PROCESSO Nº

REP 10/00042968

UNIDADE GESTORA

Prefeitura Municipal de Itajaí

REPRESENTANTE

Ricardo Roesler, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina

RESPONSÁVEL

Volnei José Morastoni

ESPÉCIE

Representação do Poder Judiciário

ASSUNTO

Irregularidades na Contrato nº 166/2006, para a prestação de serviços necessários à execução das obras de implantação e pavimentação da Via Expressa Portuária de Itajaí.

 

 

 

CONTRATO. ORIGEM. CONVÊNIO. PREVALÊNCIA DE RECURSOS ORIUNDOS DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO.

A fiscalização de convênios com prevalência de recursos oriundos da União incumbe ao Tribunal de Contas da União, ao qual compete fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município.

 

 

 

I – RELATÓRIO

 

Trata-se de ofício encaminhado pelo Exmo. Sr. Ricardo Roesler, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, que veio acompanhado de cópia dos autos da Apelação Cível em Mandado de Segurança 2007.018383-1, versando sobre supostas irregularidades no Contrato nº 166/2006 firmado em 18 de abril de 2006 entre a Prefeitura Municipal de Itajaí e a Empresa Coneville Serviços e Construções Ltda., tendo com objeto os serviços necessários à realização de obras de implantação e pavimentação da Via Expressa Portuária de Itajaí (fls. 02-598).

Por meio da Decisão Singular nº GAC/AMF 168/2011 (fls. 599-601), a presente Representação foi conhecida com a determinação à Diretoria de Controle de Licitações e Contratações (DLC) para que apuração dos fatos, inclusive com a realização de diligências, inspeções e auditorias. Diante disso, a diretoria técnica realizou auditoria de regularidade e inspeção in loco nas obras de pavimentação asfáltica realizadas pelo Município de Itajaí nos exercícios de 2011 a 2012, inclusive com a requisição e análise de diversos documentos, (fls. 603-887).

O corpo instrutivo exarou o Relatório de Instrução DLC nº 245/2013 pela realização de audiência nos seguintes termos (fls. 888-903):

3.1. Determinar a audiência ao Sr. Volnei José Morastoni, Prefeito Municipal à época, inscrito no MF/CPF sob n.º 171.851.739-49, nos termos do art. 29, § 1º, da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, para, no prazo de 30 dias, a contar do recebimento desta deliberação, com fulcro no art. 46, I, b, do mesmo diploma legal c/c o art. 124 do Regimento Interno (Resolução nº TC-06, de 28 de dezembro de 2001), apresentar alegações de defesa acerca das irregularidades abaixo relacionadas, ensejadoras de aplicação de multas previstas nos arts. 69 ou 70 da Lei Complementar nº 202/2000:

3.1.1. O Projeto não atende à norma da ABNT 14.885/2005, item 4.2.5.1, c/c art. 6º, inciso X, da Lei Federal 8.666/1993, por não observar a distância livre mínima estabelecida entre a borda da barreira e a linha demarcatória da borda de faixa de rolamento, provocando sensação de confinamento (item 2.2.1. do Relatório);

3.1.2. Projeto não prevê curvas horizontais com transição em espiral, mesmo quando necessárias, e também pela ausência de superlargura, prejudicando o tráfego de veículos, especialmente os de grande porte, em desacordo com as normas de projeto geométrico do DNIT, em afronta ao disposto na Cláusula Nona, Item 1, do Contrato n° 166/2006, c/c art. 66 da Lei Federal 8.666/1993. (item 2.2.2. do Relatório);

3.1.3. Alinhamento vertical projetado prevê rampas excessivas, curvas verticais inadequadas ou ausentes, em desacordo com os valores estabelecidos no Manual de Projeto do DNIT, podendo causar prejuízo aos usuários da via além do impacto na paisagem, contrariando ao disposto na Cláusula Nona, Item 1 do Contrato n° 166/2006, c/c art. 66 da Lei Federal 8.666/1993. (item 2.2.3 do Relatório);

3.1.4. Capacidade da via projetada é insuficiente para suportar o tráfego de caminhões de carga, podendo a construção de pistas simples sem acostamento causar congestionamentos, fazendo com que esses veículos optem por usar outros trajetos dentro da cidade, sem a observância das normas do DNIT, contrariando ao disposto na Cláusula Nona, Item 1, do Contrato n° 166/2006, c/c art. 66 da Lei Federal 8.666/1993 (item 2.2.4 do Relatório);

3.1.5. Cronograma físico da obra, parte integrante do projeto básico, foi mal elaborado, resultando um prazo inexequível para a sua execução, o que determinou a assinatura de três termos aditivos de prazo, em afronta ao disposto no art. 6º, inciso IX, da Lei Federal 8.666/1993. (item 2.3.1 do Relatório);

3.1.6. Projeto de desapropriação mal elaborado, ignorando a complexidade e magnitude do trabalho, em virtude das características do sítio da obra, o que determinou um ritmo muito lento às obras além de várias paralisações, contrariando ao disposto no art. 6º, inciso IX, da Lei Federal 8.666/1993. (item 2.3.2 do Relatório);

3.1.7. Celebração de termos aditivos de prazo, que alongaram o prazo contratual de 12 para 38 meses, atos perfeitamente previsíveis já à época da assinatura do contrato, em afronta ao disposto no art. 6º, inciso IX, da Lei Federal 8.666/1993. (item 2.3.3 do Relatório);

3.1.8. Possíveis prejuízos à contratada, decorrentes de sucessivas e longas paralisações das obras, que se estenderam por 71% do prazo contratual, em razão inexecução das desapropriações, ora reclamados em Juízo pela Coneville, os quais se deferidos, não poderão ser suportados pelo erário, conforme previsto no art. 5º da Lei Federal nº 8.429, de 02 de junho de 1992 (item 2.4 do Relatório);

3.2. Encaminhar o presente relatório ao DNIT e TCU, em razão das inúmeras falhas apontadas no projeto, as quais se mantidas poderão comprometer severamente a operação futura da via.

Em 26 de agosto de 2013, determinei a realização de audiência e remessa de documentos nos termos propostos pela área técnica (fl. 903). Realizada a audiência e o encaminhamento dos documentos conforme o item 3.2 do Relatório DLC nº 245/2013 (fls. 904-908). O Sr. Volnei José Morastoni constituiu advogado nos autos e requereu cópia do processo (fls. 909-913). Ato contínuo, requereu a prorrogação do prazo para justificativas, o que foi deferido por 30 (trinta) dias (fls. 914-917), apresentando alegações de defesa nas fls. 921-932.

O Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), por meio da sua Superintendência Regional no Estado de Santa Catarina, informou que empreenderia a continuidade da execução da obras por meio de contratação por Regime Diferenciado de Contratações para finalizar a Via Portuária de Itajaí (fls. 935-942), restando cientes desta comunicação a DGCE, DLC e Inspetoria responsável por esta auditoria (fl. 935).

Da análise das informações e dos documentos carreados aos autos, a DLC concluiu no Relatório de Reinstrução nº 436/2014 (fls. 946-966):

Considerando a Auditoria Ordinária in loco na Prefeitura Municipal de Itajaí, realizada por esta Diretoria de Licitações e Contratações - DLC, com o objetivo de verificar possíveis prejuízos ao erário na execução da obra de construção da Via Expressa Portuária;

Considerando que o Relatório DLC nº 245/2013 foi encaminhado em audiência ao ex-prefeito Sr. Volnei José Morastoni, conforme consta às fls. 904 e 908;

Considerando que as justificativas apresentadas pelo ex-prefeito Sr. Volnei José Morastoni, às fls. 921 a 932, são insuficientes para elidir as irregularidades constatadas e apontadas no Relatório DLC nº 245/2013;

Considerando que o Relatório DLC nº 245/2013 foi encaminhado ao DNIT, fls. 907, que se manifestou acerca das irregularidades apontadas no projeto e execução da Via Expressa Portuária, às fls. 935 a 942;

Considerando a existência do processo nº. 033.12.018692-9, na Comarca de Itajaí do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, fls. 851 a 864, onde a contratada requer indenização devido aos prejuízos causados pelo alongamento excessivo do prazo no Contrato nº 166/2006, pela não efetivação da desapropriação;

E considerando ainda tudo mais que dos autos consta, a Diretoria de Controle de Licitações e Contratações – DLC sugere ao Exmo. Sr. Relator:

3.1. Aplicar multas ao Sr. Volnei José Morastoni, Prefeito Municipal à época, inscrito no MF/CPF sob n.º 171.851.739-49, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar nº 202, de 15 de dezembro de 2000, c/c o art. 109, II, do Regimento Interno (Resolução nº TC-06, de 28 de dezembro de 2001), em face do descumprimento de normas legais ou regulamentares abaixo, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação do Acórdão no Diário Oficial Eletrônico - DOTC-e, para comprovar ao Tribunal de Contas o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da citada Lei Complementar:

3.1.1. O Projeto não atende à norma da ABNT 14.885/2005, item 4.2.5.1, c/c art. 6º, inciso X, da Lei Federal 8.666/1993, por não observar a distância livre mínima estabelecida entre a borda da barreira e a linha demarcatória da borda de faixa de rolamento, provocando sensação de confinamento (item 2.2.1. do Relatório);

3.1.2. Projeto não prevê curvas horizontais com transição em espiral, mesmo quando necessárias, e também pela ausência de superlargura, prejudicando o tráfego de veículos, especialmente os de grande porte, em desacordo com as normas de projeto geométrico do DNIT, em afronta ao disposto na Cláusula Nona, Item 1, do Contrato n° 166/2006, c/c art. 66 da Lei Federal 8.666/1993. (item 2.2.2. do Relatório);

3.1.3. Alinhamento vertical projetado prevê rampas excessivas, curvas verticais inadequadas ou ausentes, em desacordo com os valores estabelecidos no Manual de Projeto do DNIT, podendo causar prejuízo aos usuários da via além do impacto na paisagem, contrariando ao disposto na Cláusula Nona, Item 1 do Contrato n° 166/2006, c/c art. 66 da Lei Federal 8.666/1993. (item 2.2.3 do Relatório);

3.1.4. Capacidade da via projetada é insuficiente para suportar o tráfego de caminhões de carga, podendo a construção de pistas simples sem acostamento causar congestionamentos, fazendo com que esses veículos optem por usar outros trajetos dentro da cidade, sem a observância das normas do DNIT, contrariando ao disposto na Cláusula Nona, Item 1, do Contrato n° 166/2006, c/c art. 66 da Lei Federal 8.666/1993 (item 2.2.4 do Relatório);

3.1.5. Cronograma físico da obra, parte integrante do projeto básico, foi mal elaborado, resultando um prazo inexequível para a sua execução, o que determinou a assinatura de três termos aditivos de prazo, em afronta ao disposto no art. 6º, inciso IX, da Lei Federal 8.666/1993. (item 2.3.1 do Relatório);

3.1.6. Projeto de desapropriação mal elaborado, ignorando a complexidade e magnitude do trabalho, em virtude das características do sítio da obra, o que determinou um ritmo muito lento às obras além de várias paralisações, contrariando ao disposto no art. 6º, inciso IX, da Lei Federal 8.666/1993. (item 2.3.2 do Relatório);

3.1.7. Celebração de termos aditivos de prazo, que alongaram o prazo contratual de 12 para 38 meses, atos perfeitamente previsíveis já à época da assinatura do contrato, em afronta ao disposto no art. 6º, inciso IX, da Lei Federal 8.666/1993. (item 2.3.3 do Relatório);

3.2. Dar ciência da Decisão, do Relatório e Voto do Relator, do Relatório Técnico e do Parecer do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina:

3.2.1 Ao Ministério Público Estadual, em razão de possíveis prejuízos à contratada, decorrentes de sucessivas e longas paralisações das obras, que se estenderam por 71% do prazo contratual, devido à inexecução das desapropriações, ora reclamados em Juízo pela Coneville, processo nº. 033.12.018692-9, fls. 851 a 864, os quais se deferidos, não poderão ser suportados pelo erário, conforme previsto no art. 5º da Lei Federal nº 8.429, de 02 de junho de 1992 (item 2.3.4 do Relatório);

3.2.2 Ao Sr. Volnei José Morastoni, à Prefeitura Municipal de Itajaí e ao seu Controle Interno.

 

O Parquet Especial, instado a se manifestar, emitiu o Parecer nº MPTC/34.588/2015 (fls. 967-986), acolhendo as conclusões do corpo instrutivo, porém opinando pela realização das seguintes medidas complementares:

2. Determinar à Prefeitura Municipal de Itajaí que informe, dentro do prazo de 15 dias, as providências que a administração adotou ou pretende adotar ante a paralisação da obra.

3. Alertar à Prefeitura Municipal de Itajaí que a continuação/readequação das obras deverá ser feita de acordo com as observações contidas no Relatório Técnico.

4. Solicitar ao DNIT para que preste informações concretas acerca da possível assunção das obras, remetendo ao referido órgão o Relatório Técnico elaborado pelo corpo do Tribunal de Contas.

 

É o relatório.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

 

Os fatos noticiados nesta Representação dizem respeito a supostas irregularidades no Contrato nº 166/2006, firmado em 18 de abril de 2006 entre a Prefeitura Municipal de Itajaí e a Empresa Coneville Serviços e Construções Ltda., bem como na execução da avença, cujo objeto foi a realização dos serviços necessários às obras de implantação e pavimentação da Via Expressa Portuária de Itajaí.

Segundo informações do corpo instrutivo, o presente contrato teve execução de apenas 15% do previsto, sendo que em julho de 2010 o Exército Brasileiro assumiu a obra, ao passo que em julho de 2012 ocorreu nova paralisação da obra, em razão de falta de desapropriação de residências à margem da via.

Em 31.10.2012, seis anos e meio após iniciada a obra, a diretoria técnica verificou que 60% (sessenta por cento) dos imóveis lindeiros à via ainda não haviam sido desapropriados e destacou que a lentidão na execução da obra e as sucessivas paralisações podem ter acarretado a deterioração dos serviços já executados. Todavia, ressaltou o corpo instrutivo que, após o tempo transcorrido da paralisação das obras, não seria possível averiguar e quantificar os serviços que deveriam ser refeitos. Além disso, o projeto básico do empreendimento padeceria de falhas graves que culminaram na ocorrência de diversas irregularidades técnicas, as quais violaram normas incidentes sobre a execução de vias da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).

Por outro lado, não haveria previsão de retomada das obras, sendo que o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT) pretende assumir a obra, com a realização de licitação por meio do Regime Diferenciado de Contratações a fim de se adequar o projeto básico e executivo, bem como executar o restante da obra (fl. 935).

Destaco que o presente Contrato para a realização dos serviços necessários às obras de implantação e pavimentação da Via Expressa Portuária de Itajaí teve origem no Convênio nº TT-305/2005-00/2008 (fl. 188-194), o qual foi celebrado entre o Ministério dos Transportes, através do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), e o Município de Itajaí.

Segundo o convênio, o valor total do projeto foi de R$ 23.645.806,41 (vinte e três milhões, seiscentos e quarenta e cinco mil, oitocentos e seis reais e quarenta e um centavos), sendo que, conforme a Cláusula Segunda, o Poder Convenente (Município de Itajaí), a título de contrapartida financeira participaria do projeto com 32,33% do valor. Portanto, o Poder Concedente (União) proveria o montante de R$ 16.000.000,00 (dezesseis milhões de reais), correspondendo a 67,67% dos recursos, enquanto o Poder Convenente (Município de Itajaí), ofereceria contrapartida no valor de R$ 7.645.806,41 (sete milhões, seiscentos e quarenta e cinco mil oitocentos e seis reais e quarenta e um centavos).

Descortinada a composição de recursos que deveriam dar suporte à obra, é de se indagar sobre a competência para a fiscalização da regular aplicação dos recursos públicos no caso que se apresenta.

Embora a questão atinente à competência para a fiscalização de convênios nos quais haja confluência de recursos federais e estaduais ou municipais não tenha sido apontada pela área técnica no processo em análise, observo que esta Corte de Contas tem precedentes recentes em que, no caso de exame da regularidade da aplicação de recursos oriundos de Convênios entre a União e o Estado de Santa Catarina e/ou Município(s) no qual o valor predominante vier do Governo Federal, os autos devem ser remetidos ao Tribunal de Contas da União. São eles os processos nº REP 10/00797411[1], nº REP 10/00824400[2], nº REP 12/00175392[3], nº REP 12/00108288[4], nº REP 12/00163700[5], nº REP 12/00050930[6], nº LCC 10/00690617[7] e nº TCE 08/00438442[8].  Além da predominância de recursos da União, os votos aprovados pelo Tribunal Pleno desta Corte de Contas ressaltam que os órgãos federais, no caso os Ministérios concedentes, são os gestores do Convênio, executores das transferências e têm, conforme cláusulas do convênio, ingerência nas atividades de controle e fiscalização. Portanto, é entendimento que deve ser acolhido para situações similares.

No presente caso, a Cláusula Quarta versa sobre a "Prestação de Contas" que o Poder Convenente (Prefeitura Municipal) deve prestar ao DNIT (fls. 191-192). A Cláusula Quinta trata da "Supervisão e Fiscalização", cujo dispositivo exige acesso irrestrito ao Sistema de Controle Interno subordinado ao órgão federal (fl. 192). Por fim, a Cláusula Décima, ao dispor os requisitos finais do Convênio, definiu ser "prerrogativa do CONCEDENTE [União] conservar a autoridade normativa, exercer a supervisão e a fiscalização sobre a execução do presente CONVÊNIO" (fl. 193).

Tais disposições permitem vislumbrar que a competência para a apuração e sanção das eventuais ilegalidades e danos decorrentes da sua execução devem ser carreadas no âmbito do ente federal, notadamente na alçada de competências do Tribunal de Contas da União.

Cumpre informar que no âmbito do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, ocorreu entendimento divergente apenas no parecer do MPjTC da lavra do Sr. Diogo Rodrigo Ringenberg no processo nº REP 12/00040039, donde, ao se deparar com situação semelhante a tratada nestes autos, suscita não haver sustentação legal para a interpretação que vem sendo dada, pois "mesmo que apenas R$ 1,00 fosse o valor da contrapartida haveria justificativa para a atuação da Corte [Estadual]".

Neste ponto, manifesto minha preocupação quanto ao encaminhamento que vem sendo dado por esta Corte aos processos que envolvem o exame de execução de convênios com recursos predominantemente federais, mas acrescidos de contrapartida advinda dos cofres públicos do Estado de Santa Catarina e/ou Municípios Catarinenses, sobretudo ante precedentes recentes do Tribunal de Contas da União em face do exame destes convênios envolvendo em menor volume valores dos demais entes da federação.

Quando da análise de Tomada de Contas Especial que envolvem convênios entre a União e os Estados ou Municípios com a utilização de recursos predominantemente daquele e contrapartida destes, o TCU vem firmando precedentes de que a sua fiscalização fica adstrita aos recursos federais, motivo pelo qual, na conclusão da ocorrência de dano ao erário, a condenação em débito do responsável se dá com base na proporcionalidade da participação financeira entre concedente e convenente, com comunicação ao Tribunal de Contas Estadual de origem para providências quanto aos valores de originados dos cofres municipais e estaduais. Neste sentido, destaco os Acórdãos nº 4473/2012[9], nº 6727/2012[10], nº 1615/2013[11] e 1084/2013[12] trazendo excerto deste último com a conclusão no sentido exposto:

Aos Tribunais de Contas dos Estados e dos Municípios e Ministério Público Estadual
90. Conforme demonstrado no subitem 10.2, alínea l da instrução anterior (peça 8, p. 52), além do prejuízo à União restou configurado dano ao erário municipal no valor de R$ 13.200,00, calculado com base na proporcionalidade de participação financeira  do concedente e do convenente. Desse modo, e considerando que a competência do Tribunal, no que concerne à fiscalização de transferências voluntárias, está adstrita aos recursos federais, faz-se necessário encaminhar cópia integral da deliberação que o Tribunal vier a adotar ao Tribunal de Contas responsável pelo controle externo do município em questão, como também ao Ministério Público Estadual competente, para as providências a cargo desses órgãos. (grifei)

 

Portanto, a atuação desta Corte de Contas de relegar a competência para se fiscalizar todo o convênio que, ainda que em menor proporção, envolva recursos estaduais e municipais, ao Tribunal de Contas da União, deve ser avaliada com parcimônia, sobretudo quando se verifica a ocorrência de dano ao erário, dadas as decisões recentes sobre o tema, o que pode acarretar a manutenção dos prejuízos aos entes federativos que se submetem a este Tribunal.

Acrescento que precedentes citados da Corte de Contas da União consta como uma das medidas na conclusão apenas informação ao Tribunal de Contas Estadual considerando haver indícios de prejuízos aos cofres públicos do Município, mas sem interferir na independência decisória das Cortes de Contas Estaduais:

Encaminhar cópia deste Acórdão, acompanhado do Relatório e do Voto que o fundamentam [...] ao Tribunal de Contas do Estado do Mato Grosso e ao Ministério Público do Estado do Mato Grosso, considerando haver indícios de prejuízo aos cofres do Município de Campo Novo do Parecis/MT [...]

 

Diante desta situação, entendo necessário tecer alguns argumentos para reforçar a competência do TCU, inclusive para com a necessidade e possibilidade, no ordenamento jurídico vigente, de que, naquela instância, já sejam sanados os prejuízos ocorridos aos erários municipal e estadual decorrentes de ilegalidades ocorridas na consecução de convênios.

O convênio é a expressão mais pura do desdobramento do federalismo cooperativo no Brasil, que se define, segundo Pedro Lenza[13], como o modelo em que "as atribuições serão exercidas de modo comum ou concorrente, estabelecendo-se uma verdadeira aproximação entre os entes federativos, que deverão atuar em conjunto".

Segundo Paulo Bonavides[14], a ausência de alcance do federalismo cooperativo em esferas além dos poderes executivos dos entes da federação decorre somente da "omissão de ânimo democrático com que ele foi aqui introduzido", e ressalta a necessidade de "igual inspiração numa nova fase de evolução do federalismo dualista norte-americano", ou seja, de avançar a cooperação em outras esferas de poder dos entes federados, em que cito como exemplo o âmbito de fiscalização.

Após este início, o constitucionalista realça a necessidade de se por em prática o federalismo cooperativo de teor democrático, que é "assentado nos três princípios cardeais de toda Constituição Federal legítima: o princípio da subsidiaridade, o princípio da solidariedade e o princípio da pluralidade".

No caso dos convênios, na medida em que o federalismo cooperativo se vislumbra na aplicação dos recursos de forma una, deveria ocorrer a sua fiscalização somente única. Deste ponto retiro dois desdobramentos: o porquê de a fiscalização não ser também em conjunto, e a quem se deve atribuir a competência.

A inviabilidade da fiscalização em conjunto pelo TCU e pelos Tribunais de Contas Estaduais, a meu ver, decorre da impossibilidade de se separar os valores estaduais e federais quando da aplicação no projeto. Além disso, afasta a celeridade na fiscalização, o que viola o princípio constitucional da eficiência, e ainda pode ocasionar a excrescência de decisões conflitantes em duas esferas federativas sobre o mesmo caso concreto.

Por fim, chega-se ao problema da competência para e a necessidade de se estabelecer uma jurisdição administrativa fiscalizatória, sancionatória e mandamental única sobre todos os recursos que são empreendidos para a realização do convênio.

Citando novamente Paulo Bonavides[15], o presente ponto pode ser caracterizado como um aspecto de "crise federativa", a qual deve abrir horizontes para uma solução pelos mecanismos do federalismo[16].

Esta resposta pode advir da subsunção lógica do exame das normas que regem a competência do Tribunal de Contas da União[17] e Tribunais de Contas Estaduais, que não tratam especificamente sobre o convênio e dos desdobramentos da formação do Estado federal brasileiro e, dada as seguidas remessas dos processos semelhantes a este analisado ao Tribunal de Contas da União, e do federalismo cooperativo no âmbito dos tribunais de contas, buscando-se assim o interesse público na fiscalização da boa aplicação dos recursos do erário, seja ele, advindo da União, Estados, Distrito Federal ou Municípios.

Por outro lado, a solução pode advir da teoria americana dos poderes implícitos já debatida e aplicada ao ordenamento jurídico brasileiro pelo Supremo Tribunal Federal em voto da lavra do Ministro Relator Celso de Mello, donde se reconheceu o poder implícito de concessão de medidas cautelares pelo TCU no exercício das suas atribuições[18].

Nesta teoria, a outorga de competência expressa (de fiscalizar os convênios da União com os Estados e Municípios) a determinado órgão estatal importa em deferimento implícito, a esse mesmo órgão, dos meios necessários à integral realização dos fins que lhe foram atribuídos (no caso de encontrado o dano ao erário, atribuir débito com vistas a buscar o interesse público de ver ressarcida a totalidade dos dinheiros providos pelo erário, seja ele a União, os Estados, o Distrito Federal ou os Municípios).

Feitas as considerações as quais entendo pertinentes sobre o encaminhamento do presente processo ao Tribunal de Contas da União, e em face das reiteradas decisões desta Casa pela incompetência em matéria que envolva recursos preponderantemente repassados pela União, proponho a remessa dos presentes autos ao Tribunal de Contas da União, órgão competente para a apuração das irregularidades aqui constatadas, com o posterior arquivamento do presente processo.

Neste ínterim, cabe registrar a existência de ação judicial movida pela empresa Coneville em face do Município de Itajaí, a qual foi ajuizada em 24.10.2012 e tem por objeto indenização no montante de R$ 3.051.374,05 (três milhões, cinquenta e um mil trezentos e setenta e quatro reais e cinco centavos) pelos danos causados pela extensão do prazo contratual decorrente da não realização das desapropriações programadas[19], o único fator até então quantificável que pode vir a onerar a administração pública municipal.

 

III – PROPOSTA DE VOTO

 

Diante do exposto, submeto a presente matéria ao Egrégio Plenário, propugnando pela adoção da seguinte proposta de voto:

1 – Determinar à Secretaria Geral que proceda a remessa de cópia integral do processo, bem como do Relatório de Reinstrução DLC nº 436/2014 (fls. 946-966) e do voto do Relator e decisão colegiada desta Corte de Contas, ao Tribunal de Contas da União (TCU), SECEX - SC, ante a incompetência desta Corte de Contas para a análise da matéria relatada.

2 – Dar ciência da Decisão aos Interessados, ao Sr. Volnei José Morastoni, Prefeito Municipal de Itajaí à época, ao Representante, Exmo. Sr. Ricardo Roesler, Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina e ao Controle Interno da Prefeitura Municipal de Itajaí.

3 –  Determinar o arquivamento do presente processo.

Gabinete, em 13 de outubro de 2015.

 

Auditor Gerson dos Santos Sicca

Relator



[1] REP 10/00797411; Acórdão nº 842; Relator Auditor Cleber Muniz Gavi; Sessão Ordinária de 25.04.2011; Publicado no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (DOTC-e) nº 732 de 04.05.2011.

[2] REP 10/00824400; Acórdão nº 972; Relator Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall; Sessão Ordinária de 04.05.2011; Publicado no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (DOTC-e) nº 736 de 10.05.2011.

[3] REP 12/00175392; Acórdão nº 5785; Relator Conselheiro Adircélio de Moraes Ferreira Jr.; Sessão Ordinária de 26.11.2012; Publicado no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (DOTC-e) nº 1136 de 02.01.2013.

[4] REP 12/00108288; Acórdão nº 937; Relator Conselheiro Luiz Roberto Herbst; Sessão Ordinária de 06.05.2013; Publicado no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (DOTC-e) nº 1239 de 05.06.2013.

[5] REP 12/00163700; Acórdão nº 1251; Relator Auditor Cleber Muniz Gavi; Sessão Ordinária de 03.06.2013; Publicado no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (DOTC-e) nº 1259 de 03.07.2013.

[6] REP 12/00050930; Acórdão nº 1250; Relator Auditor Cleber Muniz Gavi; Sessão Ordinária de 03.06.2013; Publicado no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (DOTC-e) nº 1259 de 03.07.2013.

[7] LCC 10/00690617; Acórdão nº 2983; Relator Auditor Gerson dos Santos Sicca; Sessão Ordinária de 04.09.2013; Publicado no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (DOTC-e) nº 1318 de 23.09.2013.

[8] TCE 08/00438442; Acórdão nº 3102; Relator Auditor Gerson dos Santos Sicca; Sessão Ordinária de 09.09.2013; Publicado no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (DOTC-e) nº 1330 de 09.10.2013.

[9] TCU. Tomada de Contas Especial nº 020.462/2009-6; Acórdão nº 4473/2012. Segunda Câmara; Rel. Min. Augusto Nardes; Sessão Extraordinária de 26.06.2012.

[10] TCU. Tomada de Contas Especial nº 022.142/2009-6; Acórdão nº 6727/2012; Segunda Câmara; Rel. Min. Aroldo Cedraz; Sessão Ordinária de 11.09.2012.

[11] TCU. Tomada de Contas Especial nº 021.450/2009-0; Acórdão nº 1615/2013; Primeira Câmara; Rel. Min. Walton Alencar Rodrigues; Sessão Ordinária de 26.03.2013.

[12] TCU. Tomada de Contas Especial nº 020.313/2009-6; Acórdão nº 1084/2013; Segunda Câmara; Rel. Min. Aroldo Cedraz; Sessão Ordinária de 12.03.2013.

[13] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 420.

[14] BONAVIDES, Paulo. A Constituição Aberta. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 433-435

[15] BONAVIDES, Paulo. A Constituição Aberta. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1996. p. 436

[16] Segundo Paulo Bonavides: "O federalismo é dinâmico e deve possuir a necessária elasticidade para responder com adequação às exigências novas que vão surgindo impostas por realidades imprevisíveis, oriundas da mudança social e das transformações materiais na Sociedade contemporânea." (p. 436).

[17] Art. 71. O controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União, ao qual compete: [...]II - julgar as contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos da administração direta e indireta, incluídas as fundações e sociedades instituídas e mantidas pelo Poder Público federal, e as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou outra irregularidade de que resulte prejuízo ao erário público; [...]VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município;

[18] STF. Tribunal Pleno. Mandado de Segurança nº 26.547-MC/DF. Relator Min. Celso de Mello. Julgado em 23.05.2007. Publicado no Diário de Justiça de 29.05.2007.

[19] Processo nº 0018692-85.2012.8.24.0033 em trâmite na Vara da Fazenda Pública da Comarca de Itajaí. Disponível em <http://esaj.tjsc.jus.br/cpopg/open.do> Acesso em 13 outubro 2015.