ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

 

 

Gabinete do Auditor Substituto de Conselheiro Cleber Muniz Gavi

 

 

 

PROCESSO:             REC 15/00142104

UG/CLIENTE:           Prefeitura Municipal de Gaspar

RECORRENTE:       Adilson Luís Schmitt

ASSUNTO:                Recurso de Reexame contra o Acórdão n. 1088/2014, exarado nos autos REP 08/00380185

 

 

 

 

RECURSO DE REEXAME. CONTRATAÇÃO DE EMPREGADOS TEMPORÁRIOS SEM A REALIZAÇÃO DE PROCESSO SELETIVO SIMPLIFICADO. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DA NECESSIDADE TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA DE FATOS NOVOS. DESPROVIMENTO.

A contratação de pessoal por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público deve ser feita mediante processo seletivo simplificado, respeitando a publicidade, a normatização e a objetividade na avaliação, sob pena de ofensa aos princípios da impessoalidade, da isonomia e da moralidade, previstos no art. 37 da Constituição Federal.

A validade da contratação temporária, contida no art. 37, inciso IX, da Constituição Federal, na exegese do Supremo Tribunal exige que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a necessidade de contratação seja indispensável, sendo vedada a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, e que devam estar sob o espectro das contingências normais da Administração (STF. RE 658.026. Tribunal Pleno. Rel.: Min. Dias Toffoli. Data Julg.: 09/04/2014. DJe 31/10/2014).

 

 

 

I. RELATÓRIO

Trata-se de Recurso de Reexame interposto pelo Sr. Adilson Luís Schmitt, ex-Prefeito de Gaspar, em face do Acórdão n. 1088/2014 exarado nos autos REP 08/00380185 - Representação do Ministério Público do Trabalho (fls. 3818-3819), que culminou com a aplicação de multas ao recorrente, nos seguintes termos:

6.1. Aplicar aos Responsáveis adiante especificados, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202, de 15 de dezembro de 2000, c/c o art. 109, II, do Regimento Interno deste Tribunal (Resolução n. TC-06/2001, de 28 de dezembro de 2001), em face do descumprimento de normas legais ou regulamentares, as multas a seguir discriminadas, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação do Acórdão no Diário Oficial Eletrônico do TCE - DOTC-e, para comprovarem ao Tribunal de Contas o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o quê, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da citada Lei Complementar:

6.1.1. ao Sr. ADILSON LUÍS SCHMITT - ex- Prefeito Municipal de Gaspar, CPF n. 622.122.149-87, as seguintes multas:

6.1.1.1. R$ 1.000,00 (mil reais), em face da contratação de empregados temporários sem a realização de processo seletivo simplificado, em desrespeito aos princípios da impessoalidade, da isonomia e da moralidade previstos no artigo 37 da Constituição Federal, (item 2.4 do Relatório DAE n. 73/2010);

6.1.1.2. R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais), em razão da contratação de empregados temporários inexistindo necessidade temporária de excepcional interesse público, conforme dispõem os arts. 37, IX, da Constituição Federal e 2º da Lei (municipal) n. 1.347/92 (itens 3.1.3 a 3.1.10 e 3.1.12 da Conclusão do Relatório DAE).

6.1.2. ao Sr. PEDRO CELSO ZUCHI - Prefeito Municipal de Gaspar, CPF n. 181.649.359-72, multa de R$ 1.000,00 (mil reais), pela contratação de empregados temporários inexistindo necessidade temporária de excepcional interesse público, em desacordo com o disposto nos arts. 37, incisos II e IX, da Constituição Federal e 2º da Lei (municipal) n. 1.347/92 (itens 3.2.2 a 3.2.4 da Conclusão do Relatório DAE).

6.2. Determinar à Prefeitura Municipal de Gaspar que:

6.2.1. efetue rígida fiscalização sobre as empresas prestadoras de serviço contratadas quanto ao cumprimento das normas de saúde, segurança, higiene e medicina do trabalho;

6.2.2. regularize todas as situações de contratação temporária não previstas em lei e sem caracterização de excepcional interesse público.

6.3. Determinar à Secretaria-geral o desentranhamento dos documentos de fs. 3394 a 3416 para remessa ao Ministério Público do Trabalho, Procuradoria Regional do Trabalho da 12ª Região, tendo em vista o Termo de Ajuste de Conduta n. 00412/2007 firmado com o Município de Gaspar.

6.4. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Relatório de Reinstrução DAE n. 73/2010 e do Parecer MPTC n. 1190/2011, aos Srs. Pedro Celso Zucchi - Prefeito Municipal de Gaspar, e Adilson Luís Schmitt, ao procurador constituído nos autos e à Procuradoria Regional do Trabalho da 12ª Região. (...) (grifei)

 

No recurso interposto (fls. 03-09), o recorrente sustenta, em síntese, que solicitou documentos que julgava de fundamental importância junto à Prefeitura de Gaspar, porém, não obteve êxito porque a Administração Municipal deixou de atender ao pedido, prejudicando sua defesa. Afirmou que as contratações foram feitas mediante processo seletivo simples e que os candidatos classificados foram previamente convocados para a escolha de vagas. Visando demonstrar que tal critério ainda é atualmente adotado, juntou cópia de edital às fls. 10-21. Justificou, ademais, que alguns classificados apresentam posição final porque não se fizeram presentes na convocação ou porque chegaram atrasados, o que segundo o responsável não seria descumprimento aos preceitos da Administração Pública. Por fim, alegou que o Tribunal foi levado a concluir de forma parcial pela aplicação de multas, pois não lhe garantiu a mais ampla defesa, pugnando pelo afastamento da aplicação das multas.

A Diretoria de Recursos e Reexames - DRR elaborou o Parecer n. 177/2015 (fls. 22-25), sugerindo o conhecimento do recurso e, no mérito, o seu desprovimento, em razão da ausência de provas que pudessem contrapor a conclusão do relatório técnico e a decisão recorrida.

Por seu turno, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas elaborou o Parecer n. 33168/2015, da lavra do Exmo. Procurador Dr. Aderson Flores, no qual acompanhou o posicionamento da Diretoria de Recursos e Reexames (fl. 27).

Vieram os autos conclusos.

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

Preliminarmente, observo que o recurso preenche os requisitos de admissibilidade, vez que é adequado à pretensão, o postulante possui interesse e legitimidade para recorrer, assim como a interposição foi tempestiva, nos termos do disposto nos arts. 79 e 80 da Lei Complementar n. 202/2000, razão pela qual merece ser conhecido.

Passo à análise do mérito do recurso.

Consoante se infere do Acórdão n. 1088/2014, proferido nos autos REP 08/00380185 - Representação do Ministério Público do Trabalho (fls. 3818-3819), ora objeto do inconformismo do recorrente, foram-lhe aplicadas multas em face da contratação de empregados temporários sem a realização de processo seletivo simplificado, em desrespeito aos princípios da impessoalidade, da isonomia e da moralidade, previstos no art. 37 da Constituição Federal, e em decorrência da contratação de empregados temporários inexistindo necessidade temporária de excepcional interesse público, contrariando os arts. 37, IX, da Constituição Federal, e 2º da Lei Municipal n. 1.347/92.

Em suas razões recursais, o recorrente postula a reforma do julgado amparando o seu inconformismo no argumento de que teve sua defesa prejudicada pelo fato de que a Administração Municipal de Gaspar, que lhe sucedera, deixou de atender à sua solicitação para apresentação de documentos referentes ao presente processo. Tentou justificar que as contratações foram feitas mediante processo seletivo simples e que a ordem dos candidatos classificados pode variar quando da convocação, em razão de atraso ou não comparecimento, juntando cópia do Edital n. 001/2015 (fls. 10-21), realizado pela atual administração, a fim reforçar a utilização do referido critério.

Os argumentos do recorrente não merecem guarida.

No tocante à irregularidade consistente na contratação de empregados temporários sem a realização de processo seletivo simplificado, o Corpo Técnico apontou no Relatório de Reinstrução n. 73/2010 (fls. 3282-3288, vol. X), ratificado pela Informação n. 0057/2014 (fls. 3809-3810v, vol. XI), que o Município de Gaspar efetuou a contratação de 41 empregados temporários sem a abertura de edital para realização de processo seletivo simplificado. Também restou devidamente apurado que alguns empregados temporários foram contratados no ano de 2008 sem que constassem da relação final de classificados nos processos seletivos n. 001/2007 e n. 07/2007, evidenciando que não houve participação destes em nenhum processo seletivo, em desrespeito aos princípios da impessoalidade, da isonomia e da moralidade, previstos no art. 37 da Constituição Federal. No entanto, frente aos fatos apurados, o recorrente não trouxe nenhum elemento de prova suficiente para afastar as conclusões do Corpo Técnico.

Muito embora não haja regras específicas acerca do processo seletivo simplificado, é cediço que essa modalidade de seleção deve ser mais flexível que a de concurso público e que sua realização deve se dar por meio de ampla divulgação, com publicação em Diário Oficial ou jornal de ampla circulação, resguardando os princípios da publicidade, da moralidade e da impessoalidade. Ademais, o edital de abertura de inscrições deve conter informações básicas e suficientes para que os interessados conheçam as condições da contratação pela qual irão postular, assegurando-lhes o respeito aos princípios constitucionais que regem a Administração Pública, conforme também salientado pelo Corpo Técnico, à fl. 3287.

Destaco que a Lei Municipal n. 1.347/1992, que dispõe sobre a contratação temporária de excepcional interesse público, prevê em seu art. 2º o que a caracteriza e o que deve ser observado, nos seguintes termos:

Art. 2º São de necessidade temporária de excepcional interesse público, as contratações para: 

I - o atendimento de situações de emergência e de calamidade pública, de forma a conjurar ou limitar os efeitos de fatores anormais ou adversos, tais como, entre outros, os de natureza climática, atmosférica, geológica, sanitária e psico-social;

II - para substituição de pessoal nas unidades escolares, CEBEM, pré-escolares e creches municipais, por vacância nos casos de licença, falecimento, aposentadoria, exoneração, demissão e cargo comissionado; [redação à época]

III - para substituição de pessoal técnico nas unidades médico-hospitalares e ambulatórios, por vacância, nos casos de demissão, exoneração, licença, falecimento e aposentadoria.

IV - execução de programas transitórios, temporários, extracurriculares, cujo desenvolvimento das atividades seja voltado à educação, saúde, lazer e atividades sociais.

V - para a substituição de pessoal necessário ao desempenho das atividades do SAMAE - Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto de Gaspar, em virtude de vacância, nos casos de demissão, exoneração, licença, falecimento e aposentadoria.

§ 1º - As contratações previstas nesta Lei serão realizadas por prazo estritamente necessário para a consecução das tarefas, não podendo ultrapassar a doze meses, sendo vedada sua prorrogação.

§ 2º - Na hipótese do inciso II a contratação somente é autorizada após esgotada toda possibilidade de aproveitamento de pessoal e corpo docente disponível nas unidades escolares, CEBEM, pré-escolares e creches municipais, de acordo com a respectiva habilitação profissional.

§ 3º - As contratação [sic] previstas nos incisos II e III deverão observar rigorosamente a ordem de colocação nos concursos realizados para tais fins. Esgotadas as possibilidades de contratações nestes termos, far-se-á contratações de pessoas não concursadas. [redação à época]

§ 4º - Em caso de substituição a que se referem os incisos II e III, a contratação só correrá desde que o afastamento do título seja por período igual ou superior a trinta dias. [redação à época]

§ 5º - No caso de vacância de cargos substituídos nos termos desta Lei, será obrigatório a convocação de concurso público para preenchimento da vaga ou vagas existentes, no prazo máximo de 10(dez) meses.

§ 6º - As contratações para execução dos programas a que se refere o inciso IV deste artigo deverão se pautar por esta lei, dependerão de autorização legislativa, e serão efetuadas com prazo máximo de 12 meses, prorrogáveis por igual período e, no caso de não haver pessoas habilitadas na ordem dos concursados, será exigida habilitação escolar, técnico profissional ou de notória experiência prática. (grifei)

 

Como se percebe, a legislação municipal é clara quanto aos requisitos que devem ser observados para a contratação temporária. Ainda que não disponha expressamente acerca da necessidade de processo seletivo simplificado, este também constitui requisito inafastável, inclusive por orientação desta Corte de Contas, conforme previsão no Prejulgado n. 2041, que assim dispõe:

Prejulgado n. 2041

Nos casos de contratação de pessoal por tempo determinado para atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público, pode o Município escolher os critérios que serão adotados no processo seletivo simplificado, respeitada a publicidade, normatização e objetividade na avaliação, que poderá ocorrer unicamente com base no exame de títulos. (grifei)

 

Considerando que restou devidamente apurado pelo Corpo Técnico que não houve adoção de processo seletivo simplificado e que o recorrente não carreou aos autos novos elementos de prova suficientes para demonstrar o contrário, entendo que não há como acolher seu inconformismo em relação a esse ponto. Ressalto, por oportuno, que os documentos juntados às fls. 10-21 dão conta de Edital de Processo Seletivo n. 001/2015, realizado no corrente ano, mas sem pertinência com a irregularidade ora apurada, de modo que em nada contribui para refutá-la.

De outra parte, em relação à irregularidade de contratação de empregados temporários inexistindo necessidade temporária de excepcional interesse público, o Corpo Técnico apontou no Relatório de Reinstrução n. 73/2010 (fls. 3302-3317, 3321-3324, 3334-3338, 3348-3355, 3362-3366 e 3376-3382, vol. X), ratificado pela Informação n. 0057/2014 (fls. 3809-3810v, vol. XI), que o Município de Gaspar realizou diversas contratações de empregados sem a demonstração da necessidade temporária e do excepcional interesse público, em afronta ao disposto no art. 37, IX, da Constituição Federal, e no art. 2º da Lei Municipal n. 1.347/1992.

Entre as contratações realizadas irregularmente, saliento a de empregados temporários (berçaristas, zelador e professor de educação infantil) após a realização do concurso público n. 001/2008, para vagas nele previstas, sem a existência de necessidade temporária de excepcional interesse público (fls. 3302-3306, vol. X). Houve, ainda, contratação de empregados temporários (merendeiras/serventes) por períodos que não correspondem com as licenças concedidas a servidores da Prefeitura Municipal de Gaspar (fls. 3306-3310, vol. X), assim como a manutenção de empregados temporários nos cargos de berçaristas e merendeira/serventes após a homologação do resultado final do concurso público n. 001/2008 e contratação de outros empregados temporários para substituí-los devido a licenças, demissões e sem motivo informado (fls. 3310-3313, vol. X). Outra irregularidade foi a contratação temporária de empregado, por meio do processo seletivo n. 09/2008, para substituir servidor que estava licenciado, cuja contratação se deu por período maior que a licença concedida e em cargo diverso do substituído (fls. 3313-3317, vol. X).

Cito também a contratação irregular de empregada temporária para o cargo de médico pediatra em detrimento dos classificados no concurso público n. 001/2008 (fls. 3321-3324, vol. X). Além disso, houve contratação de 44 empregados temporários, no ano de 2008, para ocuparem cargos efetivos de merendeiras/serventes, berçaristas, zeladores, professores dos anos iniciais, educação infantil, história, matemática, ciências, geografia, inglês e português que estavam licenciados (fls. 3334-3338, vol. X).

Em outra ocasião também foi constatada a contratação irregular de 119 empregados temporários, no ano de 2008, em substituição a servidores efetivos cedidos a outros órgãos ou entidades pela Prefeitura Municipal de Gaspar sem a presença do devido interesse público exigido (fls. 3348-3355, vol. X). Do mesmo modo, a contratação de 5 empregados temporários para ocuparem cargos efetivos de professores dos anos iniciais, português e inglês sem a comprovação da necessidade temporária de excepcional interesse público (fls. 3362-3366, vol. X), bem como contratações temporárias para o Centro de Acolhimento de Risco - CAR, realizadas em 2008, sem a caracterização de situação de excepcional interesse público (fls. 3376-3382, vol. X).

Acerca da questão, o Tribunal de Contas já assentou no Prejulgado n. 1826 que contratações dessa natureza devem se pautar pela temporariedade e pelo justificado interesse público, reforçando a exigência de processo seletivo simplificado. É o que se infere a seguir:

Prejulgado n. 1826

Reformado

1. Afastando-se o servidor público para o gozo de férias remuneradas, é possível a sua substituição por outro capacitado e habilitado para o exercício das funções inerentes ao seu cargo ou do serviço por ele prestado, enquanto durar o afastamento, assegurando-se a continuidade do serviço público, observadas as regras locais quanto à remuneração.

2. Se da substituição do servidor decorrer nova necessidade de pessoal para a Administração, e não for cabível a cumulação não-remunerada de cargos e/ou funções, nos termos do art. 43, § 4º, do Estatuto dos Servidores de Correia Pinto, poderá a municipalidade valer-se da contratação por tempo determinado prevista no art. 37, IX, da Constituição Federal, desde que haja expressa previsão nesse sentido em lei municipal.

3. A contratação pelo Município de pessoal por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público deve se pautar na temporariedade, que está intrinsecamente ligada à questão da necessidade que justifique o interesse público da contratação, nos termos do art. 37, IX, da Constituição Federal.

3.1 A Lei Municipal que regulamentar o art. 37, inciso IX, da Constituição Federal deve estabelecer as hipóteses e condições em que serão realizadas admissões temporárias de pessoal para atender a excepcional interesse público, o prazo máximo de contratação, salários, direitos e deveres, proibição de prorrogação de contrato e de nova contratação da mesma pessoa, ainda que para outra função.

3.2 O recrutamento do pessoal a ser contratado por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público deverá ser feito mediante processo seletivo simplificado, sujeito à ampla divulgação, observada a dotação orçamentária específica e mediante prévia autorização legislativa.

3.3 REVOGADO (grifei)

 

Nesse segundo ponto, o recorrente também não trouxe qualquer justificativa plausível no sentido de modificar a decisão combatida. De modo geral, como na restrição anterior, apenas se limitou a declarar que foi impossibilitado de obter junto à Prefeitura de Gaspar os documentos que julgava importantes, situação que teria prejudicado sua defesa. Advirto que declarações desse tipo possuem baixa força probatória, considerando que provam apenas a existência da declaração, mas não o fato declarado, competindo ao interessado demonstrar a veracidade do que alega.

Anoto que o descumprimento normativo por parte do responsável se revela de altíssima gravidade, posto que a cláusula do concurso público constitui garantia constitucional de acesso a cargos públicos, que se aplica a todos os cidadãos e tem por substrato os princípios da isonomia e da impessoalidade, na medida em que emerge da necessidade de garantir que determinado cargo será assumido por aquele que, competindo em iguais condições com todos os candidatos, estiver, em tese, melhor preparado. Nesse contexto, todos os Poderes da República estão obrigados à observância de tal preceito, inclusive o Executivo Municipal.

Quando a Constituição quis excepcionar o princípio basilar do concurso público, assim o fez expressamente. O próprio constituinte originário previu as exceções, como é a situação da possibilidade de nomeação para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração (art. 37, inciso II, in fine) e da contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX). Há, ainda, exceções específicas, como as de cargos eletivos ou cargos onde a escolha é feita pelo Chefe do Executivo, além daqueles nomeados através da regra do quinto constitucional.

No caso vertente, a contratação por tempo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público exige o preenchimento de alguns requisitos para a sua validade, quais sejam: a) previsão legal dos casos excepcionais; b) prazo de contratação predeterminado; c) necessidade temporária; d) excepcional interesse público; e) indispensável necessidade de contratação, sendo vedada a contratação para os serviços ordinários permanentes e que devam estar sob o espectro das contingências normais da Administração. É o que assentou o Supremo Tribunal Federal, em sede de processo subjetivo com Repercussão Geral reconhecida, in verbis:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL RECONHECIDA. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI MUNICIPAL EM FACE DE TRECHO DA CONSTITUIÇÃO DO ESTADO DE MINAS GERAIS QUE REPETE TEXTO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. RECURSO PROCESSADO PELA CORTE SUPREMA, QUE DELE CONHECEU. CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA POR TEMPO DETERMINADO PARA ATENDIMENTO A NECESSIDADE TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO. PREVISÃO EM LEI MUNICIPAL DE ATIVIDADES ORDINÁRIAS E REGULARES. DEFINIÇÃO DOS CONTEÚDOS JURÍDICOS DO ART. 37, INCISOS II E IX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DESCUMPRIMENTO DOS REQUISITOS CONSTITUCIONAIS. RECURSO PROVIDO. DECLARADA A INCONSTITUCIONALIDADE DA NORMA MUNICIPAL. MODULAÇÃO DOS EFEITOS.

1. O assunto corresponde ao Tema nº 612 da Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do STF na internet e trata, “à luz dos incisos II e IX do art. 37 da Constituição Federal, [d]a constitucionalidade de lei municipal que dispõe sobre as hipóteses de contratação temporária de servidores públicos”.

2. Prevalência da regra da obrigatoriedade do concurso público (art. 37, inciso II, CF). As regras que restringem o cumprimento desse dispositivo estão previstas na Constituição Federal e devem ser interpretadas restritivamente.

3. O conteúdo jurídico do art. 37, inciso IX, da Constituição Federal pode ser resumido, ratificando-se, dessa forma, o entendimento da Corte Suprema de que, para que se considere válida a contratação temporária, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a necessidade de contratação seja indispensável, sendo vedada a contratação para os serviços ordinários permanentes do Estado, e que devam estar sob o espectro das contingências normais da Administração.

4. É inconstitucional a lei municipal em comento, eis que a norma não respeitou a Constituição Federal. A imposição constitucional da obrigatoriedade do concurso público é peremptória e tem como objetivo resguardar o cumprimento de princípios constitucionais, dentre eles, os da impessoalidade, da igualdade e da eficiência. Deve-se, como em outras hipóteses de reconhecimento da existência do vício da inconstitucionalidade, proceder à correção da norma, a fim de atender ao que dispõe a Constituição Federal.

5. Há que se garantir a instituição do que os franceses denominam de la culture de gestion, a cultura de gestão (terminologia atualmente ampliada para ‘cultura de gestão estratégica’) que consiste na interiorização de um vetor do progresso, com uma apreensão clara do que é normal, ordinário, e na concepção de que os atos de administração devem ter a pretensão de ampliar as potencialidades administrativas, visando à eficácia e à transformação positiva.

6. Dá-se provimento ao recurso extraordinário para o fim de julgar procedente a ação e declarar a inconstitucionalidade do art. 192, inciso III, da Lei nº 509/1999 do Município de Bertópolis/MG, aplicando-se à espécie o efeito ex nunc, a fim de garantir o cumprimento do princípio da segurança jurídica e o atendimento do excepcional interesse social. (STF. RE 658.026. Tribunal Pleno. Rel.: Min. Dias Toffoli. Data Julg.: 09/04/2014. DJe 31/10/2014). (grifei)

 

Da leitura do acórdão proferido pela Corte Constitucional extraio que a interpretação quanto à possibilidade de contratação de pessoas sem concurso é altamente restritiva, por se tratar de situação excepcional. Não é por outra razão que a lei municipal deve indicar as situações de temporariedade e de excepcional interesse público e o gestor deve cumpri-las fielmente, demonstrando a sua ocorrência quando da contratação temporária. 

Destarte, infere-se que a necessidade temporária de excepcional interesse público não depende de mera escolha discricionária do administrador, devendo ser efetivamente demonstrada, o que não foi o caso no presente feito, notadamente porque o recorrente não logrou êxito em elidir as irregularidades que lhe foram imputadas e a condenação que lhe foi imposta, conforme também salientado pela Diretoria de Recursos e Reexames (fls. 22-25) e pelo Ministério Público junto ao Tribunal de Contas (fl. 27).

Portanto, diante da ausência de novos elementos de prova a amparar a modificação da decisão recorrida, nego provimento ao Recurso de Reexame, mantendo na íntegra o teor do Acórdão n. 1088/2014, exarado nos autos REP 08/00380185 (fls. 3818-3819).

 

III. VOTO

Estando os autos instruídos na forma Regimental, submeto ao Egrégio Plenário a seguinte proposta de voto:

1. Conhecer do Recurso de Reexame, nos termos dos arts. 79 e 80 da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, interposto contra o Acórdão n. 1088/2014, proferido nos autos do processo REP 08/00380185, na sessão de 10/12/2014, e, no mérito, negar-lhe provimento, mantendo na íntegra a decisão recorrida.

2. Dar ciência desta Decisão e do Voto do Relator ao Sr. Adilson Luís Schmitt e à Prefeitura Municipal de Gaspar.

 

Gabinete, em 26 de junho de 2015.

 

 

Cleber Muniz Gavi

Auditor Substituto de Conselheiro

Relator