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ESTADO
DE SANTA CATARINA TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO Gabinete do
Conselheiro Substituto Cleber Muniz Gavi |
PROCESSO: REP 15/00367360
UNIDADE
GESTORA: Assembleia
Legislativa do Estado de Santa Catarina
RESPONSÁVEL: Gelson
Luiz Merísio e outros
INTERESSADO: Cibelly
Farias Caleffi
ASSUNTO: Representação
do Ministério Público de Contas de Santa Catarina sobre supostas
irregularidades relacionadas a autorização e participação de Deputados
Estaduais no ‘I Seminário Internacional de Administração Tributária Brasil x
Alemanha, em Berlim, Alemanha’, com custos aos cofres públicos no valor de R$
90.170,38.
REPRESENTAÇÃO.
ASSEMBLEIA LEGISLATIVA. VIAGENS INTERNACIONAIS EM MISSÃO OFICIAL. PROPÓSITO DE
INTERCÂMBIO E DE APROXIMAÇÃO POLÍTICA, VOLTADO PARA O APRIMORAMENTO DA
ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA. ANÁLISE QUANTO À COMPATIBILIDADE COM AS FUNÇÕES DO
LEGISLATIVO E QUANTO À DISCRICIONARIEDADE PARA AUTORIZAÇÃO DO ATO. PARÂMETROS
PARA IDENTIFICAÇÃO DA LEGITIMIDADE DA DESPESA.
Não há, a princípio, óbices para
atuação de parlamentares em ações
externas às dependências das Casas Legislativas e que contribuam para o fomento
à atividade econômica, para o fortalecimento de relações comerciais, sociais e
culturais, para a criação de novos canais de diálogo e intercâmbio
institucional ou para troca de experiências voltadas ao aprimoramento da
Administração Pública. Atividades, inclusive, também desempenhadas no âmbito do
Poder Legislativo Federal e por comitivas parlamentares estrangeiras.
A análise
quanto aos motivos e à pertinência destas missões oficiais está no âmbito do
poder discricionário do gestor, cabendo a intervenção dos órgãos de controle em
situações em que objetivamente evidenciado ausência de interesse público,
indefinição quanto aos objetivos do deslocamento, custeio de despesas de
particulares sem qualquer relação com os compromissos oficiais, viagens com
fins turísticos e de lazer, omissão do dever de prestar contas, além de outras
situações de ilegitimidade e uso irregular de recursos do erário.
I –
RELATÓRIO
Tratam os autos de representação oferecida pela Procuradora
do Ministério Público de Contas Dr. Cibelly Farias Caleffi, para apuração de
fatos considerados irregulares, relacionados ao pagamento de diárias
internacionais a deputados da Assembleia Legislativa do Estado de Santa
Catarina – ALESC.
Segundo a peça inicial, por meio dos “Atos da Mesa” de
n.s 018-DL, 019-DL e 0-22DL, a ALESC autorizou os deputados estaduais Ana Paula
Lima Kennedy Nunes e Aldo Schneider a se ausentarem do País para participar do “I
Seminário Internacional de Administração Tributária Brasil x Alemanha”, em
Berlim, Alemanha.
Com base em notícia publicada pela FENAFISCO – Federação
Nacional do Fisco Estadual e Distrital, indicando que o seminário e visitas
técnicas ocorreriam entre 11 e 15 de maio de 2015, a Exma. Procuradora de
Contas aponta discrepância entre o período do evento e os dias concedidos para
viagem dos parlamentares catarinenses. Segundo relata, a Deputada Ana Paula
Lima fora autorizada a ausentar-se entre 8 e 21 de maio, num total de 14 dias,
com a concessão de 12 diárias; o deputado Kennedy Nunes foi autorizada a
ausentar-se no período de 9 a 17 de maio, com o recebimento de 7,5 diárias; e o
Deputado Aldo Schneider foi autorizado a ausentar-se entre 15 e 22 de maio
(após o encerramento do Seminário), com o recebimento de 7 diárias.
Ademais, considerando as competências do legislativo
estadual, aponta a representante do Ministério Público de Contas carência de
atendimento aos princípios constitucionais da Administração Pública e ao
interesse público, questionando, ademais, a real necessidade da presença dos
parlamentares no evento. Quanto ao deputado Aldo Schneider, em particular,
reitera a incompatibilidade entre as datas de seu efetivo deslocamento à
Alemanha e o conteúdo do seu relatório de viagem apresentado – com indicativo
de participação no Seminário ocorrido entre 11 e 12.05.2015 e em visita técnica
de 13.05.2015.
Após manifestação da
Diretoria de Controle da Administração Estadual – DCE (fls. 239-241) e do Ministério
Público de Contas (Parecer nº MPTC/36488/2015 (fls. 242-243), ambos pelo
conhecimento da representação, foi por mim proferida decisão singular
determinando providências para apuração (fls. 244-245).
Previamente à formalização da diligência, o Deputado
Kennedy Nunes prestou esclarecimentos, com o fim de demonstrar a regularidade
do seu deslocamento à Alemanha (fls. 251-286).
A DCE, dando seguimento a instrução do processo, promoveu
diligências para obtenção de informações e esclarecimentos da ALESC e dos
deputados estaduais que participaram da viagem (fls.288-291). Também foram
solicitadas informações e esclarecimentos do Sindicato dos Fiscais da Fazenda
do Estado de Santa Catarina – SINDIFISCO e da Federação Nacional do Fisco
Estadual e Distrital – FENAFISCO, ambas entidades com promotoras do evento
(fls. 290-293).
Em resposta as diligências realizadas pela DCE, o deputado
Kennedy Nunes apresentou novas informações e documentos em fls. 310-355; o deputado
Aldo Schneider às fls. 357-444; e a deputada Ana Paula Lima, às fls. 501-566.
A ALESC prestou informações por meio de seu
Diretor-Geral, Sr. Carlos Alberto de Lima Souza, juntado os documentos de fls. 446-449
e 471-474.
O SINDIFISCO e a FENFISCO manifestaram-se de forma conjunta,
por meio dos documentos de fls. 570-589.
De posse destas informações, a DCE elaborou o Relatório
de Instrução n. 79/2016 (fls. 599-608), sugerindo a conversão dos autos em
tomada de contas especial, nos seguintes termos:
3.1 converter o presente processo em
tomada de contas especial, nos termos do art.
65, § 4°, da Lei Complementar n. 202/2000, tendo em vista as irregularidades no
presente relatório;
3.2 Definir a
responsabilidade solidária nos termos do art. 15, II, da Lei Complementar
Estadual nº 202/00, do Sr. Gelson Luiz Merisio, Presidente da
Assembleia Legislativa à época, inscrito no CPF sob nº 464.643.529-20, com
endereço profissional na Rua Jorge Luz Fontes, Gabinete 037, Centro,
Florianópolis/SC – CEP 88.020-900; do Sr.
Pedro Baldissera, 2º Secretário da Assembleia Legislativa à época, inscrito
no CPF sob nº 011.267.128-41, com endereço profissional na Rua Jorge Luz
Fontes, Gabinete 113, Centro, Florianópolis/SC – CEP 88.020-900; da Sra. Dirce Aparecida Heiderscheidt, 3ª
Secretária da Assembleia Legislativa à época, inscrita no CPF sob nº
707.418.839-53, com endereço profissional na Rua Jorge da Luz Fontes, Gabinete
304, Centro, Florianópolis/SC – 88.020-900; e da Sra. Ana Paula Lima, Deputada Estadual, inscrita no CPF sob nº
516.554.389-72, com endereço profissional na Rua Jorge Luz Fontes, Gabinete
205, Centro, Florianópolis/SC – CEP 88.020-900; por irregularidades verificadas
no presente processo, que ensejam a imputação do débito mencionado no item 2
deste relatório.
3.3 Definir a
responsabilidade solidária nos termos do art. 15, II, da Lei Complementar
Estadual nº 202/00, do Sr. Gelson Luiz Merisio, Presidente da
Assembleia Legislativa à época, inscrito no CPF sob nº 464.643.529-20, com
endereço profissional na Rua Jorge Luz Fontes, Gabinete 037, Centro,
Florianópolis/SC – CEP 88.020-900; do Sr.
Valmir Francisco Comin, 1º Secretário da Assembleia Legislativa à época,
inscrito no CPF sob nº 494.404.119-53, com endereço residencial na Rua Barão do
Rio Branco nº 435, ap. 1201, Centro, Criciúma/SC – CEP 88.801-450; do Sr.
Mário Marcondes, 4º Secretário da Assembleia Legislativa à época, inscrito
no CPF sob nº 597.710.629-72, com endereço profissional na a Rua Jorge Luz
Fontes, Gabinete 115, Centro, Florianópolis/SC – CEP 88.020-900; do Sr. Aldo Schneider, Deputado Estadual, inscrito no CPF sob nº
379.407.089-53, com endereço profissional na Rua Jorge Luz Fontes, Gabinete
101, Centro, Florianópolis/SC – CEP 88.020-900; por irregularidades verificadas
no presente processo, que ensejam a imputação do débito mencionado no item 2
deste relatório.
3.4 Determinar
a citação dos Responsáveis nominados nos itens 3.2 e 3.3 deste relatório, nos
termos do art. 15, II, da Lei Complementar n. 202/00, bem como a citação do Deputado Clarikennedy Nunes, inscrito
no CPF sob nº 634.917.229-04, com endereço profissional na Rua Jorge da Luz
Fontes, Gabinete 116, Centro, Florianópolis/SC – CEP 88.020-900 para, no prazo
de 30 (trinta) dias, a contar da data da publicação desta Decisão no Diário
Oficial Eletrônico deste Tribunal de Contas, com fulcro no art. 57, V, c/c o
art. 66, §3º, do Regimento Interno, apresentarem alegações de defesa acerca da
seguinte irregularidade, passível de imputação de débito e/ou aplicação de
multa prevista nos arts. 68 a 70 da Lei Complementar n. 202/2000:
3.4.1 De responsabilidade dos Deputados Gelson Luiz Merisio, Pedro Baldissera e Dirce Aparecida
Heiderscheidt, já qualificados, passíveis de imputação de débito, no valor
de R$ 2.622,00 (dois mil seiscentos
e vinte e dois reais) e aplicação de multa proporcional em face da:
3.4.1.1
autorização em
excesso não justificado no deslocamento da parlamentar da Assembleia
Legislativa Ana Paula Lima em viagem à Alemanha, resultando em dispêndio
irregular no valor de R$ 2.622,00,
em afronta ao disposto no Ato da Mesa nº 127/2015 e aos princípios da
legalidade, razoabilidade e economicidade, conforme apontado no item 2 do
presente relatório.
3.4.2 De responsabilidade dos Deputados Gelson Luiz Merisio, Valdir Francisco Comin e Mario
Marcondes, já qualificados, passíveis de imputação de débito, no valor de R$ 37.007,17 (trinta e sete mil, sete
reais e dezessete centavos) e aplicação de multa proporcional em face da:
3.4.2.1
Autorização de
deslocamento indevido do parlamentar da Assembleia Legislativa Aldo Schneider
em viagem à Alemanha, no valor de R$
37.007,17, evidenciando em afronta ao disposto no art. 11, § 3º, do Ato da
Mesa 127/2015, e diante da afronta aos princípios da supremacia do interesse
público sobre o interesse particular, da moralidade, da eficiência, da economicidade,
da razoabilidade e da ausência de previsão legal para a realização da despesa
pública, conforme apontado no item 2 do presente relatório.
3.4.3 De responsabilidade da Deputada Ana Paula Lima, já
qualificada, passível de imputação de débito, no valor de R$ 2.622,00 (dois mil seiscentos e vinte e dois reais) e aplicação
de multa proporcional em face do:
3.4.3.1 excesso de 01 (um) dia de
deslocamento (08/05/2015) e da ausência de comprovação de qualquer atividade em
01 (um) dia do período em que recebeu diária para a realização do I Seminário
de Administração Tributária na Alemanha (19/05/2015), em afronta ao disposto no
Ato da Mesa nº 127/2015 e aos princípios da legalidade, razoabilidade e
economicidade, conforme apontado no item 2 do presente relatório.
3.4.4 De responsabilidade do Deputado Clarikkenedy Nunes, já
qualificado, passível de imputação de débito, no valor de R$ 7.580,00 (sete mil quinhentos e oitenta reais) e aplicação de
multa proporcional em face da:
3.4.4.1 utilização de passagem aérea em
classe executiva, em afronta aos princípios da supremacia do interesse público
sobre o interesse particular, da moralidade, da eficiência, da economicidade,
da razoabilidade e da ausência de previsão legal para a realização da despesa
pública, conforme apontado no item 2 do presente relatório.
3.4.5 De responsabilidade do Deputado Aldo Schneider, já
qualificado, passível de imputação de débito, no valor de R$ 37.007,17 (trinta e sete mil, sete reais e dezessete centavos)
e aplicação de multa proporcional em face da:
3.4.5.1 realização de viagem internacional
apenas para acompanhamento de uma visita técnica com alto custo ao Erário e
utilização de passagem aérea em classe executiva, em afronta ao disposto no
art. 11, § 3º, do Ato da Mesa 127/2015, e diante da afronta aos princípios da
supremacia do interesse público sobre o interesse particular, da moralidade, da
eficiência, da economicidade, da razoabilidade e da ausência de previsão legal
para a realização da despesa pública, conforme apontado no item 2 do presente
relatório.
3.5 Solicitam-se esclarecimentos à Assembleia Legislativa do
Estado em face do deslocamento do Deputado Clarikennedy Nunes e do Condutor
Custódio de Souza de Florianópolis à Curitiba e na volta de Curitiba à
Florianópolis, haja vista que o deslocamento de Florianópolis/SC a Curitiba/PR
deu-se em três dias, sendo que o Condutor permaneceu em Curitiba entre os dias
09 a 17/05/2015 (fls. 63 e 74), possivelmente, recebendo diárias e com o carro
locado a sua disposição, haja vista que em consulta no Portal Transparência da
Alesc não se identificou pagamento de diárias.
Em nova manifestação, o Ministério Público de Contas, no
parecer MPTC n. 47.428/2017 (fls. 640/641),
da lavra do Exmo. Procurador Dr. Diogo Roberto Ringenberg, acompanhou as
conclusões da DCE.
É o relatório.
II –
FUNDAMENTAÇÃO
Questionamentos acerca dos gastos dos membros do Poder
Legislativo, particularmente para custeio de viagens por eles realizadas,
constituem tema que, já há algum tempo, gera intensa controvérsia perante a
opinião pública.
Momento mais marcante, que inclusive estimulou o
surgimento de regras mais claras, transparentes e alinhadas com o interesse
público, se deu nos idos de 2009, a partir de uma série de fatos veiculados nos
meios de comunicação e relacionados ao que ficou conhecido como “farra das
passagens aéreas”, envolvendo integrantes da Câmara dos Deputados.
Os fatos naquela ocasião apurados – e que inclusive
recentemente levaram a denúncia, por crime de peculato, de 72 ex-deputados
federais pelo Ministério Público Federal – foram objeto de investigação pelo
Tribunal de Contas da União, sendo possível extrair do relatório e voto que
deram origem ao Acórdão TCU n. 2.426/2009 (Rel. Min. Raimundo Carreiro) a
identificação das seguintes situações, aqui reproduzidas literalmente:
“2. Segundo os apontamentos iniciais
desta Unidade Técnica (fl. 39/40), tomando por base sucessivas informações
noticiadas pela imprensa a partir da matéria publicada pelo sítio jornalístico
Congresso em foco em 14/4/2009 (fls.1/3), estaria em cheque a
legalidade/moralidade da utilização do referido benefício nas seguintes
situações:
1) pagamento de passagens
nacionais e internacionais de terceiros (não parlamentares) –
familiares, amigos, empresários, artistas e autoridades de outros poderes;
2) quantidade
excessiva e injustificada de passagens para o exterior;
3) prática de acumulação do
direito à cota mensal não utilizada, gerando suposto “saldo”, comumente usado
para fretamento de aeronaves, com base no valor “cheio” das
passagens (maior tarifa);
4) uso da verba por ex-Deputados –
para si ou terceiros – que não tenham esgotado a cota durante o mandato,
caracterizando incorporação velada do benefício aos estipêndios dos
parlamentares;
5) uso de passagens por
parlamentares em viagens de férias;
6) existência de suposta comercialização
de passagens, com participação de parlamentares, empresas de turismo e
servidores da Câmara – efetivos ou não; e
7) utilização pelos
parlamentares e terceiros, para fins particulares, de milhagem obtida
junto às empresas aéreas pela utilização de passagens adquiridas pelo Câmara
dos Deputados, com uso das cotas dos parlamentares.
3. Dos diversos fatos
reportados pela imprensa, de acordo com as matérias veiculadas pelo sítio
jornalístico Congresso em Foco entre 14 e 22/4/2009, pelo jornal Folha de São
Paulo em 24/4/2009, bem como pelo jornal O Globo em 27/4/2009, sobressaem as
seguintes ocorrências:
1) A apresentadora de TV
Adriane Galisteu e um grupo de artistas teria viajado na cota de passagens
aéreas do Deputado Fábio Faria (fls. 1/3);
2) Parlamentares licenciados
para exercer a função de Ministros de Estado teriam utilizado indevidamente a
cota de passagens aéreas da Câmara dos Deputados (fl. 4/5);
3) Passagens aéreas adquiridas
na cota de Deputados Federais teriam sido utilizadas pelos Ministros Gilmar Mendes
e Eros Grau, do Supremo Tribunal Federal (fl. 8);
4) Diversos parlamentares
teriam utilizado, de forma recorrente, a cota de passagens aéreas em viagens
internacionais, inclusive em benefício de familiares, para destinos turísticos
na Europa, América do Norte e Argentina (fls. 9/10);
5) Lideranças partidárias e
seus familiares teriam viajado diversas vezes para destinos como Bariloche,
Miami, Nova Iorque e Paris, às custas da cota de passagens aéreas, a exemplo
das 82 viagens mencionadas às fls. 13/26;
6) O atual Presidente da
Câmara dos Deputados teria utilizado a cota de passagens aéreas em viagem de
turismo para Porto Seguro, na Bahia (fl. 27); e
7) A prática de uso da cota em
vôos para o exterior seria sistemática e generalizada. Segundo levantamento do
sítio Congresso em foco, ao menos 261 deputados teriam viajado para 2 mil
trechos internacionais, para 13 destinos aéreos, às expensas de dinheiro
público (fls. 29/35).”
Note-se, a toda evidência, serem estas situações
extremamente graves, que não resistiriam a um teste mínimo de legitimidade,
sendo a situação agravada em função das declarações evasivas prestadas pelos
responsáveis.
Conforme informações de canais de notícia, alguns até
admitiram a viagem com parentes e com fins turísticos, sob argumento de que o
regimento da Câmara não proibia a prática. Um deles, ao explicar a viagem
juntamente com sua mulher, sua filha e uma prima à Nova York (EUA),
reconhecera, em relação a esta última, que “ela
foi resolver um problema particular de saúde”. Outro, ao explicar a viagem
de cinco familiares também para aquela cidade estadunidense, simplificou a
situação mediante o raciocínio circular de que “se fosse proibido, a Casa não permitiria”. Um – em tom mais
desafiador – asseverou: “Não há nada de errado nisso. Se a Câmara mantiver a
possibilidade de levar parente, vou continuar levando minha mulher. E se eu
achar importante, também levarei meu filho". E um deles, como justificativa para o custeio de
passagens de parentes com verbas públicas, simplesmente arguiu que “a família é sagrada”.[1]
Interessante notar que naquele momento eram tão graves e
múltiplas as denúncias que a questão alusiva à verificação do interesse público
na viagem dos parlamentares ou à existência de uma missão oficial que
justificasse o deslocamento foi tratada como questão secundária. O foco
principal estava direcionado para o uso de cotas parlamentares em quantidades
claramente abusivas, para a emissão de inúmeras passagens aéreas em viagens
internacionais de ex-deputados ou particulares (como parentes, amigos ou
celebridades), para o deslocamento a destinos reconhecidamente turísticos, bem
como para um suposto esquema de comercialização irregular de créditos de
passagens.
Considero importante traçar este paralelo histórico para
demonstrar que, a partir daquele marco, o controle social e institucional
passou a se pautar em critérios cada vez mais rígidos, demandando uma contínua
mudança de postura por parte dos agentes públicos.
Aqui, nesta representação, não se trata de apurar
uma viagem com fim reconhecidamente
turístico, ou desvinculada de uma missão oficial, ou envolvendo pessoas
estranhas aos quadros públicos (situação bem evidenciada na narrativa de 2009).
A avaliação atinge outra profundidade, tangenciando questões como a existência
de interesse público na missão oficial autorizada pela ALESC, a pertinência
entre os objetivos almejados com tais deslocamentos e o papel do Poder
Legislativo regional, bem como a eficácia dos resultados obtidos.
Independentemente do julgamento do mérito, este
procedimento reflete um amadurecimento quanto aos critérios para análise e
“justificação” das ações e dos gastos envolvendo a Administração Pública,
fenômeno que provavelmente também decorre da consolidação do princípio da
transparência nos órgãos públicos. Algo bastante defensável para um sistema
republicano e para um regime democrático ainda em evolução, no qual as
fronteiras entre o patrimônio público e o privado necessitam de demarcações
cada vez mais claras e no qual todos os agentes públicos devem estar
familiarizados com o dever permanente de “prestar contas”, erigido que está a
princípio constitucional (art. 34, VII, d).
Mas diante da ausência de regras específicas para
disciplina do assunto, considero que aquele exemplo passado – revelando com
nitidez fatos incompatíveis com princípios básicos da Administração Pública e
já exaustivamente apreciado por órgãos de controle da esfera federal –
constitui um bom parâmetro para análise das situações que foram objeto de
representação nesta Corte de Contas e para evidenciação de eventuais
distinções.
Inicialmente, para bem delimitar nosso objeto de
discussão, cabe acentuar que a realização da viagem à Alemanha foi o resultado
de um convite encaminhado pelo presidente da SINDIFISCO – Sindicato dos Fiscais
da Fazenda do Estado de Santa Catarina, conforme expedientes de fls. 79, 132,
159 e 526, todos com o seguinte teor:
O SINDIFISCO – Sindicato dos Fiscais
da Fazenda do Estado de Santa Catarina, tem a honra de convidá-lo a participar
do I Seminário Internacional de Administração Tributária Brasil x Alemanha.
O evento será realizado pela FENAFISCO
– Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital, em parceria com a
Universidade de Humboldt, entre os dias 09 e 20 de maio do correte ano em
Berlim – Alemanha.
Nos dias 11 e 12 de maio serão
realizadas palestras e painéis de discussão e nos demais serão realizadas
visitações técnicas em Berlim, Hamburgo, Colônia, Frankfurt Munique.
No encontro serão debatidos temas
atinentes à questão fiscal e tributária dos dois países, bem como em relação à
estrutura de carreira dos Fiscos destas regiões, expondo através de painéis
algumas experiências e demonstrano os diferente aspectos e abordagens
existentes.
Teremos muito prazer em recebê-lo e
poder contar com a sua participação.
Acresça-se que realização do “I Seminário Internacional
de Administração Tributária Brasil x Alemanha” foi uma iniciativa da FENAFISCO
– Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital e da SINDIFISCO – Sindicato
dos Fiscais da Fazenda do Estado de Santa Catarina, em parceria com a
Universidade Humboldt, de Berlim. Conforme documento de fl. 231, o evento contava
com os seguintes objetivos:
A Federação Nacional do Fisco Estadual
e Distrital (Fenafisco), em parceria com o Sindicato dos Fiscais da Fazenda do
Estado de Santa Catarina (Sindifisco–SC), realizam nos dias 11 e 12 de
maio o I Seminário de Administração Tributária, na Universidade de
Humboldt, em Berlim, na Alemanha.
Serão debatidos os temas:
- Visão geral sobre como está
estruturado o Estado Alemão e seu sistema de tributação e repartição das
receitas tributárias;
- Investimentos em ferramentas tecnológicas
para a Administração Tributária Alemã;
- Aspectos relacionados à concessão de incentivos econômicos e fiscais para
a geração de desenvolvimento na Alemanha;
- Aspectos relacionados ao combate aos
crimes de sonegação fiscal;
- Perspectivas para a economia alemã e
europeia;
- Aspectos relacionados com a
representação sindical dos Auditores Fiscais Alemães e estruturação de sua
carreira.
O evento tem como objetivo
promover a exposição e o debate sobre temas relacionados à administração
pública e administração tributária, de forma a comparar as realidades em ambos
os países e prospectar melhores experiências aplicáveis à realidade brasileira.
O encontro propõe ampliar e aprofundar
as relações entre os dois países e incentivar novas parcerias.
As visitas técnicas serão realizadas
nos dias 13, 14 e 15, em Berlim, Hamburgo e Munique, respectivamente.
Recebido o convite pela ALESC, os deputados estaduais
Kennedy Nunes, Aldo Schneider e Ana Paula Lima solicitaram autorização para se
ausentar do país, a fim de representar a Casa Legislativa no citado seminário
(fls. 78, 88, 108, 131, 200, 525).
Portanto, é fato que houve um convite inicial por parte
da entidade representativa dos Fiscais da Fazenda do Estado e que o objetivo do
seminário envolvia tratativas a respeito da Administração Pública e Tributária.
Sob o aspecto estritamente formal, extraem-se dos
documentos juntados as seguintes informações:
1) Entre 13 e 18.03.2015, os deputados
estaduais receberam os convites para participação no I Seminário dos Fiscais da
Fazenda do Estado de Santa Catarina.
2) Os pedidos para concessão de
diárias e para permissão de ausência do País dos Deputados Kennedy Nunes, Aldo
Schneider e Ana Paula Lima, constam às fls. 78, 88, 108, 131, 200, 525..
3) Os atos autorizativos foram
expedidos por meio dos Atos da Mesa n.s 018-DL, 019-DL e 022-DL, todos de
05.05.2015 e publicados na mesma data, autorizando a ausência dos deputados do
Páis para “participar do I Seminário
Internacional de Administração Tributária Brasil x Alemanha, em Berlim, na
Alemanha.
Finalmente, há nos autos documentos relacionados às
prestações de contas referentes às diárias e passagens aéreas, bem como um
relatório completo com o roteiro da viagem e programações das quais
participaram os parlamentares (fls. 36-238).
Quanto a este aspecto – para contrapormos mais um
parâmetro de análise –, cabe citar que recente notícia publicada pelo Jornal
“Estado de São Paulo” revelou que muitas das viagens efetuadas por membros da
Câmara dos Deputados omitem-se quanto a estes dados, contendo apenas relatos
genéricos, sem qualquer apresentação acerca da programação ou resultados das
missões. Conforme informado, “a falta de
cuidado na forma como se presta – e se fiscaliza – as viagens faz com que haja
documentos que só listam a agenda predeterminada para o roteiro, sem fotos dos
encontros, nomes das autoridades visitadas ou a relevância das reuniões para a
atividade legislativa desenvolvida no Brasil”.[2] No caso presente,
entretanto, conforme se vê do relatório de fls. 115-130, 150-153 e 179-198,
tais elementos estão devidamente demonstrados.
Relativamente aos aspectos formais, cabe destacar o
questionamento constante da representação acerca da inadequação do período de
viagem dos deputados Ana Paula Lima, Kennedy Nunes e Aldo Schneider, fatos
detalhadamente descritos às fls. 06-09. Em relação aos dois primeiros, alega-se
que o período foi além do necessário para participação no seminário. Em relação
ao último (deputado Aldo Schneider), adita-se que a viagem do parlamentar à
Alemanha teve início quando já encerrado o evento.
Em que pese a minuciosa análise efetuada e conquanto
fosse inegável a necessidade de esclarecimentos por parte dos envolvidos (o que
se seu ao longo da instrução), entendo que não persistem as irregularidade
fundamentadas na análise cronológica das viagens e do evento.
Quanto
ao deputado estadual Kennedy Nunes, vislumbro que o número de
diárias solicitadas é compatível com a data do evento. Considerando o tempo
necessário para deslocamento do Brasil até a Alemanha e que o seminário teria
atividades do dia 11 até o dia 15/05/2015 (na verdade houve visitas técnicas
até o dia 18), não se revela desproporcional o pedido de pagamento de sete
diárias e meia e a programação da viagem entre os dias 09 e 17/05/2015. Tal
entendimento, inclusive, foi corroborado pela área técnica, que conclui que “... considerando o conjunto probatório
referente a sua participação no evento, verifica-se que o período e os horários
em que se deram os deslocamentos atinentes às diárias internacionais recebidas
para participação no seminário na Alemanha demonstram-se razoáveis e
proporcionais às atividades lá exercidas.” (fl. 604).
Quanto
à deputada estadual Ana Paula Lima, é importante mencionar as
justificativas por ela apresentadas relativamente à permanência em Brasília nos
dias 08.05.2015 (início da viagem) e 21.05.2015 (fim da viagem), conforme se
comprova em fls. 165.
Esclarece a parlamentar em fl. 523 que, a princípio,
havia programado atividades na capital federal – o que justificaria sua
permanência nestes dias. Entretanto, tais compromissos foram cancelados, tendo
a mesma procedido a devolução parcial das diárias, consoante atesta o
comprovante bancário de fls. 560.
Remanescendo a análise do período de 09 a 20.05.2015 na
Alemanha, vislumbro que o número de diárias solicitadas é compatível com a data
do evento e com as atividades exercidas pela comitiva.
Primeiramente, é importante destacar que o convite
encaminhado aos deputados noticiava que o evento seria de 09 a 20 de maio de
2015, tendo sido esta a referência dos parlamentares quando solicitaram
autorização para viagem àquele país e a concessão de diárias e passagens aéreas
(fls. 79, 132, 159 e 526).
Ademais, no dia 18, após uma visita ao Ministério das
Finanças do Estado Baviera, a comitiva teve de retornar a Berlim, demandando-se
tempo considerável de translado entre um local e outro, com chegada à capital
alemã apenas na madrugada do dia 19. São consistentes, portanto, os argumentos
suscitadas pela deputada na resposta à diligência, quando relata:
De Munique a Berlim são
aproximadamente seiscentos (600) quilômetros de distância, fato que fez com que
a Comitiva chegasse a Berlim na madrugada do dia 19/05/15.
Devido a disponibilidade de vôo,
embarcou em Berlim, no horário local alemão às 06:00 horas do dia 20/05/15,
chegando em Brasília-DF, no horário oficial brasileiro às 15:15 horas, do mesmo
dia 20/05/15.
E tal informação também é corroborada pelas informações
da FENAFISCO e da SINDIFISCO em fls. 570-575.
Portanto, não vislumbro eventual excesso no período de
deslocamento da parlamentar.
Finalmente, quanto
ao deputado estadual Aldo Schneider, cuja viagem teve início em 15.05.2015,
com retorno ao Brasil iniciando em 21.05.2015, cabe novamente relembrar o teor
do convite encaminhado pela SINDIFISCO aos citados parlamentares, sendo ali
mencionado que o evento perduraria até o dia 20 de maio daquele ano.
Considerando tal informação, a programação de retorno para o dia 21 não se
revela incompatível com o período previamente indicado pela entidade sindical,
aliás, uma das promotoras do evento.
Quanto ao deslocamento após o início do seminário, cumpre
reportarmo-nos às justificativas do deputado estadual, esclarecendo que ficara
impedido de se deslocar à Alemanha para a abertura do seminário por ter
assumido interinamente a Presidência da ALESC, em função do afastamento oficial
do deputado estadual Gelson Merísio entre os dias 10 e 15.05.2015, conforme
consta às fls. 382. De fato, o documento de fls. 380 comprova que inicialmente
fora dada uma autorização para ausência do deputado a partir do 09.05.2015 (Ato
da Mesa n. 015-DL, o primeiro a ser expedido, inclusive), sendo esta data
posteriormente postergada para 15.09.2015, conforma Ato da Mesa n. 22.05.2015
(fl.381).
Por derradeiro, quanto à alegação de que o deslocamento
se dera após o encerramento do evento, tem-se que ao longo da instrução ficou
esclarecido que outras atividades se seguiram após os dias 11 e 12, dias em que
concentradas as atividades expositivas. A própria notícia inicial publicada
pela FENAFISCO indica outras ações após este período, como visitas técnica em
13, 14 e 15.05.2015 (fl. 231). E posteriormente, a mesma entidade corrigiu tais
dados ao esclarecer que, na verdade, em virtude de feriado na Alemanha nos dias
14 e 15, tais atividades se estenderam até o dia 18, conforme seguinte
explanação constante do documento de fls. 260-261:
Inicialmente, é preciso deixar claro
que este evento internacional foi dividido em duas partes: a primeira composta
por palestras e a segunda por uma série de visitações técnicas aos órgãos
públicos de fiscalização na Alemanha, bem como ao Porto de Hamburgo, conforme
se demonstrará a seguir:
O Seminário com as palestras foi
realizado em parceria com a tradicionalíssima Universidade Humboldt de Berlim,
que tem mais de 200 anos de história. Ali, nos dias 11 e 12 de maio de 2015,
aconteceram dois dias inteiros de intensos debates, nos quais foram
apresentadas as adminsitrações tributárias do Brasil e, principalmente, da
Alemanha, estabelecendo paralelismo e apontando caminhos para que ambos os
países viessem a avançar. Foram palestrantes as seguintes autoridades:
(...)
Nos dias subseqüentes às palestras
aconteceram as visitas técnicas, obedecendo ao seguinte calendário, que
observou o fato de ser o dia 15.02.2015 ponto facultativo nos órgãos públicos
da Alemanha, em função do feriado nacional no dia 14.05.2015.
- dia 13.5.2015: Ministério das
Finanças em Berlim; Casa das Funções do Parlamento Alemão; Parlamento Alemão
(Reischtag) e Embaixada do Brasil em Berlim;
- dia 14.5.2015: visitação fluvial ao
Porto de Hamburgo, maior porto alemão e um dos maiores do mundo;
- dia 15.5.2015: ponto facultativo nas
repartições públicas alemãs em função do feriado nacional no dia 15.5.2015;
- dia 18.5.2015: Ministério das
Finanças da Baviera em Munique.
No dia 18.5.2015 houve o retorno da
delegação brasileira para Berlim, chegando no início da madrugada do dia
19.5.2015.
Certamente, a ida do parlamentar para comparecimento a
apenas um evento (visita técnica ao Ministério das Finanças da Baviera),
tangencia, aparentemente, um limite negativo da legitimidade do ato
administrativo. Além disto, a confecção
do relatório de prestação de contas com menção a atividades das quais não
participou (fls. 151-153), contribuiu para o estado de incerteza que levou à necessidade
de apuração pelo Tribunal de Contas.
No entanto, é fato que o convite indicava que o evento
perduraria até o dia 20. Ademais, não há provas de encaminhamento prévio à
ALESC da programação detalhada do evento, de onde poderiam ser extraídas
informações como as atividades planejadas para cada dia e eventual
incongruência com a data consignada no convite oficial.
Paralelo a isto, está documentalmente demonstrando que originalmente
a viagem do parlamentar estava programada para o início do evento, sendo tal
planejamento alterado pela necessidade de o mesmo exercer interinamente a
Presidência da Casa, o que, inclusive, ocorreu muito próximo à data de abertura
do encontro na Alemanha (documentos de fls. 380 e 381). Acrescente-se, ainda,
não ter sido contestado seu comparecimento, juntamente com a comitiva
brasileira, ao Ministério das Finanças da Baviera, na cidade de Munique (fato
confirmado pelas imagens constante às fls. 21 da revista da SINDIFISCO – fls.
561).
Logo, superadas tais questões e eliminadas eventuais
questionamentos acerca das formalidades e da publicidade na realização do ato,
resta aferir os demais pontos suscitados pela área técnica e pela Exma.
Procuradora de Contas, relacionados ao interesse público, à conveniência e
oportunidade e à compatibilidade com as atividades parlamentares.
Conquanto ainda não tenha apreciado,
especificamente, matéria alusiva a viagens internacionais de agentes políticos
da ALESC, não é novidade a discussão quanto à compatibilidade de gastos com
diárias e viagens de membros do legislativo para atividades de representação
que, a princípio, poderiam ser classificadas como funções típicas do Poder
Executivo.
Em precedentes de minha relatoria,
concluí que não havia tal incompatibilidade e que não cabia a esta Corte
substituir os critérios adotados pelo administrador público quando apreciou a
necessidade e a pertinência de tais viagens, pois tal motivação se encontraria
no âmbito do poder discricionário. A intervenção deste Tribunal ou de outros
órgãos de controle somente seria cabível nos casos em que a motivação se
afastasse do interesse público ou quando configurada fraude, desvio de recursos
ou outro dano ao erário (processos PCA 07/00135510, PCA 08/0069579 e PCA
08/00099214).
A condenação em débito apenas foi
sustentada quando claramente ultrapassados os limites da discricionariedade e
ausente o interesse público, cabendo citar, a título ilustrativo, o pagamento
de diárias para participação de vereador em reuniões partidárias (já que de
interesse exclusivo e pessoal do parlamentar – PCA 08/00099214) ou para participação em um evento
esportivo sem qualquer relação com o interesse público local (caso em que houve
a devolução voluntária do valor antes do encerramento do processo – PCA
08/00100085).
Não vislumbro, nestes autos, motivos
para mudança de entendimento.
Em que pese ser plausível e legítimo
o questionamento da sociedade e das instituições de controle quanto a vários aspectos
de gastos desta natureza – e sem desconsiderar que a pressão da opinião pública
atua de forma independente e pode, por si só, levar a mudança de paradigmas na
gestão da coisa pública – o fato é que, sob o aspecto da legalidade (que
constitui o nosso referencial de atuação) não há fundamentos suficientes para
condenação dos envolvidos ao ressarcimento dos valores despendidos.
A atividade de representação
institucional é algo comum a todos os órgãos. E notadamente quanto ao Poder
Legislativo, não vejo empecilhos para que sua atuação também envolva ações
externas às dependências das Casas Legislativas e que contribuam para o fomento
à atividade econômica e empresarial, para o fortalecimento de relações
comerciais, sociais e culturais, para a criação de novos canais de diálogo e
intercâmbio institucional e, considerando o caos específico, para troca de
experiências voltadas ao aprimoramento da Administração Pública.
No campo da atividade política, não
se pode negar que a participação de membros do legislativo pode, sim, auxiliar
na concretização de determinados objetivos almejados pelos setores sociais ou
econômicos que representam, sendo esta uma realidade que não pode ser
desprezada.
Além disto, em inúmeros casos,
inovações legislativas são condição para a atuação do Poder Executivo ou para o
incremento de novas políticas públicas. Neste contexto, é natural existir uma
atuação mais ativa dos membros do legislativo, o que inclui uma aproximação com
os setores produtivos, o conhecimento sobre novos modelos de empreendimento ou
oportunidades de negócios e a troca de experiências com setores da
Administração Pública de outros estados ou países.
Para ilustrar, estas atividades são
bastante comuns no Legislativo Federal, verificando-se em rápida consulta aos
sítios eletrônicos da Câmara dos Deputados e do Senado a existência de missões
oficiais ao exterior, com objetivos de estreitamento de relações culturais,
comerciais e econômicas[3].
Abstraindo-se os casos claramente ilícitos e já investigados pelos órgãos de
controle (conforme já citado ao longo deste voto), não há notícias de que tais
ações tenham sido impugnadas pelo simples fato de constituírem atividades não
descritas literalmente no rol de competências dos órgãos integrantes do
Congresso Nacional.
No âmbito da Câmara dos Deputados,
aliás, tais atividades desde 2015 contam com uma estrutura própria de
gerenciamento junto à Secretaria de Relações Internacionais, responsável por
estabelecer as diretrizes da diplomacia parlamentar, promover a cooperação com
parlamentos de Estados estrangeiros e apoiar delegações, comitivas e
representações de deputados em missão oficial (Resolução n. 03/2015).
Também é possível apontar exemplos
reversos, em que comitivas estrangeiras, formada por parlamentares de outros países,
vieram ao Brasil com idênticos objetivos.
Em ocasião bem recente (17.10.2017),
uma comitiva integrada por parlamentares chineses veio a Santa Catarina com o
fim de estreitar laços comerciais com o Estado, sendo o fato noticiado na
página eletrônica da ALESC, da seguinte forma[4]:
A Assembleia Legislativa de Santa Catarina
recebeu, na tarde desta terça-feira (17), a visita de uma comitiva da província
chinesa de Heilongjiang. Membros do congresso provincial foram recebidos pelo
presidente do Legislativo catarinense, deputado Silvio Dreveck (PP), na
Presidência da Alesc. O objetivo da visita foi estreitar as relações comerciais
e de amizade entre a província e Santa Catarina.
Yu Baiqing, secretário-geral do Comitê
Permanente do Congresso da Província de Heilongjiang, fez uma apresentação da
província, situada no Nordeste da China, na fronteira com a Rússia.
Heilongjiang possui cerca de 38 milhões de habitantes e, assim como Santa
Catarina, possui uma economia diversificada, com destaque para a produção de grãos,
indústria e turismo. Conta com mais de 80 universidades e 700 institutos de
tecnologia.
Conforme o secretário-geral, a província tem
interesse em estreitar os laços comerciais e de amizade com Santa Catarina.
Para isso, convidou Silvio Dreveck para uma visita à Heilongjiang, em especial
no mês de julho, quando ocorre uma importante feira mundial de negócios.
O presidente da Alesc afirmou que entrará em
contato com entidades empresariais e do agronegócio catarinense para estudar a
possibilidade de realizar uma missão à Heilongjiang. O secretário-geral se
colocou à disposição para apoiar os empresários catarinenses na busca por
negócios com os chineses.
A comitiva chinesa também veio à Alesc para
conhecer o funcionamento do Parlamento catarinense. O Congresso da Província de
Heilongjiang é formado por 620 parlamentares.
O deputado Silvio Dreveck agradeceu a
comitiva de Heilongjiang pela visita e destacou a importância do intercâmbio
entre Santa Catarina e a província chinesa. “Temos muito a aprofundar nas
relações comerciais e também nas culturais”, resumiu o presidente da Alesc.
Outro fato bastante recente e
envolvendo a visita de comitiva estrangeira ocorreu em 16.11.2017, quando uma
delegação de parlamentares e lideranças políticas e empresariais do estado
alemão de Baden-Württemberg visitou diversos órgãos e instituições de Santa
Catarina,visando à expansão e cooperação de negócios.[5]
No ano de 2015, uma comitiva
integrada por 10 deputados estaduais da Baviera, na Alemanha, veio ao Estado
com o objetivo de estreitamento das relações culturais, comerciais e
científicas, sendo ressaltado na ocasião, que desde 2003 havia um acordo de
cooperação entre Santa Catarina e a Região da Baviera, ainda pendente de
execução[6].
E no ano de 2011, uma comitiva
integrada por parlamentares franceses, dirigentes e representantes do Setor
Educacional, compareceu a Santa Catarina (também com uma visita oficial à
ALESC), para conhecer a experiência e realidade local na implantação das Casas
de Famílias Rurais.[7]
Ou seja, a atividade de intercâmbio e estreitamento de
relações por meio de missões compostas por membros do legislativo constitui
praxe também em outros países, o que alenta o argumento de que a atividade
parlamentar não necessariamente se restringe à função de produzir normas ou de
controlar e fiscalizar a gestão pública.
Quanto à verificação dos resultados obtidos e da
efetividade da participação do parlamentar, cabe observar que atividades de
representação não refletem, de forma imediata, os resultados decorrentes da participação
de determinada autoridade. Se tal questão fosse crucial para análise da
legitimidade do ato, muitas das missões internacionais efetuadas pelos
representantes do Poder Executivo federal ou estadual também seriam
irregulares, pois, não raro, negociações, propostas de intenções e acordos
protocolares não se concretizam com a celeridade e expectativa desejada.
Além do mais, entendo que tal avaliação acaba por interferir na
discricionariedade do gestor público, pois o órgão de controle passaria a julga
a legitimidade de um determinado ato administrativo a partir da concepção de
qual seria o resultado considerado suficiente e favorável.
E é importante ressaltar existirem no caso sob análise
elementos que, ao menos em tese, poderiam justificar a integração de
parlamentares ao evento, mesmo porque matérias tributária e fiscal estão
umbilicalmente ligadas à atividade legislativa. Cabe citar, em caráter
ilustrativo, que o seminário também contou com a participação da deputada
federal alemã Margaret Horb, membro do Comitê de Finanças do Parlamento Alemão.
A mesma autoridade, aliás, veio ao Brasil em agosto daquele mesmo ano de 2015,
para participar de um evento promovido pela FENAFISCO e pelo SINDIFISCO (fls.
588).
Logo, tratando-se de um ato discricionário, há
fundamentos mínimos a partir dos quais poderiam os órgãos administrativos da
ALESC avaliar a existência de interesse público na missão oficial e emitir seu
juízo de conveniência e oportunidade, não cabendo a esta Corte de Contas
reavaliar tais critérios, para ratificá-los ou desaprová-los.
Estas mesmas razões, aliás, limitam a apreciação de
alguns pontos suscitados na representação e no relatório da DCE. Mesmo que haja
consistência nas indagações postas pela Exma. Representante do Ministério
Público [que aponta
diversas questões que, a seu juízo, colocariam em xeque o interesse público
para a realização do ato, também a partir de critérios de conveniência e
oportunidade], o óbice reside no fato de que são
questionamentos cuja profundidade ataca a própria discricionariedade do gestor
público, demandando, assim, a ingerência desta Corte sobre matérias que compõe
o mérito administrativo e estão sujeitas à decisão do administrador.
Não se questiona a pertinência da discussão posta em
tela, que inclusive justificou a atuação, em paralelo, do Ministério Público do
Estado, que instaurou um Inquérito Civil para apuração dos mesmos fatos.
Tampouco se ignora a possibilidade de contenção, pelos órgãos de controle, de
eventuais abusos praticados (há nesta proposta de voto exemplos de situações
deste tipo).
No entanto, o conjunto de informações e esclarecimentos
aglutinados ao longo da instrução não constituiu, com a consistência
necessária, o suporte probatório que levaria à confirmação da ilegitimidade da
despesa efetuada ou invalidade do juízo de conveniência e oportunidade da Mesa
da Assembleia Legislativa, que não omitiu a finalidade da missão oficial ao
publicar os atos respectivos.
Finalmente, quanto à matéria levantada de ofício pela DCE
e relacionada ao pagamento indevido de passagens da classe executiva, entendo
não haver motivação suficiente para caracterização do ato como ilegal. Cabe
destacar tratar-se de questão não suscitada na representação do Ministério
Público de Contas, tampouco nos outros processos submetidos a minha relatoria e
nos quais se detecta semelhantes situações (Proc.s REP n. 15/00315211, REP
15/00398672 e REP 15/00398087).
Em que pese a controvérsia existente quanto ao assunto, o
fato é que, à época, ainda não havia claro impeditivo para tal custeio na
legislação ou em parâmetros judiciais.
A título de exemplo, o art. 20 da Portaria nº 41/2014-PGR/MPU, garante aos membros do Ministério Público Federal o direito de viajarem em classe executivo, em vôos internacionais. Tal norma chegou a ser suspensa por liminar proferida em 2015 pelo Juízo da 21ª Vara de Brasília (Proc. 0034957-22.2015.4.01.3400/JFDF). No entanto, voltou a vigorar a partir de nova decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região, que em recurso de agravo de instrumento sustou os efeitos daquela decisão (Proc. 0045317-31.2015.4.01.0000).
O tema ainda é bastante controvertido, mas sem que haja muita clareza quanto à ilegitimidade de tais despesas. No projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias para o ano de 2018, o governo federal propôs liberar, a partir do ano que vem, a possibilidade de algumas autoridades de cúpula viajarem nas classes executivas, sendo que tal proposta chegou a ser aprovado em sessão conjunta do Congresso Nacional. No entanto, o próprio Presidente da República posteriormente vetou a medida (prevista nos §7º e 8º do art. 17), mas em função do atual contexto econômico, declarando nas razões do veto o seguinte: “Os dispositivos não merecem prosperar em função do presente contexto de restrição fiscal”.
Portanto, sendo os fatos de 2015, considerando a
controvérsia ainda existente quanto ao tema e tendo em vista que tais questões
sequer foram suscitados na representação, entendo não haver irregularidade na
aquisição das passagens aéreas pela ALESC.
Não subsiste, por conseguinte, fundamentos suficientes
para a imputação de débito ou sanção de multa, fato que leva a improcedência da
representação.
Tendo em vista que os fatos aqui apurados também são
objeto de investigação pela 12ª Promotoria de Justiça da Comarca da Capital
(fls. 213-217), propõem-se o encaminhamento àquele órgão de cópia desta
proposta de voto e da deliberação para conhecimento.
III
– VOTO
Ante
o exposto, estando os autos instruídos na forma regimental, submeto
ao Egrégio Plenário a seguinte proposta de voto:
1. Julgar improcedente a presente representação,
com fundamento do art. 36, § 2º, alínea “a”, da Lei Complementar n. 202/2000.
2. Dar ciência da decisão à Representante,
aos responsáveis arrolados nos Relatório DCE n. 79/2016 e à Assembleia
Legislativa do Estado de Santa Catarina.
3.
Encaminhar, para conhecimento, cópia da proposta de voto
e decisão à 12ª Promotoria de
Justiça da Comarca da Capital, haja vista a tramitação do Inquérito Civil n.
06.2015.00008098-6 e os pedidos de informações anteriormente encaminhados.
Gabinete, em 29 de novembro de 2017.
Cleber Muniz Gavi
Conselheiro
Substituto
Relator
[1] Folha de São Paulo, disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1904200908.htm>; e UOL Notícias, disponível
em:<https://noticias.uol.com.br/politica/escandalos-no-congresso/farra-aerea-casos-de-uso-do-dinheiro-da-camara-por-deputados.htm>.
[2] Disponível em:
<http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,deputados-vao-ao-exterior-sem-prestacao-eficiente,70002089405>
[3] Portal da Câmara dos Deputados,
disponível em: <http://www.camara.leg.br/missao-oficial>; e portal do Senado Federal,
disponível em: <https://www12.senado.leg.br/transparencia/sen/viagens-oficiais>
[4] Disponível em: <http://agenciaal.alesc.sc.gov.br/index.php/noticia_single/parlamentares-da-provincia-chinesa-de-heilongjiang-visitam-a-alesc>.
[5] Disponível em:
<https://omunicipio.com.br/comitiva-alema-conhece-economia-catarinense-em-florianopolis/>