Processo n.:

REP 14/00403828

Unidade Gestora:

Câmara Municipal de São José

Responsável:

Sanderson Almeci de Jesus

Interessado:

Observatório Social de São José

Assunto:

Supostas irregularidades praticadas no Pregão Presencial n. 011/2014.

I – Relatório

Cuida-se de representação com pedido de medida cautelar proposta pelo Observatório Social de São José (OSSJ), apontando supostas irregularidades no Edital de Pregão Presencial n. 011/2014, lançado pela Câmara Municipal de São José, cujo objeto é a “contratação de empresa(s) para a prestação de serviços de criação, produção, edição e finalização das Sessões Legislativas, telejornais, vinhetas e programas de televisão relacionados às atividades da CMSJ, veiculação e transmissão da TV Legislativa em São José, outras emissoras de TV a cabo ou TV aberta, inclusive de sinal digital, além de veiculação na internet através do Portal da CMSJ, conforme especificações constantes no Termo de Referência, anexos do edital”, no valor mensal previsto de R$ 119.872,14 (cento e dezenove mil oitocentos e setenta e dois reais e quatorze centavos).

Em seu Relatório de Instrução Plenária n. 424/2014, assinado pelo Auditor Fiscal de Controle Externo Luiz Carlos Uliano Bertoldi, a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações (DLC) se manifestou preliminarmente pelo conhecimento da representação e, no mérito, identificou quatro falhas que justificariam a concessão da medida cautelar requerida pelo representante:

3.2.1. Contratação de serviços de 4 (quatro) pessoas de nível superior em comunicação social com habilitação em jornalista e 6 (seis) pessoas (no mínimo nível médio completo) para atuar junto a TV Legislativa em São José, com carga horária de 5 e 6 horas por dia, através do referido pregão, afrontando ao disposto no inciso II (concurso público) artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988;

3.2.2. Orçamento detalhado em planilhas que não expressem a composição dos preços correntes no mercado, descumprindo o disposto nos incisos II do § 2º do art. 7º c/c o art. 43, IV da Lei Federal nº 8.666/93;

3.2.3.  Valor previsto de R$ 1.438.465,68, para a contratação de empresa através do referido pregão, contraria o disposto no caput do artigo 37 e do artigo 70 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988; e

3.2.4. Exigências previstas no item 33 do Anexo II para o item 9 do Lote I, compromete a competitividade e pode ser considerada impertinente ou irrelevante para o específico objeto do contrato, contrariando o disposto no art. 3º, §1º, inciso I, da Lei Federal nº 8.666/93.

Por meio do Despacho n. GASNI 37/2014, foi determinado cautelarmente ao Sr. Sanderson Almeci de Jesus que, imediatamente após a classificação final dos licitantes e antes da assinatura do contrato, promovesse a sustação do Pregão Presencial n. 011/2014, até manifestação ulterior do Tribunal de Contas.

Autorizada a audiência dos responsáveis, o Sr. Sanderson Almeci de Jesus apresentou defesa às fls. 119/133, alegando a regularidade do certame e pugnando, ao final, pela liberação da adjudicação e da homologação da licitação, possibilitando finalmente a celebração do contrato.

No Relatório de Reinstrução Plenária n. 509/2014, assinado pelo Auditor Fiscal de Controle Externo Luiz Carlos Uliano Bertoldi, a DLC fez as seguintes sugestões de encaminhamento:

3.1. Considerar parcialmente procedente a Representação formulada nos termos do art. 113, §1°, da Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

3.2. Considerar irregular, com fundamento no art. 36, § 2º, “a”, da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, o Edital do Pregão Presencial nº 11/14, lançado pela Câmara Municipal de São José em face das seguintes irregularidades:

3.2.1. Contratação de serviços de 4 (quatro) pessoas de nível superior em comunicação social com habilitação em jornalista e 6 (seis) pessoas (no mínimo nível médio completo) para atuar junto a TV Legislativa em São José, com carga horária de 5 e 6 horas por dia, através do referido pregão, afrontando ao disposto no inciso II (concurso público) artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (item 2.1 do presente Relatório);

3.2.2. Orçamento detalhado em planilhas que não expressem a composição dos preços correntes no mercado quanto aos serviços objeto do edital, descumprindo o disposto nos incisos II do § 2º do art. 7º c/c o art. 43, IV da Lei Federal nº 8.666/93 (item 2.2 do presente Relatório);

3.2.3.  Valor da contratação de R$ 1.066.800,00, para a contratação de empresa através do referido pregão, contraria o disposto no caput do artigo 37 e no artigo 70 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (item 2.3 do presente Relatório); e

3.2.4. Exigências previstas no item 33 do Anexo II para o item 9 do Lote I são irrelevantes para o específico objeto do contrato, contrariando o disposto no art. 3º, §1º, inciso I, da Lei Federal nº 8.666/93 (item 2.4 do presente Relatório).

3.3. Determinar ao Sr. Sanderson Almeci de Jesus a anulação do Pregão Presencial nº 11/14, da Câmara Municipal de São José, com fundamento no artigo 49 da Lei Federal nº 8.666/93, e comprovação a este Tribunal, no prazo a ser estabelecido pelo Relator, conforme disposição no Regimento Interno e Resoluções deste Tribunal.

3.4. Dar ciência ao Sr. Sanderson Almeci de Jesus da seguinte irregularidade no certame que também é motivo para a anulação do Pregão Presencial nº 11/14, da Câmara Municipal de São José, a partir da classificação das propostas, com fundamento no artigo 49 da Lei Federal nº 8.666/93 c/c o inciso IX do artigo 4º da Lei Federal nº 10.520/02:

3.4.1. Desclassificação irregular da empresa Carlos Alexandre de Andrade Autran ME no Lote 1 e a empresa Márcio Schmitz & Cia Ltda. no Lote 2, contrariando o inciso IX do artigo 4º da Lei Federal nº 10.520/0 (item 2.3 do presente Relatório).

3.5. Dar ciência do Relatório e da Decisão ao Observatório Social de São José, ao Sr. Sanderson Almeci de Jesus e ao responsável pelo Controle Interno da Câmara Municipal de São José.

Na sequência, o Sr. Valmor José Heberle apresentou as suas alegações de defesa, com teor similar às alegações de defesa anteriormente apresentadas pelo Sr. Sanderson Almeci de Jesus.

Diante da substancial juntada de documentos, os autos foram novamente remetidos à DLC, que exarou o Relatório de Instrução Plenária n. 605/2014, ratificando integralmente a Conclusão de seu Relatório anterior, tendo em vista a ausência de argumentos novos apresentados pela defesa.

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas (MPTC) manifestou-se por meio de parecer da lavra da Procuradora Cibelly Farias, pugnando ao final:

a) pela PROCEDÊNCIA PARCIAL desta representação;

b) pelas IRREGULARIDADES descritas nos itens 3.2.1 ao 3.2.4 da conclusão do relatório de instrução à fl. 544-v;

c) pela DETERMINAÇÃO para que o Sr. Sanderson Almeci de Jesus promova a anulação do Pregão Presencial n. 11/14 da Câmara Municipal de São José, com base no art. 49 da Lei n. 8.666/1993, bem como para que comprove a este Tribunal a adoção de providências.

É o relatório.

II – Fundamentação

Com o objetivo de sistematizar a presente Proposta de Voto, passo a analisar as restrições apontadas pela DLC, as alegações de defesa apresentadas pelos responsáveis e o posicionamento do Ministério Público de Contas.

1. Contratação de pessoal sem a devida aprovação em concurso público

A primeira irregularidade, tal como acolhida no Despacho n. 37/2014, ficou assim redigida:

3.1. Contratação de serviços de 4 (quatro) pessoas de nível superior em comunicação social com habilitação em jornalista e 6 (seis) pessoas (no mínimo nível médio completo) para atuar junto a TV Legislativa em São José, com carga horária de 5 e 6 horas por dia, através do referido pregão, afrontando ao disposto no inciso II (concurso público) artigo 37 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988;

Para a DLC, a Câmara Municipal de São José não deveria licitar a prestação do serviço, mas, sim, realizar concurso público para preenchimento dos cargos, até porque “A Câmara Municipal de São José está ‘ampliando’ seu quadro funcional criando 10 (dez) cargos, sendo 4 (quadro) de nível superior e 6 (seis) de nível médio”. A área técnica fundamentou seu entendimento, entre outras coisas, em prejulgados que versam sobre contratação por prazo determinado para atender à necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX, da CF/88).

Em sua defesa, os responsáveis afirmaram que “a CMSJ não está contratando os profissionais, o que se deseja ao final da licitação é a pactuação de contrato com empresa para a prestação dos serviços de criação, produção, edição e finalização das Sessões Legislativas, telejornais, vinhetas e programas de televisão relacionados às atividades da CMSJ, objeto do Pregão Presencial n.° 011/2014”. Disseram, ainda, que o modelo proposto é semelhante ao da ALESC.

Em sua manifestação, o MPTC ponderou que “A manutenção da TV Câmara não é um serviço temporário, mas contínuo e permanente. Ademais, para os cargos de diretor de imagem, operador de edição, auxiliar de operador e operador de áudio não foram exigidas quaisquer comprovações de capacidade técnica, apenas o ensino médio completo, levando a crer que trata-se de funções com atividades previsíveis e rotineiras”. E ainda: “No que tange aos Editais n. 21/10 e 26/11 da ALESC, levando em consideração o paralelo traçado pela instrução às fls. 535-536-v, observa-se que há muitas diferenças entre os referidos editais e o Pregão Presencial n. 11/2014 da Câmara Municipal de São José, motivo pelo qual não podem ser utilizados como parâmetro no presente caso”.

Vindo os autos à apreciação desta Relatora, divirjo do entendimento da área técnica e do Parquet de Contas, na medida em que ambos relacionaram a contratação de serviços prevista no Pregão Presencial n. 011/2014 com a contratação por necessidade temporária de excepcional interesse público, prevista no art. 37, IX, da Constituição Federal.

Ora, sabe-se que a contratação temporária por excepcional interesse público é modalidade de exceção na admissão de servidores públicos. Para que ocorra, em consonância com o previsto no art. 37, IX, da Constituição Federal, faz-se imprescindível a existência concomitante de três requisitos autorizadores: situação de excepcional interesse público, temporariedade da necessidade e hipótese prevista em lei.

Neste norte, Celso Antônio Bandeira de Mello comenta:

A Constituição prevê que a lei (entende-se: federal, estadual, distrital ou municipal, conforme o caso) estabelecerá os casos de contratação para o atendimento de necessidade temporária de excepcional interesse público (art. 37, IX). Trata-se, aí, de ensejar suprimento de pessoal perante contingências que desgarrem da normalidade das situações e presumam admissões apenas provisórias, demandadas em circunstâncias incomuns, cujo atendimento reclama satisfação imediata e temporária (incompatível, portanto, com o regime normal de concursos).[1]

Como se vê, a contratação temporária se opõe à contratação por concurso público e somente tem lugar quando ficar configurada situação emergencial que justifique excepcionar a regra geral prevista no art. 37, II, da Constituição Federal. Exemplos de casos em que se admite a contratação temporária são o estado de emergência ou de calamidade pública, provocados por epidemias, enchentes ou qualquer outro desastre natural.

O caso em apreço, ao contrário da abordagem da DLC e do MPTC, não demanda análise sobre emergência ou excepcionalidade da situação, mas, sim, a possibilidade de terceirização dos serviços inerentes à TV Legislativa do Município.

De acordo com Marçal Justen Filho, “A terceirização indica a transferência para terceiros, promovida pelo agente econômico, do desempenho de certas atividades específicas, necessárias à prestação do serviço ou à produção e circulação de mercadoria”[2].

Sobre as possibilidades de terceirização no serviço público, José dos Santos Carvalho Filho destaca:

É inteiramente legítimo que o Estado delegue a terceiros algumas de suas atividades-meio, contratando diretamente com a sociedade empresária, à qual os empresários pertencem. É o caso dos serviços de conservação e limpeza e de vigilância. Aqui, trata-se de terceirização lícita. Vedado se afigura, entretanto, que delegue atividades-fim, como é o caso de funções institucionais e próprias dos órgãos públicos. Nesse caso, a Administração simula a intermediação de mão-de-obra, numa evidente contratação de locação de serviços individuais e, com isso, procede a recrutamento ilegal de servidores (terceirização ilícita).[3]

O Tribunal de Contas de Santa Catarina possui prejulgados no mesmo sentido acima exposto, indicando que a terceirização só é cabível quando a contratação recair sobre atividade meio da Administração Pública. Quando se tratar de atividade fim, as atividades devem ser desempenhadas por servidores públicos.

O Prejulgado 1891 assim dispõe:

1. É possível terceirizar as atividades-meio, como, enunciativamente, as medições de consumo de água e uso do sistema de esgotamento sanitário, o processamento das informações coletadas em banco de dados informatizado, a conservação, a limpeza e a vigilância das instalações públicas, entre outros.

2. Não é possível se adotar o regime de terceirização das atividades finalísticas do ente público.

3. Quando se tratar de companhia de águas e esgoto, não poderão ser objeto de terceirização, por exemplo, o lançamento tributário (faturamento), sua respectiva cobrança e arrecadação, assim como a emissão de ordens de serviço relativas à instalação, conserto, reparo ou corte do fornecimento dos ditos serviços, por envolver atividade-fim da companhia.

4. O Decreto (federal) n. 2.271/1997 não se aplica às Administrações Estadual e Municipal, ainda que não haja regulamento próprio sobre o tema, pois a referida normativa é dirigida exclusivamente às contratações de serviços pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional.

Entendo que a atividade fim da Câmara Municipal de São José é legislar, controlar as contas públicas e, no mais, impulsionar as atividades burocráticas quotidianas de auxílio aos vereadores, não estando englobado neste conceito (atividade fim) as funções desempenhadas por aqueles que produzem conteúdo e colocam a TV Legislativa do Município de São José no ar.

Diante disso, penso que a modalidade de contratação escolhida pela Câmara Municipal de São José foi correta, não representando, por si só, qualquer burla ao princípio constitucional do prévio concurso público.

Quanto ao fato de o edital de Pregão Presencial n. 11/2014 pressupor a “existência de uma subordinação direta a algum servidor/chefe da Câmara, uma vez que estabelece o controle da frequência e subordinação dos servidores ao chefe de Departamento de Marketing e Comunicação – CDMC, quando deveria ser ao responsável da contratada, caracterizando, portanto, terceirização irregular”, penso que a leitura do Ministério Público de Contas, bem como a da área técnica, não está correta. É que o Anexo II do Edital em momento algum subordina os funcionários da empresa contratada a qualquer servidor da Câmara Municipal. Muito pelo contrário, o Edital apenas esclarece que a Câmara Municipal poderá fiscalizar as atividades desempenhadas pela empresa, bem como a frequência dos funcionários, o que é perfeitamente regular.

Por fim, DLC e MPTC fizeram questão de pontuar as diferenças entre o modelo de contratação realizado pela Câmara Municipal de São José e da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, como se este último modelo pudesse servir de parâmetro para toda e qualquer contratação desse tipo.

Data venia, por mais que a contratação da ALESC não esteja em julgamento no presente processo, é válido pontuar que as diferenças apontadas pela área técnica, e secundadas pelo MPTC, apontam no sentido de que o modelo da Câmara Municipal de São José é, quiçá, melhor que o da ALESC. Senão vejamos:

Constata-se uma diferença entre os editais, enquanto os Editais acima, da Alesc, tem um lote único, o Edital da Câmara de São José dividiu o objeto em dois lotes, sendo no lote 1 – Locação de pessoal e um veículo e no lote 2 – locação de equipamentos, dando abertura à hipótese de ter uma empresa vencedora no lote 1 executando os serviços com equipamentos de outra empresa se a vencedora não for a mesma do lote 1.

[...]

Outra diferença que se constata é a forma de pagamento do Edital da Câmara de São José, que se dará sobre a locação de mão de obra e sobre a locação dos equipamentos e não sobre os serviços a serem executados.

Ora, quanto ao primeiro ponto, enquanto o edital da ALESC pressupõe a contratação casada de locação de bens e prestação serviços, o da Câmara Municipal de São José permite que uma empresa forneça os bens e uma outra preste os serviços, em evidente ampliação da competitividade. Quanto ao segundo, não vejo diferença relevante entre “locação de mão de obra e equipamentos” e “prestação de serviços a serem executados”.

Diante de todo o exposto, considera-se sanada a restrição.

2. Do orçamento detalhado em planilhas que não expressam a composição dos preços correntes no mercado, configurando afronta ao inciso II do § 2º do art. 7º c/c o art. 43, IV, da Lei Federal n. 8.666/1993.

A segunda irregularidade acolhida no Despacho n. 37/2014 se refere à ausência de orçamentos detalhados em planilhas a respeito dos valores a serem pagos pelo objeto licitado. E, como o objeto do Pregão Presencial n. 11/2014 é a prestação de serviços relativos à TV Câmara, segundo o representante os valores a serem despendidos com os profissionais terceirizados seriam elevados em comparação com a remuneração bruta do Procurador Geral da Câmara Municipal de São José.

Em seu Relatório de Instrução n. 509/2014, a DLC deu por sanada a restrição, tendo em vista a juntada dos orçamentos de fls. 166 a 183; 184 a 205; 206 a 234; 237 a 245; e 246 a 311. Como tal posicionamento foi também acompanhado pelo Parquet de Contas, dou por sanada a restrição no ponto.

Entretanto, a DLC prosseguiu de ofício na análise do Pregão Presencial n. 11/2014, constatando que algumas empresas teriam sido desclassificadas do certame irregularmente:

No entanto, a empresa Carlos no Lote 1, e a empresa Márcio no Lote 2, apesar de estarem 10% abaixo do valor, deveriam ter ido para fase de lances, tendo em vista que se fazem necessárias três ofertas para esta fase. Assim as duas empresas citadas foram desclassificadas irregularmente.

Portanto, constata-se a desclassificação irregular da empresa Carlos Alexandre de Andrade Autran ME no Lote 1 e da empresa Márcio Schmitz & Cia Ltda. no Lote 2, contrariando o inciso IX do artigo 4º da Lei Federal nº 10.520/02.

De acordo com a área técnica, a licitação não poderia ter prosseguido sem ao menos três ofertas para a fase de lances. Dessa forma, a desclassificação das empresas Carlos e Márcio seria irregular por ofensa ao art. 4º, IX, da Lei Federal n. 10.520/2002.

De fato, a Lei do Pregão é muito clara ao estabelecer que “no curso da sessão, o autor da oferta de valor mais baixo e os das ofertas com preços até 10% (dez por cento) superiores àquela poderão fazer novos lances verbais e sucessivos, até a proclamação do vencedor” e que “não havendo pelo menos 3 (três) ofertas nas condições definidas no inciso anterior, poderão os autores das melhores propostas, até o máximo de 3 (três), oferecer novos lances verbais e sucessivos, quaisquer que sejam os preços oferecidos”.

De acordo com Joel de Menezes Niebuhr, “A finalidade de exigir que, no mínimo, 3 (três) licitantes participem da segunda etapa do julgamento, franqueando a eles oportunidade para oferecer lances orais, está relacionada com a competitividade”.[4]

No mais, como pontuado pelo MPTC, “verifica-se que os valores orçados não demonstraram a composição dos custos e serviços a serem efetuados, como o da prestação de serviços de criação, produção e edição das sessões legislativas e programas de televisão relacionados às atividades da Câmara Municipal e da veiculação e transmissão da TV Legislativa em São José. Assim, a restrição impende ser mantida”.

Assim, nos termos da análise da DLC e do MPTC, fica caracterizada a irregularidade.

A DLC ainda enxergou impropriedades no modo de liquidação de despesas:

Como já informamos, o Lote 2 tem como objeto, a locação de 42 equipamentos. Cita-se, por exemplo o item 12 – que são quatro intercomunicadores profissionais, no valor de R$117,94 unitário mensal. Pergunta-se como a Unidade vai liquidar esta despesa se o mesmo não tem patrimônio ou identificação? Assim acontece com o item 14 – oito microfones tipo lapela, e outros. Também o item 30 que tratou de 700 mt de cabo de vídeo e 400 mt de cabo de áudio? A mesma pergunta? Como a Unidade vai liquidar a despesa? Com apenas a apresentação do equipamento num dia do mês ou todos os dias úteis será verificado se os 42 equipamentos são utilizados?

No ponto, observo que as eventuais dificuldades técnicas na liquidação das despesas não podem ser presumivelmente qualificadas como irregularidades antes mesmo de elas acontecerem. Equivale a dizer: se a Câmara Municipal de São José terá ou não dificuldades para liquidar tais despesas, isso deverá ser apurado em momento oportuno, quando da análise do futuro contrato.

Em meu juízo, destacar irregularidade com base nas suposições acima transcritas seria por demais temerário, razão pela qual dou por sanada tal restrição.

Ainda, quanto à alegação do representante, no sentido de que os orçamentos juntados no procedimento licitatório (fl. 318) estavam acima da taxa de mercado em comparação com os preços propostos, tendo em vista que o preço previsto de R$ 65.012,46 foi a média dos valores de orçamentos apresentados pelas quatro empresas cotadas, pondero que a irregularidade não se confirmou.

Ora, a metodologia utilizada pela Câmara Municipal de São José foi reunir as cotações das empresas PRIMER, MGM, BAND TV e EIXO Z para extrair delas uma média de preço. Pondero que, embora esse não seja o único método de aferição da média de preços praticada no mercado, isso não o torna um método inválido.

Ademais, pontuo que, ao final, não houve qualquer prejuízo financeiro à Administração Pública, estando a proposta vencedora do certame abaixo da média proposta pelo órgão licitante.

Por fim, quanto ao preço de itens específicos e supostas irregularidades atinentes a orçamentos, taxa de administração e vales-transportes, penso que os documentos juntados aos autos não são capazes de demonstrar cabalmente irregularidades passíveis de restrição.

De todo o exposto, destaco no item, então, apenas a irregularidade concernente à desclassificação das empresas Carlos Alexandre de Andrade Autran ME no Lote 1 e da empresa Márcio Schmitz & Cia Ltda. no Lote 2, contrariando o inciso IX do art. 4º da Lei Federal n. 10.520/2002.

3. Do valor previsto para a contratação de empresa através do Pregão Presencial n. 11/2014.

A terceira irregularidade acolhida no Despacho n. 37/2014 diz respeito ao valor estimado para a contratação da empresa de telecomunicações, orçada em R$ 119.872,14 (cento e dezenove mil oitocentos e setenta e dois reais e quatorze centavos). Para a área técnica, tal valor seria contrário ao princípio da economicidade, previsto no art. 70 da Constituição Federal, sobretudo quando comparado ao valor mensal gasto em Florianópolis (R$ 40 mil).

Dentre as causas da distorção de preços, a área técnica apontou também o aluguel mensal de veículo, de microfones e de outros equipamentos, em suposta ofensa ao art. 37 da Constituição Federal. Segundo a DLC,

Em doze meses de contratação, com o valor do aluguel dos equipamentos, a Unidade poderia adquiri-los e incorporá-los ao patrimônio, sendo mais conveniente e eficiente a aquisição, já que há previsão na minuta do Contrato que o mesmo seja prorrogado até 60 meses (Cláusula sétima da Minuta do Contrato, fls. 78).

Em sua defesa, os responsáveis alegaram que todos os preços constantes no orçamento decorrem de pesquisas prévias de mercado e que a comparação com o modelo adotado pela Câmara Municipal de Florianópolis é indevido, tendo em vista as diferenças constantes na natureza dos serviços contratados em ambos os Municípios. A guisa de exemplo, disseram que, ao contrário de Florianópolis, em São José a empresa contratada ficará responsável pela criação, produção, edição e finalização de programa diário em formato de telejornal.

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas acompanhou o entendimento da área técnica.

Vindo os autos à apreciação desta Relatora, divirjo do entendimento da instrução.

Inicialmente, pontuo que as diferenças de valor entre os contratos de Florianópolis e São José não são decisivas para a confirmação da irregularidade apontada pela DLC. É que, conforme explicado e documentado pelos responsáveis, o serviço prestado em cada uma das Câmaras Municipais é distinto. Não se pode negar que o grande diferencial do Pregão presencial n. 11/2014 é prever a criação, produção, edição e finalização de conteúdo televiso exclusivo para a Câmara Municipal de São José. E, nesse sentido, não parece estranho que a remuneração da empresa contratada em São José seja diferente da empresa contratada em Florianópolis.

Ademais, os preços estipulados no certame foram compostos através de pesquisas de mercado, que atestam a plausibilidade de tais valores.

Dessa forma, afasta-se a irregularidade.

Quanto ao segundo ponto, relativo à opção pelo aluguel em vez da compra de equipamentos, pondero que escolhas desse tipo são discricionárias da Administração Pública e geralmente levam em consideração diversos aspectos outros que não apenas a comparação de preços entre a aquisição e o aluguel do bem. Questões como vida útil do bem, gastos de manutenção e necessidade de trocas rotineiras, por exemplo, são sempre levadas em consideração para subsidiar tais decisões administrativas. Por exemplo: comprar um carro ou um microfone que, a longo prazo, apresente defeito poderá ser menos vantajoso do que alugar tais bens por tempo determinado.

Tendo isso em vista, não parece razoável assentar que a opção da Câmara Municipal de São José foi equivocada, antieconômica ou ineficiente. Pelo contrário, após análise dos autos, infere-se que tal opção foi plausível.

Diante do exposto, e também considerando que a análise foi restrita ao objeto da representação, dou por sanada a restrição apontada.

De toda forma, entendo pertinente expedir recomendação no sentido de que o administrador justifique sua escolha discricionária, avaliando inclusive o custo benefício e a necessidade do objeto contratado, no momento da assinatura do contrato, que obviamente poderá ser analisado futuramente por este Tribunal de Contas.

4. Das exigências previstas no item 33 do Anexo II para o item 9 do Lote I do Pregão Presencial n. 11/2014.

A área técnica e o MPTC sufragaram o entendimento do representante, no sentido de que a exigência de aquisição de veículo demonstraria o direcionamento do certame para determinada empresa, em ofensa ao art. 3º, § 1º, I, da Lei Federal n. 8.666/1993. Além disso, entenderam que a estimativa de gastos com 40 (quarenta) litros de combustível por semana seria muito elevada, afrontando o princípio da economicidade previsto na Constituição Federal.

Os responsáveis, por sua vez, alegaram que a suposta restrição à competitividade não se confirmou, tendo em vista que 6 (seis) empresas interessadas retiraram o edital.

O Parquet de Contas ponderou ser irrelevante o número de empresas interessadas que retiraram o edital. No mais, entendeu que o item 33 do Anexo II do Edital de Pregão possibilitou o direcionamento do certame, além de fazer exigências irrelevantes para a execução do objeto do contrato.

Eis a redação do item questionado:

ANEXO II

Lote I

[...]

33 - A CONTRATADA deverá disponibilizar 01 (um) Automóvel Utilitário para transporte dos profissionais necessários na execução de atividades inerentes ao serviço contratado, que sejam realizadas fora do ambiente da sede da CMSJ, com as seguintes características: automóvel Utilitário; ar-condicionado; motorização mínima 1.0; mínimo 6 lugares; 5 portas; combustível mínimo 40 litros por semana. [...]

Data maxima venia, não é possível enxergar direcionamento na exigência acima referida. Pondero ser plausível que um programa diário de telejornalismo necessite de um veículo sempre à disposição dos profissionais que preparam o material para ir ao ar, seja para a realização de reportagens externas ou para qualquer outro tipo de locomoção que seja necessário.

O fato de se exigir, no mínimo, 40 litros de gasolina por semana não se relaciona com suposto direcionamento do certame, mas, sim, com a garantia de que, sempre que preciso, o veículo terá combustível para fazer viagens dentro ou fora do Município.

A suposta ofensa ao § 6º do art. 30 da Lei de Licitações não se confirmou, pois não houve qualquer tipo de exigência de “propriedade” ou de “localização prévia”, mas, sim, de requisitos mínimos para a utilização do bem alugado. Tal como realizada, a exigência é até mais benéfica do que a sugerida pela área técnica, consubstanciada em mera apresentação de declaração formal da contratada.

Ante o exposto, dou por sanada também a presente restrição.

III – Proposta de Voto

Diante do exposto, divergindo em parte do posicionamento da área técnica e do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, sugere-se ao Plenário a seguinte Proposta de Voto:

1. Considerar parcialmente procedente a Representação formulada nos termos do art. 113, §1°, da Lei Federal n. 8.666/1993.

2. Considerar irregular a desclassificação da empresa Carlos Alexandre de Andrade Autran ME no Lote 1 a e a empresa Márcio Schmitz & Cia Ltda. no Lote 2, por contrariar o inciso IX do art. 4º da Lei Federal n. 10.520/2000 (item 2.3 do Relatório de Reinstrução Plenária n. 509/2014, da DLC).

3. Determinar ao atual Presidente da Câmara Municipal de São José que anule o Pregão Presencial n. 11/2014, a partir da classificação das propostas, com fundamento no art. 49 da Lei Federal n. 8.666/1993 c/c o inciso IX do art. 4º da Lei Federal n. 10.520/2000, e comprovação da providência a este Tribunal, no prazo de trinta dias, conforme disposição no Regimento Interno e Resoluções deste Tribunal.

4. Recomendar, quanto ao valor previsto para a contratação, que o administrador justifique sua escolha discricionária, avaliando inclusive o custo benefício e a necessidade do objeto contratado, no momento da assinatura do contrato, que obviamente poderá ser analisado futuramente por este Tribunal de Contas.

5. Dar ciência do Relatório e da Decisão ao Observatório Social de São José, ao atual Presidente da Câmara Municipal de São José e ao responsável pelo Controle Interno da Câmara Municipal de São José.

Florianópolis, 25 de agosto de 2015.

 

 

Sabrina Nunes Iocken

Relatora



[1] BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 21 ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 270.

[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 552.

[3] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 24. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011, p. 170.

[4] NIEBUHR, Joel de Menezes. Pregão Presencial e Eletrônico. 6. ed. Belo Horizonte: Forum, 2011, p. 177.