ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

 

 

Gabinete do Conselheiro Substituto Cleber Muniz Gavi

 

PROCESSO:                       REP 15/00367360

UNIDADE GESTORA:      Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina

RESPONSÁVEL:               Gelson Luiz Merísio e outros

INTERESSADO:                Cibelly Farias Caleffi

ASSUNTO:                          Representação do Ministério Público de Contas de Santa Catarina sobre supostas irregularidades relacionadas a autorização e participação de Deputados Estaduais no ‘I Seminário Internacional de Administração Tributária Brasil x Alemanha, em Berlim, Alemanha’, com custos aos cofres públicos no valor de R$ 90.170,38.

 

 

REPRESENTAÇÃO. ASSEMBLEIA LEGISLATIVA. VIAGENS INTERNACIONAIS EM MISSÃO OFICIAL. PROPÓSITO DE INTERCÂMBIO E DE APROXIMAÇÃO POLÍTICA, VOLTADO PARA O APRIMORAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA. ANÁLISE QUANTO À COMPATIBILIDADE COM AS FUNÇÕES DO LEGISLATIVO E QUANTO À DISCRICIONARIEDADE PARA AUTORIZAÇÃO DO ATO. PARÂMETROS PARA IDENTIFICAÇÃO DA LEGITIMIDADE DA DESPESA.

Não há, a princípio, óbices para atuação de parlamentares em ações externas às dependências das Casas Legislativas e que contribuam para o fomento à atividade econômica, para o fortalecimento de relações comerciais, sociais e culturais, para a criação de novos canais de diálogo e intercâmbio institucional ou para troca de experiências voltadas ao aprimoramento da Administração Pública. Atividades, inclusive, também desempenhadas no âmbito do Poder Legislativo Federal e por comitivas parlamentares estrangeiras.

A análise quanto aos motivos e à pertinência destas missões oficiais está no âmbito do poder discricionário do gestor, cabendo a intervenção dos órgãos de controle em situações em que objetivamente evidenciado ausência de interesse público, indefinição quanto aos objetivos do deslocamento, custeio de despesas de particulares sem qualquer relação com os compromissos oficiais, viagens com fins turísticos e de lazer, omissão do dever de prestar contas, além de outras situações de ilegitimidade e uso irregular de recursos do erário.

 

 

 

I – RELATÓRIO

Tratam os autos de representação oferecida pela Procuradora do Ministério Público de Contas Dr. Cibelly Farias Caleffi, para apuração de fatos considerados irregulares, relacionados ao pagamento de diárias internacionais a deputados da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina – ALESC.

Segundo a peça inicial, por meio dos “Atos da Mesa” de n.s 018-DL, 019-DL e 0-22DL, a ALESC autorizou os deputados estaduais Ana Paula Lima Kennedy Nunes e Aldo Schneider a se ausentarem do País para participar do “I Seminário Internacional de Administração Tributária Brasil x Alemanha”, em Berlim, Alemanha.

Com base em notícia publicada pela FENAFISCO – Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital, indicando que o seminário e visitas técnicas ocorreriam entre 11 e 15 de maio de 2015, a Exma. Procuradora de Contas aponta discrepância entre o período do evento e os dias concedidos para viagem dos parlamentares catarinenses. Segundo relata, a Deputada Ana Paula Lima fora autorizada a ausentar-se entre 8 e 21 de maio, num total de 14 dias, com a concessão de 12 diárias; o deputado Kennedy Nunes foi autorizada a ausentar-se no período de 9 a 17 de maio, com o recebimento de 7,5 diárias; e o Deputado Aldo Schneider foi autorizado a ausentar-se entre 15 e 22 de maio (após o encerramento do Seminário), com o recebimento de 7 diárias.

Ademais, considerando as competências do legislativo estadual, aponta a representante do Ministério Público de Contas carência de atendimento aos princípios constitucionais da Administração Pública e ao interesse público, questionando, ademais, a real necessidade da presença dos parlamentares no evento. Quanto ao deputado Aldo Schneider, em particular, reitera a incompatibilidade entre as datas de seu efetivo deslocamento à Alemanha e o conteúdo do seu relatório de viagem apresentado – com indicativo de participação no Seminário ocorrido entre 11 e 12.05.2015 e em visita técnica de 13.05.2015.

Após manifestação da Diretoria de Controle da Administração Estadual – DCE (fls. 239-241) e do Ministério Público de Contas (Parecer nº MPTC/36488/2015 (fls. 242-243), ambos pelo conhecimento da representação, foi por mim proferida decisão singular determinando providências para apuração (fls. 244-245).

Previamente à formalização da diligência, o Deputado Kennedy Nunes prestou esclarecimentos, com o fim de demonstrar a regularidade do seu deslocamento à Alemanha (fls. 251-286).

A DCE, dando seguimento a instrução do processo, promoveu diligências para obtenção de informações e esclarecimentos da ALESC e dos deputados estaduais que participaram da viagem (fls.288-291). Também foram solicitadas informações e esclarecimentos do Sindicato dos Fiscais da Fazenda do Estado de Santa Catarina – SINDIFISCO e da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital – FENAFISCO, ambas entidades com promotoras do evento (fls. 290-293).  

Em resposta as diligências realizadas pela DCE, o deputado Kennedy Nunes apresentou novas informações e documentos em fls. 310-355; o deputado Aldo Schneider às fls. 357-444; e a deputada Ana Paula Lima, às fls. 501-566.

A ALESC prestou informações por meio de seu Diretor-Geral, Sr. Carlos Alberto de Lima Souza, juntado os documentos de fls. 446-449 e 471-474.

O SINDIFISCO e a FENFISCO manifestaram-se de forma conjunta, por meio dos documentos de fls. 570-589.

De posse destas informações, a DCE elaborou o Relatório de Instrução n. 79/2016 (fls. 599-608), sugerindo a conversão dos autos em tomada de contas especial, nos seguintes termos:

3.1 converter o presente processo em tomada de contas especial, nos termos do art. 65, § 4°, da Lei Complementar n. 202/2000, tendo em vista as irregularidades no presente relatório;

3.2 Definir a responsabilidade solidária nos termos do art. 15, II, da Lei Complementar Estadual nº 202/00, do Sr. Gelson Luiz Merisio, Presidente da Assembleia Legislativa à época, inscrito no CPF sob nº 464.643.529-20, com endereço profissional na Rua Jorge Luz Fontes, Gabinete 037, Centro, Florianópolis/SC – CEP 88.020-900; do Sr. Pedro Baldissera, 2º Secretário da Assembleia Legislativa à época, inscrito no CPF sob nº 011.267.128-41, com endereço profissional na Rua Jorge Luz Fontes, Gabinete 113, Centro, Florianópolis/SC – CEP 88.020-900; da Sra. Dirce Aparecida Heiderscheidt, 3ª Secretária da Assembleia Legislativa à época, inscrita no CPF sob nº 707.418.839-53, com endereço profissional na Rua Jorge da Luz Fontes, Gabinete 304, Centro, Florianópolis/SC – 88.020-900; e da Sra. Ana Paula Lima, Deputada Estadual, inscrita no CPF sob nº 516.554.389-72, com endereço profissional na Rua Jorge Luz Fontes, Gabinete 205, Centro, Florianópolis/SC – CEP 88.020-900; por irregularidades verificadas no presente processo, que ensejam a imputação do débito mencionado no item 2 deste relatório.

3.3 Definir a responsabilidade solidária nos termos do art. 15, II, da Lei Complementar Estadual nº 202/00, do Sr. Gelson Luiz Merisio, Presidente da Assembleia Legislativa à época, inscrito no CPF sob nº 464.643.529-20, com endereço profissional na Rua Jorge Luz Fontes, Gabinete 037, Centro, Florianópolis/SC – CEP 88.020-900; do Sr. Valmir Francisco Comin, 1º Secretário da Assembleia Legislativa à época, inscrito no CPF sob nº 494.404.119-53, com endereço residencial na Rua Barão do Rio Branco nº 435, ap. 1201, Centro, Criciúma/SC – CEP 88.801-450;  do Sr. Mário Marcondes, 4º Secretário da Assembleia Legislativa à época, inscrito no CPF sob nº 597.710.629-72, com endereço profissional na a Rua Jorge Luz Fontes, Gabinete 115, Centro, Florianópolis/SC – CEP 88.020-900; do Sr. Aldo Schneider, Deputado Estadual, inscrito no CPF sob nº 379.407.089-53, com endereço profissional na Rua Jorge Luz Fontes, Gabinete 101, Centro, Florianópolis/SC – CEP 88.020-900; por irregularidades verificadas no presente processo, que ensejam a imputação do débito mencionado no item 2 deste relatório.

3.4 Determinar a citação dos Responsáveis nominados nos itens 3.2 e 3.3 deste relatório, nos termos do art. 15, II, da Lei Complementar n. 202/00, bem como a citação do Deputado Clarikennedy Nunes, inscrito no CPF sob nº 634.917.229-04, com endereço profissional na Rua Jorge da Luz Fontes, Gabinete 116, Centro, Florianópolis/SC – CEP 88.020-900 para, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da data da publicação desta Decisão no Diário Oficial Eletrônico deste Tribunal de Contas, com fulcro no art. 57, V, c/c o art. 66, §3º, do Regimento Interno, apresentarem alegações de defesa acerca da seguinte irregularidade, passível de imputação de débito e/ou aplicação de multa prevista nos arts. 68 a 70 da Lei Complementar n. 202/2000:

3.4.1 De responsabilidade dos Deputados Gelson Luiz Merisio, Pedro Baldissera e Dirce Aparecida Heiderscheidt, já qualificados, passíveis de imputação de débito, no valor de R$ 2.622,00 (dois mil seiscentos e vinte e dois reais) e aplicação de multa proporcional em face da:

3.4.1.1 autorização em excesso não justificado no deslocamento da parlamentar da Assembleia Legislativa Ana Paula Lima em viagem à Alemanha, resultando em dispêndio irregular no valor de R$ 2.622,00, em afronta ao disposto no Ato da Mesa nº 127/2015 e aos princípios da legalidade, razoabilidade e economicidade, conforme apontado no item 2 do presente relatório.

3.4.2 De responsabilidade dos Deputados Gelson Luiz Merisio, Valdir Francisco Comin e Mario Marcondes, já qualificados, passíveis de imputação de débito, no valor de R$ 37.007,17 (trinta e sete mil, sete reais e dezessete centavos) e aplicação de multa proporcional em face da:

3.4.2.1 Autorização de deslocamento indevido do parlamentar da Assembleia Legislativa Aldo Schneider em viagem à Alemanha, no valor de R$ 37.007,17, evidenciando em afronta ao disposto no art. 11, § 3º, do Ato da Mesa 127/2015, e diante da afronta aos princípios da supremacia do interesse público sobre o interesse particular, da moralidade, da eficiência, da economicidade, da razoabilidade e da ausência de previsão legal para a realização da despesa pública, conforme apontado no item 2 do presente relatório.

3.4.3 De responsabilidade da Deputada Ana Paula Lima, já qualificada, passível de imputação de débito, no valor de R$ 2.622,00 (dois mil seiscentos e vinte e dois reais) e aplicação de multa proporcional em face do:

3.4.3.1 excesso de 01 (um) dia de deslocamento (08/05/2015) e da ausência de comprovação de qualquer atividade em 01 (um) dia do período em que recebeu diária para a realização do I Seminário de Administração Tributária na Alemanha (19/05/2015), em afronta ao disposto no Ato da Mesa nº 127/2015 e aos princípios da legalidade, razoabilidade e economicidade, conforme apontado no item 2 do presente relatório.

3.4.4 De responsabilidade do Deputado Clarikkenedy Nunes, já qualificado, passível de imputação de débito, no valor de R$ 7.580,00 (sete mil quinhentos e oitenta reais) e aplicação de multa proporcional em face da:

3.4.4.1 utilização de passagem aérea em classe executiva, em afronta aos princípios da supremacia do interesse público sobre o interesse particular, da moralidade, da eficiência, da economicidade, da razoabilidade e da ausência de previsão legal para a realização da despesa pública, conforme apontado no item 2 do presente relatório.

3.4.5 De responsabilidade do Deputado Aldo Schneider, já qualificado, passível de imputação de débito, no valor de R$ 37.007,17 (trinta e sete mil, sete reais e dezessete centavos) e aplicação de multa proporcional em face da:

3.4.5.1 realização de viagem internacional apenas para acompanhamento de uma visita técnica com alto custo ao Erário e utilização de passagem aérea em classe executiva, em afronta ao disposto no art. 11, § 3º, do Ato da Mesa 127/2015, e diante da afronta aos princípios da supremacia do interesse público sobre o interesse particular, da moralidade, da eficiência, da economicidade, da razoabilidade e da ausência de previsão legal para a realização da despesa pública, conforme apontado no item 2 do presente relatório.

3.5 Solicitam-se esclarecimentos à Assembleia Legislativa do Estado em face do deslocamento do Deputado Clarikennedy Nunes e do Condutor Custódio de Souza de Florianópolis à Curitiba e na volta de Curitiba à Florianópolis, haja vista que o deslocamento de Florianópolis/SC a Curitiba/PR deu-se em três dias, sendo que o Condutor permaneceu em Curitiba entre os dias 09 a 17/05/2015 (fls. 63 e 74), possivelmente, recebendo diárias e com o carro locado a sua disposição, haja vista que em consulta no Portal Transparência da Alesc não se identificou pagamento de diárias.

 

Em nova manifestação, o Ministério Público de Contas, no parecer MPTC n. 47.428/2017 (fls. 640/641), da lavra do Exmo. Procurador Dr. Diogo Roberto Ringenberg, acompanhou as conclusões da DCE.

É o relatório.

 

II – FUNDAMENTAÇÃO

Questionamentos acerca dos gastos dos membros do Poder Legislativo, particularmente para custeio de viagens por eles realizadas, constituem tema que, já há algum tempo, gera intensa controvérsia perante a opinião pública.

Momento mais marcante, que inclusive estimulou o surgimento de regras mais claras, transparentes e alinhadas com o interesse público, se deu nos idos de 2009, a partir de uma série de fatos veiculados nos meios de comunicação e relacionados ao que ficou conhecido como “farra das passagens aéreas”, envolvendo integrantes da Câmara dos Deputados.

Os fatos naquela ocasião apurados – e que inclusive recentemente levaram a denúncia, por crime de peculato, de 72 ex-deputados federais pelo Ministério Público Federal – foram objeto de investigação pelo Tribunal de Contas da União, sendo possível extrair do relatório e voto que deram origem ao Acórdão TCU n. 2.426/2009 (Rel. Min. Raimundo Carreiro) a identificação das seguintes situações, aqui reproduzidas literalmente:

“2. Segundo os apontamentos iniciais desta Unidade Técnica (fl. 39/40), tomando por base sucessivas informações noticiadas pela imprensa a partir da matéria publicada pelo sítio jornalístico Congresso em foco em 14/4/2009 (fls.1/3), estaria em cheque a legalidade/moralidade da utilização do referido benefício nas seguintes situações:

1) pagamento de passagens nacionais e internacionais de terceiros (não parlamentares) – familiares, amigos, empresários, artistas e autoridades de outros poderes;

2) quantidade excessiva e injustificada de passagens para o exterior;

3) prática de acumulação do direito à cota mensal não utilizada, gerando suposto “saldo”, comumente usado para fretamento de aeronaves, com base no valor “cheio” das passagens (maior tarifa);

4) uso da verba por ex-Deputados – para si ou terceiros – que não tenham esgotado a cota durante o mandato, caracterizando incorporação velada do benefício aos estipêndios dos parlamentares;

5) uso de passagens por parlamentares em viagens de férias;

6) existência de suposta comercialização de passagens, com participação de parlamentares, empresas de turismo e servidores da Câmara – efetivos ou não; e

7) utilização pelos parlamentares e terceiros, para fins particulares, de milhagem obtida junto às empresas aéreas pela utilização de passagens adquiridas pelo Câmara dos Deputados, com uso das cotas dos parlamentares.

3. Dos diversos fatos reportados pela imprensa, de acordo com as matérias veiculadas pelo sítio jornalístico Congresso em Foco entre 14 e 22/4/2009, pelo jornal Folha de São Paulo em 24/4/2009, bem como pelo jornal O Globo em 27/4/2009, sobressaem as seguintes ocorrências:

1) A apresentadora de TV Adriane Galisteu e um grupo de artistas teria viajado na cota de passagens aéreas do Deputado Fábio Faria (fls. 1/3);

2) Parlamentares licenciados para exercer a função de Ministros de Estado teriam utilizado indevidamente a cota de passagens aéreas da Câmara dos Deputados (fl. 4/5);

3) Passagens aéreas adquiridas na cota de Deputados Federais teriam sido utilizadas pelos Ministros Gilmar Mendes e Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal (fl. 8);

4) Diversos parlamentares teriam utilizado, de forma recorrente, a cota de passagens aéreas em viagens internacionais, inclusive em benefício de familiares, para destinos turísticos na Europa, América do Norte e Argentina (fls. 9/10);

5) Lideranças partidárias e seus familiares teriam viajado diversas vezes para destinos como Bariloche, Miami, Nova Iorque e Paris, às custas da cota de passagens aéreas, a exemplo das 82 viagens mencionadas às fls. 13/26;

6) O atual Presidente da Câmara dos Deputados teria utilizado a cota de passagens aéreas em viagem de turismo para Porto Seguro, na Bahia (fl. 27); e

7) A prática de uso da cota em vôos para o exterior seria sistemática e generalizada. Segundo levantamento do sítio Congresso em foco, ao menos 261 deputados teriam viajado para 2 mil trechos internacionais, para 13 destinos aéreos, às expensas de dinheiro público (fls. 29/35).”

 

Note-se, a toda evidência, serem estas situações extremamente graves, que não resistiriam a um teste mínimo de legitimidade, sendo a situação agravada em função das declarações evasivas prestadas pelos responsáveis.

Conforme informações de canais de notícia, alguns até admitiram a viagem com parentes e com fins turísticos, sob argumento de que o regimento da Câmara não proibia a prática. Um deles, ao explicar a viagem juntamente com sua mulher, sua filha e uma prima à Nova York (EUA), reconhecera, em relação a esta última, que “ela foi resolver um problema particular de saúde”. Outro, ao explicar a viagem de cinco familiares também para aquela cidade estadunidense, simplificou a situação mediante o raciocínio circular de que “se fosse proibido, a Casa não permitiria”. Um – em tom mais desafiador – asseverou: Não há nada de errado nisso. Se a Câmara mantiver a possibilidade de levar parente, vou continuar levando minha mulher. E se eu achar importante, também levarei meu filho". E um deles, como justificativa para o custeio de passagens de parentes com verbas públicas, simplesmente arguiu que “a família é sagrada”.[1]

Interessante notar que naquele momento eram tão graves e múltiplas as denúncias que a questão alusiva à verificação do interesse público na viagem dos parlamentares ou à existência de uma missão oficial que justificasse o deslocamento foi tratada como questão secundária. O foco principal estava direcionado para o uso de cotas parlamentares em quantidades claramente abusivas, para a emissão de inúmeras passagens aéreas em viagens internacionais de ex-deputados ou particulares (como parentes, amigos ou celebridades), para o deslocamento a destinos reconhecidamente turísticos, bem como para um suposto esquema de comercialização irregular de créditos de passagens.

Considero importante traçar este paralelo histórico para demonstrar que, a partir daquele marco, o controle social e institucional passou a se pautar em critérios cada vez mais rígidos, demandando uma contínua mudança de postura por parte dos agentes públicos.

Aqui, nesta representação, não se trata de apurar uma  viagem com fim reconhecidamente turístico, ou desvinculada de uma missão oficial, ou envolvendo pessoas estranhas aos quadros públicos (situação bem evidenciada na narrativa de 2009). A avaliação atinge outra profundidade, tangenciando questões como a existência de interesse público na missão oficial autorizada pela ALESC, a pertinência entre os objetivos almejados com tais deslocamentos e o papel do Poder Legislativo regional, bem como a eficácia dos resultados obtidos.

Independentemente do julgamento do mérito, este procedimento reflete um amadurecimento quanto aos critérios para análise e “justificação” das ações e dos gastos envolvendo a Administração Pública, fenômeno que provavelmente também decorre da consolidação do princípio da transparência nos órgãos públicos. Algo bastante defensável para um sistema republicano e para um regime democrático ainda em evolução, no qual as fronteiras entre o patrimônio público e o privado necessitam de demarcações cada vez mais claras e no qual todos os agentes públicos devem estar familiarizados com o dever permanente de “prestar contas”, erigido que está a princípio constitucional (art. 34, VII, d).

Mas diante da ausência de regras específicas para disciplina do assunto, considero que aquele exemplo passado – revelando com nitidez fatos incompatíveis com princípios básicos da Administração Pública e já exaustivamente apreciado por órgãos de controle da esfera federal – constitui um bom parâmetro para análise das situações que foram objeto de representação nesta Corte de Contas e para evidenciação de eventuais distinções.

Inicialmente, para bem delimitar nosso objeto de discussão, cabe acentuar que a realização da viagem à Alemanha foi o resultado de um convite encaminhado pelo presidente da SINDIFISCO – Sindicato dos Fiscais da Fazenda do Estado de Santa Catarina, conforme expedientes de fls. 79, 132, 159 e 526, todos com o seguinte teor:

O SINDIFISCO – Sindicato dos Fiscais da Fazenda do Estado de Santa Catarina, tem a honra de convidá-lo a participar do I Seminário Internacional de Administração Tributária Brasil x Alemanha.

O evento será realizado pela FENAFISCO – Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital, em parceria com a Universidade de Humboldt, entre os dias 09 e 20 de maio do correte ano em Berlim – Alemanha.

Nos dias 11 e 12 de maio serão realizadas palestras e painéis de discussão e nos demais serão realizadas visitações técnicas em Berlim, Hamburgo, Colônia, Frankfurt Munique.

No encontro serão debatidos temas atinentes à questão fiscal e tributária dos dois países, bem como em relação à estrutura de carreira dos Fiscos destas regiões, expondo através de painéis algumas experiências e demonstrano os diferente aspectos e abordagens existentes.

Teremos muito prazer em recebê-lo e poder contar com a sua participação.

 

Acresça-se que realização do “I Seminário Internacional de Administração Tributária Brasil x Alemanha” foi uma iniciativa da FENAFISCO – Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital e da SINDIFISCO – Sindicato dos Fiscais da Fazenda do Estado de Santa Catarina, em parceria com a Universidade Humboldt, de Berlim. Conforme documento de fl. 231, o evento contava com os seguintes objetivos:

A Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), em parceria com o Sindicato dos Fiscais da Fazenda do Estado de Santa Catarina (Sindifisco–SC), realizam nos dias 11 e 12 de maio o I Seminário de Administração Tributária, na Universidade de Humboldt, em Berlim, na Alemanha.

Serão debatidos os temas:

- Visão geral sobre como está estruturado o Estado Alemão e seu sistema de tributação e repartição das receitas tributárias;

- Investimentos em ferramentas tecnológicas para a Administração Tributária Alemã;
- Aspectos relacionados à concessão de incentivos econômicos e fiscais para a geração de desenvolvimento na Alemanha;

- Aspectos relacionados ao combate aos crimes de sonegação fiscal;

- Perspectivas para a economia alemã e europeia;

- Aspectos relacionados com a representação sindical dos Auditores Fiscais Alemães e estruturação de sua carreira.

 O evento tem como objetivo promover a exposição e o debate sobre temas relacionados à administração pública e administração tributária, de forma a comparar as realidades em ambos os países e prospectar melhores experiências aplicáveis à realidade brasileira.

O encontro propõe ampliar e aprofundar as relações entre os dois países e incentivar novas parcerias.

As visitas técnicas serão realizadas nos dias 13, 14 e 15, em Berlim, Hamburgo e Munique, respectivamente.

 

Recebido o convite pela ALESC, os deputados estaduais Kennedy Nunes, Aldo Schneider e Ana Paula Lima solicitaram autorização para se ausentar do país, a fim de representar a Casa Legislativa no citado seminário (fls. 78, 88, 108, 131, 200, 525).

Portanto, é fato que houve um convite inicial por parte da entidade representativa dos Fiscais da Fazenda do Estado e que o objetivo do seminário envolvia tratativas a respeito da Administração Pública e Tributária.

Sob o aspecto estritamente formal, extraem-se dos documentos juntados as seguintes informações:

1) Entre 13 e 18.03.2015, os deputados estaduais receberam os convites para participação no I Seminário dos Fiscais da Fazenda do Estado de Santa Catarina.

2) Os pedidos para concessão de diárias e para permissão de ausência do País dos Deputados Kennedy Nunes, Aldo Schneider e Ana Paula Lima, constam às fls. 78, 88, 108, 131, 200, 525..

3) Os atos autorizativos foram expedidos por meio dos Atos da Mesa n.s 018-DL, 019-DL e 022-DL, todos de 05.05.2015 e publicados na mesma data, autorizando a ausência dos deputados do Páis para “participar do I Seminário Internacional de Administração Tributária Brasil x Alemanha, em Berlim, na Alemanha.

 

Finalmente, há nos autos documentos relacionados às prestações de contas referentes às diárias e passagens aéreas, bem como um relatório completo com o roteiro da viagem e programações das quais participaram os parlamentares (fls. 36-238).

Quanto a este aspecto – para contrapormos mais um parâmetro de análise –, cabe citar que recente notícia publicada pelo Jornal “Estado de São Paulo” revelou que muitas das viagens efetuadas por membros da Câmara dos Deputados omitem-se quanto a estes dados, contendo apenas relatos genéricos, sem qualquer apresentação acerca da programação ou resultados das missões. Conforme informado, “a falta de cuidado na forma como se presta – e se fiscaliza – as viagens faz com que haja documentos que só listam a agenda predeterminada para o roteiro, sem fotos dos encontros, nomes das autoridades visitadas ou a relevância das reuniões para a atividade legislativa desenvolvida no Brasil”.[2] No caso presente, entretanto, conforme se vê do relatório de fls. 115-130, 150-153 e 179-198, tais elementos estão devidamente demonstrados. 

Relativamente aos aspectos formais, cabe destacar o questionamento constante da representação acerca da inadequação do período de viagem dos deputados Ana Paula Lima, Kennedy Nunes e Aldo Schneider, fatos detalhadamente descritos às fls. 06-09. Em relação aos dois primeiros, alega-se que o período foi além do necessário para participação no seminário. Em relação ao último (deputado Aldo Schneider), adita-se que a viagem do parlamentar à Alemanha teve início quando já encerrado o evento.

Em que pese a minuciosa análise efetuada e conquanto fosse inegável a necessidade de esclarecimentos por parte dos envolvidos (o que se seu ao longo da instrução), entendo que não persistem as irregularidade fundamentadas na análise cronológica das viagens e do evento.

Quanto ao deputado estadual Kennedy Nunes, vislumbro que o número de diárias solicitadas é compatível com a data do evento. Considerando o tempo necessário para deslocamento do Brasil até a Alemanha e que o seminário teria atividades do dia 11 até o dia 15/05/2015 (na verdade houve visitas técnicas até o dia 18), não se revela desproporcional o pedido de pagamento de sete diárias e meia e a programação da viagem entre os dias 09 e 17/05/2015. Tal entendimento, inclusive, foi corroborado pela área técnica, que conclui que “... considerando o conjunto probatório referente a sua participação no evento, verifica-se que o período e os horários em que se deram os deslocamentos atinentes às diárias internacionais recebidas para participação no seminário na Alemanha demonstram-se razoáveis e proporcionais às atividades lá exercidas.” (fl. 604).

Quanto à deputada estadual Ana Paula Lima, é importante mencionar as justificativas por ela apresentadas relativamente à permanência em Brasília nos dias 08.05.2015 (início da viagem) e 21.05.2015 (fim da viagem), conforme se comprova em fls. 165.

Esclarece a parlamentar em fl. 523 que, a princípio, havia programado atividades na capital federal – o que justificaria sua permanência nestes dias. Entretanto, tais compromissos foram cancelados, tendo a mesma procedido a devolução parcial das diárias, consoante atesta o comprovante bancário de fls. 560.

Remanescendo a análise do período de 09 a 20.05.2015 na Alemanha, vislumbro que o número de diárias solicitadas é compatível com a data do evento e com as atividades exercidas pela comitiva.

Primeiramente, é importante destacar que o convite encaminhado aos deputados noticiava que o evento seria de 09 a 20 de maio de 2015, tendo sido esta a referência dos parlamentares quando solicitaram autorização para viagem àquele país e a concessão de diárias e passagens aéreas (fls. 79, 132, 159 e 526).

Ademais, no dia 18, após uma visita ao Ministério das Finanças do Estado Baviera, a comitiva teve de retornar a Berlim, demandando-se tempo considerável de translado entre um local e outro, com chegada à capital alemã apenas na madrugada do dia 19. São consistentes, portanto, os argumentos suscitadas pela deputada na resposta à diligência, quando relata:

De Munique a Berlim são aproximadamente seiscentos (600) quilômetros de distância, fato que fez com que a Comitiva chegasse a Berlim na madrugada do dia 19/05/15.

Devido a disponibilidade de vôo, embarcou em Berlim, no horário local alemão às 06:00 horas do dia 20/05/15, chegando em Brasília-DF, no horário oficial brasileiro às 15:15 horas, do mesmo dia 20/05/15.

 

E tal informação também é corroborada pelas informações da FENAFISCO e da SINDIFISCO em fls. 570-575.

Portanto, não vislumbro eventual excesso no período de deslocamento da parlamentar.

Finalmente, quanto ao deputado estadual Aldo Schneider, cuja viagem teve início em 15.05.2015, com retorno ao Brasil iniciando em 21.05.2015, cabe novamente relembrar o teor do convite encaminhado pela SINDIFISCO aos citados parlamentares, sendo ali mencionado que o evento perduraria até o dia 20 de maio daquele ano. Considerando tal informação, a programação de retorno para o dia 21 não se revela incompatível com o período previamente indicado pela entidade sindical, aliás, uma das promotoras do evento.

Quanto ao deslocamento após o início do seminário, cumpre reportarmo-nos às justificativas do deputado estadual, esclarecendo que ficara impedido de se deslocar à Alemanha para a abertura do seminário por ter assumido interinamente a Presidência da ALESC, em função do afastamento oficial do deputado estadual Gelson Merísio entre os dias 10 e 15.05.2015, conforme consta às fls. 382. De fato, o documento de fls. 380 comprova que inicialmente fora dada uma autorização para ausência do deputado a partir do 09.05.2015 (Ato da Mesa n. 015-DL, o primeiro a ser expedido, inclusive), sendo esta data posteriormente postergada para 15.09.2015, conforma Ato da Mesa n. 22.05.2015 (fl.381).

Por derradeiro, quanto à alegação de que o deslocamento se dera após o encerramento do evento, tem-se que ao longo da instrução ficou esclarecido que outras atividades se seguiram após os dias 11 e 12, dias em que concentradas as atividades expositivas. A própria notícia inicial publicada pela FENAFISCO indica outras ações após este período, como visitas técnica em 13, 14 e 15.05.2015 (fl. 231). E posteriormente, a mesma entidade corrigiu tais dados ao esclarecer que, na verdade, em virtude de feriado na Alemanha nos dias 14 e 15, tais atividades se estenderam até o dia 18, conforme seguinte explanação constante do documento de fls. 260-261:

Inicialmente, é preciso deixar claro que este evento internacional foi dividido em duas partes: a primeira composta por palestras e a segunda por uma série de visitações técnicas aos órgãos públicos de fiscalização na Alemanha, bem como ao Porto de Hamburgo, conforme se demonstrará a seguir:

O Seminário com as palestras foi realizado em parceria com a tradicionalíssima Universidade Humboldt de Berlim, que tem mais de 200 anos de história. Ali, nos dias 11 e 12 de maio de 2015, aconteceram dois dias inteiros de intensos debates, nos quais foram apresentadas as adminsitrações tributárias do Brasil e, principalmente, da Alemanha, estabelecendo paralelismo e apontando caminhos para que ambos os países viessem a avançar. Foram palestrantes as seguintes autoridades:

(...)

Nos dias subseqüentes às palestras aconteceram as visitas técnicas, obedecendo ao seguinte calendário, que observou o fato de ser o dia 15.02.2015 ponto facultativo nos órgãos públicos da Alemanha, em função do feriado nacional no dia 14.05.2015.

- dia 13.5.2015: Ministério das Finanças em Berlim; Casa das Funções do Parlamento Alemão; Parlamento Alemão (Reischtag) e Embaixada do Brasil em Berlim;

- dia 14.5.2015: visitação fluvial ao Porto de Hamburgo, maior porto alemão e um dos maiores do mundo;

- dia 15.5.2015: ponto facultativo nas repartições públicas alemãs em função do feriado nacional no dia 15.5.2015;

- dia 18.5.2015: Ministério das Finanças da Baviera em Munique.

No dia 18.5.2015 houve o retorno da delegação brasileira para Berlim, chegando no início da madrugada do dia 19.5.2015. 

 

Certamente, a ida do parlamentar para comparecimento a apenas um evento (visita técnica ao Ministério das Finanças da Baviera), tangencia, aparentemente, um limite negativo da legitimidade do ato administrativo.  Além disto, a confecção do relatório de prestação de contas com menção a atividades das quais não participou (fls. 151-153), contribuiu para o estado de incerteza que levou à necessidade de apuração pelo Tribunal de Contas.

No entanto, é fato que o convite indicava que o evento perduraria até o dia 20. Ademais, não há provas de encaminhamento prévio à ALESC da programação detalhada do evento, de onde poderiam ser extraídas informações como as atividades planejadas para cada dia e eventual incongruência com a data consignada no convite oficial. 

Paralelo a isto, está documentalmente demonstrando que originalmente a viagem do parlamentar estava programada para o início do evento, sendo tal planejamento alterado pela necessidade de o mesmo exercer interinamente a Presidência da Casa, o que, inclusive, ocorreu muito próximo à data de abertura do encontro na Alemanha (documentos de fls. 380 e 381). Acrescente-se, ainda, não ter sido contestado seu comparecimento, juntamente com a comitiva brasileira, ao Ministério das Finanças da Baviera, na cidade de Munique (fato confirmado pelas imagens constante às fls. 21 da revista da SINDIFISCO – fls. 561).

Logo, superadas tais questões e eliminadas eventuais questionamentos acerca das formalidades e da publicidade na realização do ato, resta aferir os demais pontos suscitados pela área técnica e pela Exma. Procuradora de Contas, relacionados ao interesse público, à conveniência e oportunidade e à compatibilidade com as atividades parlamentares.

Conquanto ainda não tenha apreciado, especificamente, matéria alusiva a viagens internacionais de agentes políticos da ALESC, não é novidade a discussão quanto à compatibilidade de gastos com diárias e viagens de membros do legislativo para atividades de representação que, a princípio, poderiam ser classificadas como funções típicas do Poder Executivo.

Em precedentes de minha relatoria, concluí que não havia tal incompatibilidade e que não cabia a esta Corte substituir os critérios adotados pelo administrador público quando apreciou a necessidade e a pertinência de tais viagens, pois tal motivação se encontraria no âmbito do poder discricionário. A intervenção deste Tribunal ou de outros órgãos de controle somente seria cabível nos casos em que a motivação se afastasse do interesse público ou quando configurada fraude, desvio de recursos ou outro dano ao erário (processos PCA 07/00135510, PCA 08/0069579 e PCA 08/00099214).

A condenação em débito apenas foi sustentada quando claramente ultrapassados os limites da discricionariedade e ausente o interesse público, cabendo citar, a título ilustrativo, o pagamento de diárias para participação de vereador em reuniões partidárias (já que de interesse exclusivo e pessoal do parlamentar – PCA 08/00099214) ou para participação em um evento esportivo sem qualquer relação com o interesse público local (caso em que houve a devolução voluntária do valor antes do encerramento do processo – PCA 08/00100085).

Não vislumbro, nestes autos, motivos para mudança de entendimento.

Em que pese ser plausível e legítimo o questionamento da sociedade e das instituições de controle quanto a vários aspectos de gastos desta natureza – e sem desconsiderar que a pressão da opinião pública atua de forma independente e pode, por si só, levar a mudança de paradigmas na gestão da coisa pública – o fato é que, sob o aspecto da legalidade (que constitui o nosso referencial de atuação) não há fundamentos suficientes para condenação dos envolvidos ao ressarcimento dos valores despendidos.

A atividade de representação institucional é algo comum a todos os órgãos. E notadamente quanto ao Poder Legislativo, não vejo empecilhos para que sua atuação também envolva ações externas às dependências das Casas Legislativas e que contribuam para o fomento à atividade econômica e empresarial, para o fortalecimento de relações comerciais, sociais e culturais, para a criação de novos canais de diálogo e intercâmbio institucional e, considerando o caos específico, para troca de experiências voltadas ao aprimoramento da Administração Pública.

No campo da atividade política, não se pode negar que a participação de membros do legislativo pode, sim, auxiliar na concretização de determinados objetivos almejados pelos setores sociais ou econômicos que representam, sendo esta uma realidade que não pode ser desprezada.

Além disto, em inúmeros casos, inovações legislativas são condição para a atuação do Poder Executivo ou para o incremento de novas políticas públicas. Neste contexto, é natural existir uma atuação mais ativa dos membros do legislativo, o que inclui uma aproximação com os setores produtivos, o conhecimento sobre novos modelos de empreendimento ou oportunidades de negócios e a troca de experiências com setores da Administração Pública de outros estados ou países.

Para ilustrar, estas atividades são bastante comuns no Legislativo Federal, verificando-se em rápida consulta aos sítios eletrônicos da Câmara dos Deputados e do Senado a existência de missões oficiais ao exterior, com objetivos de estreitamento de relações culturais, comerciais e econômicas[3]. Abstraindo-se os casos claramente ilícitos e já investigados pelos órgãos de controle (conforme já citado ao longo deste voto), não há notícias de que tais ações tenham sido impugnadas pelo simples fato de constituírem atividades não descritas literalmente no rol de competências dos órgãos integrantes do Congresso Nacional.

No âmbito da Câmara dos Deputados, aliás, tais atividades desde 2015 contam com uma estrutura própria de gerenciamento junto à Secretaria de Relações Internacionais, responsável por estabelecer as diretrizes da diplomacia parlamentar, promover a cooperação com parlamentos de Estados estrangeiros e apoiar delegações, comitivas e representações de deputados em missão oficial (Resolução n. 03/2015).

Também é possível apontar exemplos reversos, em que comitivas estrangeiras, formada por parlamentares de outros países, vieram ao Brasil com idênticos objetivos.

Em ocasião bem recente (17.10.2017), uma comitiva integrada por parlamentares chineses veio a Santa Catarina com o fim de estreitar laços comerciais com o Estado, sendo o fato noticiado na página eletrônica da ALESC, da seguinte forma[4]:

A Assembleia Legislativa de Santa Catarina recebeu, na tarde desta terça-feira (17), a visita de uma comitiva da província chinesa de Heilongjiang. Membros do congresso provincial foram recebidos pelo presidente do Legislativo catarinense, deputado Silvio Dreveck (PP), na Presidência da Alesc. O objetivo da visita foi estreitar as relações comerciais e de amizade entre a província e Santa Catarina.

Yu Baiqing, secretário-geral do Comitê Permanente do Congresso da Província de Heilongjiang, fez uma apresentação da província, situada no Nordeste da China, na fronteira com a Rússia. Heilongjiang possui cerca de 38 milhões de habitantes e, assim como Santa Catarina, possui uma economia diversificada, com destaque para a produção de grãos, indústria e turismo. Conta com mais de 80 universidades e 700 institutos de tecnologia.

Conforme o secretário-geral, a província tem interesse em estreitar os laços comerciais e de amizade com Santa Catarina. Para isso, convidou Silvio Dreveck para uma visita à Heilongjiang, em especial no mês de julho, quando ocorre uma importante feira mundial de negócios.

O presidente da Alesc afirmou que entrará em contato com entidades empresariais e do agronegócio catarinense para estudar a possibilidade de realizar uma missão à Heilongjiang. O secretário-geral se colocou à disposição para apoiar os empresários catarinenses na busca por negócios com os chineses.

A comitiva chinesa também veio à Alesc para conhecer o funcionamento do Parlamento catarinense. O Congresso da Província de Heilongjiang é formado por 620 parlamentares.

O deputado Silvio Dreveck agradeceu a comitiva de Heilongjiang pela visita e destacou a importância do intercâmbio entre Santa Catarina e a província chinesa. “Temos muito a aprofundar nas relações comerciais e também nas culturais”, resumiu o presidente da Alesc.

 

Outro fato bastante recente e envolvendo a visita de comitiva estrangeira ocorreu em 16.11.2017, quando uma delegação de parlamentares e lideranças políticas e empresariais do estado alemão de Baden-Württemberg visitou diversos órgãos e instituições de Santa Catarina,visando à expansão e cooperação de negócios.[5]

No ano de 2015, uma comitiva integrada por 10 deputados estaduais da Baviera, na Alemanha, veio ao Estado com o objetivo de estreitamento das relações culturais, comerciais e científicas, sendo ressaltado na ocasião, que desde 2003 havia um acordo de cooperação entre Santa Catarina e a Região da Baviera, ainda pendente de execução[6].

E no ano de 2011, uma comitiva integrada por parlamentares franceses, dirigentes e representantes do Setor Educacional, compareceu a Santa Catarina (também com uma visita oficial à ALESC), para conhecer a experiência e realidade local na implantação das Casas de Famílias Rurais.[7]

Ou seja, a atividade de intercâmbio e estreitamento de relações por meio de missões compostas por membros do legislativo constitui praxe também em outros países, o que alenta o argumento de que a atividade parlamentar não necessariamente se restringe à função de produzir normas ou de controlar e fiscalizar a gestão pública.

Quanto à verificação dos resultados obtidos e da efetividade da participação do parlamentar, cabe observar que atividades de representação não refletem, de forma imediata, os resultados decorrentes da participação de determinada autoridade. Se tal questão fosse crucial para análise da legitimidade do ato, muitas das missões internacionais efetuadas pelos representantes do Poder Executivo federal ou estadual também seriam irregulares, pois, não raro, negociações, propostas de intenções e acordos protocolares não se concretizam com a celeridade e expectativa desejada.

Além do mais, entendo que tal avaliação acaba por interferir na discricionariedade do gestor público, pois o órgão de controle passaria a julga a legitimidade de um determinado ato administrativo a partir da concepção de qual seria o resultado considerado suficiente e favorável.

E é importante ressaltar existirem no caso sob análise elementos que, ao menos em tese, poderiam justificar a integração de parlamentares ao evento, mesmo porque matérias tributária e fiscal estão umbilicalmente ligadas à atividade legislativa. Cabe citar, em caráter ilustrativo, que o seminário também contou com a participação da deputada federal alemã Margaret Horb, membro do Comitê de Finanças do Parlamento Alemão. A mesma autoridade, aliás, veio ao Brasil em agosto daquele mesmo ano de 2015, para participar de um evento promovido pela FENAFISCO e pelo SINDIFISCO (fls. 588).

Logo, tratando-se de um ato discricionário, há fundamentos mínimos a partir dos quais poderiam os órgãos administrativos da ALESC avaliar a existência de interesse público na missão oficial e emitir seu juízo de conveniência e oportunidade, não cabendo a esta Corte de Contas reavaliar tais critérios, para ratificá-los ou desaprová-los.

Estas mesmas razões, aliás, limitam a apreciação de alguns pontos suscitados na representação e no relatório da DCE. Mesmo que haja consistência nas indagações postas pela Exma. Representante do Ministério Público [que aponta diversas questões que, a seu juízo, colocariam em xeque o interesse público para a realização do ato, também a partir de critérios de conveniência e oportunidade], o óbice reside no fato de que são questionamentos cuja profundidade ataca a própria discricionariedade do gestor público, demandando, assim, a ingerência desta Corte sobre matérias que compõe o mérito administrativo e estão sujeitas à decisão do administrador.

Não se questiona a pertinência da discussão posta em tela, que inclusive justificou a atuação, em paralelo, do Ministério Público do Estado, que instaurou um Inquérito Civil para apuração dos mesmos fatos. Tampouco se ignora a possibilidade de contenção, pelos órgãos de controle, de eventuais abusos praticados (há nesta proposta de voto exemplos de situações deste tipo).

No entanto, o conjunto de informações e esclarecimentos aglutinados ao longo da instrução não constituiu, com a consistência necessária, o suporte probatório que levaria à confirmação da ilegitimidade da despesa efetuada ou invalidade do juízo de conveniência e oportunidade da Mesa da Assembleia Legislativa, que não omitiu a finalidade da missão oficial ao publicar os atos respectivos.

Finalmente, quanto à matéria levantada de ofício pela DCE e relacionada ao pagamento indevido de passagens da classe executiva, entendo não haver motivação suficiente para caracterização do ato como ilegal. Cabe destacar tratar-se de questão não suscitada na representação do Ministério Público de Contas, tampouco nos outros processos submetidos a minha relatoria e nos quais se detecta semelhantes situações (Proc.s REP n. 15/00315211, REP 15/00398672 e REP 15/00398087).

Em que pese a controvérsia existente quanto ao assunto, o fato é que, à época, ainda não havia claro impeditivo para tal custeio na legislação ou em parâmetros judiciais. 

A título de exemplo, o art. 20 da Portaria nº 41/2014-PGR/MPU, garante aos membros do Ministério Público Federal o direito de viajarem em classe executivo, em vôos internacionais. Tal norma chegou a ser suspensa por liminar proferida em 2015 pelo Juízo da 21ª Vara de Brasília (Proc. 0034957-22.2015.4.01.3400/JFDF). No entanto, voltou a vigorar a partir de nova decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que em recurso de agravo de instrumento sustou os efeitos daquela decisão (Proc. 0045317-31.2015.4.01.0000).

O tema ainda é bastante controvertido, mas sem que haja muita clareza quanto à ilegitimidade de tais despesas. No projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias para o ano de 2018, o governo federal propôs liberar, a partir do ano que vem, a possibilidade de algumas autoridades de cúpula viajarem nas classes executivas, sendo que tal proposta chegou a ser aprovado em sessão conjunta do Congresso Nacional. No entanto, o próprio Presidente da República posteriormente vetou a medida (prevista nos §7º e 8º do art. 17), mas em função do atual contexto econômico, declarando nas razões do veto o seguinte: “Os dispositivos não merecem prosperar em função do presente contexto de restrição fiscal”.

Portanto, sendo os fatos de 2015, considerando a controvérsia ainda existente quanto ao tema e tendo em vista que tais questões sequer foram suscitados na representação, entendo não haver irregularidade na aquisição das passagens aéreas pela ALESC.

Não subsiste, por conseguinte, fundamentos suficientes para a imputação de débito ou sanção de multa, fato que leva a improcedência da representação.

Tendo em vista que os fatos aqui apurados também são objeto de investigação pela 12ª Promotoria de Justiça da Comarca da Capital (fls. 213-217), propõem-se o encaminhamento àquele órgão de cópia desta proposta de voto e da deliberação para conhecimento.

 

III – VOTO

Ante o exposto, estando os autos instruídos na forma regimental, submeto ao Egrégio Plenário a seguinte proposta de voto:

1. Julgar improcedente a presente representação, com fundamento do art. 36, § 2º, alínea “a”, da Lei Complementar n. 202/2000.

2. Dar ciência da decisão à Representante, aos responsáveis arrolados nos Relatório DCE n. 79/2016 e à Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina.

3. Encaminhar, para conhecimento, cópia da proposta de voto e decisão à 12ª Promotoria de Justiça da Comarca da Capital, haja vista a tramitação do Inquérito Civil n. 06.2015.00008098-6 e os pedidos de informações anteriormente encaminhados.

 

Gabinete, em 29 de novembro de 2017.

 

 

Cleber Muniz Gavi

Conselheiro Substituto

Relator

                                                                           

 

 

 

 

 



[1] Folha de São Paulo, disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1904200908.htm>; e UOL Notícias, disponível em:<https://noticias.uol.com.br/politica/escandalos-no-congresso/farra-aerea-casos-de-uso-do-dinheiro-da-camara-por-deputados.htm>.

[2] Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,deputados-vao-ao-exterior-sem-prestacao-eficiente,70002089405>

[3] Portal da Câmara dos Deputados, disponível em: <http://www.camara.leg.br/missao-oficial>; e portal do Senado Federal, disponível em: <https://www12.senado.leg.br/transparencia/sen/viagens-oficiais>

[4] Disponível em: <http://agenciaal.alesc.sc.gov.br/index.php/noticia_single/parlamentares-da-provincia-chinesa-de-heilongjiang-visitam-a-alesc>.

[5] Disponível em: <https://omunicipio.com.br/comitiva-alema-conhece-economia-catarinense-em-florianopolis/>

[6] Disponível em: <http://agenciaal.alesc.sc.gov.br/index.php/noticia_single/deputados-alemaees-visitam-alesc-e-destacam-parceria-com-sc>

[7] Disponível em: <http://agenciaal.alesc.sc.gov.br/index.php/radioal/noticia_single_radioal/comitiva-francesa-visita-o-parlamento-catarinense>