Gabinete do Conselheiro Julio Garcia

 

PROCESSO:                       TCE-12/00275265

UNIDADE:                         Prefeitura Municipal de Concórdia

RESPONSÁVEIS:             Neodi Saretta e outros                                        

ASSUNTO:                         Análise de supostas irregularidades no contrato decorrente de Licitação - Tomada de Preços nº 020/2007 e Contrato nº 384/2007 - Monitoramento Eletrônico de Veículos

 

 

VOTO GCJG/055/2016

 

 

 

VOTO DIVERGENTE

 

I - RELATÓRIO

                        Tratam os autos de Tomada de Contas Especial decorrente da análise da Tomada de Preços nº 20/2007 e do Contrato nº 384/2007, realizados pela Prefeitura Municipal de Concórdia, para a "Prestação de Serviços de Monitoramento Eletrônico de Veículos, compreendendo o Fornecimento de Equipamentos, Implantação e Manutenção de Sistema de Fiscalização Eletrônica para Gestão do Trânsito no Município de Concórdia".

                        Após o regular trâmite do feito, com manifestações da área técnica, Responsáveis e da Representante do Ministério Público Especial, a Exma. Auditora Relatora Sabrina Nunes Iocken proferiu o seguinte voto, in verbis:                       

3.1. Determinar o retorno do presente processo de Tomada de Contas Especial à sua natureza original, que é de análise de licitações e contratos (LCC).

3.2. Conhecer do Relatório de Reinstrução DLC n. 347/2014 e considerar irregulares, com fundamento no art. 36, §2º, alínea “a”, da Lei Complementar n. 202/2000, a Tomada de Preços n. 020/2007 e o Contrato n. 384/2007, visando à  “Prestação de Serviços de Monitoramento Eletrônico de Veículos, compreendendo o Fornecimento de Equipamentos, Implantação e Manutenção de Sistema de Fiscalização Eletrônica para Gestão do Trânsito no Município de Concórdia”.

3.2. Aplicar aos Responsáveis abaixo discriminados, com fundamento no artigo 70, II da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o artigo 109, II do Regimento Interno, as multas a seguir especificadas, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovarem ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

3.2.1. Ao Sr. Neodi Saretta, ex-Prefeito Municipal de Concórdia, CPF n. 469.686.609-20, a multa de:

3.2.1.1. R$ 2.000,00, em face da existência de orçamento mal elaborado, que prejudicou o detalhamento de todos os serviços previstos e as respectivas composições dos custos unitários estimados, contrariando assim o que dispõe o artigo 7º, §2º, II da Lei n. 8.666/93.

3.2.2. Ao Sr. Hedo Gosenheimer, ex-Secretário Municipal de Administração de Concórdia, CPF n. 032.026.319-34, as multas abaixo especificadas:

3.2.2.1. R$ 2.000,00, em face da adoção da modalidade incorreta de licitação para o edital de Tomada de Preços n. 020/2007, em desacordo com o art. 23, I, da Lei n. 8.666/93; e;

3.2.2.2. R$ 2.000,00, em face da existência de orçamento mal elaborado, que prejudicou o detalhamento de todos os serviços previstos e as respectivas composições dos custos unitários estimados, contrariando assim o que dispõe o artigo 7º, §2º, II da Lei n. 8.666/93.

3.2.3 Ao Sr. Aurélio Pegoraro Júnior, ex-Consultor Jurídico do Município de Concórdia, CPF n. 015.609.959-47, a multa de:

3.2.3.1. R$ 2.000,00, em face da emissão de parecer jurídico no qual se constatou deficiência em termos de embasamento jurídico e ocorrência de erro grosseiro, que contribuíram para a adoção da modalidade incorreta de licitação para o edital de Tomada de Preços n. 020/2007, em desacordo com o art. 23, I, da Lei n. 8.666/93;

3.3 Recomendar à Prefeitura Municipal de Concórdia que:

3.3.1. Observe, na elaboração de orçamentos, o adequado detalhamento de seus itens constitutivos e respectivos valores, atendendo ao disposto no inciso II do § 2º do art. 7º, c/c inciso IX do art. 6º e inciso II do § 2º do art. 40, todos da Lei Federal nº 8.666/93;

3.3.2. Adote a modalidade correta de licitação em consonância com o art. 23, I c/c art. 57, II da Lei Federal nº 8.666/93, conforme o estabelecido no Prejulgado: 1354/2003 (Proc. CON-03/00067321), deste TCE; e

3.3.3. Em futuros editas o município passe a incluir as justificativas para as especificações técnicas no processo licitatório, atendendo assim ao que dispõe o artigo 3º, §1º, I da lei n. 8.666/93 e também ao princípio da motivação dos atos administrativos.

3.4. Dar Ciência da Decisão, e do presente Relatório, aos responsáveis Srs. Neodi Saretta, Hedo Gosenheimer, Aurélio Pegoraro Júnior, João Girardi, Sra. Beatriz Fátima C. Silva Rosa, à Empresa Eliseu Kopp & Cia Ltda. e ao Controle Interno do Município de Concórdia.

No decorrer da discussão do Voto acima transcrito, deixei de acompanhar o entendimento da mencionada Relatora e, na Sessão Ordinária do dia 04/11/2016, apresentei o Voto Divergente nº 145/2016 (fls. 1275/1277), no qual, após expor as razões da divergência, propus a exclusão da responsabilização e consequente aplicação de multa ao Sr. Neodi Saretta - ex-Prefeito Municipal de Concórdia.

Na oportunidade, em substituição ao Conselheiro Cesar Filomeno Fontes, o Auditor Cleber Muniz Gavi solicitou vista dos autos para analisar a matéria e elaborou o Voto Divergente acostado aos autos, ocasião em que acompanhou a proposta por mim antes apresentada e discordou da "desconversão" da tomada de contas, concluindo pela irregularidade das contas sem imputação débito, aplicação de multas e recomendações.

Embora referido Voto esteja anexado neste feito no Sistema de Controle de Processos - SIPROC, o fato é que não pôde ser apresentado pelo Auditor à época em virtude da vigência da Lei Complementar nº 666/2015, que havia alterado a competência dos integrantes desta Corte.

Dessa forma, na Sessão Ordinária do dia 21/03/2016, reavaliei meu posicionamento e adotei as razões expostas pelo Auditor Cleber Muniz Gavi, tendo o processo sido julgado e, de forma a formalizar o Voto vencedor, passo a expô-las a seguir.

 

II – RAZÕES DO VOTO DIVERGENTE

"Em que pese as bens lançadas razões que sustentam a proposta de decisão, julgo pertinente a apresentação de algumas considerações, que passam a fundamentar a presente divergência.

Devo admitir, antes de tudo, que o entendimento da nobre Relatora, além de inspirado em louváveis propósitos, encontra sustento em alguns julgados do Tribunal de Contas da União. Nestas circunstâncias, a tentativa de confrontação demanda maior esforço, com fundamentos mais robustos para justificá-la.

Passo, então, as expor minhas razões.

Para adequada distinção de todos os pontos discutidos nos autos, cabe esclarecer que a proposta para a 'desconversão dos autos' (termo que passarei a adotar apenas para simplificação) não se confunde com a matéria preliminar suscitado pela defesa. Esta última trata de uma indagação distinta, qual seja, a eventual nulidade da Decisão 0685/2013, que converteu o processo em TCE, mas sem o prévio contraditório das partes interessadas.

Há, portanto, duas questões inconfundíveis. E para bem destacá-las, salientarei primeiramente os motivos para refutar a alegação de nulidade processual, arguida em uma das justificativas.

Segundo o responsável Neodi Saretta, a conversão dos autos em TCE constitui ato sensível aos direitos e garantias constitucionais do jurisdicionado, porquanto após esta etapa, mesmo que desconstituído o débito e aplicada exclusivamente a penalidade de multa, o risco de inelegibilidade se mantém em virtude da nova nomenclatura dada ao processo (fl. 1083).

Contudo, os efeitos no âmbito da Justiça Eleitoral não constituem, isoladamente, fatores para conformar todos os ritos procedimentais desta Corte de Contas.

São sistemas distintos de responsabilização o exercido por esta Corte de Contas, por força do art. 71 da Constituição Federal, e o desempenhado pela Justiça Eleitoral, no campo das inelegibilidades. Cada um possui competências próprias, especificidades de bens jurídicos a serem tutelados e sanções jurídicas particulares. Por tal motivo, a garantia das partes no âmbito dos Tribunais de Contas deve considerar o provável resultado punitivo decorrente da atuação deste órgão, não toda a ordem de conseqüências exógenas (como seria a eventual inexigibilidade na Justiça Eleitoral).

Esta questão de ordem processual há muito já fora suplantada pela Corte de Contas Catarinense. Atualmente, é pacífica a dispensabilidade da audiência das partes quando se trata de mera conversão dos autos em tomada de contas especial. Inclusive, é expressão comum nas propostas de decisão a menção de que não há exaustiva análise de mérito ou prematura emissão de juízo de valor, apenas havendo a delimitação do dano considerado e dos indícios de responsabilidade para se oportunizar às partes envolvidas a possibilidade de apresentarem as justificativas pertinentes.

Não vislumbro, portanto, qualquer ofensa ao princípio do contraditório e da ampla defesa. Da leitura atenta da Decisão n. 0685/2013 observa-se que, em conformidade com o §4° do art. 65 da Lei Complementar n. 202/2000, o Tribunal apenas ordenou a conversão da representação formulada a esta Corte de Contas em tomada de contas especial, identificando os possíveis responsáveis e determinando as respectivas citações. Não houve nesta etapa qualquer espécie de condenação, apenas se especificando as irregularidades encontradas e os supostos responsáveis, exatamente para o início da fase de defesa das partes.

Não por outro motivo, Jorge Ulisses Jacoby, ao comentar as peculiaridades da fase de conversão dos autos em tomada de contas especial, leciona que:

A conversão em TCE, em termos práticos, implica apenas na reautuação do processo – mudança da capa ou da etiqueta de identificação, que passa a ser correspondente a TCE – e na ordem para citar, seguida dos fatos apontados como irregulares e do valor do dano. Daí em diante, seguirão os autos a tramitação normal e correspondente a TCE.

(“Tomada de contas especial: processo e procedimento nos tribunais de contas e na administração pública”. 2. Ed. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 1998. p.200).

 

No âmbito das regras processuais, nenhuma nulidade se declara sem que seja demonstrado pela parte o efetivo prejuízo (aqui considerado a pertinência jurídica da alegação, não uma percepção individual). Logo, não merece guarida a preliminar suscitada pela parte.

É certo que em determinadas circunstâncias este Tribunal tem determinado a realização de audiências aos responsáveis, antes de decidir definitivamente pela conversão em TCE. Mas isto usualmente tem ocorrido em situações excepcionais, nas quais se visualiza a possibilidade de que a manifestação das partes auxilie na própria instrução do processo e na correta definição dos fatos.

Superada esta questão, passo, então, a análise da possibilidade de 'desconversão'. Esta seria de uma decisão adotada ao final do processo, quando verificada a insubsistência do dano que subsidiou a conversão dos autos em TCE.

Ao estudar o referido procedimento, tomei por referência o Acórdão 1723/2009 do TCU, onde se decidiu por 'retornar a natureza do processo de Relatório de Auditoria', restando apenas aplicação de multas aos responsáveis. O referido precedente é datado da sessão Plenária de 05/08/2009 e da relatoria do Ministro Raimundo Calheiro.

A partir de então, outros acórdãos assimilaram idêntico encaminhamento, sendo de se destacar os seguintes enunciados da 'jurisprudência selecionada' do TCU:

1) 'A descaracterização dos indícios de dano ao Erário conduz ao retorno do processo de tomada de contas especial à condição de representação, pelos princípios da instrumentalidade das formas e economia processual.' (Acórdão n. 2303-40/09-P, em 30/09/2009, Plenário, Relator Weder de Oliveira).

2) 'Quando a apuração do débito for realizada em outros processos de TCE, o processo original convertido em TCE deverá retornar a sua natureza original de representação, para então aplicar a sanção que se proceda ao julgamento pela irregularidade das contas'. (Acórdão 1580-07/11-2, data da sessão 15/03/2011, Segunda Câmara, Relator Augusto Sherman Cavalcanti).

3) 'Confirmada a inexistência da irregularidade que ensejou a conversão do relatório de auditoria em TCE e a exclusão, desta relação processual, dos gestores citados, deve o processo retornar à sua natureza original de relatório de auditoria.' (Acórdão n. 8891-36/11-1 em 04/10/2011, Primeira Câmara, Relator José Múcio Monteiro).

4) 'Descaracterizado o débito motivador da conversão do processo em TCE, ele retorna a sua natureza processual original.' (Acórdão n. 1486-07/12-2, em 13/03/2012, Segunda Câmara, Relator Marcos Bemquerer).

5) 'Afastado o débito que motivou a conversão dos autos em tomada de contas especial, afigura-se medida de melhor justiça o retorno dos autos ao seu status anterior, à evidência de que seria perfeitamente possível aplicar a multa imposta pelo acórdão recorrido no próprio processo de fiscalização sem que isso resultasse no pronunciamento pela irregularidade das contas.' (Acórdão n. 0700-10/12-P, em 28/03/2012, Plenário, Relator Valmir Campelo).

 

Contudo, em que pese tais precedentes, há outros mais recentes no qual foi negada tal providência, imputando-se multas aos responsáveis sem retorno do processo a denominação de origem. A título ilustrativo, cito a deliberação no processo n. 015.505/2013-8, no qual, por meio do Acórdão 6281, foram aplicadas multas aos responsáveis, mantendo-se a natureza do processo, não obstante a desconstituição do débito. Para bem demonstrar a divergência existente naquele órgão federal de controle, transcrevo trecho do voto do Ministro Benjamim Zymler:

11. Resta, portanto, analisar a necessidade de alterar ou não a natureza do processo, tendo em vista o baixo valor do débito apurado, e o encaminhamento adequado às demais irregularidades.

12. Segundo os arts. 6º, inciso I, e 19 da Instrução Normativa-TCU 71/2012:

Art. 6º Salvo determinação em contrário do Tribunal de Contas da União, fica dispensada a instauração da tomada de contas especial, nas seguintes hipóteses:

I - valor do débito atualizado monetariamente for inferior a R$ 75.000,00;

Art. 19. Aplicam-se as disposições constantes do art. 6º desta Instrução Normativa às tomadas de contas especiais, ainda pendentes de citação válida, que se encontram em tramitação no Tribunal de Contas da União.

13. As disposições mencionadas têm como propósito evitar que o custo do processo, com vistas à constituição de título executivo e a posterior cobrança do débito, supere o valor do benefício a ser gerado, qual seja, o ressarcimento aos cofres públicos.

14. Todavia, a exegese dos artigos citados deve levar em conta as demais competências desta Corte de Contas, em sua atividade de controle externo. Nesse passo, não cabe o arquivamento peremptório da tomada de contas especial, caso haja outras irregularidades que, embora não impliquem a imputação de um débito, tenham o potencial de macular as contas e se enquadrem em pelo menos uma das hipóteses legais de aplicação de multa. Trata-se, portanto, de interpretação que proporciona uma solução de compromisso entre as diversas atribuições deste Tribunal, as quais formam capítulos distintos, com encaminhamentos próprios, nos processos desta Corte de Contas.

15. Aliás, a própria Lei Orgânica do Tribunal admite a possibilidade de tomada de contas, inclusive especial, em que há julgamento irregular de contas, sem a imputação de débito. Nesse sentido, transcrevo o art. 19, caput e parágrafo único:

Art. 19. Quando julgar as contas irregulares, havendo débito, o Tribunal condenará o responsável ao pagamento da dívida atualizada monetariamente, acrescida dos juros de mora devidos, podendo, ainda, aplicar-lhe a multa prevista no art. 57 desta Lei, sendo o instrumento da decisão considerado título executivo para fundamentar a respectiva ação de execução.

Parágrafo único. Não havendo débito, mas comprovada qualquer das ocorrências previstas nas alíneas a, b e c do inciso III, do art. 16, o Tribunal aplicará ao responsável a multa prevista no inciso I do art. 58, desta Lei.

16. Com relação ao entendimento adotado no Acórdão 625/2014-2ª Câmara, em que foi modificada a natureza dos autos para representação, invoco, da mesma forma, a existência de outras deliberações em que o processo se manteve como tomada de contas especial. Nesse sentido, menciono os Acórdãos 5.133/2014-2ª Câmara, 3.951/2014-1ª Câmara, 1.851/2014-Plenário, 1.674/2014-Plenário e 1.122/2014-2ª Câmara, todos posteriores à deliberação mencionada.

17. Sendo assim, embora reconheça a existência de entendimento divergente em outros processos, sou da opinião que não cabe a alteração da natureza do processo para representação, tendo em vista os argumentos invocados nos itens 13 e 14 supra e o repositório jurisprudencial suscitado no item anterior.

18. Dessa forma, diante do conjunto de fatos aduzidos nas letras "b" e "c" do item 4 supra, o qual não foi justificado pelo responsável, entendo adequado julgar irregulares as contas do Sr. José Eduardo de Oliveira Costa, com fulcro no art. 16, inciso III, alínea "b", da Lei 8.443/1992, e aplicar-lhe a multa do art. 58, inciso I, da mesma lei.

19. No que se refere à dosimetria, compreendo que os achados elencados são compatíveis para a imputação de sanção no valor mínimo estabelecido no art. 268, inciso I, do Regimento Interno. Por esse motivo, fixo o valor da multa em R$ 2.500,00.

20. Ante todo o exposto, VOTO por que seja adotada a deliberação que ora submeto a este Colegiado.

 

O que se verifica, portanto, é que a tese favorável a 'desconversão' já sofreu temperamentos, entendendo alguns Ministros do TCU que, se a irregularidade tratada nos autos apresentar potencial para macular as contas e se enquadrar em uma das hipóteses legais de imputação de multa, as contas deverão ser julgadas irregulares, mesmo sem débito.

Considerando esta nova vertente, vislumbro não haver critérios objetivos para delimitação das hipóteses em que caberia a chamada 'desconversão', o que, data máxima vênia, constitui um fator desfavorável a sua pertinência.

Mas além desta circunstância – existência de julgados divergentes no âmbito do TCU – também há outros pontos a serem considerados.

Conquanto louváveis as preocupações que subsidiam a tese, reitero o que já dito acima: as consequências que o julgamento irregular de contas traria ao jurisdicionado em matéria eleitoral não pode, por si só, constituir o fundamento para conformação dos atos desta Corte de Contas, o que inclui a opção para regressão processual a fim de suprimir qualquer efeito adverso em tema de inelegibilidades. Esta, numa análise mais crítica, poderia inclusive ser interpretada como uma tentativa de retirar da Justiça Eleitoral a apreciação de determinadas condutas.

Por outro lado, aspectos práticos revelam que tal medida solucionaria apenas parcialmente o problema.

Há, por exemplo, casos em que o débito somente é desconstituído na fase de recurso, hipótese em que seria muito mais complexa a possibilidade de 'desconversão'.

Em outros processos, o débito é imputado a apenas um ou alguns dos responsáveis. Mas mesmo aquele atingido somente pela sanção de multa será alcançado pelo julgamento irregular das contas (a não imputação de débito para este responsável, portanto, não surte efeitos).

Cabe lembrar, ademais, daqueles casos em que a tomada de contas especial é instaurado na própria unidade jurisdicionado, situação na qual não poderia esta Corte em hipótese alguma efetuar a 'desconversão'.

E porque não mencionar os casos das prestações de contas de administrador, nos quais, embora não haja qualquer proposição de débito, permanece o julgamento pela irregularidade de contas mesmo quando a analisa está adstrita a restrições passíveis de multas.

Subsistem, portanto, diversas situações nas quais a inexistência de débito não resguarda a parte responsável quanto ao julgamento irregular de contas. Nesta conjuntura, a intenção de solucionar um problema poderia reproduzir inúmeros outros, pois as partes interessadas poderiam suscitar a existência de tratamento não isonômico apenas em função da nomenclatura aposta na capa de um ou outro processo.

Por todas estas razões, divirjo da proposta de retorno do processo a sua configuração original."

 Quanto ao mérito das sanções aplicadas, nos termos da proposta já apresentada às fls. 1275-1277 para exclusão da penalidade aplicada ao Sr. Neodi Saretta, também concordo com a extensão do benefício ao Sr. Hedo Gosenheimer, responsabilizado pela mesma restrição, pelas seguintes razões:

"A proposta de aplicação de multa a ambos os responsáveis se deu em face do 'orçamento mal elaborado', que eventualmente prejudicou o detalhamento de todos os serviços previstos e as respectivas composições de custos unitários estimados.

Ocorre que o contraditório dos responsáveis foi realizado em razão dos seguintes fatos:

6.2.1.1. Pagamento irregular de R$ 25.611,60 (vinte e cinco mil, seiscentos e onze reais e sessenta centavos) em duplicidade de serviços no item Instalação de Equipamentos – Registradores Eletrônicos e Central de Processamento para as quatorze faixas e doze meses, referentes ao prazo inicial do contrato, em afronta aos arts. 62 e 63 da Lei (federal) n. 4.320/64 (item 2.3 do Relatório DLC);

6.2.1.2. Pagamento irregular de R$ 253.093,61 (duzentos e cinquenta e três mil, noventa e três reais e sessenta e um centavos) por instalações e depreciação para as quatorze faixas e doze meses, já amortizadas no primeiro período contratual e decorrente de prorrogação contratual (2º Termo Aditivo), em afronta aos arts. 62 e 63 da Lei (federal) n. 4.320/64. (item 2.3 do Relatório DLC).

 

Ou seja, inicialmente se vislumbrava uma questão passível de débito, mas que foi afastada pela DLC após as defesas apresentadas, quando se constatou haver, na verdade, apenas impropriedades na composição do orçamento básico. Mas esta se tratava de uma questão distinta, não ventilada até então. O novo entendimento da área técnica, inclusive, se baseou nos argumentos da defesa da empresa Eliseu Kopp & Cia Ltda, não podendo, assim, replicar na imediata penalização dos outros responsáveis, que não tiveram oportunidade de se defender quanto a este ponto especificamente.

Por tal motivo – que presumo ter sido considerada pelos auditores responsáveis pela instrução do processo – entendo mais adequada o encaminhamento proposto no relatório conclusivo da DLC, que sugeriu:

Portanto, entende-se converter as restrições em determinações para serem consideradas em futuros certames licitatórios, observando, na elaboração de orçamentos, o adequado detalhamento de seus itens constitutivos e respectivos valores, atendendo ao disposto no inciso II do §2° do art. 7°, c/c inciso IX do art. 6° e inciso II do §2° do art. 40, todos da Lei n° 8.666/93. (fl. 1218, verso)

 

Por este motivo, voto por afastar a multa aos Sr. Neodi Saretta e Sr. Hedo Gosenheimer, quanto à presente irregularidade.

No que tange às demais penalidades e responsabilizações, bem como às recomendações sugeridas, considero-as suficientemente fundamentadas, motivo pelo qual acompanho a relatora nos demais itens."

 

III - VOTO

Ante todo o exposto, proponho a este egrégio Plenário o seguinte VOTO:

1. Julgar irregulares, sem imputação de débito, com fundamento no art. 18, inciso III, alínea “b”, c/c o art. 21, parágrafo único, da Lei Complementar Estadual n. 202/00, as contas pertinentes a presente Tomada de Contas Especial, que trata de irregularidades na Tomada de Preços n. 020/2007 e o Contrato n. 384/2007, visando à  “Prestação de Serviços de Monitoramento Eletrônico de Veículos, compreendendo o Fornecimento de Equipamentos, Implantação e Manutenção de Sistema de Fiscalização Eletrônica para Gestão do Trânsito no Município de Concórdia”.

2. Aplicar aos Responsáveis abaixo discriminados, com fundamento no artigo 70, II da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o artigo 109, II do Regimento Interno, as multas a seguir especificadas, fixando-lhes o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovarem ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

2.1. Ao Sr. Hedo Gosenheimer, ex-Secretário Municipal de Administração de Concórdia, CPF n. 032.026.319-34, as multas abaixo especificadas:

2.1.1. R$ 2.000,00, em face da adoção da modalidade incorreta de licitação para o edital de Tomada de Preços n. 020/2007, em desacordo com o art. 23, I, da Lei n. 8.666/93; e;

2.2. Ao Sr. Aurélio Pegoraro Júnior, ex-Consultor Jurídico do Município de Concórdia, CPF n. 015.609.959-47, a multa de:

2.2.1. R$ 2.000,00, em face da emissão de parecer jurídico no qual se constatou deficiência em termos de embasamento jurídico e ocorrência de erro grosseiro, que contribuíram para a adoção da modalidade incorreta de licitação para o edital de Tomada de Preços n. 020/2007, em desacordo com o art. 23, I, da Lei n. 8.666/93;

3. Recomendar à Prefeitura Municipal de Concórdia que:

3.1. Observe, na elaboração de orçamentos, o adequado detalhamento de seus itens constitutivos e respectivos valores, atendendo ao disposto no inciso II do § 2º do art. 7º, c/c inciso IX do art. 6º e inciso II do § 2º do art. 40, todos da Lei Federal nº 8.666/93;

3.2. Adote a modalidade correta de licitação em consonância com o art. 23, I c/c art. 57, II da Lei Federal nº 8.666/93, conforme o estabelecido no Prejulgado: 1354/2003 (Proc. CON-03/00067321), deste TCE; e

3.3. Em futuros editais o município passe a incluir as justificativas para as especificações técnicas no processo licitatório, atendendo assim ao que dispõe o artigo 3º, §1º, I da lei n. 8.666/93 e também ao princípio da motivação dos atos administrativos.

4. Dar Ciência da Decisão, e do presente Relatório, aos responsáveis Srs. Neodi Saretta, Hedo Gosenheimer, Aurélio Pegoraro Júnior, João Girardi, Sra. Beatriz Fátima C. Silva Rosa, à Empresa Eliseu Kopp & Cia Ltda. e ao Controle Interno do Município de Concórdia.

 

Florianópolis, 14 de abril de 2016.

 

Conselheiro Julio Garcia

Relator