ESTADO DE SANTA CATARINA

 

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

 

Gabinete do Auditor Substituto de Conselheiro Cleber Muniz Gavi

 

 

PROCESSO:                         DEN 15/00282887

UG/CLIENTE:                       Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina

INTERESSADO:       Paulo Emílio de Moraes Garcia

RESPONSÁVEL:      Gelson Luiz Merísio

ASSUNTO:                Denúncia acerca de irregularidade na nomeação de cargo comissionado

 

 

DENÚNCIA. NEPOTISMO CRUZADO. ELEMENTOS PARA CONFIGURAÇÃO. ENTENDIMENTO DO STF E DO CNJ. INDÍCIOS INSUFICIENTES. NÃO CONHECIMENTO. ARQUIVAMENTO.

Nos termos da Súmula Vinculante n. 13 do STF, a configuração do denominado nepotismo cruzado pressupõe a existência de ajuste mediante designações recíprocas. Conforme decisões do Conselho Nacional de Justiça, além do grau de parentesco, constituem indicativos do ato irregular a interveniência da autoridade perante o órgão nomeante, a reciprocidade de benefícios e a sustentabilidade dos interesses.

Sem indícios suficientes que comprovem tal prática, a indicação isolada do grau de parentesco de dado servidor com autoridade de órgão público diverso não constitui motivação suficiente para acolhimento da denúncia.

 

 

I – RELATÓRIO

Trata-se de denúncia formulada pelo Sr. Paulo Emílio de Moraes Garcia, a respeito de suposta irregularidade no exercício de cargo comissionado por Eduardo Lange Fontes, na Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina. Segundo o denunciante, tendo em vista que o mencionado servidor é filho do Conselheiro Cesar Filomeno Fontes, o caso trata-se de “... flagrante nepotismo, na espécie nepotismo cruzado, prática expressamente vedada pela já notória Súmula Vinculante 13”, motivo pelo qual pleiteia a aplicação das medidas corretivas e sancionatórias cabíveis.

Posteriormente, houve aditamento da denúncia com requerimento de medida cautelar incidental, a fim de impedir a continuidade do recebimento indevido de vencimentos, bem como evitar o “desprestígio público das instituições político-administrativas de Estado como um todo e, em especial, dessa própria Corte de Contas.” (fls. 04/05).

A Diretoria de Controle de Atos de Pessoa – DAP, por meio do Relatório n. 4.747/2015, indicou não estar demonstrada a existência de irregularidade na forma arguida pelo denunciante que justifique o pedido de medida cautelar. No entanto, para instrução do processo, sugere a realização de diligências na Assembléia Legislativa do Estado e no Tribunal de Contas.

Após a análise inicial da DAP, o denunciante solicitou que diversos processos de sua autoria fossem categorizados como “urgentes”, nos termos do art. 127, caput, e inc.s V, VII e VIII do Regimento Interno dessa Corte de Contas. Deferi o pedido para os processos de minha relatoria, sendo os mesmos assim identificados. (DEN 15/00282704 e DEN 15/00282887).

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas emitiu o Parecer MPTC n.º 36386/2015, de 13.08.2015 (fl. 23), acompanhando a manifestação do Corpo Instrutivo.

Vieram os autos conclusos.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

O fato sob apuração alude a ato administrativo da Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina, competente para nomeação e manutenção do servidor no cargo comissionado, motivo pelo qual no Relatório DAP n. 4747/2015 indica-se como responsável o Sr. Gelson Luiz Merísio, Presidente daquele órgão legislativo. Dita unidade gestora está sob a relatoria deste subscritor neste exercício de 2015, fato que fundamenta o encaminhamento desta denúncia para minha apreciação.

As denúncias e representação feitas a este Tribunal devem respeitar alguns requisitos e formalidades legais para acolhimento e apuração dos fatos apontados como irregulares, a teor do seguinte preceito da Lei Orgânica desta Corte:

Art. 65. Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas do Estado.

§ 1º A denúncia sobre matéria de competência do Tribunal deverá referir-se a administrador ou responsável sujeito à sua jurisdição, ser redigida em linguagem clara e objetiva, estar acompanhada de indício de prova e conter o nome legível e assinatura do denunciante, sua qualificação e endereço (grifo nosso).

 

Conforme já relatado inicialmente, o denunciante noticia situação de nepotismo, na modalidade nepotismo cruzado, em virtude do exercício de cargo comissionado por Eduardo Lange Fontes na Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina, sendo ele filho do Exmo. Sr. Cesar Filomeno Fontes, Conselheiro deste Tribunal de Contas.

Não obstante, faltam indícios claros do alegado ato irregular, cuja caracterização demanda outros requisitos, não devidamente demonstrados na peça inicial.

A configuração do denominado nepotismo cruzado pressupõe a demonstração de designações recíprocas de cargos, sendo este o elemento que revelaria a tentativa de beneficiar (mediante “troca de favores”) pessoa com grau próximo de parentesco, mas em órgão distinto daquele no qual o agente público detém ingerência para proceder a nomeações. Tais elementos, aliás, são identificados na própria Súmula Vinculante n. 13, do STF, que possui a seguinte redação:

A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal. (grifamos)

(Súmula Vinculante n. 13)

 

Analisando o que consta dos autos, não se vislumbra a existência de tais indicativos da prática de nepotismo cruzado, apenas constando a informação de que Eduardo Lange Fontes é filho do Conselheiro Cesar Filomeno Fontes, sem que se indique qual outra nomeação revelaria, indiciariamente, o benefício prestado por este último em favor de algum parente do Presidente da ALESC.

O Conselho Nacional de Justiça, a quem cabe analisar a legalidade dos atos de membros e órgão do Poder Judiciário, tem reiteradamente firmado que o nepotismo cruzado demanda tal caracterização, conforme se extrai das seguintes decisões.

RECURSO ADMINISTRATIVO. PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. NEPOTISMO CRUZADO. CASO CONCRETO. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 22ª REGIÃO. RESOLUÇÃO N. 7/2005. SERVIDORA SEM VÍNCULO COMPANHEIRA DO ATUAL PRESIDENTE DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO PIAUÍ. NÃO CONFIGURADA A HIPÓTESE DE CONTRATAÇÃO RECÍPROCA PELO LEGISLATIVO PIAUIENSE. AUSÊNCIA DE PROVA DO ALEGADO.

Ante a narrativa do sindicato requerente e as provas acostadas nos autos, não se vislumbra, in casu, a caracterização de nepotismo cruzado, em razão da inexistência de nomeação recíproca no âmbito do Poder Legislativo do Estado do Piauí.

Conheço do recurso e no mérito voto por negar-lhe provimento.

(CNJ - RA – Recurso Administrativo em PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0003213-29.2009.2.00.0000 - Rel. JEFFERSON LUIS KRAVCHYCHYN - 97ª Sessão - j. 26/01/2010).

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO – INSTAURAÇÃO DE OFÍCIO - SERVIDORA COMISSIONADA DA JUSTIÇA MILITAR ESTADUAL – PARENTESCO, POR AFINIDADE, COM MEMBRO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL – NEPOTISMO CRUZADO - NÃO OCORRÊNCIA – APLICAÇÃO DA SÚMULA VINCULANTE N.º 13 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL E RESOLUÇÃO N.º 07 DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA.

Não há irregularidade na contração de servidora, para exercício em cargo de comissão, no âmbito da Justiça Militar Estadual, em razão de parentesco, por afinidade, com membro do Ministério Público Estadual, quando não estiver caracterizada a nomeação ou designação recíproca entre as autoridades envolvidas, a teor da Súmula Vinculante n.º 13 do Supremo Tribunal Federal e da Resolução n.º 07 do Conselho Nacional de Justiça.

(CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0002638-21.2009.2.00.0000 - Rel. Milton Augusto de Brito Nobre - 90ª Sessão - j. 15/09/2009).

 

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. ALEGAÇÃO DE NEPOTISMO CRUZADO. EXONERAÇÃO. NOMEAÇÃO DE PARENTE EM ÓRGÃO DISTINTO, DE FORMA ISOLADA E SEM RECIPROCIDADE. IMPROCEDENTE.

I. A configuração do nepotismo cruzado depende da constatação de favorecimento recíproco e simultâneo que sustente a permanência dos beneficiados no cargo.

II. Incabível a presunção de irregularidade quando a nomeação ocorreu de forma isolada em órgão distinto, sem que se possa concluir reciprocidade ou troca de favores, ausente entrelaçamento que autorize conclusão nesta seara

(CNJ - PCA - Procedimento de Controle Administrativo - 0002655-57.2009.2.00.0000 - Rel. MORGANA DE ALMEIDA RICHA - 98ª Sessão - j. 09/02/2010).

 

A última decisão citada, aliás, constitui um dos principais precedentes do CNJ, cabendo transcrever o seguinte excerto do voto da Exma. Conselheira Relatora:

Caracterizado pelo favorecimento direto a parentes de autoridades integrantes do mesmo ou de órgãos diversos, o nepotismo é configurado nos casos em que confirmado a) o grau de parentesco, b) a interveniência da autoridade perante o órgão nomeante, bem assim, nos casos de nepotismo cruzado, c) a reciprocidade de benefícios e d) a sustentabilidade dos interesses.

 

Quanto ao julgado do STF proferido nos autos do MS 27.945/DF, juntado pelo denunciante às fls. 06/13, é importante esclarecer não tratar o mesmo da hipótese de nepotismo cruzado. Naquele caso o que se apurava era a nomeação de um servidor no Tribunal Regional Federal da 1ª Região, cujo irmão era juiz federal vinculado ao mesmo TRF. Tal peculiaridade emerge da ementa da decisão, com o seguinte texto:

EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. SERVIDOR EFETIVO DO PODER EXECUTIVO, QUE EXERCE FUNÇÃO COMISSIONADA EM TRIBUNAL, AO QUAL SEU IRMÃO É VINCULADO COMO JUIZ. CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. PEDIDO DE PROVIDÊNCIAS. SÚMULA VINCULANTE N. 13: NEPOTISMO. MANDADO DE SEGURANÇA DENEGADO.

1. Não se faz necessária comprovação de “vínculo de amizade ou troca de favores” entre o irmão do Impetrante e o Desembargador Federal de quem é assistente processual, pois é a análise objetiva da situação de parentesco entre o servidor e a pessoa nomeada para exercício de cargo em comissão ou de confiança na mesma pessoa jurídica da Administração Pública que configura a situação de nepotismo vedada, originariamente, pela Constituição da República.

2. A configuração de afronta ao princípio da isonomia pressupõe identidade de situações com tratamento diverso, o que, à evidência, não ocorre na espécie.

3. Mandado de segurança denegado.

(grifamos)

 

Aquele caso, portanto, não condiz com hipótese de nepotismo cruzado.

Diante de todas estas considerações, verifico não constar dos autos indícios suficientes da prática do citado ato irregular, pois não há evidências de nomeações combinadas, com prévio ajuste para favorecimento de algum parente do Presidente da Assembléia Legislativa neste Tribunal de Contas.

Assim, concluo não estarem presentes as condicionantes para o conhecimento da denúncia.

Semelhante encaminhamento, inclusive, já fora adotado por esta Corte de Contas em procedimento que, também iniciado por denúncia do Sr. Paulo Emílio de Moraes Garcia, igualmente aludia à prática de nepotismo na Assembléia Legislativa do Estado de Santa Catarina. Conforme se extrai da publicação no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, de 17.05.2013, a decisão prolatada no Proc. DEN n. 12/00309267 foi por “não conhecer da denúncia por deixar de preencher requisito e formalidade preconizados nos arts. 65, §1°, da Lei Complementar (estadual) n. 202/2000 e 96, caput e §4° do Regimento Interno deste Tribunal”.

Finalmente, quanto à sugestão da DAP para promoção de novas diligências, considero-a incabível no presente contexto.

É importante salientar que casos semelhantes, nos quais ausentes os requisitos para os acolhimentos da representação, redundam em proposta para não conhecimento, sendo incomum a sugestão para providências destinadas a delinear irregularidade não suficientemente demonstrada na peça inicial. No já citado processo DEN 12/00309267, por exemplo, foi sugerido o arquivamento do feito, sem proposição semelhante à que consta destes autos.

Como sabido, sempre tenho primado por manter a coerência com as manifestações e votos por mim anteriormente emitidos. As denúncias e representações devem ter indícios mínimos para provocarem à atuação desta Corte de Conta, sob pena de não conhecimento, conforme a disciplina legal pertinente. Não fosse assim, a fase destinada ao conhecimento da denúncia seria, ou totalmente desnecessária, ou sujeita ao incondicionado (e indevido) arbítrio de cada relator.

Independentemente de quem seja a autoridade denunciada, é imprescindível que sejam adotados critérios uniformes de apuração, pois – reitere-se – não é de praxe esta Corte de Contas se substituir aos denunciantes e representantes na tarefa de complementar provas de cuja existência sequer tem conhecimento.

Ademais, a sugestão destinada a avaliar a situação de cada servidor comissionado desta Corte de Contas a partir de 2013, a fim de se obter informações que auxiliem na instrução do processo, considera fontes probatórias de eficácia questionável. Não consta na ficha pessoal de cada servidor desta Corte de Contas se os mesmos mantêm grau de parentesco com o Governador, Deputados, Senadores, Desembargadores, Juízes, Procuradores de Justiça, Promotores, Prefeitos, Vereadores, enfim, com o inestimável número de autoridades que podem eventualmente praticar um ato configurador do nepotismo cruzado. Então, solicitar da direção do Tribunal de Contas informações acerca de quais servidores do TCE possuem vínculo de parentesco com Joares Ponticelli, Romildo Titon e Gelson Merísio (e porque não com qualquer Deputado da ALESC) constituiria providência bastante controversa, pois formalmente tal informação não consta dos assentos funcionais.

A solicitação de cópia do ato de nomeação e da cópia da identidade de cada servidor também é de escassa utilidade para tal propósito. E se há opinião em contrário, não custa lembrar que a lista de todos os servidores do TCE está disponibilizada na página da internet do órgão (ícone: “transparência e acesso à informação”/”gestão”/”pessoal”/”consultar remuneração dos agentes públicos TCE-SC”), podendo qualquer um  fazer a verificação e indicar, de forma mais precisa, o eventual grau de parentesco de servidor com alguma autoridade do Estado e os indícios da prática de nepotismo ou nepotismo cruzado. Obviamente, a possibilidade de interposição de denúncias não está estancada por esta decisão, que apenas se sustenta na ausência de elementos suficientes para embasamento da irregularidade comunicada.

Por tais razões, divirjo da proposta da área técnica, mesmo porque expressamente afirmado em sua manifestação que:

Para ficar caracterizado o nepotismo cruzado no caso contemplado nos autos, deve ser identificado o cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau de autoridade da ALESC, nomeado para ocupar cargo de provimento em comissão no Tribunal de Contas do Estado.

Não está demonstrada a existência de irregularidade na forma arguida pelo Denunciante, que justifique o pedido de Medida Cautelar Incidental, com afastamento do Sr. Eduardo Lange Fontes do cargo que ocupa na ALESC ate decisão de mérito do presente processo. (...)

 

Os mesmos motivos que levam ao indeferimento da cautelar impõem o não conhecimento da denúncia, pois não há, de fato, indícios suficientes da prática do nepotismo cruzado.

 

III – VOTO

Ante o exposto, estando os autos instruídos na forma Regimental, proponho a este egrégio Plenário o seguinte voto:

1.  Não conhecer da presente Denúncia, por não atender as prescrições contidas no art. 65, §1º, da Lei Complementar n. 202/2000.

2.   Dar ciência desta Decisão, bem como do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, ao Denunciante e ao Presidente da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina.

3.  Determinar o arquivamento dos autos.

 

Gabinete, em 13 de setembro de 2015.

 

 

Cleber Muniz Gavi

Auditor Substituto de Conselheiro

Relator