ESTADO DE SANTA CATARINA

TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

Gabinete Conselheiro Julio Garcia

 

 

PROCESSO:                CON 10/00033209

UG/CLIENTE:               Câmara Municipal de Florianópolis

INTERESSADO:           Gean Marques Loureiro - Presidente

ASSUNTO:                   Consulta sobre assuntos diversos relacionados à base de cálculo de receita tributária e limites de gastos do Poder Legislativo.

 

VOTO nº GC-JG/2010/0155

 

 

CONSULTA. CÂMARA MUNICIPAL. RECEITA TRIBUTÁRIA. BASE DE CÁLCULO. TRANSFERÊNCIAS. LIMITES DE GASTOS. TEMAS DIVERSOS. RESPONDER À CONSULTA COM REVOGAÇÃO DE PREJULGADOS ANTERIORES.

 

1 - Ao se considerar o crédito tributário como consectário de uma obrigação tributária, é possível, à luz do disposto no artigo 113 do Código Tributário Nacional, admitir que tanto o valor referente ao lançamento do tributo quanto o derivado de penalidade tributária constituem o crédito tributário e, portanto, receita tributária.

 

2 - O mandamento insculpido no art. 29-A da Constituição Federal não autoriza a correção da base de cálculo que estabelece o limite de despesa da Câmara de Vereadores, considerando-se que a receita arrecadada pela municipalidade é contabilizada pelo seu valor histórico.

 

3 - Por se encontrar o Apoio Financeiro aos Municípios instituído pela Lei nº 12.058, de 13 de outubro de 2009, vinculado ao Fundo de Participação dos Municípios é devido o seu cômputo para fins de apuração do limite de gastos do Poder Legislativo Municipal inscrito no artigo 29-A da Constituição Federal.

 

4 - Os limites percentuais de gastos, constantes do artigo 29-A, reduzidos pela Emenda Constitucional nº 58/2009 têm aplicabilidade a partir de 1º de janeiro de 2010, consoante o preconizado em seu artigo 3º, inciso II.

 

 

 

I - RELATÓRIO

                        Cuidam os autos de consulta formulada pelo Vereador Gean Marques Loureiro, Presidente da Câmara de Municipal de Florianópolis, indagando sobre os seguintes temas: a) exclusão de multas e juros na base de cálculo para repasse dos legislativos municipais; b) atualização monetária da receita efetivamente arrecadada; c) inclusão nas receitas do artigo 29-A da Constituição Federal dos valores recebidos pelo Município a título de Apoio Financeiro para a perda do Fundo de Participação dos Municípios e d) início da aplicação da Emenda Constitucional nº 58/2009.

                        A solicitação veio instruída com diversos documentos acostados às fls. 08 a 120.

                        Encaminhados os autos à Consultoria Geral, foi elaborado o Parecer COG-041/2010 (fls. 121-149), no qual se sugere seja relevada a ausência do parecer da assessoria jurídica do órgão consulente para responder o questionamento nos seguintes termos:

                        Sobre a atualização da receita efetivamente arrecadada concluiu, com base no item 5 do prejulgado 1642 desta Corte, que o mandamento insculpido no art. 29-A da Constituição Federal não autoriza a correção da base de cálculo que estabelece o limite de despesa da Câmara de Vereadores, considerando-se que a receita arrecadada pela municipalidade é contabilizada pelo seu valor histórico.

                        Acerca do denominado Apoio Financeiro para perda do Fundo de Participação dos Municípios, instituído pela Lei nº 12.058/2009, não foi encontrado óbice ao seu cômputo para fins de apuração do limite de gastos do Poder Legislativo Municipal inscrito no artigo 29-A da Constituição Federal.

                        A respeito da Emenda Constitucional nº 58/2009, consignou que os limites percentuais de gastos por ela impostos têm aplicabilidade a partir de 1º de janeiro de 2010, consoante o preconizado em seu artigo 3º, inciso II.

                        No que diz respeito especificamente ao primeiro item da consulta, qual seja, sobre a possibilidade de se considerar como receita tributária as multas e juros decorrentes da ação do fisco municipal, com sua integração à base de cálculo para os repasses financeiros ao Poder Legislativo, a Consultoria Geral procurou fundamentar - como de fato o fez com muita propriedade - as duas posições possíveis à resposta da indagação - positiva ou negativa – sem, no entanto, tomar partido por uma delas.

O Ministério Público Especial, por meio do Parecer nº 1090/2010 (fls. 150-153), acompanhou o entendimento da Instrução, entretanto, deixou de se manifestar sobre sua concordância ou não acerca da inclusão das multas e juros na base de cálculo para o repasse constitucional devido ao Legislativo.

Vieram os autos conclusos.

É o relatório

 

 

II – DISCUSSÃO

Trata a consulta de matéria sujeita a exame e fiscalização desta Corte de Contas, nos termos do inciso XII, do artigo 59, da Constituição Estadual c/c inciso I do art. 104 da Resolução nº TC-06/2001.

Atendidos estão os pressupostos de admissibilidade do art. 104 da Resolução nº TC-06/2001, porquanto a matéria versa sobre questão formulada em tese, com natureza interpretativa de lei, de competência deste Tribunal, o subscritor possui legitimidade ativa para formular a consulta e com indicação precisa da dúvida e/ou controvérsia a ser esclarecida. A consulta não veio instruída com parecer da assessoria jurídica da municipalidade, no entanto tal descumprimento, por si só, não elide o processo, em razão do art. 105, § 2°, do Regimento Interno.

Com fundamento no artigo 224 do Regimento Interno deste Tribunal de Contas, acato a conclusão do relatório da Consultoria Geral (COG), chancelada que foi pela opinião de nossa Procuradoria de Contas, em relação aos assuntos “b”, “c” e “d”, correspondentes aos tópicos 2, 3 e 4 da consulta.

Em relação ao primeiro assunto, após analisar as informações e sopesar argumentos contidos nos autos, decidi filiar-me à posição favorável à inclusão das multas e juros na base de cálculo para repasse dos legislativos municipais, o fazendo com fundamento no Parecer nº 041/2010 da COG que a seguir transcrevo:

“O questionamento inicial do Consulente reporta-se a prejulgados desta Corte de Contas e indaga a possibilidade de se considerar como receita tributária as multas e juros decorrentes das ações do Fisco, referenciando, ainda, o cômputo da correção monetária.

Os prejulgados elencados são os seguintes:

[...]

A consulta retoma questão já debatida por este Tribunal e que realmente admite conclusão distinta quando se parte da premissa calcada na concepção de obrigação tributária, o qual pode abarcar os juros e as multas decorrentes da ação fiscal, diferindo da linha adotada nos prejulgados que se prendem ao conceito de tributo, o qual não comporta juros e multa.

Importante ressaltar, ainda, que se afasta para o deslinde da questão, como o fizera o parecer COG-047/02, considerações acerca dea classificação orçamentária da receita, que sabidamente rotula em distintas classificações a receita proveniente do principal e àquelas que defluem de penalidades pecuniárias.

Veja-se o raciocínio desenvolvido no parecer nº COG-47/2002:

O art. 39, § 2º da Lei 4.320/64 conceitua:

Art. 39. (...)

(..)

§ 2.º Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas, e Dívida Ativa Não Tributária são os demais créditos da Fazenda Pública, tais como os provenientes de empréstimos compulsórios, contribuições estabelecidas em lei, multas de qualquer origem ou natureza, exceto as tributárias, foros, laudêmios, aluguéis ou taxas de ocupação, custas processuais, preços de serviços prestados por estabelecimentos públicos, indenizações, reposições, restituições, alcances dos responsáveis definitivamente julgados, bem assim os créditos decorrentes de obrigações em moeda estrangeira, de sub-rogação de hipoteca, fiança, aval ou outra garantia, de contratos em geral ou de outras obrigações legais

§ 3º. (...)

§ 4º. A receita da Dívida Ativa abrange os créditos mencionados nos parágrafos anteriores, bem como os valores correspondentes à respectiva atualização monetária, à multa e juros de mora e ao encargo de que tratam o art. 1º do Decreto-lei nº 1.1025, de 21 de outubro de 1969, e o artigo 3º do Decreto-lei nº 1.645, de 11 de dezembro de 1978.

Enquanto que o Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/66, de 25/10/1966) dispõe sobre a dívida ativa nos seguintes termos:

Art. 201. Constitui dívida ativa tributária a proveniente de crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular.

Pelo próprio teor da artigo vislubra-se que a dívida ativa tributária origina-se do crédito tributário, que segundo o art. 139 do CTN decorre da obrigação principal e tem a mesma natureza desta.

Por obrigação tributária, consigna o CTN, nos seguintes termos:

Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

 

§ 1º. A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente como crédito dela decorrente.

§ 2º (...)

§ 3º. A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.

Este dispositivo deve ser lido em consonância com o conceito de tributo, determinado pelo art. 3º do CTN, in verbis:

Art. 3º. Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.

A receita tributária, portanto, compreende os recursos que o Estado compulsoriamente recebe dos contribuintes, sem a intenção de puní-los, objetivando assegurar a prestação dos serviços públicos.

Delineado o quadro normativo aplicável à matéria objeto da consulta, inicia-se o trabalho de integração e interpretação sistemática.

O aparente antagonismo perde a relevância diante do fato de que o que sustenta a exclusão da receita de dívida ativa tributária é somente a classificação contábil da receita, conforme já exposto. Enquanto que todos os artigos citados acima, em especial os que tratam da dívida ativa tributária, consignam expressamente, que este crédito tem natureza tributária. Portanto, utilizando-se de interpretação extensiva e sistemática, a receita de dívida ativa tributária efetivamente arrecadada e não somente a inscrita, inclui-se no conceito de receita tributária, para fins de composição da base de cálculo para incidência do percentual limite de despesas do Poder Legislativo Municipal, conforme art. 29-A da CF. 

Porém, outra questão emerge deste entendimento. As multas e juros de mora incidentes sobre os créditos tributários devem ser considerados como receita tributária para fins de cômputo da base de cálculo de que trata do art. 29-A da CF?

Quanto ao principal da receita de dívida ativa tributária não pairam dúvidas quanto a sua inclusão no conceito de receita tributária para fins do art. 29-A da CF. O mesmo se diz da correção monetária, que é medida protetiva do crédito tributário contra os efeitos da inflação.

“A inflação, caracterizada pela contínua, persistente e generalizada expansão dos preços, causa à moeda perda de seu poder aquisitivo, acarretando profundas e importantes distorções na ordem jurídica.”[1]

A correção monetária é o instituto adequado contra os efeitos danosos da inflação. Maximilianus Cláudio Américo Führer abordou a questão, lecionando que a “correção monetária não se confunde com os juros, pois não constitui remuneração do capital, mas apenas um meio para assegurar a integridade da moeda no tempo. `Ao se falar em correção monetária sobre certo valor, importa dizer que ela corresponde propriamente a esse valor, conquanto atualizado. Corresponde, portanto, ao próprio pricipal` (RT 495/181).”[2]

A multa e os juros de mora incidentes sobre o crédito tributário recebem tratamento diferenciado por parte dos doutrinadores, talvez em decorrência da redação do art. 39, § 2º da Lei 4.320/64, que afirma que a “Dívida Ativa Tributária é o crédito da Fazenda Pública dessa natureza, proveniente de obrigação legal relativa a tributos e respectivos adicionais e multas” .

Contudo, através de uma leitura mais acurada dos dispositivos legais, conclui-se que somente os créditos da Fazenda Pública de natureza tributária poderão ser dívida ativa tributária. Então, pergunta-se: a multa e juros de mora tem natureza tributária?

Sacha Calmon Navarro Coêlho, em comentário ao art. 113, § 1º do CTN leciona:

“No § 1º do artigo o legislador do CTN quis dar às multas fiscais, ou seja, ao crédito delas decorrente, o mesmo regime processual do tributo (inscrição em dívida ativa, execução forçada, garantias e privilégios típicos do crédito tributário). Para tanto cunhou o § 1º do art. 113. Mas o fez com desastrada infelicidade, passando a idéia de que o tributo e multa se confundem, o que não é permitido pelo art. 3º do CTN, nuclear e fundante do conceito de tributo, eis que este último, conquanto implique, juntamente com a multa, uma prestação pecuniária compulsória, prevista em lei, em prol do Estado, dela se diferencia, precisamente, porque não é sanção de ato ilícito.”[3]

Portanto, mesmo que o art. 39, §§ 2º e 4º da Lei 4.320/64 tenha englobado multa e juros de mora na dívida ativa tributária, conceitualmente é inviável confundir os institutos. A multa, conforme defendido por Navarro Coêlho não tem natureza tributária pois é sanção de ato ilícito, o mesmo se diz dos juros de mora que é cobrado em acréscimo ao juro normal, como multa pelo atraso de pagamento.

 

Silvio Rodrigues conceitua os juros legais nos seguintes termos:

“167 - Os juros legais - Juro é o preço do uso do capital. Vale dizer, é o fruto produzido pelo dinheiro, pois é como fruto civil que a doutrina o define. Ele a um tempo remunera o credor por ficar privado de seu capital e paga-lhe o risco em que incorre de o não receber de volta.”[4]

A multa e os juros de mora objetivam penalizar o infrator pelo cometimento de ato ilícito, um no momento do descumprimento do dever legal outro pela demora na regularização.

De acordo com a classificação contábil da receita, transcrita acima, o item “multas e juros de mora” recebe código especial (1910.00.00), estando separado das demais receitas correntes. Portanto, não há dificuldades em computar somente o valor do principal e da atualização monetária e excluir a multa e os juros de mora na formação da base de cálculo para incidência do percentual limite de despesas do Poder Legislativo Municipal.

Portanto, para os fins do art. 29-A da CF, a tese que mais se adequa às técnicas de interpratação sistemática é aquela que incluiu no conceito de receitas tributárias a dívida ativa tributária, aí compreendido o valor do tributo e da correção monetária e excluindo a multa e juros de mora por estas não terem natureza tributária.

Vê-se que a interpretação dada, por vincular-se à definição de tributo não admite considerar como crédito tributário a exação decorrente da obrigação tributária acessória, o que gera a rediscussão pelo consulente considerando-se o disposto no artigo 113, §3º, do Código Tribuntário Nacional, o qual, dispõe:

Art. 113. A obrigação tributária é principal ou acessória.

§ 1º. A obrigação principal surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente como crédito dela decorrente.

§ 2º A obrigação acessória decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.

§ 3º. A obrigação acessória, pelo simples fato da sua inobservância, converte-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária.

Para evidenciar a existência de entendimento diverso ao expresso nos prejulgados deste Tribunal transcreve-se abaixo entendimentos doutrinários dos municipalistas Meirelles e Braz:

No direito positivo, segundo o art. 113 do CTN, desde logo se verifica uma dicotomia representada pela obrigação principal e pela obrigação acessória. Ambas vão se distinguir especialmente pelo seu objeto. A principal terá sempre por objeto um conteúdo econômico - o pagamento -, e a acessória, prestações que não sejam pagamento, mas obrigações de fazer e não fazer - portanto, sem aquele conteúdo. Assim, o § 1º do art. 113 define a obrigação principal como a que “surge com a ocorrência do fato gerador, tem por objeto o pagamento de tributo ou penalidade pecuniária e extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente”. O importante desta definição é deixar expresso fazerem parte do seu objeto o tributo e a penalidade pecuniária (multa). O § 2º define a obrigação acessória como a que “decorre da legislação tributária e tem por objeto as prestações, positivas ou negativas, nela previstas no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos”. Confirmando a mencionada distinção, o disposto no § 3º determina que a inobservância das prestações positivas ou negativas - obrigação acessória - dá nascimento a uma obrigação principal, cujo objeto será a multa aplicada.[5]

 

Tem o Município outras rendas, tributárias ou não, que são todas as demais rendas, provenientes da prestação de serviços ou do próprio exercício de suas atividades, entre elas as multas pelo descumprimento de contratos firmados com terceiros e as multas por infrações ao Código de Posturas Municipais. As multas decorrentes dos impostos e das taxas inscrevem-se como renda tributária, por serem acessórios desses tributos.[6]

 

No campo do Direito Tributário, após citar autores de nomeada como Barros Carvalho, Edelmo Emerenciano e Sacha Coelho, que repudiam a idéia de conceber as penalidades como uma obrigação tributária, o que obsta a sua conformação como crédito tributário, Hugo de Brito Machado esclarece o acerto de concebê-la como tal, o que como se verá em suas palavras, não as confundem com tributo.

Eis as palavras do tributarista:

Ao nosso ver, data máxima Vênia, o legislador apenas exerceu uma opção de política jurídica que em nada prejudica a pureza dos institutos e dos conceitos jurídicos, nem causa qualquer transtorno ao aplicador da lei. Na verdade, a relação jurídica obrigacional  que se estabelece como decorrência do ato ilícito não é uma relação jurídica obrigacional tributária. Entretanto, ao qualificar como tributária, a obrigação de pagar a penalidade, o legislador não o fez em afronta ao conceito de tributo, estabelecido no art. 3º do Código. A penalidade não se confunde com o tributo. Seu regime jurídico é diverso do regime jurídico do tributo, especialmente no que concerne ao direito intertemporal, o que é muito importante e há de ser levado em conta na atividade de apuração do valor do crédito que o ente público tem contra o infrator da norma. Concluída a apuração, vale dizer, terminado o procedimento de aplicação da sanção, tem-se um crédito cujo sujeito ativo é o fisco, e o sujeito passivo é o responsável pela infração. Por outro lado, ninguém afirma existir grave desvio terminológico na expressão penalidade tributária. Pelo contrário, a qualificação tributária para a penalidade tributária é pacificamente aceita pela doutrina. Assim, se a penalidade pode ser qualificada como tributária, porque cominada em lei pertinente à tributação, não há por que criticar essa mesma qualificação para a obrigação decorrente do cometimento do ilícito. Afinal, o qualificativo tributário pode ser entendido como relativo ao tributo, mas ser relativo ao tributo não é o mesmo que ser tributo. A referência doutrinária à denominada “tributação penal” ou ao “agravamento penal das alíquotas”  pode ser feita independentemente do que está dito no § 3º, do art. 113, do Código Tribuntário Nacional. Aliás, tributação penal nada tem a ver com penalidade pecuniária pelo descumprimento da legislação tributária. Adequada, ou não, essa expressão, certo é que com ela alguns doutrinadores designam o tributo com função extrafiscal, geralmente muito elevado, destinado a desestimular condutas, como acontece, por exemplo, com o incidente sobre o cigarro. Designa a denominada tributação extrafiscal proibitiva, ou ainda “os impostos do pecado”, como prefere Sérgio Vasques. Seja como for, certo é que ninguém apontou inconvenientes de ordem prática na terminologia adotada pelo Código Tributário Nacional, nem expressão mais adequada para substituir a utilizada pelo legislador. Como o Código adotou denominações distintas para os dois momentos da relação jurídica obrigacional tributária, dando ao momento anterior à liquidação o nome de obrigação e ao momento posterior à liquidação o nome de crédito, a inserção do valor da penalidade na relação obrigacional, depois da liquidação, tem apenas a finalidade de ordem prática de viabilizar a reunião desse valor ao valor do tributo, também já devidamente liquidado, para que o total seja objeto de um único procedimento de cobrança, vale dizer, da mesma execução fiscal. As diferenças quanto aos regimes jurídicos do tributo e da penalidade justificam a separação entre o valor de um e o valor da outra no procedimento de liquidação ou acertamento, que o Código denominou de lançamento tributário. Antes, portanto, da existência do crédito que decorre tanto do tributo quanto da penalidade. Separação que há de persistir até que seja concluída a apuração dos correspondentes valores. Depois desta, porém, a reunião dos valores apurados sob o nome de crédito tributário, embora não seja perfeita do ponto de vista terminológico, não causa transtorno ao aplicador da lei, nem qualquer prejuízo às partes a elas submetidas. Obrigação tributária principal, portanto, tem exatamente o mesmo conteúdo de crédito tributário. É a relação jurídica obrigacional de conteúdo pecuniário. Seu objeto é um crédito da Fazenda Pública, seja ele decorrente do tributo, seja decorrente da aplicação de penalidade pecuniária. Por isto mesmo diz o § 1º, do art. 113, do Código, que a obrigação tributária principal extingue-se juntamente com o crédito dela decorrente.[7]

Na mesma linha segue Kiyoshi Harada:

O crédito tributário nada mais é do que a própria obrigação tributária principal formalizada pelo lançamento, ou seja, tornada líquida e certa pelo lançamento. A obrigação tributária principal, como já vimos, consiste no pagamento de tributo ou de pena pecuniária. O crédito tributário nada mais é do que a conversão dessa obrigação ilíquida em líquida e certa, exigível no prazo estatuído na legislação tributária. Do ponto vista material obrigação e crédito se confundem. As partes são as mesmas, o objeto é idêntico e o vínculo jurídico idem. Surgida a obrigação, deve a fazenda declarar sua existência, através do lançamento, apurando o quantum e identificando o sujeito passivo, quando então, aquela obrigação passará a existir sob a denominação de crédito tributário, mas o contrário não poderá ocorrer.[8]

E ainda, Baleeiro:

E é indiscutível que tributo não se confunde tecnicamente, com sanção. Entretanto, a expressão tributo pode significar obrigação tributária latu sensu, que abarca as multas e sanções específicas. O art. 3º do CTN, corretamente, dispõe que tributo não é sanção de ato ilícito. Mas, apesar disso, o mesmo CTN inclui, no seio das chamadas obrigações tributárias principais, o tributo propriamente dito e as multas de toda natureza quer sejam de revalidação, formais, isoladas ou punitivas.[9]

Nas transcrições acima fica claro que os créditos provenientes das penalidades tributárias embora não se originem especificamente do lançamento de um tributo, decorrem de uma obrigação tributária e assim, integram a receita tributária.

Como dito inicialmente, partindo-se da premissa de que a receita tributária decorre da arrecadação de tributo não há como se incluir juros e multas, posto que não se confundem com tributo por decorrerem da aplicação de penalidade, o que conflita com o prescrito no artigo 3º do Código Tributário Nacional, que não considera tributo a prestação pecuniária decorrente da sanção de ato ilícito.

Contudo, ao se conceber que o crédito tributário é consectário de uma obrigação tributária, é possível, à luz do disposto no artigo 113 do Código Tributário Nacional, admitir que tanto o valor referente ao lançamento do tributo quanto o derivado de penalidade tributária constituem o crédito tributário e, portanto, receita tributária.

Difere este último entendimento do preceituado nas decisões em resposta a consultas por esta Corte de Contas, de modo que aderindo a tese defendida por Brito, Harada e Baleeiro, mister se faz a revogação e reforma de prejulgados.”

                        Concordo com o argumento de que os créditos provenientes das penalidades tributárias, embora não se originem especificamente de um lançamento tributário, decorrem de uma obrigação tributária e, deste modo, integram a receita tributária. Ainda que não possam ser subsumidas ao conceito strito sensu de tributo constante do artigo 3º do Código Tributário Nacional, os juros e multas da dívida ativa tributária são alcançados pelo conceito mais amplo de obrigação tributária. Assim, as multas e juros como receita tributária podem, na visão deste relator, em consonância com a disciplina insculpida no artigo 113 do Código Tributário Nacional, integrar a base de cálculo para o repasse constitucional do Poder Legislativo.

                        Corrobora este entendimento o disposto no parágrafo único do artigo 1º da Lei Complementar nº 62/89 o qual ao tratar da questão do cálculo, da entrega e do controle das liberações dos recursos do Fundo de Participação dos Estados e Distrito Federal – FPE e do Fundo de Participação dos Municípios – FPM, disciplina que integrarão a base de cálculo das transferências, além do montante dos impostos nele referidos, inclusive os extintos por compensação ou dação, os respectivos adicionais, juros e multa moratória, cobrados administrativa ou judicialmente, com a correspondente atualização monetária paga.” (g.n.)

                        Finalmente, registro que muito embora o encaminhamento proposto represente uma alteração na posição desta Casa com a conseqüente revogação de prejulgados anteriores, a idéia de inclusão de juros e multas no conceito de obrigação tributária já se faz presente em outras Cortes de Contas como a do Rio Grande do Sul, Bahia e Mato Grosso, conforme comprovam documentos de fls. 21 a 45.

 

III - VOTO

                        Diante de todo o exposto, estando os autos instruídos na forma regimental, acolho o parecer exarado pela COG, referendado que foi pelo Ministério Público Especial, e proponho ao e. Plenário o seguinte voto:

 

                        1 – Conhecer da presente Consulta por preencher os requisitos e formalidades preconizados no Regimento Interno deste Tribunal e respondê-la nos seguintes termos:

 

                        1.1 - Em relação ao cômputo dos juros e multas na receita tributária, por se considerar que o crédito tributário é consectário de uma obrigação tributária, é possível, à luz do disposto no artigo 113 do Código Tributário Nacional, admitir que tanto o valor referente ao lançamento do tributo quanto o derivado de penalidade tributária constituem o crédito tributário e, portanto, receita tributária.

 

                        1.1.2 - Revogar os prejulgados nº 1134, 1192 e o item 1 do prejulgado nº 1642, por conflitarem com o novel entendimento adotado por esta Corte de Contas acerca da composição da receita tributária referenciada no artigo 29-A, caput, da Constituição Federal.

 

                        1.2 - No que concerne à correção monetária da base de cálculo para apuração dos limites de gastos do Poder Legislativo previsto no art. 29-A, encaminhar, com fulcro no artigo 105, § 3º, da Res. Nº TC-06/2001, cópia do prejulgado nº 1642, cujo item 5 preconiza: “O mandamento insculpido no art. 29-A da Constituição Federal não autoriza a correção da base de cálculo que estabelece o limite de despesa da Câmara de Vereadores, considerando-se que a receita arrecadada pela municipalidade é contabilizada pelo seu valor histórico.”

 

                        1.3 - Por se encontrar o Apoio Financeiro aos Municípios instituído pela Lei nº 12.058, de 13 de outubro de 2009, vinculado ao Fundo de Participação dos Municípios é devido o seu cômputo para fins de apuração do limite de gastos do Poder Legislativo Municipal inscrito no artigo 29-A da Constituição Federal.

 

                        1.4 - Os limites percentuais de gastos, constantes do artigo 29-A, reduzidos pela Emenda Constitucional nº 58/2009 têm aplicabilidade a partir de 1º de janeiro de 2010, consoante o preconizado em seu artigo 3º, inciso II.

 

                        2 - Dar ciência da decisão, do Relatório e Voto do Relator ao consulente.

 

                        3 – Determinar ao Consulente que, em futuras consultas, encaminhe parecer de sua Assessoria Jurídica, nos termos do art. 104, V, do Regimento Interno deste Tribunal.

 

                        4 – Determinar o arquivamento dos autos.

 

                        Gabinete, em 09 de março de 2010.

 

 

 

 

Conselheiro Julio Garcia

Relator



[1]MARTINS, Natanael. A Indexação Monetária nas Questões Tributárias. Curso de Direito Tributário. Coordenado por Ives Gandra da Silva Martins - 5ª ed. - Belém: Cejup; Centro de Estudos de Extensão Universitária, 1997, p. 407.

[2]FÜHRER, Maximilianus Cláudio Américo. Resumo de Obrigações e Contratos. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 22.

[3]COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de direito tributário brasileiro: (comentários à Constituição e ao Código tributário nacional, artigo por artigo). Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 581.

[4]RODRIGUES, Silvio. Direito Civil - Parte Geral das Obrigações. Vol. 2. São Paulo: Saraiva, 1983, p. 317.

[5]MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro. 15ª ed. São Paulo, Malheiros, 2006. Pág. 167-168.

[6]BRAZ, Petrônio. Direito Municipal na Constituição. 6ª ed. Leme, J.H. Mizuno, 2006. Pág. 731.

[7]MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo, Atlas, 2004. Pág. 300-301.

[8]HARADA, Kiyoshi. Direito Financeiro e Tributário. 16ª ed. São Paulo, Atlas, 2007. Pág. 507.

[9]BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. Rio de Janeiro, Forense, 2006. Pág. 863.