ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

 

 

Gabinete do Auditor Substituto de Conselheiro Cleber Muniz Gavi

 

 

 

PROCESSO:             REC 13/00271709

UG/CLIENTE:           Prefeitura Municipal de Criciúma

RECORRENTE:       Clésio Salvaro

ASSUNTO:                Recurso de Reexame contra o Acórdão n. 0228/2013, exarado nos autos REP 12/00198333

 

 

 

 

RECURSO DE REEXAME. LICITAÇÃO. REVELIA. IMPOSIÇÃO DE CONDIÇÕES RESTRITIVAS À COMPETIÇÃO NO INSTRUMENTO CONVOCATÓRIO. AUSÊNCIA DE FATOS NOVOS. DESPROVIMENTO.

1. Os efeitos da revelia, no âmbito do Tribunal de Contas, não fazem presumir a veracidade de todas as imputações apuradas contra o agente revel, sendo necessária a apreciação do conjunto probatório contido nos autos para a sua responsabilização. Tais efeitos, quando compatíveis com as provas dos autos, constituem elementos aptos à formação do juízo condenatório.

2. A exigência de documento que não faz parte do rol taxativo dos arts. 27 a 31 da Lei Federal n. 8.666/93 implica restrição à competição no certame, por afronta ao disposto no art. 3º, § 1º, da Lei n. 8.666/93.

3. A exigência de licença de uso por tempo indeterminado contraria o disposto no inciso IV do art. 57 da Lei Federal n. 8.666/93.

4. A exigência de apresentação de atestados de capacidade técnica fornecidos exclusivamente por pessoa jurídica de direito público viola o preceituado no art. 30, § 4º, da Lei n. 8.666/93.

5. A exigência de apresentação de certidão negativa de débitos fiscais e trabalhistas caracteriza restrição à competitividade, por contrariar o previsto no art. 29, incisos III e V, da Lei n. 8.666/93, c/c o art. 642-A, § 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

 

 

 

I. RELATÓRIO

Trata-se de Recurso de Reexame interposto pelo Sr. Clésio Salvaro, ex-prefeito Municipal de Criciúma, em face do Acórdão n. 0228/2013, proferido na Sessão Plenária de 20/03/2013, exarado nos autos REP 12/00198333 (fls. 150-150v), que culminou com a aplicação de multas ao recorrente, nos seguintes termos:

6.1. Considerar procedente a Representação formulada pela empresa Eicon Controles Inteligentes de Negócios Ltda., nos termos do art. 113, §1°, da Lei (federal) n. 8.666/93.

6.2. Aplicar ao Sr. Clésio Salvaro - ex-Prefeito Municipal de Criciúma, CPF n. 530.959.019-68, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, as multas abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

6.2.1. R$ 600,00 (seiscentos reais), em face da exigência de documento que não faz parte do rol taxativo dos arts. 27 a 31 da Lei (federal) n. 8.666/93, restringindo a competição no certame em afronta ao § 1º do art. 3º da mesma lei (item 2.2.3.1 do Relatório DLC n. 285/2012);

6.2.2. R$ 600,00 (seiscentos reais), em razão da exigência de licença de uso por tempo indeterminado contrariando o inc. IV do art. 57 da Lei n. 8.666/93 (item 2.2.7. do Relatório DLC n. 285/2012);

6.2.3. R$ 600,00 (seiscentos reais), em face da exigência de apresentação de atestados de capacidade técnica fornecidos exclusivamente por pessoa jurídica de direito público, em afronta ao art. 30, §4º, da Lei n. 8.666/93, configurando possível lesão ao art. 3º, §1º, inciso I, da mesma lei (Parecer n. MPTC n. 10523/2012);

6.2.4. R$ 600,00 (seiscentos reais), em face da exigência de apresentação de certidão negativa de débito, em contrariedade ao disposto no art. 29, inciso III, da Lei n. 8.666/93, configurando possível lesão ao art. 3º, §1º, inciso I, da mesma lei (Parecer n. MPTC n. 10523/2012);

6.2.5. R$ 600,00 (seiscentos reais), em face da exigência de apresentação de certidão negativa de débitos trabalhistas (CNDT), em contrariedade ao disposto no art. 29, inciso V, da Lei n. 8.666/93 c/c art. 642-A, §2º, da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), configurando possível lesão ao art. 3º, §1º, inciso I, da Lei de Licitações (Parecer n. MPTC n. 10523/2012).

6.3. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator, que o fundamentam, bem como dos Relatórios DLC n. 285/2012 e de Reinstrução DLC n. 643/2012 e do Parecer n. MPTC/10523/2012, à Representante, ao Responsável nominado no item 3 desta deliberação e aos Poderes Executivo e Legislativo de Criciúma. (grifos do original)

 

No recurso interposto (fls. 04-13), o recorrente sustenta, preliminarmente, a inaplicabilidade da revelia e seus efeitos nos processos que tramitam no âmbito do Tribunal de Contas. Assevera que em razão da natureza administrativa das decisões da Corte de Contas a utilização do direito privado para delimitar os efeitos da revelia não condiz com a essência do processo administrativo, já que no processo civil se busca a verdade formal e se está diante de interesses particulares disponíveis, enquanto que no processo administrativo se busca a verdade material e se está norteado pelo interesse público indisponível. Além disso, ressalta que os efeitos da revelia, por serem uma medida excepcional, demandam interpretação restritiva, não sendo pertinente a sua convolação no processo administrativo tal como ocorre no processo civil.

Aduz, ainda, que à semelhança do processo penal, já que as Cortes de Contas possuem o dever-poder de aplicar sanções, não é do interessado o ônus de provar sua inocência, mas do autor demonstrar a prática de conduta reprovável, não sendo possível aplicar a presunção de veracidade na ausência de defesa do interessado. Ademais, invoca a aplicação da Lei do Processo Administrativo Federal, que em seu art. 27 dispõe que o desatendimento da intimação não importa o reconhecimento da verdade dos fatos, nem a renúncia a direito pelo administrado, assim como cita as doutrinas de Fernão Borba Franco e de Benjamim Zymler para refutar os efeitos da revelia.

No mérito, rebate as irregularidades destacando, em síntese, que: a) Da exigência de documentos que não fazem parte do rol taxativo dos arts. 27 a 31 da Lei n. 8.666/93, em que pese o Tribunal de Contas considerar não existir previsão legal para que fosse solicitado dos licitantes atestado de teste de conceito, que tem o mesmo significado de teste de software, entende que era possível a Unidade Gestora exigir tal atestado das empresas participantes, com amparo nos incisos IV e V do art. 43 da Lei de Licitações; b) Da licença de uso por tempo indeterminado como requisito técnico funcional obrigatório da solução ofertada, embora o objeto do contrato diga respeito à locação, licença para uso do sistema e serviços correlatos, o edital incorreu em erro material, já que o item 3 do Termo de Referência, que trata do prazo de vigência, dispõe que a contratação será de 12 (doze) meses, renováveis, de modo que a contratação se daria por prazo determinado, não havendo afronta ao inciso V do art. 57 da Lei n. 8.666/93; c) Da exigência de apresentação de atestados de capacidade técnica fornecidos exclusivamente por pessoa jurídica de direito público, em se tratando de uso de Sistema de Controle Interno e Auditoria, cujas especificações constam do Termo de Referência do Edital, o referido atestado somente poderia ser fornecido por pessoa jurídica de direito público, de modo que inexistiu prejuízo à competitividade, porquanto a licitação foi aberta, as propostas foram entregues, os documentos analisados e a licitação homologada; d) E da exigência de apresentação de certidão negativa de débito fiscal/trabalhista, a simples exigência da certidão negativa de débitos, na oportunidade, abrangia também a positiva de débitos, nos termos doos arts. 205 e 206 do Código Tributário Nacional.

Ao final, pugnou em preliminar pelo provimento do recurso para afastar os efeitos da revelia e, no mérito, o reexame da decisão proferida para julgar improcedente a representação (fl. 12).

A Diretoria de Recursos e Reexames - DRR elaborou o Parecer n. 230/2015 (fls. 14-19v), sugerindo o conhecimento do recurso e, no mérito, negar-lhe provimento, em razão da ausência de novos elementos probatórios que pudessem reformar a decisão recorrida.

Por seu turno, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas elaborou o Parecer n. 33700/2015, da lavra do Exmo. Procurador Dr. Aderson Flores, no qual acompanhou o posicionamento da Diretoria de Recursos e Reexames (fl. 27).

Vieram os autos conclusos.

 

II. FUNDAMENTAÇÃO

Inicialmente, observo que o recurso preenche os requisitos de admissibilidade, vez que é adequado à pretensão, o postulante possui interesse e legitimidade para recorrer, assim como a interposição foi tempestiva, conforme disposto nos arts. 79 e 80 da Lei Complementar n. 202/2000, razão pela qual merece ser conhecido.

 

II.1. Da Preliminar

II.1.1. Da inaplicabilidade da revelia e de seus efeitos no âmbito do Tribunal de Contas

Conforme se infere dos autos, foi determinada a audiência do Sr. Clésio Salvaro (fl. 125) para apresentar justificativas acerca das restrições apontadas no Relatório DLC n. 285/2012 (fls. 95-114) e no Despacho Singular (fls. 120-123), nos termos do art. 37, II, da Lei Complementar n. 202/00.

No entanto, apesar de regularmente cientificado da audiência, por meio de "AR" (fl. 130), em 05/07/2012, o recorrente deixou transcorrer o prazo sem manifestação. Cumpre ressaltar que após a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações - DLC ter expedido o Ofício n. 12.306 (fl. 125), em 28/06/2012, o recorrente, por meio do Procurador Geral do Município de Criciúma, ainda requereu vista dos autos para retirada integral de cópias em 05/07/2012 (fls. 126-128), mesma data do recebimento do "AR".

Posteriormente, o recorrente solicitou prorrogação do prazo, por meio do Procurador Geral do Município, a fim de que pudesse atender à determinação (fl. 131), oportunidade em que lhe foi concedido mais 15 (quinze) dias para atendimento da audiência, nos termos do Ofício n. 14.088, de 27/07/2012 (fl. 133), recebido em 31/07/2012 (fl. 137). Em 02/08/2012, o recorrente retirou os autos em carga (fl. 134), porém deixou de apresentar sua defesa.

Esgotado o prazo deferido e não apresentadas as razões de defesa, operou-se contra o recorrente o instituto da revelia, consoante dispõe o art. 15, § 2º, da Lei Complementar n. 202/2000, c/c o art. 308 do Regimento Interno (Resolução n. TC-06/2001), dando-se prosseguimento ao processo, com base no material probatório existente nos autos.

Registro que apesar de o art. 15, § 2º, da Lei Complementar n. 202/2000 se referir apenas à citação, deve ser aplicado por analogia à audiência, por se tratarem de institutos congêneres. Tanto a citação quanto a audiência possuem a finalidade de dar conhecimento do processo existente e possibilitar a apresentação de defesa. O aspecto distintivo entre os institutos reside na consequência advinda de uma ou outra, isto é, aplica-se a citação para atos irregulares passíveis de cominação de multa ou imputação de débito e a audiência para atos passíveis de aplicação de multa, em conformidade com os §§ 1º e 2º do art. 123 do Regimento Interno. Por essa razão, dá-se aos mencionados institutos o mesmo tratamento.

A revelia consiste, em apertada síntese, na ausência de participação do responsável no processo. Portanto, a decretação da revelia é medida que se impõe em face da não apresentação de qualquer manifestação, a fim de que haja o prosseguimento regular do processo, em respeito aos princípios da ampla defesa e do contraditório, de maneira que a ocorrência dessa situação pode acarretar ao revel severas consequências de ordem material ou processual.

Vale salientar que os efeitos da revelia não afetam o regular desencadeamento dos atos processuais nos processos perante o Tribunal de Contas, vez que não fazem presumir a veracidade de todas as imputações levantadas contra o responsável, diferentemente do que ocorre no âmbito do processo civil.

Desse modo, a análise da responsabilidade do agente não implica prescindir da prova existente nos autos, tornando necessária a apreciação de todos os elementos constantes do processo. Nesse sentido, a jurisprudência do Tribunal de Contas da União:

Processual. Julgamento. Revelia.

O efeito da revelia no TCU não faz presumir a veracidade de todas as imputações levantadas contra os responsáveis, sendo necessária, para a avaliação das responsabilidades, a apreciação das provas presentes nos autos (Boletim de Jurisprudência n. 066/2014. TCU. AC 7907/2014. Primeira Câmara. Rel.: Min. Bruno Dantas. Data Julg.: 02/12/2014)

 

Considerando o silêncio do recorrente e que a imposição dos efeitos da revelia no âmbito administrativo admite um juízo de ponderação, o Corpo Técnico procedeu à análise minuciosa do conjunto probatório constante dos autos que ensejou as irregularidades apontadas e a sua responsabilização.

Portanto, não merece prosperar a pretensão do recorrente no tocante à inaplicabilidade da revelia e seus efeitos no âmbito do Tribunal de Contas, notadamente porque as imputações levantadas contra o responsável não foram presumidas, e sim resultado de rigorosa análise probatória, em consonância com as disposições legais e jurisprudenciais acerca da matéria, razão pela qual afasto a preliminar aventada.

 

II.2. Do Mérito

Consoante se infere do Acórdão n. 0228/2013, proferido nos autos REP 12/00198333 (fls. 150-150v), ora objeto do inconformismo do recorrente, foram-lhe aplicadas multas em face das irregularidades constatadas no Edital de Pregão n. 139/2012, referente à contratação de pessoa jurídica especializada em Consultoria em Tecnologia de Informação, Desenvolvimento de Softwares e Assessoria em Sistemas Administrativos para fornecer licença de uso de Sistemas de Controle Interno e Auditoria, Suporte Operacional, Atualizações Legais e Tecnológicas, bem como Serviços Técnicos Adicionais.  

Seguindo a mesma ordem das restrições apontadas pelo recorrente, passo à análise de mérito.

 

II.2.1. Multa no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), em face da exigência de documento que não faz parte do rol taxativo dos arts. 27 a 31 da Lei (federal) n. 8.666/93, restringindo a competição no certame (Pregão n. 139/2012) em afronta ao § 1º do art. 3º da mesma lei.

O Acórdão n. 0228/2013 se baseou nos fatos apurados pelo Corpo Técnico, que apontou nos Relatórios de Instrução n. 285/2012 (fls. 103-106) e de Reinstrução n. 643/2012 (fls. 139-144) que no Edital do Pregão n. 139/2012 foi exigida das empresas licitantes, na fase de habilitação, a apresentação do atestado de teste de conceito dos softwares ofertados, emitido pela Diretoria de Informática, documento que não faz parte do rol taxativo dos arts. 27 a 31 da Lei Federal n. 8.666/93, restringindo a competição no certame por afronta ao § 1º do art. 3º da referida legislação.

Em suas razões de recurso, às fls. 08-09, o Sr. Clésio Salvaro alega que cumpre ao licitante preencher os requisitos de habilitação previstos no edital, que funcionam como requisitos de admissibilidade na licitação, de modo que a ausência de qualquer deles impede que sejam apreciadas as propostas pela Comissão de Licitação. Além disso, reconhece que os requisitos de habilitação estão restritos a documentos relativos à habilitação jurídica, qualificação técnica, qualificação econômico-financeira, regularidade fiscal e cumprimento do disposto no art. 7º, inciso XXXIII, da Constituição Federal.

Entende, ainda, que o inciso II do art. 30 da Lei Federal n. 8.666/93 dá possibilidade de exigir comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e fornecida por pessoas de direito público ou privado, razão pela qual afirma ser possível a Unidade Gestora exigir atestado das empresas participantes, assim como os incisos IV e V do art. 43 da citada lei dispõem que a Administração deverá verificar a conformidade de cada proposta com os requisitos do edital e somente poderá classificar propostas que estiverem de acordo com os critérios de avaliação previstos no ato convocatório. Por fim, aduz que a exigência de atestado de teste de conceito, no momento da entrega da documentação e das propostas, não se mostrou limitadora e prejudicial à igualdade entre os licitantes.

Infere-se do Edital de Pregão n. 139/2012, juntado à fl. 46, que foi estabelecida a exigência nos seguintes termos:

6. DA PROPOSTA DE PREÇOS (ENVELOPE Nº 1)

(...)

6.8. Apresentar Atestado de Teste de Conceito dos Softwares ofertados (ANEXO VII), emitido pela Diretoria de Informática. Aos interessados, este Atestado será condição obrigatória para a habilitação, e a visita se dará mediante prévio agendamento, até dois dias anterior à data prevista para o início da sessão do Pregão. (...) (grifos do original)

 

A habilitação tem por objetivo reunir elementos para aferir a idoneidade do licitante e a possibilidade concreta de cumprimento das obrigações a serem pactuadas com a Administração. Dos dispositivos legais referentes à habilitação (arts. 27 a 33), previstos na Lei Federal n. 8.666/93, destaco que o art. 27 estabelece que os requisitos de habilitação se limitam a documentos relativos à habilitação jurídica, qualificação técnica, qualificação econômico-financeira, regularidade fiscal e cumprimento do disposto no art. 7º, inciso XXXIII, da Constituição Federal, sendo esse rol taxativo.

O art. 30, II, prevê que a documentação relativa à qualificação técnica se limita à "comprovação de aptidão para desempenho de atividade pertinente e compatível em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação, e indicação das instalações e do aparelhamento e do pessoal técnico adequados e disponíveis para a realização do objeto da licitação, bem como da qualificação de cada um dos membros da equipe técnica que se responsabilizará pelos trabalhos".

Como se percebe da legislação de regência, não há disposição expressa e, tampouco, qualquer elemento do qual se possa extrair interpretação que ampare a exigência de Atestado de Teste de Conceito dos Softwares a ser emitido pela Diretoria de Informática da Unidade Gestora. Tal situação se mostrou limitadora e prejudicial à igualdade entre os licitantes, excluindo possíveis interessados que possuíssem as exigências dispostas no inciso II do art. 30 eventualmente comprovadas por outros meios legais, conforme também salientado pela Diretoria de Recursos e Reexames - DRR.

De acordo com o art. 37, XXI, da Constituição Federal, os processos licitatórios devem assegurar a igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, permitindo somente exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Na mesma trilha cito o art. 3º, § 1º, inciso I, da Lei Federal n. 8.666/93, que enfatiza a observância do princípio da isonomia e a vedação de condições restritivas à competição no instrumento convocatório, nos seguintes termos:

Art. 3o  A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.      

§ 1o  É vedado aos agentes públicos:

I - admitir, prever, incluir ou tolerar, nos atos de convocação, cláusulas ou condições que comprometam, restrinjam ou frustrem o seu caráter competitivo, inclusive nos casos de sociedades cooperativas, e estabeleçam preferências ou distinções em razão da naturalidade, da sede ou domicílio dos licitantes ou de qualquer outra circunstância impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, ressalvado o disposto nos §§ 5o a 12 deste artigo e no art. 3º da Lei no 8.248, de 23 de outubro de 1991;  (...) 

    

Registro que esta Corte de Contas já julgou casos semelhantes, como o dos autos REP 13/00039997, de minha relatoria, que resultou no Acórdão n. 0511/2014, proferido na Sessão de 18/06/2014, oportunidade em que restou assentado que a exigência de amostras antes da data de apresentação das propostas, além de ser ilegal, impõe um ônus excessivo aos licitantes, encarecendo o custo de participação na licitação e desestimulando a presença de potenciais interessados. No corpo do voto, também destaquei posicionamento do Tribunal de Contas da União no mesmo sentido, para quem a exigência de amostras de todos os licitantes na fase de habilitação ou de classificação constitui ilegalidade por ausência de previsão expressa (TCU. Acórdão n. 1113/2008 - Plenário. Rel.: Min. André de Carvalho).

Com efeito, entendo que a exigência de Atestado de Teste de Conceito dos Softwares ofertados, emitido pela Diretoria de Informática, constitui documento que não faz parte do rol taxativo dos arts. 27 a 31 da Lei Federal n. 8.666/93 e que restringiu a competição no certame, violando o disposto no inciso I do § 1º do art. 3º da referida legislação. Diante desse quadro e da ausência de novos elementos de prova a amparar a modificação da decisão recorrida, nego provimento ao Recurso de Reexame, mantendo na íntegra o teor do Acórdão n. 0228/2013 nesse ponto.

 

II.2.2. Multa no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), em face da exigência de licença de uso por tempo indeterminado, contrariando o inc. IV do art. 57 da Lei n. 8.666/93.

O Acórdão combatido, amparado na apuração efetuada pelo Corpo Instrutivo nos Relatórios de Instrução n. 285/2012 (fls. 111-112) e de Reinstrução n. 643/2012 (fls. 139-144), julgou que o Edital do Pregão n. 139/2012 exigiu licença de uso de Sistemas de Controle Interno e Auditoria por tempo indeterminado, contrariando o inc. IV do art. 57 da Lei n. 8.666/93.

O recorrente argumenta, às fls. 09-10, que embora o objeto do contrato diga respeito a uma locação, licença para uso do sistema e serviços correlatos, o edital incorreu em erro material, já que o item 3 do Termo de Referência (fl. 52), que trata do prazo de vigência, dispõe que a contratação será de 12 (doze) meses, renováveis. Assim, sustenta que a contratação se daria por prazo determinado, não havendo se falar em afronta ao inciso V do art. 57 da Lei n. 8.666/93.

Verifico que o Item 4, Subitem 4.1.1, do Anexo I do Edital de Pregão n. 139/2012 (fl. 46) assim estabeleceu:

4. ESPECIFICAÇÕES TÉCNICAS E FUNCIONALIDADES OBRIGATÓRIAS REQUERIDAS PARA A SOLUÇÃO DE GESTÃO E SERVIÇOS TÉCNICOS, OBJETO DO PRESENTE EDITAL

4.1- REQUISITOS PARA A SOLUÇÃO DE GESTÃO

4.1.1- GERAIS

Deverá ser fornecida licença de uso para quantidade ilimitada de usuários e por tempo indeterminado, inclusive com a instalação em equipamentos de propriedade da PREFEITURA DE CRICIÚMA. (...) (grifos do original)

 

Cumpre registrar que o objeto do contrato se refere à aquisição de licença de uso de Sistemas de Controle Interno e Auditoria integrado aos sistemas já existentes na Prefeitura Municipal de Criciúma. Conforme bem apontado pelo Corpo Técnico, na análise efetuada à fl. 112, o objeto contratual cuida de locação, licença para uso do sistema e serviços correlatos, e não da aquisição dos códigos fontes do produto, que nesse caso oportunizariam o uso por tempo indeterminado.

Conforme se extrai do art. 57, IV, da Lei n. 8.666/93, a duração dos contratos ficará adstrita à vigência dos respectivos créditos orçamentários, exceto quanto aos relativos ao aluguel de equipamentos e à utilização de programas de informática, podendo a duração ser estendida pelo prazo de até 48 (quarenta e oito) meses após o início da vigência do contrato. Além disso, no § 3º do mesmo dispositivo legal, há vedação expressa de contrato com prazo de vigência indeterminado.

Saliento que ainda que no Item 3 do Anexo I (fl. 52) do Edital, ao tratar do prazo de vigência, tenha sido fixado expressamente que a contratação dos serviços e licenciamento de solução seria de 12 (doze) meses "renováveis conforme a lei", restou estabelecido ilegalmente no Item 4.1.1 que a licença de uso de sistemas seria por tempo indeterminado, não apenas induzindo os licitantes a erro mas também afrontando o previsto no art. 57, IV, da Lei n. 8.666/93.

  Desse modo, entendo que a alegação de erro material por parte do recorrente não merece ser acolhida, notadamente porque o Edital foi lançado e não houve a preocupação de corrigi-lo em tempo. Diante de tal circunstância, aliada à ausência de outros elementos de prova a sustentar a modificação da decisão recorrida, nego provimento ao pleito, mantendo na íntegra o teor do Acórdão n. 0228/2013 quanto à presente restrição.

 

II.2.3. Multa no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), em face da exigência de apresentação de atestados de capacidade técnica fornecidos exclusivamente por pessoa jurídica de direito público, em afronta ao art. 30, §4º, da Lei n. 8.666/93, configurando possível lesão ao art. 3º, §1º, inciso I, da mesma lei.

A partir dos fatos apurados nos autos, o Acórdão n. 0228/2013 julgou ilegal a exigência de apresentação de atestados de capacidade técnica fornecidos exclusivamente por pessoa jurídica de direito público, por contrariar os arts. 3º, § 1º, inciso I, e 30, § 4º, da Lei n. 8.666/93.

Em suas razões de recurso, às fls. 10-11, o Sr. Clésio Salvaro aduz que o Edital do Pregão n. 139/2012 tem como objeto a contratação de pessoa jurídica especializada em consultoria em tecnologia da informação, desenvolvimento de softwares e assessoria em sistemas administrativos para fornecer licença de uso de Sistema de Controle Interno e Auditoria. Destaca que em sistemas dessa natureza o atestado somente poderia ser fornecido por pessoa jurídica de direito público. Citando a doutrina de Cruz e Glock, enfatiza que, diferentemente da iniciativa privada, a Administração Pública só deve fazer o que a lei determina, inclusive exigindo a implementação de controles mais rigorosos e sofisticados. Por fim, salienta que inexistiu prejuízo à competitividade, porquanto a licitação foi aberta, as propostas foram entregues, os documentos analisados e a licitação homologada.

Conforme se depreende do Subitem 7.1.6.2 do Edital de Pregão n. 139/2012, à fl. 47, dentre os requisitos referentes à qualificação técnica deveria haver a comprovação da aptidão do licitante por meio da apresentação de atestados fornecidos por instituições jurídicas de direito público. Nesse sentido, a previsão:

7. DOS DOCUMENTOS DE HABILITAÇÃO (ENVELOPE Nº 2)

(...)

7.1.6 Relativos à Qualificação Técnica:

(...)

7.1.6.2. Comprovação de aptidão do licitante através de apresentação de atestado(s) fornecido(s) por instituições jurídica(s) de direito público, em nome da Licitante, comprovando ter este desempenhado, de forma satisfatória, atividades compatíveis com o objeto desta licitação (...); (grifos do original)

 

Observo que a Unidade Gestora fez constar do Edital ilegalmente a exigência de capacidade técnica fornecida, de maneira exclusiva, por pessoa jurídica de direito público. Essa exigência não se coaduna com o estabelecido no art. 30, § 4º, da Lei n. 8.666/93, que prevê que nas licitações para fornecimento de bens a comprovação de aptidão, quando for o caso, será feita por meio de atestados fornecidos por "pessoa jurídica de direito público ou privado", pois, ao fixar a apresentação de atestado emitido apenas por pessoa jurídica de direito público, a Administração restringe o caráter competitivo da licitação, limitando injustificadamente a participação de empresas que atuam apenas no setor privado, conforme também salientado pelo Ministério Público de Contas (fls. 115-116) e pela Diretoria de Recursos e Reexames (fls. 17-18).

Portanto, o inconformismo do recorrente não merece guarida, de modo que a exigência de apresentação de atestados de capacidade técnica fornecidos exclusivamente por pessoa jurídica de direito público viola o preceituado nos arts. 3º, § 1º, inciso I, e 30, § 4º, da Lei n. 8.666/93, razão pela qual nego provimento ao Recurso de Reexame, mantendo hígido o teor do Acórdão n. 0228/2013 no tocante à presente irregularidade.

 

II.2.4. Multa no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), em face da exigência de apresentação de certidão negativa de débito, em contrariedade ao disposto no art. 29, inciso III, da Lei n. 8.666/93, configurando possível lesão ao art. 3º, § 1º, inciso I, da mesma lei

 

II.2.5. Multa no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), em face da exigência de apresentação de certidão negativa de débitos trabalhistas (CNDT), em contrariedade ao disposto no art. 29, inciso V, da Lei n. 8.666/93 c/c art. 642-A, § 2º, da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), configurando possível lesão ao art. 3º, § 1º, inciso I, da Lei de Licitações.

O Acórdão n. 0228/2013 se baseou nos fatos apurados pelo Corpo Técnico, que apontou nos Relatórios de Instrução n. 285/2012 (fls. 106-107) e de Reinstrução n. 643/2012 (fls. 139-144) que no Edital do Pregão n. 139/2012 foi exigida das empresas licitantes a apresentação de certidão negativa de débitos fiscais e trabalhistas, contrariando o disposto nos arts. 3º, §1º, inciso I, e 29, incisos III e V, da Lei n. 8.666/93.

O recorrente declara seu inconformismo com a decisão, à fl. 11, sob o fundamento de que a exigência de certidão negativa de débitos, à época, abrangia também a positiva de débitos. Invoca os arts. 205 e 206 do Código Tributário Nacional para sustentar que a regularidade fiscal pode ser comprovada através de certidão negativa de débito e que a certidão positiva tem o mesmo efeito da negativa. Ademais, alega não ter havido cerceamento de defesa a qualquer participante por apresentar certidão positiva, assim como nenhum prejuízo houve à competitividade.

Quanto à exigência de apresentação de certidão negativa de débitos fiscais e trabalhistas, o Edital de Pregão n. 139/2012, às fls. 46-47, assim dispôs em seu Subitem 7.1.4, alíneas "b" e "g":

7. DOS DOCUMENTOS DE HABILITAÇÃO (ENVELOPE Nº 2)

(...)

7.1.4. Relativos à Regularidade Fiscal e Trabalhista:

(...)

b) Certidão conjunta negativa perante a Fazenda Federal e quanto a Dívida Ativa da União, expedida pelo Órgão da Secretaria da Receita Federal;

(...)

g) Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas - CNDT, em atendimento a Lei 12.440, de 7 de julho de 2011 e Resolução Administrativa TST nº 1470 de 24.08.2011. (grifos do original)

 

Da leitura do art. 205 do Código Tributário Nacional se pode observar o comando de que a quitação de determinado tributo ou regularidade fiscal poderá ser demonstrada por meio de certidão negativa de débito. Já o art. 206 do citado Código acrescenta que possui os mesmos efeitos a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos, em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora, ou cuja exigibilidade esteja suspensa.

Cumpre destacar, ainda, que o art. 29, incisos III e V, da Lei n. 8.666/93 prevê que a documentação referente à regularidade fiscal e trabalhista consistirá em prova de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal do domicílio ou da sede do licitante, ou outra equivalente, bem como prova da inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho, mediante a apresentação de certidão negativa, nos termos do Título VII-A da Consolidação das Leis do Trabalho.

Conjugando os dispositivos legais aplicáveis à espécie e a exigência de apresentação de certidão negativa de débitos fiscais e trabalhistas constantes do Edital, verifico que a municipalidade restringiu a participação das empresas que eventualmente tivessem certidão positiva com efeitos de negativa, seja perante as Fazendas Federal, Estadual e Municipal, seja perante a Justiça do Trabalho. Conforme bem salientado pelo Ministério Público de Contas, às fls. 117-118, não são legítimas cláusulas editalícias restritivas à participação de licitantes que discutem a exigência de tributos nas vias próprias. Ademais, o argumento do recorrente de que "a licitação foi aberta, as propostas foram entregues, os documentos analisados, e a licitação homologada", sugerindo que inexistiu prejuízo à competitividade por não se ter ciência de que algum licitante teve sua participação cerceada por apresentar certidão positiva, não é suficiente para afastar a julgamento por parte do Tribunal de Contas, porquanto manifesta a prática de irregularidade com grave infração à norma legal ou regulamentar.  

Diante do exposto, entendo que a exigência de apresentação de certidão negativa de débitos fiscais e trabalhistas contraria o previsto nos arts. 3º, § 1º, inciso I, e 29, incisos III e V, da Lei n. 8.666/93, e que os argumentos do recorrente são insuficientes para respaldar a modificação da decisão recorrida, razão pela qual nego provimento ao Recurso de Reexame nesse ponto, mantendo na íntegra o teor do Acórdão n. 0228/2013.

 

III. VOTO

Estando os autos instruídos na forma Regimental, submeto ao Egrégio Plenário a seguinte proposta de voto:

1. Conhecer do Recurso de Reexame, nos termos dos arts. 79 e 80 da Lei Complementar Estadual n. 202/2000, interposto contra o Acórdão n. 0228/2013, proferido nos autos do processo REP 12/00198333, na Sessão Plenária de 20/03/2013, e, no mérito, negar-lhe provimento, mantendo na íntegra a decisão recorrida.

2. Dar ciência desta Decisão e do Voto do Relator ao Sr. Clésio Salvaro e ao seu Procurador constituído, à Prefeitura Municipal de Criciúma e ao Representante EICON CONTROLES INTELIGENTES DE NEGÓCIOS LTDA.

 

Gabinete, em 13 de julho de 2015.

 

 

Cleber Muniz Gavi

Auditor Substituto de Conselheiro

Relator