e estar em consonância com os princípios da modicidade das tarifas e publicidade, de forma a não sujeitar os consumidores a preços excessivos ou elevações das tarifas sem justa causa.

Não há nos autos informação acerca da realização de procedimento licitatório para a outorga do serviço de lacração de placas automotivas a que se refere o art. 1°, V, da Lei Estadual n. 13.721/2006, pois as informações a respeito do cumprimento do TAC não abordam diretamente tal assunto (fls. 291/296 da REP 13/00023306).

Em 2010, houve a tentativa de se adquirir os lacres em conjunto com o sistema de informática para o rastreamento, por meio do Edital n. 245/SSP/2010, promovido pela Secretaria de Segurança Pública e Defesa do Cidadão. O procedimento foi objeto de análise desta Corte na REP 10/00767261. Discutia-se a possibilidade de utilização da modalidade pregão para a aquisição do sistema informatizado para o controle de todas as etapas descritas na portaria, contudo o processo foi julgado procedente e determinada a anulação do edital, sendo o principal motivo a exigência de “tecnologia biométrica” (fls. 173/206 da REP 13/00023306).

Posteriormente, a fim de implantar o modelo no Estado de Santa Catarina e para possibilitar a cobrança de taxa instituída por meio da Lei Estadual n. 15.711/11, no valor de R$38,75, a Administração decidiu cindir a aquisição, promovendo o Chamamento Público n. 203/SSP/2012 (para aquisição do software), bem como o Edital de Pregão Eletrônico n. 187/2012, na modalidade registro de preços, para a aquisição dos lacres físicos.

Ambos os procedimentos foram questionados pela representante, que defende a tese de que a doação do sistema informatizado foi uma alternativa para burlar eventual e futura desclassificação da Associação dos Fabricantes de Placas de Veículos do Estado de Santa Catarina – AFAPV, utilizando-se da empresa Placas de Veículos Norte Ltda. – ME para participar do fornecimento. Alega que a doação do sistema LACRESNET, desenvolvido pela Bludata, direcionaria a futura aquisição de lacres, uma vez que apenas a empresa Brasiltran utiliza o LACRESNET, estando impossibilitadas de participarem do fornecimento de lacres as outras oito empresas homologadas pelo DENATRAN.

Além disso, questionou a doação como melhor alternativa ao interesse público, porquanto o edital lançado não exigiu a documentação de renúncia dos direitos do autor, que no caso de softwares é de 50 (cinquenta) anos, a partir de sua publicação ou de sua criação, nem mesmo que o sistema a ser fornecido seja registrado no INPI. Suscitou que o edital não poderia deixar de exigir a comprovação de titularidade do direito autoral, bem como a prévia homologação no DENATRAN, e que a ausência desta se deve pelo fato de que nem a Bludata, nem a APLASC ou a AFAPV possuem tal requisito.

A cautelar concedida foi calcada em dois fundamentos apenas, que no entender desse relator seriam primordiais para resguardar o interesse público: 1) o direcionamento das futuras aquisições dos lacres físicos, que poderia movimentar valores significativos, considerando a frota de veículos do Estado; e 2) a possibilidade da doação não se configurar como vantagem econômica para o Estado, nem para o cidadão, usuário do serviço.

Passa-se, então, a análise definitiva da matéria, a fim de aferir se restam confirmados ou não os fatos mencionados na inicial.

Consta dos autos a informação que a empresa representante participou do “chamamento”, juntamente com a empresa Placas de Veículos Norte Ltda. (fls. 75).

Nenhum dos documentos juntados comprova que o software a ser doado (pela empresa Placas Veículos Norte Ltda.) seria o LACRESNET. Apenas por meio de pesquisa no site da empresa Bludata (http://www.bludata.com.br/Produtos/lacresnet/) é que se extrai que esta possui o produto que a represente alega que seria o doado, sendo o mesmo descrito da seguinte maneira: gerenciador de processo de lacres veiculados integrado ao DETRAN, com solução desenvolvida para rastrear todo o processo que envolve a lacração de veículos, desenvolvido em parceria com a AFAPV – Associação das Fábricas de Veículos.

Portanto, é fato que a empresa Bludata possui esse produto. Contudo não se comprovou que este é o software a ser doado, nem mesmo qual das empresas é a proprietária da tecnologia ali desenvolvida, ou qual seria o liame entre esta e a empresa Placas de Veículos Norte Ltda. O que existe, mesmo após todo o trâmite processual, são fortes indícios de que este seria o software a ser doado ao Estado de Santa Catarina, mas sem confirmação peremptória.

Mas além da ausência de informação/esclarecimento sobre o verdadeiro proprietário do software ou de qual seria o fornecido, também restaram frustradas as tentativas de demonstrar que eventual sistema a ser doado vincularia a futura aquisição dos lacres físicos, direcionando o procedimento licitatório, ou que seria irregular a licitação em separado de softwares e lacres físicos.

Volto a atenção ao conteúdo da Portaria n. 272/2007, que estabelece os requisitos para a inscrição das empresas fornecedoras de lacres junto ao DENATRAN, nos seguintes termos:

 Art. 7º Os lacres, para serem aplicados nas placas de identificação de veículos, deverão ser fabricados por empresas inscritas no DENATRAN, mediante a apresentação da seguinte documentação:

I - relativa à documentação da empresa fabricante:

a) ofício ao DENATRAN requerendo a inscrição;

b) documento declaratório informando que a empresa dispõe de infra-estrutura fabril, com boas práticas de fabricação, conforme Anexo A.3 da Norma ISO/PASS 17712 ou a que vier substituí-la, indicando seu responsável técnico;

c) documento declaratório informando que a empresa dispõe de sistema informatizado que controla todas as etapas de fabricação, venda, distribuição, aplicação, registro de aplicação com respectiva armazenagem dos dados de identificação dos lacres pelo período mínimo de 7 (sete) anos, para controle e rastreabilidade dos lacres e informações da lacração;

d) cópia do Contrato Social da empresa, atualizado;

e) comprovante de inscrição no CNPJ/MF;

f) comprovante de inscrição estadual;

g) certidões negativas de débitos com a União, Estado e Município da sede da empresa interessada;

II - relativa à documentação de Avaliação Técnica para homologação do modelo de lacre e sistema de acompanhamento e monitoramento dos mesmos:

a) Laudo de Certificação, em nome da empresa fabricante requerente, do modelo de lacre a ser utilizado nas placas de identificação de veículos, expedido por laboratório de testes certificado conforme padrão da norma ISO/IEC 17025, acompanhado dos seguintes resultados de ensaios:

1) verificação visual;

2) exame da codificação/personalização;

3) tração no fio de selagem;

4) envelhecimento acelerado;

5) inviolabilidade do lacre.

b) Diagrama Funcional e Descrição do Sistema Informatizado que deverão garantir a confiabilidade nos procedimentos de fabricação, venda, distribuição, armazenamento, lacração, registro da lacração, analise e descarte final, e devendo contemplar, pelo menos, os seguintes módulos:

1) controle de acesso ao sistema

2) controle de distribuição de lacres

3) operações de emplacamento

4) consulta de movimentações

5) controle de lacres

c) desenho esquemático contendo as dimensões do lacre;

d) declaração de confidencialidade, garantindo que nenhuma informação que lhe seja confiada pelo DENATRAN e pelos órgãos executivos de trânsito dos Estados e do Distrito Federal será fornecida a terceiros sem autorização expressa e escrita dos mesmos;

e) declaração garantindo a segurança durante o processo de fabricação, de forma que nenhum lacre fabricado seja desviado por funcionários ou qualquer outra pessoa que tenha acesso às instalações fabris, bem como garantindo a segurança durante o transporte para entrega dos lacres;

f) declaração de compromisso em manter arquivo completo de fornecimento dos lacres (com as respectivas codificações numéricas, notas fiscais, datas de fornecimento etc.), permitindo, sempre que solicitado, o acesso do DENATRAN e dos DETRAN a este arquivo para

consultas e auditorias.  [...] Sem grifos no original

Consoante se extrai da leitura do dispositivo regulamentar, para que seja autorizada a fornecer os lacres físicos, exige-se das empresas a inscrição no DENATRAN, impondo-se condições a serem atestadas por documento declaratório acerca da infraestrutura fabril, do sistema informatizado que deve possuir para controlar todas as etapas, e de outros pré-requisitos. São padrões exigidos dos particulares, sinalizando que o rastreamento dos lacres poderia ser efetuado não só pelo Estado, mas também pelo particular, que armazenaria os dados de identificação pelo período mínimo de 7 (sete) anos. Tal hipótese ocorreria em Estados da Federação que optassem por terceirizar essa operação, utilizando-se das empresas no controle de todas as etapas, inclusive no armazenamento de dados.

No entanto, a mesma portaria excepciona as hipóteses em que a Administração detenha a tecnologia de desenvolvimento do sistema, fazendo-o por meio da seguinte prescrição:

Art.22. Excepcionalmente, os órgãos executivos de trânsito dos Estados ou do Distrito Federal que detiverem tecnologia de desenvolvimento de sistema poderão adequar suas aplicações locais para garantir a rastreabilidade do lacre, respeitados os padrões definidos nesta Portaria.

Parágrafo único. Independente da forma de rastreamento do lacre, via sistema da empresa fornecedora homologada ou em sistema próprio do DETRAN, a identificação do lacre deverá ser cadastrada no RENAVAM conforme especificações técnicas do Manual do Usuário. (Sem grifos no original).

 

Logo, o DETRAN/SC poderia aperfeiçoar o software que já se encontra em uso pela administração ou adquirir algum outro, como forma a garantir a rastreabilidade do lacre. Ou seja, nada impede que as aquisições do software e do lacre sejam feitas em separado.

Da mesma forma, não restou comprovado que para o fornecimento dos lacres deve a empresa comprovar a propriedade de um sistema homologado no DENATRAN. Para o fornecimento de lacres, a norma exige que a empresa pleiteante de inscrição no DENATRAN apresente documento declaratório sobre a disponibilização de sistema informatizado que controla as etapas de fabricação, venda, distribuição, aplicação, registro de aplicação com armazenagem de dados dos lacres (art. 7°, I, c). Veja-se que não exige qualquer atestado sobre a propriedade do software, apenas a disponibilização do sistema, a ser comprovada mediante documento declaratório, o que significa que a própria empresa estaria atestando que disponibilizaria o sistema de informática.

Ao descrevê-lo, a referida portaria impõe algumas características para o software, quando trata da avaliação técnica. Dos requisitos colocados no art. 7°, II, b, deduz-se a simplicidade do sistema a ser exigido das empresas, que deve conter controle de acesso, controle de distribuição de lacres, operação de emplacamento, consulta de movimentações, controle de lacres e desenho esquemático contendo as dimensões do lacre.

Ao tecer os olhos sobre toda a legislação, resta claro que se trata de um sistema relativamente simples, para o banco de dados ou informações das operações realizadas, sendo possível, para obtenção da inscrição da empresa no DENATRAN, que a mesma tenha disponível algum software, não que seja proprietária deste. Outra conclusão que se pode extrair da legislação é que a propriedade do software não é condição sine qua non para que as empresas fornecedoras dos lacres obtenham a inscrição no DENATRAN, bastando ter uma licença de uso para tal finalidade.

Tampouco se confirmou a hipótese de eventual restrição de competividade, no caso da obtenção em separado de um software pelo Estado. Ou, sob outro viés, não restou suficientemente comprovado que uma única licitação para compra conjunta do software e dos lacres, adjudicando o serviço e fornecimento de insumos a uma única empresa, seria a melhor opção para a Administração Pública, sob o aspecto da competitividade ou economicidade.  

Importante destacar que um dos requisitos para a inscrição no DENATRAN corresponde ao laudo de certificação expedido por laboratório de testes, com o objetivo de atestar a padronização exigida dos lacres físicos (art. 7°, II, a), o que significa que existe uniformidade nos lacres. Logo, se os lacres são padronizados, presume-se que qualquer software de rastreabilidade homologado no DENATRAN deverá permitir a inserção de dados referentes a estes mesmos lacres (cuja produção, reitere-se, obedece a um modelo uniforme).

Portanto, ausentes elementos técnicos que comprovem o contrário, não há como adotar para decisão definitiva do processo a mera alegação de que a doação do sistema informatizado vincularia o futuro fornecimento dos lacres físicos. Como já dito, este produto (lacre físico) possui descrição detalhada, padrões e características minuciosamente exigidos pelo DENATRAN e atestados por meio de laboratórios certificados conforme norma padrão.

O que se tornou certo, ao revés do que defende a representante, é que existe a possibilidade de adquirirem-se os lacres físicos separadamente ao software, sem que tal opção implique diretamente na vinculação dos dois contratos. Em rápida pesquisa na internet encontram-se Estados da Federação que passaram a adquirir os lacres sem o sistema de rastreamento, a exemplo do Estado de Alagoas, em que se afigura como licitante a empresa representante inclusive.

Essa tese foi confirmada tanto pela empresa Placas de Veículos Norte Ltda., quanto pela Secretaria de Estado da Segurança Pública em suas defesas, lançadas nos seguintes termos:

“Caso o Estado tivesse optado em deflagrar procedimento licitatório para a aquisição de lacres juntamente com o sistema informatizado, o vencedor do certame seria o responsável pelo fornecimento de lacres e pela operacionalização do sistema. Nesse caso o Estado seria apenas um usuário do sistema, sem, contudo, ser detentor da tecnologia, que seria exclusivamente da empresa fornecedora de lacres. Em termos práticos, o banco de dados com as informações das operações de emplacamento estaria à disposição da empresa fornecedora de lacres, que seria a detentora dos direitos patrimoniais do sistema. Já no formato escolhido pelo Estado, em que a tecnologia é recepcionada gratuitamente, a empresa fornecedora de lacres vencedora do certame passa a ser apenas fornecedora dos lacres físicos, sendo que o sistema  informatizado de rastreabilidade passa a ser propriedade do Estado, o qual será detentor, além da propriedade, do conhecimento tecnológico do banco de dados, não dependendo, com a absorção da tecnologia, de empresas privadas no que se refere ao sistema informatizado. Nesse caso, a segurança pública está resguardada.” (fls. 238/239)

“O acesso ao software será sempre franqueado à empresa pela SSP, detentora dos códigos fontes do sistema” [...]

“[...] a alegação de que a doação do sistema restringe o fornecimento de lacres a apenas uma empresa é absurda, isso porque a doação significa a transferência total de tecnologia que realizará a rastreabilidade dos lacres. O sistema servirá para incluir as informações dos números dos lacres, que serão fornecidos pelo DENATRAN. A empresa que irá fornecer os lacres deverá apenas confeccioná-los com a numeração respectiva e alimentar o sistema do Estado com essas informações”. (fls. 225) (Sem grifos no original)

 

Consta do processo, ainda, a declaração de outra empresa do mercado, AFP Lacres Ltda. EPP, com sede na cidade de São Paulo, que afirma:

“Não vemos nenhuma possibilidade de direcionamento por parte da vencedora do referido Chamamento, visto que de acordo com o mesmo código fonte do software será de propriedade do estado de Santa Catarina, impossibilitando a empresa doadora de ter controle sobre o sistema e consequentemente de interferir na licitação do lacre físico” (fls. 250).

 

Por conseguinte, não confirmada a tese acerca da vinculação e restritividade na aquisição dos lacres, seria irrazoável imiscuir-se no poder discricionário da Administração para compeli-la a adquirir o software conjuntamente aos lacres físicos, ou obrigá-la a licitar o software de rastreamento, ou afirmar que a hipótese de doação poderia prejudicar o interesse público. Em todo o caso, nada impede que seja expedida recomendação à Secretaria de Estado de Segurança Pública a fim de que, por meio de seus órgãos técnicos competentes, assegure-se que o futuro sistema a ser doado não crie qualquer espécie de restrição à participação de empresas interessadas no fornecimento de lacres físicos (Edital n. 187/2012).

Afastada a restritividade de um futuro procedimento para a aquisição dos lacres físicos (item 2.3 da audiência, fls. 295), resta também prejudicada (pelos mesmos motivos) a confirmação da irregularidade relacionada à adoção de sistema que impossibilitaria a lacração de veículos de outras unidades da federação que estejam em circulação no Estado de Santa Catarina (item 2.4. da audiência, fls. 295).

Outro ponto a ser analisado alude ao suposto custo de aquisição dos lacres e a eventual renúncia de receitas, que também constituíram pontos de análise na decisão cautelar.

Convém enfatizar que a cautelar foi concedida com base em um juízo de verossimilhança acerca dos custos envolvidos. Partindo do que fora alegado pela representante acerca da renúncia de receitas, entendeu-se que o valor da lacração da placa atualmente vigente e praticado pelas empresas lacradoras seria de R$ 38,75 (trinta e oito reais e setenta e cinco centavos). Com base nesse custo foi desenvolvido todo o raciocínio, com ênfase sobre o preço de R$ 16,00 (dezesseis reais) tido como correspondente a aquisição do lacre em conjunto com sistema de informática em outra unidade da federação.

Em análise mais aprofundada, no entanto, verifica-se que o valor da taxa para o serviço de lacração (R$ 38,75) não serve de parâmetro para o custo da aquisição do insumo “lacre físico”; são referências totalmente distintas, sendo que o último, certamente possui um valor bem menor. Assim, a referência obtida pela análise de procedimentos licitatórios que indicam os valores do insumo (lacre físico), não se presta para eventual comparativo com o valor de taxa de lacração (que constitui serviço).

As explicações do ente público conduzem a conclusão de que o valor de R$ 38,70 será a taxa a ser desembolsada pelo usuário, referente ao serviço de “lacração de placas”, e o lacre propriamente dito será adquirido diretamente pelo Estado, tanto que lançou em sequência o Edital de Pregão n. 187/2012, objeto dos autos REP 13/00023306 e REP 13/00007017.  Essa informação é confirmada pela Ata da concorrência n. 02/2012 já citada por este relator na oportunidade da cautelar:

(...) O Senhor Paulo e a senhora Andrea pedem a palavra e relatam que muitos órgãos deixam a logística para a empresa que vence o certame, não sendo preciso que o Governo se preocupe com este procedimento, situação nos Estados que consideram o lacre um insumo para as fábricas de placas. Na sequência, o senhor Francisco informa que este procedimento precisa ser amadurecido, junto com o diretor do DETRAN e as empresas que desenvolverão o sistema, ou seja, CIASC e Associações, uma vez que neste cenário o Estado passará a adquirir e precificar os lacres, e, portanto, a responsabilidade pela logística seria do DETRAN. Assim será preciso que o sistema possa prever esta capacidade de responsabilizar todos ou envolvidos, seja no sistema Lacresnet ou no sistema DETRANNET. (...) O senhor Nei sugeriu que na ata fosse colocados os itens que poderiam sofrer evolução e que não estariam sendo contemplados nem pelo DETRANNET e nem pelo LACRESNET. (fls. 82/84)

 

Em consulta ao site do DETRAN/SC (http://www.detran.sc/detran-sc-emplacamento), observa-se que sem a implantação e o gerenciamento do sistema imposto pela Portaria n. 272/2007 do DENATRAN, o cidadão catarinense desembolsa R$ 45,00 (quarenta e cinco reais), referente à obtenção das placas, lacres físicos e suas respectivas instalações, que são diretamente quitadas junto às empresas denominadas “fabricante de autoplacas”.

Ao esclarecer sobre a renúncia de receitas alegada pela representante, a Administração sustenta que o Estado de Santa Catarina ainda não montou a estrutura necessária para que a taxa seja arrecadada, esclarecendo que atualmente o serviço de “lacração de placas” é delegado, por meio do art. 1°, IV, da Lei Estadual n. 13.721/2006. O órgão de trânsito explica que:

Não a (sic) de se falar em renúncia de receita dentro do atual modelo utilizado pelo DETRAN (sistema PlacasNet) para o serviço de lacração, pois inexiste o fato gerador do tributo. O DETRAN não autoriza expressamente a lacração, atendo-se somente ao controle da atividade. (fls. 987)

 

Em que pese ser visível a existência de impropriedades relacionadas ao recolhimento dos valores referentes às taxas, infere-se que assiste razão à DLC ao afirmar que a suposta renúncia de receitas não atinge diretamente a legalidade dos editais de doação ou de fornecimento de lacres, não se tratando, portanto, de matéria essencial para o deslinde da matéria.

Superado esse ponto, passo a analisar a conveniência da doação do software.

O que se infere, ao examinar minuciosamente o art. 22 da Portaria n. 272/2007, é a possibilidade dos órgãos executivos de trânsito dos Estados em adequarem as aplicações locais, garantindo a rastreabilidade, se detiverem tecnologia de desenvolvimento do sistema.

A Administração do Estado lançou o presente certame, a fim de adquirir a propriedade do software de forma graciosa, ou seja, por meio de “doação”, criando procedimento não previsto em lei, denominado “chamamento”.

Ao deter-me ao conteúdo do edital, passei a compreender que a Administração pretende desenvolver e implantar, junto com a empresa doadora e a equipe técnica de governo (composta por profissionais do DETRAN, Secretaria de Segurança Pública - SSP e equipe de apoio Centro de Informática e Automação do Estado de Santa Catarina - CIASC – item 2.2, do Anexo I, fls. 52), o referido software, a fim de obter a homologação posterior junto ao DENATRAN (item 2.16 do Anexo II, fls. 60).

Destarte, cuida-se de procedimento seletivo em que a administração visa a encontrar no mercado interessados em realizar o desenvolvimento desse software sem custo para o Estado, segundo as suas necessidades e parâmetros. Traçado esse objetivo, a irregularidade sobre a prévia inscrição do sistema de informática no DENATRAN afigura-se como improcedente.

A princípio não há falar em competitividade, melhor preço ou outros princípios e regras da Lei n. 8.666/93, estando prejudicadas as alegadas ausências sobre habilitação apontadas nos itens 2.5 e 2.6 do Despacho n. GACMG 18/2013, a fls. 296, acerca de eventuais infrações aos arts. 27, IV, e 31, I, da Lei n. 8.666/93. Nesse rumo, cite-se o doutrinador Marçal Justen Filho:

Assim, considere-se o caso da doação, que é tipicamente uma liberalidade. Portanto, quando o contrato importar benefício em favor da administração, produzido por liberalidade do outro contratante, não se cogitará de licitação. A administração receberá um presente, sendo impossível cogitar de uma outra alternativa mais vantajosa. Se um outro terceiro pretender ofertar doação ainda mais generosa, nada impedirá que o faça.

Quando alguém pretende doar algo em favor da Administração não existe, em princípio, possibilidade de competição. Como o doador é titular do poder de determinar as condições da doação, não haverá possibilidade de seleção de uma única proposta como a mais vantajosa. A doação ao Estado configura, em última análise, hipótese de inexigibilidade de licitação. [...] Ademais, nem há contrapartida por parte da Administração que pudesse ser eleita como critério para identificar a melhor vantagem. (In: Comentários à lei de licitações e contratos. 15ªed. São Paulo: Dialética, 2012. p. 52-53)

 

Não obstante a superação dos pontos acima tratados, tem-se que a generalidade com que o edital foi redigido e as obscuridades com que pontos cruciais foram tratados conduzem à procedência parcial de alguns pontos suscitados pela representante, bem como à necessidade de exarar determinações para saneamento de pontos omissos.

Isto porque, em se tratando de “doação” e com o escopo de acautelar-se contra a futuras contestações do procedimento conduzido pelo Estado, é crucial que seja elidida qualquer possibilidade de cobrança ou lucro indevido por parte da empresa que se propôs a conceder gratuitamente o software para a Administração Pública.

Assim, por exemplo, deve ser excluída qualquer possibilidade de cobrança por custos futuros, como direitos autorais, manutenção etc. Também deve ser eliminada a possibilidade de que a empresa fornecedora do sistema posteriormente (após aprimoramento do software com auxílio do Estado) venha a comercializá-lo para terceiros, como no caso dos prestadores de serviço de lacração ou mesmo da empresa que venha a vencer a licitação para a venda dos lacres físicos.

Foi apontada, inicialmente, ausência de previsão acerca da documentação que assegure a proteção referente aos direitos do autor do software, nos termos do art. 49 da Lei n. 9.610/98, como condição para a assinatura do contrato decorrente da doação. Em uma leitura mais detalhada do instrumento observou-se que o documento, de fato, não traduz claramente o que será objeto de doação à Administração. Vejam-se os seguintes excertos:

Item 2.1. O presente Chamamento Público tem por objeto a seleção de interessados para doação, de sistema informatizado de rastreabilidade, para controle de todas as etapas de fabricação, distribuição, armazenamento, lacração e descarte final [...]

Item 2.2. O sistema informatizado de rastreabilidade dos lacres dentro dos moldes estabelecidos pela regulamentação do DENATRAN, deverá ser disponibilizado ao DETRAN/SC pela empresa sem quaisquer outros custos adicionais, durante a vigência contratual e será gerenciado exclusivamente pelo DETRAN/SC, sendo esse o único detentor de todas as informações registradas no banco de dados e o responsável pela alimentação do sistema RENAVAN. Aos demais usuários do sistema, será permitido tão somente, o registro de informações que lhes competir para a execução da atividade que lhes for determinada pelo DETRAN.

 

O que se nota é que item 2.1 refere-se à propriedade do sistema informatizado de rastreabilidade. Mas, o item seguinte trata de disponibilização ao DETRAN e gerenciamento exclusivo pela autarquia deste sistema. Ocorre que são institutos diferentes a doação e a disponibilização, considerando que o uso e a propriedade do software são tratados de forma distinta pelo ordenamento jurídico. Por conseguinte, é procedente a representação nesse ponto, o que demanda a expedição de determinação para correção da cláusula contratual respectiva, a fim de que seja assegurada a “doação” do sistema.

Outros aspectos do contrato também devem ser aprimorados.

Ao abrir o contraditório em razão da ausência de análise de conveniência da doação do sistema (item 2.2 do Despacho n. GACMG 18/2013), duas irregularidades foram reportadas: 1) conveniência do ponto de vista da relação custo/beneficio, já delineada e esclarecida pelo responsável ao tratar da renúncia de receitas e 2) a responsabilidade sobre a atualização depois de vencido o prazo de dois anos de manutenção e de suporte realizados pela doadora, o que demonstraria a possibilidade de custos posteriores para a administração.

Tal preocupação advém do que fora dito no Parecer n. 012/DETRAN/2012, acostado a fls. 92, onde se consignava que “além da doação, as associações comprometem-se a custear integralmente a manutenção do sistema pelo período de 2 (dois) anos após a doação”. Contudo, tal condição não foi colacionada no instrumento de contrato, a fim de que posteriormente não se pleiteie eventual direito à cobrança por aludida manutenção.

Outra contradição encontrada, que merece a aposição de determinação para saneamento, diz respeito ao item 2.2, a fls. 49. O edital reporta-se a “ausência de custos, durante a vigência contratual” (fls. 49) e a minuta de contrato, por sua vez, especifica, na cláusula quinta, que o mesmo terá vigência de 24 (vinte e quatro) meses a partir da sua assinatura, possibilitando a cobrança de valores adicionais posteriores (fls. 65).

Possuindo idêntico vício, encontra-se a cláusula oitava da minuta contratual. Esta, ao tratar da rescisão, estabelece na alínea “p” que o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela Administração constitui motivo para o distrato, aludindo-se novamente a pagamento/quitação de valores.

É possível elencar, ainda, o item 4.4 que menciona aspectos sobre a transferência de propriedade intelectual, possibilitando a sua comercialização:

[...] a interessada fica proibida de veicular e/ou comercializar os produtos mantidos ou gerados relativos a objeto desta prestação de serviços, salvo se houver prévia autorização por escrito da SSP. (fls. 62)

 

Reputo que a autorização desta cobrança, mesmo com a anuência da Administração Pública, traz a reboque a possibilidade de futura exploração comercial do software pela empresa doadora. Seria possível, a título ilustrativo, que ficasse com a exclusividade no fornecimento deste software para os outros integrantes da cadeia de prestação dos serviços de emplacamento e lacração (fornecedor de lacres, emplacadores, lacradores etc). A concessão desta espécie de direito de exploração comercial seria ilegítima, pois para tal hipótese demandar-se-ia, sim, prévio procedimento licitatório.

Esses parâmetros conduzem à procedência parcial da representação, impondo-se a correção dos termos do futuro contrato a ser assinado como forma de assegurar a conveniência e legitimidade da doação. Saliente-se, inclusive, ter sido destacado na defesa da unidade jurisdicionada a aptidão do CIASC para a manutenção e suporte do sistema doado. Assim sendo, deve ser refutada qualquer possibilidade de futuro pagamento à empresa doadora por tais serviços.

 Conforme dito, entendo como possível o saneamento das irregularidades na oportunidade da assinatura do contrato, providência que afastaria a nulidade do procedimento, motivo pelo qual, em que pese a procedência parcial da representação, não será declarada a nulidade do edital de chamamento público, apenas sendo impostas determinações à Secretaria de Estado da Segurança Pública para correções.

 

III – VOTO

Ante o exposto, estando os autos instruídos na forma Regimental, submeto ao egrégio Plenário a seguinte proposta de voto:

1. Julgar parcialmente procedente a representação apresentada em face da Secretaria de Estado da Segurança Pública, a respeito de irregularidades ocorridas no Edital de Chamamento Público n. 203/SSP/2012, com fundamento no art. 36, § 2º, “a”, da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000.

2. Determinar à Secretaria de Estado da Segurança Pública, na pessoa do seu titular, que no prazo máximo de 30 (trinta dias) a contar da publicação desta Decisão no Diário Oficial Eletrônico, adote providências, comprovando-as a este Tribunal, com vistas a contemplar no futuro contrato a ser assinado as seguintes condições:

2.1. Estabelecer como condição para a assinatura do contrato a exigência de documentação hábil à cessão dos direitos do autor do software doado;

2.2. Estabelecer em cláusula contratual que os códigos fontes do sistema serão de propriedade da Secretaria de Segurança Pública;

2.3. Estabelecer em cláusula contratual que o acesso ao software doado será franqueado pela Administração Pública às empresas fornecedoras de lacres, bem como às empresas que efetuem o serviço de emplacamento/lacração;

2.4. Estabelecer em cláusula contratual que a empresa doadora ficará proibida de veicular e/ou comercializar os produtos mantidos ou gerados relativos ao desenvolvimento e doação do software;

2.5. Estabelecer expressamente, por meio de cláusula contratual, que o Centro de Informática e Automação do Estado de Santa Catarina - CIASC será o órgão técnico responsável por atualizar, manter e dar suporte ao sistema doado, absorvendo toda a tecnologia e conhecimento ao longo do processo, tornando-se apto a responder pela atualização do sistema;

2.6. Cancelar o conteúdo da cláusula oitava, alínea “p”, que estabeleceu como motivo para rescisão contratual o atraso superior a 90 (noventa) dias dos pagamentos devidos pela administração, considerando a gratuidade do procedimento.

3. Recomendar à Secretaria de Estado de Segurança Pública, na pessoa de seu titular, que, por meio de seus órgãos técnicos competentes, assegure-se de que o recebimento em doação do sistema informatizado de rastreabilidade de lacres não representará qualquer espécie de restrição à participação de empresas interessadas no fornecimento de lacres físicos (Edital n. 187/2012)

4. Revogar a medida cautelar proferida em 22 de fevereiro de 2013 (fls. 168/179), que sustou o andamento do Edital de Chamamento Público n. 203/SSP/2012

5. Alertar ao Secretário de Estado da Segurança Pública que o não-cumprimento do item 2 dessa deliberação implicará a cominação das sanções previstas no art. 70, § 1º, da Lei Complementar (Estadual) nº 202/2000, conforme o caso.

6.  Dar ciência dessa decisão à representante, ao responsável e à Secretaria de Estado da Segurança Pública.

 

Gabinete, em 03 de setembro de 2014.

 

 

Cleber Muniz Gavi

Auditor Substituto de Conselheiro

Relator