Processo n° |
APC
04/06001650 |
Unidade Gestora |
Prefeitura
Municipal de Itajaí |
Responsável |
Jandir
Bellini – Prefeito Municipal de Itajaí, gestões 2001-2004 e 2009-2012. |
Assunto |
Auditoria in
loco de Prestação de Contas de Recursos Antecipados no exercício de 2004. |
Relatório n° |
426/2011 |
1 - Relatório
Devidamente
autorizados por despacho da presidência desta Corte de Contas, técnicos da
Diretoria de Controle dos Municípios – DMU, em procedimento compreendido na sua
pauta regular de atividades, procederam, entre os dias 16 a 19 de novembro de
2004, utilizando o método de exame por amostragem, a auditoria in loco das prestações de contas de
recursos antecipados na Prefeitura Municipal de Itajaí, tomando como marco
temporal o período compreendido entre 1º de janeiro e 30 de setembro de 2004.
O resultado
da auditoria foi traduzido no Relatório DMU nº 1423/2006, tendo o então
Prefeito Municipal, senhor Jandir Bellini, sido citado para, no prazo de 30
dias, manifestar-se acerca das restrições apontadas.
Não obstante
regularmente citado por AR (fl. 1543), o responsável não se manifestou, tendo a
DMU, em procedimento de reinstrução, emitido novo relatório (Relatório nº
1880/2006) e remetido os autos ao Ministério Público junto ao Tribunal de
Contas, que, mediante despacho de seu representante, os encaminhou a este
Relator.
Foi
determinada, então, nos termos do despacho de fl. 1561, nova citação do senhor
Jandir Bellini, a qual se realizou regularmente, por AR, conforme comprovante
acostado à fl. 1562, resultando daí a apresentação de justificativas e
documentos, mediante expediente protocolado nesta Corte de Contas no dia
01.06.2009, sob o nº 10956.
Diante dos
argumentos e da documentação trazidos pela defesa, a DMU, em nova reinstrução,
emitiu o Relatório nº 653/2010 (fls. 3021-3045), concluindo, nos termos dos
itens 1 e 2 da conclusão, por julgar irregulares as contas alvo da auditoria,
com a condenação do responsável ao ressarcimento aos cofres públicos da
importância de R$ 346.549,21, e ao pagamento de multa pelas irregularidades
descritas nos itens 2.1 a 2.4 do referido relatório.
O Ministério
Público de Contas, por meio do Parecer MPTC nº 2.193/2007, acompanhou o
entendimento exarado pelo Órgão de Controle.
2. Voto
Sem deixar
de aplaudir o trabalho, sempre qualificado, dos órgãos técnicos deste Tribunal
de Contas, ouso, na espécie em análise, discordar em parte das conclusões
expendidas em seu relatório e, também, do posicionamento da digna representação
do Ministério Público de Contas.
Limita-se a
discordância, basicamente, a forma como foi conduzido o raciocínio
relativamente à matéria objeto do item 1.4 do Relatório, do qual resultou a
proposta de condenação do responsável ao pagamento da importância de R$
346.549,21, ao argumento de que não teria havido a efetiva comprovação da
liquidação da despesa.
A conclusão
do Relatório, conforme está apontado à fl. 3037, a restrição foi mantida devido
a suposta inobservância das disposições do art. 63 da Lei nº 4.320/64, já que
teria sido constatada “ausência de comprovação da efetiva liquidação da
despesa” no montante antes mencionado.
O aludido
dispositivo, no seu caput, diz textualmente que “a liquidação da despesa
consiste na verificação do direito adquirido pelo credor, tendo por base os
títulos de documentos comprobatórios do respectivo crédito”. No parágrafo
primeiro e seus incisos, são definidas as finalidades da “liquidação da
despesa”, que se resumem a identificar: (1) o que se deve pagar; (2) quanto se
deve pagar e; (3) a quem se deve pagar. E, no parágrafo segundo e seus incisos,
são indicados os documentos ou fontes materiais de informação que devem ser
considerados no procedimento de liquidação da despesa, que seriam: (1) o
contrato ou documento equivalente; (2) a nota de empenho e; (3) a comprovação
da entrega do material ou da prestação do serviço.
Extrai-se
daí que a norma em questão é de natureza formal, ou seja, ela orienta
minimamente o administrador sobre como deve proceder à liquidação da despesa.
Mas, a despeito de indicar que preocupações ele deve ter, e que documentos deve
considerar, não significa que, antes do pagamento, o impeça de perquirir outras
situações no procedimento de liquidação da despesa. Heraldo da Costa Reis e J.
Teixeira Machado Jr., em comentários ao citado dispositivo, escrevem:
Aqui está (no artigo e seus dois
parágrafos) consubstanciada a orientação básica para a liquidação da despesa.
Nada impede que a Administração aprove instruções específicas, disciplinando o
processo em seu âmbito interno, obedecidos os princípios acima. (A Lei 4.320 comentada e a Lei de
Responsabilidade Fiscal, 33ª edição. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora,
2011, p. 141).
É comum, no
processo de liquidação da despesa, a ocorrência de irregularidades formais,
notadamente no tocante à maneira utilizada pelo administrador para demonstrar a
entrega do material ou a prestação do serviço. Todavia, quando ocorrentes, não
parece, com a devida vênia, que, por si sós, sejam causa suficiente para
imputação de débito ao agente que nelas tenha incorrido.
É de todos
sabido que, nos termos dos artigos 38, inciso III, alínea “b”, e 39, da Lei
Orgânica do Tribunal de Contas (LC nº 101/2000), as decisões do órgão de que
resulte imputação de débito ou cominação de multa, desde que ser formalizadas
em conformidade com o estabelecido no seu regimento interno e publicadas
regularmente no órgão oficial competente, adquirem, depois de transitarem em
julgado, “eficácia de título executivo”, para fins de cobrança judicial.
Trata-se de
conseqüência jurídica de grande relevância, posto que, consoante o magistério
de Pedro Roberto Decomain, autoriza, para garantir-lhe a eficácia, a utilização
direta da ação de execução fiscal, independentemente de inscrição em dívida
ativa. Diz, a propósito o citado autor:
A certidão da inscrição do débito em dívida
ativa é normalmente o título executivo que embasa a ação de execução fiscal. No
caso de decisões condenatórias dos Tribunais ou Conselhos de Contas, todavia,
como também constituem títulos da mesma natureza, por expressa disposição
constitucional, desnecessário que o valor indicado em tais decisões seja
inscrito em dívida ativa, para posteriormente ser a execução correspondente
aparelhada com certidão do termo de inscrição. Basta a apresentação da certidão
indicativa do conteúdo da decisão do Tribunal ou Conselho, contendo inclusive o
valor do débito imputado e/ou da multa aplicada, acompanhada do informe de que
a decisão já não comporta mais qualquer recurso na órbita do Tribunal. (Tribunais de Contas no Brasil. São
Paulo: Editora Dialética, 2006, p. 220.)
Significa
dizer que, admitido, na seqüência do trânsito em julgado da decisão do Tribunal
de Contas, o aforamento da ação de execução fiscal, o responsável, uma vez
citado, somente poderá opor embargos, ou seja contestar a ação, se, conforme
estabelece o art. 16 da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980
(Lei das Execuções Fiscais): (a) preceder ao depósito judicial da quantia
executada; (b) juntar aos autos prova de fiança bancária em valor suficiente ao
pagamento do débito; ou (c) oferecer bens à penhora em montante equivalente ao
valor do débito.
Como visto,
o alcance de uma decisão desta Corte de Contas, de que resulte imputação de
débito, tende sempre a significar um gravame de difícil reversão, na órbita dos
direitos individuais do responsável. Daí a necessidade de redobrarem-se as
cautelas sempre que houver indicativo de imputação de débito a quaisquer
agentes público. Isto porque tal imputação pode significar um ônus patrimonial
e pessoal definitivo, dadas as restrições legais que o atual sistema jurídico
estabelece, relativamente ao exercício dos direitos de defesa no contexto da
ação de execução fiscal.
Um aspecto
que merece ser considerado, na análise desta temática, diz respeito à natureza
da responsabilidade do agente público em face de atos virtualmente lesivos ao
erário, por ele praticados. É, pois, de assinalar-se que, diferentemente do que
sucede com a Administração Pública, cuja responsabilidade é objetiva, ou seja, independe de culpa –
sempre que, por seus órgãos ou agentes, causar danos a terceiros, para o
administrador ou servidor público apenas surge o dever de reparar ou ressarcir
danos ou prejuízos por ele causados, se comprovado que agiu com dolo ou culpa.
Sua responsabilidade, portanto, diferentemente daquela que se estabelece em
face das relações da Administração Pública com terceiros, é subjetiva, ou seja, não prescinde da
presença do dolo ou da culpa.
Tem-se,
neste sentido, o amparo da doutrina de Hely Lopes Meirelles, que ensina:
A responsabilidade
civil é a obrigação que se impõe ao servidor de reparar o dano causado à
Administração por culpa ou dolo no desempenho de suas funções. Não há, para o
servidor, responsabilidade objetiva ou sem culpa. (Direito Administrativo Brasileiro, 26ª ed. São Paulo: Malheiros,
2001, p. 463).
Mesmo no
contexto da Lei de Improbidade Administrativa, diploma mais recente e concebido
sob inspiração da repulsa da sociedade aos atos de corrupção e malversação do
dinheiro público, a orientação predominante hoje nas Cortes Superiores de
Justiça é de que o alvo da lei é o administrador desonesto, o que opera de
má-fé, não o inábil ou mal orientado. Esta pelo menos é a diretriz que se
extrai do seguinte tópico inserido na ementa do acórdão referente ao REsp 734984-SP,
do qual foi relator o ministro José Delgado, do Superior Tribunal de Justiça,
em julgamento realizado em 18.12.2007:
É
que "o objetivo da Lei de Improbidade é punir o administrador público
desonesto, não o inábil. Ou, em outras palavras, para que se enquadre o agente público
na Lei de Improbidade é necessário que haja o dolo, a culpa e o prejuízo ao
ente público, caracterizado pela ação ou omissão do administrador
público." (Mauro Roberto Gomes de Mattos, em "O Limite da Improbidade Administrativa", Edit. América Jurídica, 2ª ed. pp. 7 e 8).
"A finalidade da lei de improbidade
administrativa é punir o administrador
desonesto" (Alexandre de Moraes, in "Constituição do Brasil
interpretada e legislação constitucional", Atlas, 2002, p. 2.611)."De
fato, a lei alcança o administrador desonesto,
não o inábil, despreparado, incompetente e desastrado" (REsp 213.994-0/MG,
1ª Turma, Rel. Min. Garcia Vieira, DOU de 27.9.1999)." (REsp 758.639/PB,
Rel. Min. José Delgado, 1.ª Turma, DJ 15.5.2006)
No caso em
análise, ao que se extrai do texto inserido no item 1.4 do Relatório (fls.
3027-3037), não houve, a rigor, ausência de liquidação de despesa, mas simples
irregularidade na forma como ela foi realizada, mediante a tomada de documentos
cuja configuração não teria correspondido aos padrões usuais considerados
adequados pela equipe técnica desta Corte de Contas. Nestas circunstâncias, a
transformação da imputação de débito em multa evidencia-se como alternativa
razoável e juridicamente plausível, à luz das disposições do parágrafo único do
art. 21, da Lei Complementar nº 202/2000.
Isto posto,
e sem contestar, no mais, as conclusões do Relatório nº 653/2010 – DMU, VOTO
no sentido de que o Egrégio Plenário acolha a seguinte proposta de decisão:
2.1 Julgar irregulares, sem imputação de débito, com fundamento no art.
18, III, “b”, c/c o art. 21, parágrafo único, da Lei Complementar n. 202/2000,
as contas de recursos antecipados em favor da Comissão Municipal de Bem-Estar
do Menor de Itajaí e da Casa de Recuperação Pró-Vida, do mesmo município.
2.2 Aplicar ao Sr. Jandir Bellini, CPF nº 052.185.519-53,
com fundamento no art. 69 c/c o os arts. 21, parágrafo único, da Lei
Complementar nº 202/2000 e 108, parágrafo único, do Regimento Interno deste
Tribunal, as multas abaixo discriminadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta)
dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial Eletrônico desta
Corte de Contas, para comprovar ao Tribunal o recolhimento das multas ao
Tesouro do Estado, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da
dívida para cobrança judicial (arts. 43, II, e 71 do mesmo diploma legal).
2.2.1 R$ 1.000,00 (mil reais), por proceder à liquidação de despesa da
importância de R$ 346.549,21 em desacordo com as disposições do art. 63, § 2º,
inciso III, da Lei n. 4.320/64, especialmente a falta de apresentação de
documento hábil a demonstrar a efetiva entrega ou prestação do material ou
serviço objeto do pagamento (item 1.4 do Relatório DMU nº 653/2010);
2.2.2 R$ 800,00 (oitocentos reais), por deixar de anexar, em processos de
prestação de contas de recursos antecipados, declaração formal do ordenador da
despesa de que os valores, rigorosamente, aplicados nos fins para os quais
foram concedidos, desatendendo, assim, ao disposto no art. 44, IX, da Resolução
TC-16/94 (item 1.1 do Relatório DMU nº 653/2010);
2.2.3 R$ 800,00 (oitocentos reais), por haver apresentado com atraso as
prestações de contas, relativamente ao prazo estabelecido nos Convênios 001/04
e 004/04 a 008/04, celebrados pela Prefeitura Municipal de Itajaí (item 1.2 do
Relatório DMU nº 653/2010);
2.2.4 R$ 800,00 (oitocentos reais), por haver deixado de criar conta
bancária específica, no Banco do Estado de Santa Catarina, para registro e
controle dos recursos objeto dos Convênios 001/04, 006/04 e 007/04, contrariando
disposição expressa contida na cláusula quinta dos aludidos ajustes e, também,
do art. 47 da Resolução TC-16/94 (item 1.3 do Relatório DMU nº 653/2010);
2.2.5 R$ 800,00 (oitocentos reais), por haver tolerado, na execução dos
Convênios 001/04 e 004/04, celebrados entre a Prefeitura Municipal de Itajaí e
a COMBEMI, a realização de despesas, no montante de R$ 39,53 (trinta e nove
reais e cinqüenta e três centavos), estranhas às finalidades previstas naqueles
instrumentos (item 1.5 do Relatório DMU nº 653/2010);
2.2.6 R$ 800,00 (oitocentos reais), por haver reiterado, na gestão de
convênios celebrados pelo Município de Itajaí, a concessão de adiantamento a
responsável ainda em atraso com prestação de contas anterior, em desacordo com
as disposições do art. 33, inciso II, da Resolução TC-16/94 (item 1.6 do
Relatório DMU nº 653/2010).
2.3 Dar ciência desta Decisão, do
Relatório e do Voto que a acompanham, assim como do Relatório nº 653/2010-DMU,
ao senhor Prefeito Municipal de Itajaí e ao responsável, senhor Jandir Bellini.
Florianópolis, 17 de outubro de 2011.
Conselheiro
Salomão Ribas Junior
Relator