ESTADO DE SANTA CATARINA
Gabinete Conselheiro Julio Garcia
PROCESSO: CON 10/00033209
UG/CLIENTE: Câmara
Municipal de Florianópolis
INTERESSADO: Gean
Marques Loureiro - Presidente
ASSUNTO: Consulta sobre assuntos
diversos relacionados à base de cálculo de receita tributária e limites de
gastos do Poder Legislativo.
VOTO nº GC-JG/2010/0155
CONSULTA. CÂMARA MUNICIPAL. RECEITA TRIBUTÁRIA. BASE DE
CÁLCULO. TRANSFERÊNCIAS. LIMITES DE GASTOS. TEMAS DIVERSOS. RESPONDER À CONSULTA
COM REVOGAÇÃO DE PREJULGADOS ANTERIORES.
1 - Ao se considerar o crédito tributário como consectário
de uma obrigação tributária, é possível, à luz do disposto no artigo 113 do
Código Tributário Nacional, admitir que tanto o valor referente ao lançamento
do tributo quanto o derivado de penalidade tributária constituem o crédito
tributário e, portanto, receita tributária.
2 - O
mandamento insculpido no art. 29-A da Constituição Federal não autoriza a
correção da base de cálculo que estabelece o limite de despesa da Câmara de
Vereadores, considerando-se que a receita arrecadada pela municipalidade é
contabilizada pelo seu valor histórico.
3 - Por se encontrar o Apoio Financeiro aos Municípios
instituído pela Lei nº 12.058, de 13 de outubro de 2009, vinculado ao Fundo de
Participação dos Municípios é devido o seu cômputo para fins de apuração do
limite de gastos do Poder Legislativo Municipal inscrito no artigo 29-A da
Constituição Federal.
4 - Os
limites percentuais de gastos, constantes do artigo 29-A, reduzidos pela Emenda
Constitucional nº 58/2009 têm aplicabilidade a partir de 1º de janeiro de 2010,
consoante o preconizado em seu artigo 3º, inciso II.
I
- RELATÓRIO
Cuidam os autos de consulta formulada pelo Vereador Gean Marques Loureiro, Presidente da Câmara de Municipal de Florianópolis, indagando sobre os seguintes temas: a) exclusão de multas e juros na base de cálculo para repasse dos legislativos municipais; b) atualização monetária da receita efetivamente arrecadada; c) inclusão nas receitas do artigo 29-A da Constituição Federal dos valores recebidos pelo Município a título de Apoio Financeiro para a perda do Fundo de Participação dos Municípios e d) início da aplicação da Emenda Constitucional nº 58/2009.
A solicitação veio instruída com diversos documentos acostados às fls. 08 a 120.
Encaminhados os autos à Consultoria Geral, foi elaborado o Parecer COG-041/2010 (fls. 121-149), no qual se sugere seja relevada a ausência do parecer da assessoria jurídica do órgão consulente para responder o questionamento nos seguintes termos:
Sobre a atualização da
receita efetivamente arrecadada concluiu, com base no item 5 do prejulgado 1642
desta Corte, que o mandamento insculpido no art. 29-A da Constituição Federal
não autoriza a correção da base de cálculo que estabelece o limite de despesa
da Câmara de Vereadores, considerando-se que a receita arrecadada pela
municipalidade é contabilizada pelo seu valor histórico.
Acerca do denominado Apoio Financeiro para perda do Fundo de
Participação dos Municípios, instituído pela Lei nº 12.058/2009, não foi
encontrado óbice ao seu cômputo para fins de apuração do limite de gastos do
Poder Legislativo Municipal inscrito no artigo 29-A da Constituição Federal.
A respeito da Emenda
Constitucional nº 58/2009, consignou que os limites percentuais de gastos por
ela impostos têm aplicabilidade a partir de 1º de janeiro de 2010, consoante o
preconizado em seu artigo 3º, inciso II.
No que diz respeito
especificamente ao primeiro item da consulta, qual seja, sobre a possibilidade
de se considerar como receita tributária as multas e juros decorrentes da ação
do fisco municipal, com sua integração à base de cálculo para os repasses
financeiros ao Poder Legislativo, a Consultoria Geral procurou fundamentar - como
de fato o fez com muita propriedade - as duas posições possíveis à resposta da
indagação - positiva ou negativa – sem, no entanto, tomar partido por uma
delas.
O Ministério
Público Especial, por meio do Parecer nº 1090/2010 (fls. 150-153), acompanhou o
entendimento da Instrução, entretanto, deixou de se manifestar sobre sua
concordância ou não acerca da inclusão das multas e juros na base de cálculo para
o repasse constitucional devido ao Legislativo.
Vieram os autos
conclusos.
É o relatório
II
– DISCUSSÃO
Trata a consulta de matéria sujeita a exame e fiscalização desta Corte de Contas, nos termos do inciso XII, do artigo 59, da Constituição Estadual c/c inciso I do art. 104 da Resolução nº TC-06/2001.
Atendidos estão os pressupostos de admissibilidade do art. 104 da Resolução nº TC-06/2001, porquanto a matéria versa sobre questão formulada em tese, com natureza interpretativa de lei, de competência deste Tribunal, o subscritor possui legitimidade ativa para formular a consulta e com indicação precisa da dúvida e/ou controvérsia a ser esclarecida. A consulta não veio instruída com parecer da assessoria jurídica da municipalidade, no entanto tal descumprimento, por si só, não elide o processo, em razão do art. 105, § 2°, do Regimento Interno.
Com
fundamento no artigo 224 do Regimento Interno deste Tribunal de Contas, acato a
conclusão do relatório da Consultoria Geral (COG), chancelada que foi pela
opinião de nossa Procuradoria de Contas, em relação aos assuntos “b”, “c” e
“d”, correspondentes aos tópicos 2, 3 e 4 da consulta.
Em
relação ao primeiro assunto, após analisar as informações e sopesar argumentos
contidos nos autos, decidi filiar-me à posição favorável à inclusão das multas
e juros na base de cálculo para repasse dos legislativos municipais, o fazendo
com fundamento no Parecer nº 041/2010 da COG que a seguir transcrevo:
“O questionamento inicial do Consulente reporta-se a prejulgados desta
Corte de Contas e indaga a possibilidade de se considerar como receita
tributária as multas e juros decorrentes das ações do Fisco, referenciando,
ainda, o cômputo da correção monetária.
Os prejulgados elencados são os seguintes:
[...]
A consulta retoma questão já debatida por este Tribunal e que realmente
admite conclusão distinta quando se parte da premissa calcada na concepção de
obrigação tributária, o qual pode abarcar os juros e as multas decorrentes da
ação fiscal, diferindo da linha adotada nos prejulgados que se prendem ao
conceito de tributo, o qual não comporta juros e multa.
Importante ressaltar, ainda, que se afasta para o deslinde da questão,
como o fizera o parecer COG-047/02, considerações acerca dea classificação
orçamentária da receita, que sabidamente rotula em distintas classificações a
receita proveniente do principal e àquelas que defluem de penalidades
pecuniárias.
Veja-se o raciocínio desenvolvido no parecer nº COG-47/2002:
O art. 39, § 2º da Lei 4.320/64 conceitua:
Art. 39. (...)
(..)
§ 2.º Dívida Ativa
Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de
obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida
Ativa Não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os
provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei,
multas de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios,
aluguéis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados
por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances
dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de
obrigações em moeda estrangeira, de sub-rogação de hipoteca, fiança, aval ou
outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais
§ 3º. (...)
§ 4º. A receita da Dívida
Ativa abrange os créditos mencionados nos parágrafos anteriores, bem como os
valores correspondentes à respectiva atualização monetária, à multa e juros de
mora e ao encargo de que tratam o art. 1º do Decreto-lei nº 1.1025, de 21 de
outubro de 1969, e o artigo 3º do Decreto-lei nº 1.645, de 11 de dezembro de
1978.
Enquanto que o Código
Tributário Nacional (Lei nº 5.172/66, de 25/10/1966) dispõe sobre a dívida
ativa nos seguintes termos:
Art. 201. Constitui dívida ativa tributária a proveniente de
crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa
competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por
decisão final proferida em processo regular.
Pelo próprio teor da artigo
vislubra-se que a dívida ativa tributária origina-se do crédito tributário, que
segundo o art. 139 do CTN decorre da
obrigação principal e tem a mesma natureza desta.
Por obrigação tributária,
consigna o CTN, nos seguintes termos:
Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.
§ 1º. A obrigação principal surge com a ocorrência do fato
gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e
extingue-se juntamente como crédito dela decorrente.
§ 2º (...)
§ 3º. A obrigação acessória, pelo simples fato da sua
inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade
pecuniária.
Este dispositivo deve ser
lido em consonância com o conceito de tributo, determinado pelo art. 3º do CTN,
in verbis:
Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em
moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato
ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa
plenamente vinculada.
A receita tributária,
portanto, compreende os recursos que o Estado compulsoriamente recebe dos
contribuintes, sem a intenção de puní-los, objetivando assegurar a prestação
dos serviços públicos.
Delineado o quadro normativo
aplicável à matéria objeto da consulta, inicia-se o trabalho de integração e
interpretação sistemática.
O aparente antagonismo perde
a relevância diante do fato de que o que sustenta a exclusão da receita de
dívida ativa tributária é somente a classificação contábil da receita, conforme
já exposto. Enquanto que todos os artigos citados acima, em especial os que
tratam da dívida ativa tributária, consignam expressamente, que este crédito
tem natureza tributária. Portanto, utilizando-se de interpretação extensiva e
sistemática, a receita de dívida ativa tributária efetivamente arrecadada e não
somente a inscrita, inclui-se no conceito de receita tributária, para fins de
composição da base de cálculo para incidência do percentual limite de despesas
do Poder Legislativo Municipal, conforme art. 29-A da CF.
Porém, outra questão emerge
deste entendimento. As multas e juros de mora incidentes sobre os créditos
tributários devem ser considerados como receita tributária para fins de cômputo
da base de cálculo de que trata do art. 29-A da CF?
Quanto ao principal da
receita de dívida ativa tributária não pairam dúvidas quanto a sua inclusão no
conceito de receita tributária para fins do art. 29-A da CF. O mesmo se diz da
correção monetária, que é medida protetiva do crédito tributário contra os
efeitos da inflação.
“A inflação, caracterizada pela contínua, persistente e
generalizada expansão dos preços, causa à moeda perda de seu poder aquisitivo,
acarretando profundas e importantes distorções na ordem jurídica.”[1]
A correção monetária é o
instituto adequado contra os efeitos danosos da inflação. Maximilianus Cláudio
Américo Führer abordou a questão, lecionando que a “correção monetária não se confunde com os juros, pois não constitui
remuneração do capital, mas apenas um meio para assegurar a integridade da
moeda no tempo. `Ao se falar em correção monetária sobre certo valor, importa
dizer que ela corresponde propriamente a esse valor, conquanto atualizado.
Corresponde, portanto, ao próprio pricipal` (RT 495/181).”[2]
A multa e os juros de mora
incidentes sobre o crédito tributário recebem tratamento diferenciado por parte
dos doutrinadores, talvez em decorrência da redação do art. 39, § 2º da Lei
4.320/64, que afirma que a “Dívida
Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de
obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas” .
Contudo, através de uma
leitura mais acurada dos dispositivos legais, conclui-se que somente os
créditos da Fazenda Pública de natureza tributária poderão ser dívida ativa
tributária. Então, pergunta-se: a multa e juros de mora tem natureza
tributária?
Sacha Calmon Navarro Coêlho,
em comentário ao art. 113, § 1º do CTN leciona:
“No § 1º do artigo o legislador do CTN quis dar às multas
fiscais, ou seja, ao crédito delas decorrente, o mesmo regime processual do
tributo (inscrição em dívida ativa, execução forçada, garantias e privilégios
típicos do crédito tributário). Para tanto cunhou o § 1º do art. 113. Mas o fez
com desastrada infelicidade, passando a idéia de que o tributo e multa se
confundem, o que não é permitido pelo art. 3º do CTN, nuclear e fundante do
conceito de tributo, eis que este último, conquanto implique, juntamente com a
multa, uma prestação pecuniária compulsória, prevista em lei, em prol do
Estado, dela se diferencia, precisamente, porque não é sanção de ato ilícito.”[3]
Portanto, mesmo que o art.
39, §§ 2º e 4º da Lei 4.320/64 tenha englobado multa e juros de mora na dívida
ativa tributária, conceitualmente é inviável confundir os institutos. A multa,
conforme defendido por Navarro Coêlho não tem natureza tributária pois é sanção
de ato ilícito, o mesmo se diz dos juros de mora que é cobrado em acréscimo ao
juro normal, como multa pelo atraso de pagamento.
Silvio Rodrigues conceitua os
juros legais nos seguintes termos:
“167 - Os juros legais - Juro é o preço do uso do capital.
Vale dizer, é o fruto produzido pelo dinheiro, pois é como fruto civil que a
doutrina o define. Ele a um tempo remunera o credor por ficar privado de seu
capital e paga-lhe o risco em que incorre de o não receber de volta.”[4]
A multa e os juros de mora
objetivam penalizar o infrator pelo cometimento de ato ilícito, um no momento
do descumprimento do dever legal outro pela demora na regularização.
De acordo com a classificação
contábil da receita, transcrita acima, o item “multas e juros de mora” recebe
código especial (1910.00.00), estando separado das demais receitas correntes.
Portanto, não há dificuldades em computar somente o valor do principal e da
atualização monetária e excluir a multa e os juros de mora na formação da base
de cálculo para incidência do percentual limite de despesas do Poder
Legislativo Municipal.
Portanto, para os fins do
art. 29-A da CF, a tese que mais se adequa às técnicas de interpratação
sistemática é aquela que incluiu no conceito de receitas tributárias a dívida
ativa tributária, aí compreendido o valor do tributo e da correção monetária e
excluindo a multa e juros de mora por estas não terem natureza tributária.
Vê-se que a interpretação dada, por vincular-se à definição de tributo
não admite considerar como crédito tributário a exação decorrente da obrigação
tributária acessória, o que gera a rediscussão pelo consulente considerando-se
o disposto no artigo 113, §3º, do Código Tribuntário Nacional, o qual, dispõe:
Art. 113. A obrigação
tributária é principal ou acessória.
§ 1º. A obrigação principal
surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo
ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente como crédito dela decorrente.
§ 2º A obrigação acessória
decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou
negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos
tributos.
§ 3º. A obrigação acessória,
pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal
relativamente à penalidade pecuniária.
Para evidenciar a existência de entendimento diverso ao expresso nos
prejulgados deste Tribunal transcreve-se abaixo entendimentos doutrinários dos
municipalistas Meirelles e Braz:
No direito positivo, segundo o art. 113
do CTN, desde logo se verifica uma dicotomia representada pela obrigação principal e pela obrigação acessória. Ambas vão se
distinguir especialmente pelo seu objeto. A principal terá sempre por objeto um conteúdo econômico - o pagamento -, e a acessória, prestações que não sejam pagamento, mas obrigações de fazer e não fazer -
portanto, sem aquele conteúdo. Assim, o § 1º do art. 113 define a obrigação principal como a que “surge
com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou
penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente”.
O importante desta definição é deixar expresso fazerem parte do seu objeto o
tributo e a penalidade pecuniária (multa). O § 2º define a obrigação acessória como a que “decorre da legislação
tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela
previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos”.
Confirmando a mencionada distinção, o disposto no § 3º determina que a
inobservância das prestações positivas ou negativas - obrigação acessória - dá
nascimento a uma obrigação principal, cujo objeto será a multa aplicada.[5]
Tem o Município outras rendas,
tributárias ou não, que são todas as demais rendas, provenientes da prestação
de serviços ou do próprio exercício de suas atividades, entre elas as multas pelo descumprimento de
contratos firmados com terceiros e as multas por infrações ao Código de
Posturas Municipais. As multas decorrentes dos impostos e das taxas
inscrevem-se como renda tributária, por serem acessórios desses tributos.[6]
No campo do Direito Tributário, após citar autores de nomeada como Barros
Carvalho, Edelmo Emerenciano e Sacha Coelho, que repudiam a idéia de conceber
as penalidades como uma obrigação tributária, o que obsta a sua conformação
como crédito tributário, Hugo de Brito Machado esclarece o acerto de concebê-la
como tal, o que como se verá em suas palavras, não as confundem com tributo.
Eis as palavras do tributarista:
Ao nosso ver, data máxima Vênia, o
legislador apenas exerceu uma opção de política jurídica que em nada prejudica
a pureza dos institutos e dos conceitos jurídicos, nem causa qualquer
transtorno ao aplicador da lei. Na verdade, a relação jurídica
obrigacional que se estabelece como
decorrência do ato ilícito não é uma relação jurídica obrigacional tributária. Entretanto, ao qualificar
como tributária, a obrigação de
pagar a penalidade, o legislador não o fez em afronta ao conceito de tributo,
estabelecido no art. 3º do Código. A penalidade não se confunde com o
tributo. Seu regime jurídico é diverso do regime jurídico do tributo,
especialmente no que concerne ao direito intertemporal, o que é muito
importante e há de ser levado em conta na atividade de apuração do valor do
crédito que o ente público tem contra o infrator da norma. Concluída a
apuração, vale dizer, terminado o procedimento de aplicação da sanção, tem-se
um crédito cujo sujeito ativo é o fisco, e o sujeito passivo é o responsável
pela infração. Por outro lado, ninguém afirma existir grave desvio
terminológico na expressão penalidade
tributária. Pelo contrário, a qualificação tributária para a penalidade
tributária é pacificamente aceita pela doutrina. Assim, se a penalidade pode
ser qualificada como tributária, porque cominada em lei pertinente à
tributação, não há por que criticar essa mesma qualificação para a obrigação
decorrente do cometimento do ilícito. Afinal, o qualificativo tributário pode ser entendido como
relativo ao tributo, mas ser relativo ao tributo não é o mesmo que ser tributo.
A referência doutrinária à denominada “tributação penal” ou ao “agravamento
penal das alíquotas” pode ser feita
independentemente do que está dito no § 3º, do art. 113, do Código Tribuntário
Nacional. Aliás, tributação penal nada tem a ver com penalidade pecuniária pelo
descumprimento da legislação tributária. Adequada, ou não, essa expressão,
certo é que com ela alguns doutrinadores designam o tributo com função
extrafiscal, geralmente muito elevado, destinado a desestimular condutas, como
acontece, por exemplo, com o incidente sobre o cigarro. Designa a denominada
tributação extrafiscal proibitiva, ou ainda “os impostos do pecado”, como
prefere Sérgio Vasques. Seja como for, certo é que ninguém apontou
inconvenientes de ordem prática na terminologia adotada pelo Código Tributário
Nacional, nem expressão mais adequada para substituir a utilizada pelo legislador.
Como o Código adotou denominações distintas para os dois momentos da relação
jurídica obrigacional tributária, dando ao momento anterior à liquidação o nome
de obrigação e ao momento posterior à liquidação o nome de crédito, a inserção
do valor da penalidade na relação obrigacional, depois da liquidação, tem
apenas a finalidade de ordem prática de viabilizar a reunião desse valor ao
valor do tributo, também já devidamente liquidado, para que o total seja objeto
de um único procedimento de cobrança, vale dizer, da mesma execução fiscal. As
diferenças quanto aos regimes jurídicos do tributo e da penalidade justificam a
separação entre o valor de um e o valor da outra no procedimento de liquidação
ou acertamento, que o Código denominou de lançamento tributário. Antes,
portanto, da existência do crédito que decorre tanto do tributo quanto da
penalidade. Separação que há de persistir até que seja concluída a apuração dos
correspondentes valores. Depois desta, porém, a reunião dos valores apurados
sob o nome de crédito tributário, embora não seja perfeita do ponto de vista
terminológico, não causa transtorno ao aplicador da lei, nem qualquer prejuízo
às partes a elas submetidas. Obrigação tributária principal, portanto,
tem exatamente o mesmo conteúdo de crédito tributário. É a relação jurídica
obrigacional de conteúdo pecuniário. Seu objeto é um crédito da Fazenda
Pública, seja ele decorrente do tributo, seja decorrente da aplicação de
penalidade pecuniária. Por isto mesmo diz o § 1º, do art. 113, do Código, que a
obrigação tributária principal extingue-se juntamente com o crédito dela
decorrente.[7]
Na mesma linha segue Kiyoshi Harada:
O crédito tributário nada mais é do que
a própria obrigação tributária principal formalizada pelo lançamento, ou seja,
tornada líquida e certa pelo lançamento. A obrigação tributária principal, como
já vimos, consiste no pagamento de tributo ou de pena pecuniária. O crédito
tributário nada mais é do que a conversão dessa obrigação ilíquida em líquida e
certa, exigível no prazo estatuído na legislação tributária. Do ponto vista
material obrigação e crédito se confundem. As partes são as mesmas, o objeto é
idêntico e o vínculo jurídico idem. Surgida a obrigação, deve a fazenda
declarar sua existência, através do lançamento, apurando o quantum e
identificando o sujeito passivo, quando então, aquela obrigação passará a
existir sob a denominação de crédito tributário, mas o contrário não poderá
ocorrer.[8]
E ainda, Baleeiro:
E é indiscutível que tributo não se
confunde tecnicamente, com sanção. Entretanto, a expressão tributo pode
significar obrigação tributária latu sensu, que abarca as multas e sanções
específicas. O art. 3º do CTN, corretamente, dispõe que tributo não é sanção de
ato ilícito. Mas, apesar disso, o mesmo CTN inclui, no seio das chamadas
obrigações tributárias principais, o tributo propriamente dito e as multas de
toda natureza quer sejam de revalidação, formais, isoladas ou punitivas.[9]
Nas transcrições acima fica claro que os créditos provenientes das
penalidades tributárias embora não se originem especificamente do lançamento de
um tributo, decorrem de uma obrigação tributária e assim, integram a receita
tributária.
Como dito inicialmente, partindo-se da premissa de que a receita
tributária decorre da arrecadação de tributo não há como se incluir juros e
multas, posto que não se confundem com tributo por decorrerem da aplicação de
penalidade, o que conflita com o prescrito no artigo 3º do Código Tributário
Nacional, que não considera tributo a prestação pecuniária decorrente da sanção
de ato ilícito.
Contudo, ao se conceber que o crédito tributário é consectário de uma
obrigação tributária, é possível, à luz do disposto no artigo 113 do Código
Tributário Nacional, admitir que tanto o valor referente ao lançamento do
tributo quanto o derivado de penalidade tributária constituem o crédito
tributário e, portanto, receita tributária.
Difere este último entendimento do preceituado nas decisões em resposta a consultas por esta Corte de Contas, de modo que aderindo a tese defendida por Brito, Harada e Baleeiro, mister se faz a revogação e reforma de prejulgados.”
Concordo com o argumento de que os créditos
provenientes das penalidades tributárias, embora não se originem
especificamente de um lançamento tributário, decorrem de uma obrigação
tributária e, deste modo, integram a receita tributária. Ainda que não possam
ser subsumidas ao conceito strito sensu
de tributo constante do artigo 3º do Código Tributário Nacional, os juros e
multas da dívida ativa tributária são alcançados pelo conceito mais amplo de
obrigação tributária. Assim, as multas e juros como receita tributária podem,
na visão deste relator, em consonância com a disciplina insculpida no artigo
113 do Código Tributário Nacional, integrar a base de cálculo para o repasse
constitucional do Poder Legislativo.
Corrobora
este entendimento o disposto no parágrafo único do artigo 1º da Lei
Complementar nº 62/89 o qual ao tratar da questão do cálculo, da entrega e do controle
das liberações dos recursos do Fundo de Participação dos Estados e Distrito
Federal – FPE e do Fundo de Participação dos Municípios – FPM, disciplina que “integrarão a base de
cálculo das transferências, além do montante dos impostos nele
referidos, inclusive os extintos por compensação ou dação, os respectivos
adicionais, juros e multa moratória, cobrados administrativa ou
judicialmente, com a correspondente atualização monetária paga.” (g.n.)
Finalmente,
registro que muito embora o encaminhamento proposto represente uma alteração na
posição desta Casa com a conseqüente revogação de prejulgados anteriores, a
idéia de inclusão de juros e multas no conceito de obrigação tributária já se
faz presente em outras Cortes de Contas como a do Rio Grande do Sul, Bahia e
Mato Grosso, conforme comprovam documentos de fls. 21 a 45.
III - VOTO
Diante de todo o exposto, estando os autos instruídos na forma regimental, acolho o parecer exarado pela COG, referendado que foi pelo Ministério Público Especial, e proponho ao e. Plenário o seguinte voto:
1 – Conhecer da presente Consulta por preencher os requisitos e formalidades preconizados no Regimento Interno deste Tribunal e respondê-la nos seguintes termos:
1.1 - Em relação ao cômputo dos juros e multas na receita tributária, por se considerar que o crédito tributário é consectário de uma obrigação tributária, é possível, à luz do disposto no artigo 113 do Código Tributário Nacional, admitir que tanto o valor referente ao lançamento do tributo quanto o derivado de penalidade tributária constituem o crédito tributário e, portanto, receita tributária.
1.1.2 - Revogar os prejulgados nº 1134, 1192 e o item 1 do prejulgado nº 1642, por conflitarem com o novel entendimento adotado por esta Corte de Contas acerca da composição da receita tributária referenciada no artigo 29-A, caput, da Constituição Federal.
1.2 - No que concerne à correção monetária da base de cálculo para apuração dos limites de gastos do Poder Legislativo previsto no art. 29-A, encaminhar, com fulcro no artigo 105, § 3º, da Res. Nº TC-06/2001, cópia do prejulgado nº 1642, cujo item 5 preconiza: “O mandamento insculpido no art. 29-A da Constituição Federal não autoriza a correção da base de cálculo que estabelece o limite de despesa da Câmara de Vereadores, considerando-se que a receita arrecadada pela municipalidade é contabilizada pelo seu valor histórico.”
1.3 - Por se encontrar o Apoio Financeiro aos Municípios instituído pela Lei nº 12.058, de 13 de outubro de 2009, vinculado ao Fundo de Participação dos Municípios é devido o seu cômputo para fins de apuração do limite de gastos do Poder Legislativo Municipal inscrito no artigo 29-A da Constituição Federal.
1.4 - Os limites percentuais de gastos, constantes do artigo 29-A, reduzidos pela Emenda Constitucional nº 58/2009 têm aplicabilidade a partir de 1º de janeiro de 2010, consoante o preconizado em seu artigo 3º, inciso II.
2 - Dar ciência da decisão, do Relatório e Voto do Relator ao consulente.
3 – Determinar ao Consulente que, em futuras consultas, encaminhe parecer de sua Assessoria Jurídica, nos termos do art. 104, V, do Regimento Interno deste Tribunal.
4 – Determinar o arquivamento dos autos.
Gabinete, em 09 de março de 2010.
Conselheiro Julio Garcia
Relator
[1]MARTINS, Natanael. A
Indexação Monetária nas Questões Tributárias. Curso de Direito Tributário.
Coordenado por Ives Gandra da Silva Martins - 5ª ed. - Belém: Cejup; Centro de
Estudos de Extensão Universitária, 1997, p. 407.
[2]FÜHRER, Maximilianus Cláudio
Américo. Resumo de Obrigações e Contratos. São Paulo: Malheiros, 1995,
p. 22.
[3]COÊLHO, Sacha Calmon Navarro.
Curso de direito tributário brasileiro: (comentários à Constituição e ao
Código tributário nacional, artigo por artigo). Rio de Janeiro: Forense,
2001, p. 581.
[4]RODRIGUES, Silvio. Direito
Civil - Parte Geral das Obrigações. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 1983, p.
317.
[5]MEIRELLES, Hely Lopes.
Direito Municipal Brasileiro. 15ª ed. São Paulo, Malheiros, 2006. Pág. 167-168.
[6]BRAZ, Petrônio. Direito
Municipal na Constituição. 6ª ed. Leme, J.H. Mizuno, 2006. Pág. 731.
[7]MACHADO, Hugo de Brito.
Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo, Atlas, 2004. Pág.
300-301.
[8]HARADA, Kiyoshi. Direito
Financeiro e Tributário. 16ª ed. São Paulo, Atlas, 2007. Pág. 507.
[9]BALEEIRO, Aliomar. Direito
Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro, Forense, 2006. Pág. 863.