PROCESSO Nº

REC 15/00260301 (apenso do REP 12/00149120)

UNIDADE GESTORA

Fundação do Meio Ambiente de Criciúma

RECORRENTE

Neli Sehnem dos Santos

ESPÉCIE

Reexame – art. 80 da Lei Complementar (Estadual) nº 202/2000

ASSUNTO

Recurso de Reexame da decisão exarada no processo nº REP 12/00149120 – Irregularidades acerca do Edital de Pregão Presencial nº 017/FAMCRI/2012

 

 

 

 

RECURSO DE REEXAME. ADMISSIBILIDADE. REQUISITOS PREENCHIDOS. CONHECIMENTO.

O recurso interposto que preencher os requisitos mínimos de admissibilidade, intrínsecos e extrínsecos, deve ser conhecido.

 

PRELIMINAR. REPRESENTAÇÃO. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. NÃO IMPUGNAÇÃO DE EDITAL. IMPROCEDÊNCIA.

A Representação ao Tribunal de Contas prevista no art. 113, § 1º da Lei 8.666/93 prescinde de anterior impugnação ao edital durante o processo licitatório.

 

REPRESENTAÇÃO. LICITAÇÃO. PREGÃO PRESENCIAL. AQUISIÇÃO. ESCAVADEIRA. PRODUTO NACIONAL. EXIGÊNCIA. ILEGALIDADE

Viola o princípio da competitividade a exigência de que o produto seja de fabricação nacional, notadamente porque o discrímen não encontra suporte no princípio do desenvolvimento nacional sustentável conforme disciplinado nos termos da Lei n˚ 8.666/93.

 

 

 

 

I – RELATÓRIO

 

Cuida-se de expediente recepcionado nesta Corte de Contas como Recurso de Reexame (fls. 03-18), nos termos do art. 80 da Lei Complementar (Estadual) nº 202/2000 (Lei Orgânica deste Tribunal) e no art. 139 da Resolução nº TC-06/2001 (Regimento Interno deste Tribunal).

O Recurso foi interposto pela Sra. Neli Sehnem dos Santos, em face do Acórdão nº 0100/2015[1] proferido no processo nº REP 12/00149120 (fl. 166 do apenso), que teve o seguinte teor:

 

6.1. Conhecer da Representação formulada pelo Sr. Eduardo Munhoz Lino de Almeida nos termos do art. 113, §1°, da Lei n. 8.666, de 21 de junho de 1993, para no mérito, considerá-la procedente, no tocante ao seguinte fato:

6.1.1. Exigência de que o bem a ser adquirido seja de fabricação nacional, conforme previsto no Anexo I do Edital do Pregão Presencial n. 17/FAMCRI/12, da Fundação do Meio Ambiente de Criciúma, por restringir a participação de licitantes, contrariando o disposto no inciso I do §7° do art. 15 da Lei n. 8.666/93, c/c inciso I do §1º do art. 3º do mesmo diploma legal (item 3.1.1 da Conclusão do Relatório DLC n. 746/2012).

6.2. Considerar irregular, com fundamento no art. 36, §2º, “a”, da Lei Complementar Estadual n. 202, de 15 de dezembro de 2000, o Pregão Presencial n. 17/FAMCRI/2012 e o respectivo Contrato da Fundação do Meio Ambiente de Criciúma, em face da irregularidade apontada no 3.1.1 da Conclusão do Relatório DLC n. 746/2012.

6.3. Aplicar à Sra. Neli Sehnem dos Santos - Pregoeira e subscritora do Edital, inscrita no CPF n. 376.330.079-15, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, a multa no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), em face da exigência de que o bem a ser adquirido seja de fabricação nacional, conforme previsto no Anexo I do Edital do Pregão Presencial n. 17/FAMCRI/12, da Fundação do Meio Ambiente de Criciúma, por restringir a participação de licitantes, contrariando o disposto no inciso I do §7° do art. 15 da Lei n. 8.666/93, c/c inciso I do §1º do art. 3º do mesmo diploma legal (item 3.1.1 da Conclusão do Relatório DLC n. 746/2012), fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.

6.4. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Relatório de Reinstrução DLC n. 746/2012 e do Parecer MPjTC n. 29060/2014, ao Representante, à Responsável nominada no item 3 desta deliberação, aos procuradores constituídos nos autos e à Fundação do Meio Ambiente de Criciúma.

 

A Diretoria de Recursos e Reexames (DRR), por meio do Parecer nº DRR 628/2015 (fls. 29-34), manifestou-se pelo conhecimento do Recurso e, na análise do mérito, dar-lhe provimento.

O Ministério Público de Contas (MPC) emitiu o Parecer nº MPTC/39284/2015 (fls. 36-41) acompanhando a manifestação da DRR.

É o relatório.

II – FUNDAMENTAÇÃO

 

De pronto, examinei o cumprimento aos requisitos de admissibilidade do Recurso de Reexame e constatei que estão todos de acordo com o preconizado no art. 80 da Lei Complementar (Estadual) nº 202/2000 (Lei Orgânica deste Tribunal) e no art. 139 da Resolução nº TC-06/2001 (Regimento Interno deste Tribunal).

Desta feita, passo a apreciar a preliminar arguida pela recorrente.

 

II.1 – Preliminar de ausência de interesse de agir

 

Alega a recorrente que a representante, Makbrazil Importação de Máquinas e Equipamentos Ltda., não possui interesse de agir, pois não impugnou o Pregão Presencial nº 17/2015 lançado pela Fundação do Meio Ambiente de Criciúma – FAMCRI durante o processo licitatório, deixando de utilizar a via adequada para questioná-lo.

Todavia, a Lei 8666/93, por meio de seu art. 113, § 1º, possibilita a qualquer licitante, contratado ou pessoa física ou jurídica, representar ao Tribunal de Contas acerca de irregularidades concernente à aplicação da Lei 8666/93, bem como não exige anterior impugnação ao edital, motivo pelo qual entendo improcedente a preliminar alegada pela recorrente.

 

II.2 – Mérito

 

Passo a apreciar a restrição recorrida, objeto do item 6.3 do Acórdão nº 0100/2015.

 

II.2.1 - Multa no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), em face da exigência de que o bem a ser adquirido seja de fabricação nacional, conforme previsto no Anexo I do Edital do Pregão Presencial n. 17/FAMCRI/12, da Fundação do Meio Ambiente de Criciúma, por restringir a participação de licitantes, contrariando o disposto no inciso I do §7° do art. 15 da Lei n. 8.666/93, c/c inciso I do §1º do art. 3º do mesmo diploma legal (item 6.3 do Acórdão nº 100/2015)

A penalidade decorreu de irregularidade no Edital do Pregão Presencial nº 17/FAMCRI/12, ocorrido no ano de 2012, realizado pela Fundação do Meio Ambiente de Criciúma – FAMCRI, para aquisição de uma máquina retroescavadeira.

A irregularidade residiria na falta de observância ao princípio da seleção da proposta mais vantajosa à Administração devido à exigência de o bem adquirido ser de fabricação nacional, o que restringiria a competitividade no certame, inviabilizando a participação de potenciais interessados.

A recorrente alega que a referida exigência não caracterizaria restrição ao caráter competitivo do certame, tendo em vista que não limitou o número de participantes, estando o Edital em consonância com a Lei nº 12.349/2010, que alterou o art. 3º, da Lei 8.666/93[2] e que quando da publicação do Edital objeto de análise, no ano de 2012, havia posicionamentos divergentes dos Tribunais de Contas sobre a interpretação da mencionada modificação na Lei de Licitações, motivo pelo qual, ainda que considerada a exigência irregular, não lhe seria cabível a imposição de penalidade.

Afirma ainda a recorrente que a aquisição de máquinas estrangeiras poderia trazer dificuldades para imediata reposição de peças e, por fim, no caso de manutenção da penalidade, postula redução da multa ao mínimo legal, utilizando como fundamento o art. 109, inciso II do Regimento Interno.

Em relação à exigência contida no Anexo I ao Edital do Pregão Presencial nº 17/FAMCRI/12 (fl. 20 do anexo), segundo a qual o bem a ser adquirido deveria ser fabricado por indústria brasileira, embora não se desconheça que as contratações públicas podem cumprir uma função de regulação de mercado associada a uma determinada percepção de desenvolvimento nacional, capaz de variar conforme se adote concepções mais ou menos protecionistas, isso não pode ocorrer sem qualquer norma advinda do Legislativo que preveja restrições como a que dispôs o edital em apreço. Admitir que o administrador possa, mediante um juízo discricionário, estabelecer cláusulas restritivas conforme a nacionalidade ou origem do produto sem qualquer suporte na legislação afronta não apenas o princípio da livre competição, mas pode acarretar dificuldades para o Estado brasileiro nas suas relações internacionais, notadamente no que tange ao comércio exterior.

Quanto a dificuldades de fornecimento de peças, bastaria que o edital previsse determinadas condições para que a empresa contratada se comprometesse a dar o devido suporte, caso em que restaria atendido o interesse da Administração.

No que se refere à interpretação dos Tribunais de Contas, constato que o julgado apresentado pela recorrente, processo REP 12/00248292, foi apreciado por este Tribunal de Contas na sessão de 24/07/2013[3], portanto, não teria como ter influenciado o Edital do Pregão Presencial nº 17/FAMCRI/12, lançado no ano de 2012.

Ademais, referido entendimento, embora apresente fundados argumentos, acabou por não representar a posição firmada ao longo do debate sobre a matéria no âmbito desta Corte, que veio a considerar ilegal a exigência em análise, com aplicação de multa, como se pode ver nos julgados REP 11/00687421 (Acórdão nº 1002/2012; Relator: Cons. Salomão Ribas Junior; Sessão Ordinária de 15/10/2012; publicado no DOTC-e nº 1110 de 14/11/2012, REP 12/00163386 (Acórdão nº 938; Relator: Cons. Luiz Roberto Herbst; Sessão Ordinária de 06.05.2013; publicado no DOTC-e nº 1239 de 05.06.2013), REP 11/00667668 (Acórdão nº 1018; Relator: Cons. Cesar Filomeno Fontes; Sessão Ordinária de 30.09.2013;DOTC-e nº 1344 de 30.10.2013), e  REP 12/00277985 (Acórdão nº 1019; Relator: Cons. Cesar Filomeno Fontes; Sessão Ordinária de 30.09.2013; Publicado DOTC-e nº 1344 de 30.10.2013) e REP 12/00012760 (Acórdão nº 392/2014); Relator Auditor Gerson dos Santos Sicca; Sessão Ordinária de 12/05/2014; Publicado no DOTC-e nº 1485 de 11/06/2014.

No mesmo sentido, o Tribunal de Contas da União (TCU), em 2011, por meio do Acórdão nº 2241/2011[4], embora tenha autorizado, excepcionalmente, o Ministério do Desenvolvimento Agrário a concluir as contratações em andamento, determinou, em seu item 9.4.3, que aquele órgão não promovesse licitações cujo objeto fosse exclusivamente de fabricação nacional, até posterior deliberação daquele Tribunal, o que veio a ocorrer somente no ano de 2013, por intermédio do Acórdão nº 1317/2013[5], também mencionado pela recorrente, o qual confirmou a ilegalidade da dita exigência.

Deste modo, a dúvida que pairava sobre a matéria alegada pela recorrente, não conferiu uma carta branca aos administradores públicos para que exigissem produtos de fabricação nacional em seus processos licitatórios, mas, ao contrário, retirou-lhes o benefício da crença de que não haveria irregularidade nesse proceder, que foi de imediato vetado pelo TCU já no ano de 2011 para futuras contratações.

Em relação à alegação de não cabimento da penalidade no caso de mantido o entendimento sobre a ilegalidade, a recorrente invoca o Acórdão nº 3181/2014 do TCU[6], todavia, no referido julgado, a adoção de medidas se tornaram prejudicadas em razão da autorização pelo TCU, em caráter excepcional, das contratações em andamento à época da Representação no ano de 2011, o que não se enquadra no caso em exame.

Contudo, verifico que recentemente o Plenário deste Tribunal de Contas se manifestou no sentido de considerar irregular a exigência de que o bem adquirido seja de fabricação nacional sem, entretanto, aplicar multa, mas com recomendação para que a Unidade Gestora se abstenha de promover licitações contendo referida exigência, o que ocorreu nos autos do processo REP 12/00248101 (Acórdão nº 701/2015; Relator: Cons. Herneus de Nadal; Sessão Ordinária de 17.06.2015; publicado no DOTC-e nº 1749 de 17.07.2015).

Portanto, com o intuito de evitar Decisões discrepantes sobre o mesmo tema proferidas por essa Egrégia Corte, dou provimento parcial ao recurso apenas para cancelar a multa constante no item 6.3 do Acórdão nº 0100/2015, mantendo, contudo, a procedência da representação.

Por fim, entendo pertinente recomendar à Fundação do Meio Ambiente de Criciúma que se abstenha de exigir em futuras licitações fabricação nacional dos bens a serem adquiridos, em atenção ao disposto no art. 3º, § 1º, da Lei n. 8.666/93.

 

III – PROPOSTA DE VOTO

 

Estando os autos instruídos na forma regimental, submeto a presente matéria ao Egrégio Plenário, propugnando pela adoção da seguinte proposta de voto:

1 – Conhecer da peça recursal, nos termos do art. 80 da Lei Complementar (Estadual) nº 202/2000 (Lei Orgânica deste Tribunal) e no art. 139 da Resolução nº TC-06/2001 (Regimento Interno deste Tribunal), interposto contra do Acórdão nº 100/2015, proferida nos autos nº REP 12/00149120, e, no mérito, dar-lhe provimento parcial para cancelar a multa constante em seu item 6.3.

2 – Recomendar à Fundação do Meio Ambiente de Criciúma que se abstenha de exigir em futuras licitações fabricação nacional dos bens a serem adquiridos, em atenção ao disposto no art. 3º, § 1º, da Lei n. 8.666/93.

3 - Dar ciência do Acórdão, do relatório e da proposta de voto que o fundamentam, bem como do Parecer nº DRR-628/2015, à Recorrente, Sra. Neli Sehnem dos Santos, bem como à Fundação do Meio Ambiente de Criciúma.

Gabinete, em 02 de junho de 2016.

 

Conselheiro Substituto Gerson dos Santos Sicca

Relator

 



[1] Relator: Conselheiro Cesar Filomeno Fontes; Sessão Ordinária de 18.03.2015; Publicado no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (DOTC-e) nº 1688 de 16.04.2015.

[2] Art. 3o  A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. [...]

[3] Decisão nº 2188/2013; Relator Auditor Cleber Muniz Gavi. Sessão Ordinária de 24/07/2013; Publicado no Diário Oficial Eletrônico do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina (DOTC-e) nº 1296, de 23.08.2013

[4] TCU. Representação nº 002.481/2011-1. Plenário; Rel. Min. André de Carvalho; Sessão de 24.08.11.

[5] TCU. Processo Administrativo nº 032.230/2011-7. Plenário; Rel. Min. Aroldo Cedraz; Sessão de29.05.13.

[6] Cópia juntada às  fls. 22-27