Processo |
TCE 10/00102103 |
Unidade
Gestora |
Assembléia Legislativa do Estado de Santa
Catarina – ALESC |
Responsável |
Ademar Francisco Koerich e Volmar Gandolfi |
Assunto |
Irregularidade atinente à nomeação de
Vereador do município de Palmitos para exercer o cargo de Secretário
Parlamentar na Assembleia Legislativa. |
Relatório
e Voto |
GAC/HJN – 67/2015 |
Manifestação
do Conselheiro Herneus De Nadal
A presente Tomada de Contas Especial tem por
objeto apreciar irregularidade consistente na nomeação de Vereador na época em
exercício na Câmara Municipal de Palmitos/SC, para concomitantemente exercer o
cargo de Secretário Parlamentar na Assembleia Legislativa do Estado de Santa
Catarina – ALESC.
Iniciado seu julgamento, o Conselheiro Relator
Wilson Rogério Wan-Dall propôs fosse a presente Tomada de Contas Especial
julgada regular, entendendo, em síntese, que há possibilidade de cumulação do
exercício do cargo de vereador com o exercício de cargo comissionado de
Assessor Parlamentar junto á ALESC, por haver compatibilidade de horário no
exercício de ambas funções.
Citou, no ponto, o Prejulgado 337 desta Corte de
Contas, cuja redação dispõe que:
É admissível o
vereador exercer a vereança e simultaneamente ser ocupante de cargo
comissionado no âmbito do Governo Estadual, percebendo cumulativamente a
remuneração do mandato e os vencimentos do cargo, desde que haja
compatibilidade de horários.
Finaliza seu voto demonstrando a compatibilidade
de horário no exercício das duas funções.
Em voto divergente, o Conselheiro Luiz Roberto
Herbst propôs o julgamento irregular da presente Tomada de Contas Especial, com
imputação de débito ao Responsável no valor equivalente a remuneração percebida
de forma irregular em razão da acumulação indevida dos cargos públicos de
Vereador do Município de Palmitos com o cargo comissionado de Secretário
Parlamentar na ALESC.
Entende o Conselheiro ser totalmente vedado ao
vereador exercer cargo em comissão em qualquer esfera de Governo. Citou, no
ponto, o Prejulgado 1375 desta Corte de Contas, cuja redação dispõe que:
Na hipótese de
servidor ocupante de cargo ou função e emprego na administração direta,
autárquica e fundacional, de que seja exonerável ‘ad nutum’ (cargos de livre
nomeação e exoneração), ainda que haja compatibilidade de horários, não poderá
ele assumir a vereança – e por conseqüência a Presidência da Câmara - sem antes
deixar o respectivo cargo ou função e emprego.
Corroborando seu entendimento, apresentou
jurisprudência do Supremo Tribunal Federal – STF, que em caso semelhante
sancionou por ato de improbidade administrativa Secretário de Estado que
cumulou o exercício e remuneração desta função com a de vereador. Por fim,
entendeu o Conselheiro que as atribuições do cargo de Secretário Parlamentar
são atividades a serem desenvolvidas no recinto do Gabinete do Deputado.
Posterior a isso, sobreveio aos autos Manifestação
do Conselheiro Luiz Eduardo Cherem, o qual acompanha a proposta de voto
apresentada pelo Conselheiro Relator, ao argumento de que, na época dos fatos,
estava em vigência nesta Corte de Contas o Prejulgado 337, cujo texto permitia ao
vereador exercer a vereança cumulativamente com cargo comissionado no âmbito do
Governo do Estado, desde que houvesse compatibilidade de horários.
Conclui apontando que a prova dos autos demonstra
que o Responsável compareceu de maneira efetiva às reuniões da ALESC, citando
ainda Resolução do ano de 2006, a qual no seu entender permitia a realização de
atividades externas.
Após analisar os votos apresentados pelos Colegas,
filio-me ao entendimento apresentado em voto divergente pelo Conselheiro Luiz
Roberto Herbst, pelas razões que passo a expor.
Primeiramente, quanto ao entendimento desta Corte
de Contas com relação à matéria, destaco que os fatos ocorreram no período
compreendido entre 18 de agosto do ano de 2009 e 31 de janeiro do ano de 2011.
Por seu turno, ainda no ano de 2003 esta Corte de
Contas, através da Decisão n° 1402/2003 proferida na Consulta n°
CON-02/10418656, a qual deu origem ao Prejulgado n° 1375, decidiu que “Na hipótese de servidor ocupante de cargo ou
função e emprego na administração direta, autárquica e fundacional, de que seja
exonerável ‘ad nutum’ (cargos de livre nomeação e exoneração), ainda que haja
compatibilidade de horários, não poderá ele assumir a vereança – e por
conseqüência a Presidência a Câmara – sem antes deixar o respectivo cargo ou
função e emprego”:
Indiscutível, portanto, que desde a Sessão
Plenária do dia 14 de maio do ano de 2003, quando esta Corte de Contas decidiu
Consulta nos termos acima, dando origem ao Prejulgado n° 1375, o entendimento
desta Casa já era totalmente contrário ao que antes dispunha o Prejulgado n°
337.
Assim, constato que ao tempo dos fatos em análise
(2009/2011), esta Corte de Contas já havia firmado entendimento de que não era
possível a cumulação do exercício do mandato de vereador com ocupação de cargo
de que seja exonerável ‘ad nutum’.
Num segundo momento, destaco motivo de maior
relevância, consistente em sentença proferida pelo Juiz de Direito da comarca
de Palmitos, que em Ação Civil Pública n° 0001229-91.2012.8.24.0046, a qual
analisa os mesmos fatos aqui em discussão, considerou irregular a cumulação dos
cargos.
Referida decisão, publicada no Diário da Justiça
de 06 de maio de 2015, julga procedente os pedidos formulados em Ação Civil
Pública interposta pelo Ministério Público, condenando o Sr. Volmar Gandolfi –
aqui Responsável –, nas seguintes sanções: a) suspensão dos direitos políticos
por 3 (três) anos; b) pagamento de multa civil no valor de 5 (cinco)
remunerações recebidas à época no cargo de Secretário Parlamentar; e, c)
ressarcimento integral do dano, consistentes na totalidade dos valores
recebidos em razão da nomeação para o cargo de Secretário Parlamentar no
período de 12/08/2009 a 31/01/2011.
Em sua decisão, entendeu o Magistrado, em síntese,
que independente de eventual compatibilidade de horários, o Responsável Volmar
Gandolfi não poderia ter acumulado os cargos de Vereador e de Secretário
Parlamentar.
Destaco o entendimento do Magistrado, constante de
sua sentença:
Trata-se
de ação civil pública que busca a responsabilização de Volmar Gandolfi pela
acumulação de dois cargos públicos, sob o argumento de que isso configura a
prática de ato de improbidade administrativa.
A
acumulação dos cargos de Vereador do Município de Palmitos e de Secretário
Parlamentar do Deputado Estadual Onofre Santo Agostini é incontroversa nos
autos. Não bastasse, os documentos das fls. 57 e 178/192 comprovam o exercício
simultâneo dos dois cargos.
Portanto,
sendo certo que houve a acumulação, cabe aferir se ela era possível e, caso
contrário, se ela configura ato de improbidade administrativa.
O
art. 38, inc. III, da Constituição da República dispõe que o servidor público
"investido no mandato de Vereador, havendo compatibilidade de horários,
perceberá as vantagens de seu cargo, emprego ou função, sem prejuízo da
remuneração do cargo eletivo, e, não havendo compatibilidade, será aplicada a
norma do inciso anterior".
Por
ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário n. 597849/SC, o Supremo
Tribunal Federal, intérprete último da Constituição, pronunciou-se a respeito
do preceito constitucional em questão: "[...] ainda que haja
compatibilidade de horário entre os cargos ocupados, é vedada a acumulação por
se tratar de cargo demissível 'ad nutum'" (STF - RE 597849/SC, Rel.
Ministro Eros Grau, DJe de 05/08/2010).
Como
se vê, embora o art. 38, inc. III, da Constituição da República admita a
possibilidade de acumulação dos cargos públicos de Vereador com outro cargo,
emprego ou função pública, é necessária a observância de duas regras: a) que o
cargo não seja demissível ad nutum; b) que haja compatibilidade de horários.
A
situação do réu, porém, esbarra logo na primeira regra. Dos documentos
colacionados às fls. 178/192 dos autos, extrai-se que, de fato, o cargo por ele
ocupado – Secretário Parlamentar – era de livre nomeação e exoneração. Daí a
impossibilidade de acumulação e, por via de consequência, do percebimento de
vencimentos de ambos os cargos, concomitantemente.
Sobre
o tema: "[...] é expressamente vedado ao Vereador o exercício de cargo em
comissão ou exonerável ad nutum nos casos já previstos na Constituição da
República para os Deputados Federais e Senadores (art. 54, I, "b", e
II, "b"), conforme o disposto no art. 29, IX, da mesma CF" (Hely
Lopes Meirelles. Direito Administrativo Brasileiro, 27ª. ed., São Paulo:
Malheiros Meditores, p. 435).
Foi
exatamente neste sentido que o Grupo de Câmaras de Direito Público do Tribunal
de Justiça de Santa Catarina firmou o entendimento da matéria:
(...)
Consigno
que o art. 29, inc. IX, da Constituição Federal estabelece que as leis
orgânicas dos Municípios deverão observar os seguintes preceitos:
"proibições e incompatibilidades, no exercício da vereança, similares, no
que couber, ao disposto nesta Constituição para os membros do Congresso
Nacional e na Constituição do respectivo Estado para os membros da Assembleia
Legislativa".
Dentre
essas proibições e incompatibilidades, destaca-se aquela prevista no art. 54,
inc. I, 'a', da Constituição da República: "Os Deputados e Senadores não
poderão: I - desde a expedição do diploma: aceitar ou exercer cargo, função ou
emprego remunerado, inclusive os de que sejam demissíveis "ad nutum",
nas entidades constantes da alínea anterior".
E,
de fato, a Lei Orgânica do Município de Palmitos, em atenção ao art. 29 da
Carta Magna, dispôs sobre o tema, estabelecendo: "Os Vereadores não
poderão: I desde a expedição do diploma: [...] b) aceitar ou exercer cargo,
função ou emprego remunerado, inclusive os de que sejam demissíveis "ad
nutum", nas entidades constantes da alínea anterior".
Assim,
utilizando-se dos critérios hermenêuticos que preceituam a unidade da
Constituição, a justeza ou conformidade funcional e, em especial, a concordância
prática ou harmonização, concluo que, independentemente de eventual
compatibilidade de horários, Volmar Gandolfi não poderia ter acumulado os
cargos de Vereador e de Secretário Parlamentar, uma vez que este último
caracteriza-se como cargo comissionado de livre nomeação e exoneração (ad
nutum).
Registro,
por oportuno, que a Lei Orgânica de Palmitos não fez distinção de esferas
federativas, de modo que a vedação atinge, também, o exercício de cargo
demissível ad nutum em outros entes federativos. Nesse sentido, em caso análogo
ao dos autos: STF, RE n. 667.980/SC, rel. Min. Ricardo Lewandowski, j.
19/11/2013.
Verificada,
assim, a indevida acumulação dos cargos, passo a analisar se isso configura ato
de improbidade administrativa e quais as consequências decorrentes à luz dos
pedidos formulados pelo Ministério Público.
Entendo
que o ato praticado pelo réu, com efeito, configura ato de improbidade
administrativa, pois se amolda perfeitamente à previsão contida no art. 11 da
Lei n. 8.429/92: "Constitui ato de improbidade administrativa que atenta
contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que
viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às
instituições, e notadamente: I – praticar ato visando fim proibido em lei ou
regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência".
É
bem de ver que não há falar em enriquecimento ilícito para fins de
enquadramento da conduta no art. 9º do diploma legal em comento na medida em
que sequer se cogita, na inicial, o não exercício das funções inerentes aos
cargos indevidamente cumulados pelo requerido. Tampouco se trata de matéria
contida implicitamente na argumentação do autor, sobretudo diante da amplitude
das atribuições inerentes ao cargo de Secretário Parlamentar, conforme disposto
na Resolução n. 001/2006 da Assembleia Legislativa de Santa Catarina. A
decisão, aqui, deve atender ao princípio da correlação.
Por
outro lado, consigno que "a lesão a princípios administrativos contida no
art. 11 da Lei n. 8.429/92, em princípio, não exige dolo ou culpa na conduta do
agente nem prova da lesão ao erário público. Basta a simples ilicitude ou
imoralidade administrativa para restar configurado o ato de improbidade. Caso
reste demonstrada a lesão, o inciso III do art. 12 da Lei n. 8.429/92 autoriza
seja o agente público condenado a ressarcir o erário" (STJ, REsp n.
737.279/PR, rel. Min. Castro Meira, j. 21/05/2008).
Ainda
assim, não há como se negar a existência de dolo no fato de o réu ter aceitado
exercer concomitantemente ambos os cargos, mesmo ciente, na condição de
Vereador, do que dispunha a Lei Orgânica Municipal.
Consequentemente,
sujeita-se às sanções previstas no art. 12, inc. III, da Lei n. 8.429/92:
"Ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública,
suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa civil
de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de
contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou
creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa
jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de três anos".
De
logo, registro que as penalidades podem ser aplicadas "isolada ou
cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato" (art. 12). Na
hipótese, tenho que a conduta é grave, visto que a cumulação ilegal de cargos
durou por longos 16 (dezesseis) meses e se manteve mesmo após a cientificação
do procedimento administrativo que tramitava perante a Promotoria de Justiça
(vide fls. 156/160). Não se pode negar também que o réu, na relevante condição
de Vereador, deve especial obediência à legislação municipal, a qual, como
visto, foi frontalmente descumprida.
Assim,
e atento aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, entendo que
são aplicáveis as penalidades de: a) ressarcimento integral do dano,
consistente na devolução das quantias recebidas pelo cargo indevidamente
cumulado, a fim de não chancelar a conduta tida por irregular e premiar o
agente ímprobo; b) multa equivalente a 05 (cinco) remunerações percebidas pelo
réu no cargo de Secretário Parlamentar, tendo por base o último vencimento
integral; c) suspensão dos direitos políticos por 03 (três) anos.
As razões da decisão acima demonstram de forma
inequívoca a impossibilidade do Responsável cumular o exercício do mandato de
vereador na Câmara Municipal de Palmitos com o exercício de cargo de Assessor
Parlamentar junto à ALESC, seja em razão da vedação Constitucional, seja em
razão da vedação constante da própria Lei Orgânica do Município de Palmitos.
Destaco que embora a decisão citada seja passível
de recurso, pois proferida em primeiro grau de jurisdição, a própria sentença
destaca que tal entendimento é o atualmente adotado pelas Câmaras de Direito
Público do Tribunal de Justiça do Estado[1],
sendo este ainda o entendimento pacífico do Supremo Tribunal Federal – STF[2].
Dito isto, acompanho
integralmente o voto divergente proferido pelo Conselheiro Luiz Roberto Herbst,
para o fim de julgar irregular, com imputação de débito ao Responsável, a
presente Tomada de Contas Especial.
Florianópolis, em 25 de maio de
2015.
Herneus
De Nadal
Conselheiro
Relator