TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO

GABINETE DA VICE-PRESIDÊNCIA

CONSELHEIRO JOSÉ CARLOS PACHECO

 

PROCESSO Nº   CON 06/00296504
     
    UG/CLIENTE
  PREFEITURA MUNICIPAL DE BRAÇO DO NORTE
     
    INTERESSADO
  SR. LUIZ KUERTEN
     
    ASSUNTO
  CONSULTA - Município. Saúde. Fornecimento de mdeicamentos a Municípios. Questionamentos.

RELATÓRIO

Tratam os autos de consulta formulada pelo Sr. Luiz Kuerten, Prefeito Municipal de Braço do Norte, solicitando Parecer deste Tribunal de Contas, acerca dos seguintes questionamentos:

A Consultoria Geral deste Tribunal, em análise ao mencionado expediente, elaborou o Parecer COG nº 392/2006, de fls. 04 a 18, da lavra do Dr. Enio Luiz Alpini, salientando, preliminarmente, que a parte é legítima para propor consulta sendo a matéria pertinente, pois passível de resposta em tese, nos termos do art. 59, XII da Constituição Estadual.

No mérito, aduz o nobre parecista, acerca do questionamento:

1- É permitido aos Municípios fornecerem medicamentos e prestarem tratamento médico-hospitalar que sejam de competência da União e dos Estados?

A Constituição Federal agasalhou a saúde como um direito fundamental de proteção jurídica diferenciada. Diferenciada porque, fazendo ela parte dos direitos fundamentais, participa da fundamentalidade formal e material que esses direitos e garantias possuem, como bem explica o Professor Ingo Wolfgang Sarlet:

Assim, a saúde comunga, na nossa ordem jurídico-constitucional, da dupla fundamentalidade formal e material da qual se revestem os direitos e garantias fundamentais (e que, por esta razão, assim são designados) na nossa ordem constitucional.1 A fundamentalidade formal encontra-se ligada ao direito constitucional positivo e, ao menos na Constituição pátria, desdobra-se em três elementos: a) como parte integrante da Constituição escrita, os direitos fundamentais (e, portanto, também a saúde), situam-se no ápice de todo o ordenamento jurídico, cuidando-se, pois, de norma de superior hierarquia; b) na condição de normas fundamentais insculpidas na Constituição escrita, encontram-se submetidos aos limites formais (procedimento agravado para modificação dos preceitos constitucionais) e materiais (as assim denominadas "cláusulas pétreas") da reforma constitucional; c) por derradeiro, nos termos do que dispõe o artigo 5, parágrafo 1, da Constituição, as normas definidoras de direitos e garantias fundamentais são diretamente aplicáveis e vinculam diretamente as entidades estatais e os particulares. A respeito de cada um destes elementos caracterizadores da assim denominada fundamentalidade formal, notadamente sobre o seu sentido e alcance, ainda teremos oportunidade de nos manifestar.

Já no que diz com a fundamentalidade em sentido material, esta encontra-se ligada à relevância do bem jurídico tutelado pela ordem constitucional, o que - dada a inquestionável importância da saúde para a vida (e vida com dignidade) humana - parece-nos ser ponto que dispensa maiores comentários.

Por tudo isso, não há dúvida alguma de que a saúde é um direito humano fundamental, aliás fundamentalíssimo, tão fundamental que mesmo em países nos quais não está previsto expressamente na Constituição, chegou a haver um reconhecimento da saúde como um direito fundamental não escrito (implícito), tal como ocorreu na Alemanha e em outros lugares. Na verdade, parece elementar que uma ordem jurídica constitucional que protege o direito à vida e assegura o direito à integridade física e corporal, evidentemente, também protege a saúde, já que onde esta não existe e não é assegurada, resta esvaziada a proteção prevista para a vida e integridade física.

O direito fundamental à saúde veio expresso na Constituição Federal, de forma geral, no art. 6º e, de uma delineação de normas, nos arts.196 a 200, destacando-se o primeiro, que reza textualmente que a saúde é direito de todos e dever do Estado, senão vejamos os termos do referido artigo:

Essa incumbência ao Estado de garantir a saúde não leva à conclusão de que à sociedade ou ao cidadão não lhes incumbe nenhum tipo de dever. Assim seria se a interpretação do referido artigo fosse unicamente literal. O particular possui sim deveres para a efetivação do direito à saúde, principalmente o dever de abstenção de agredir a saúde alheia. Tanto isso é verdade que a agressão à integridade física de outrem constitui conduta punível. Tal fato evidencia que a vida, a saúde e a dignidade de cada pessoa são bens jurídicos tutelados pelo ordenamento jurídico.

Esse dever de abstenção mútuo que o direito à saúde gera entre os indivíduos e a abstenção do Estado na saúde do cidadão, em linhas bem sintetizadas, caracteriza o direito à saúde como um direito fundamental de defesa ou negativo. Em outras palavras, o Estado e os particulares possuem o dever jurídico de não afetar a saúde das pessoas. De outra parte, quando o Estado é chamado a praticar políticas públicas voltadas a prestações materiais aos indivíduos seja com o fornecimento de medicamentos, seja com exames médicos, atendimento médico e hospitalar, o direito à saúde se manifesta na sua forma prestacional ou positiva, forma esta que mais interessa para o deslinde do questionamento feito a esta Corte de Contas, exatamente porque é a partir da análise dele que se apontará a responsabilidade de cada ente para a concretização do direito fundamental à saúde.

Apesar da velha discussão sobre o conteúdo programático das normas do art. 6º e art. 196, as quais dependeriam de ações positivas ou a implementação de programas por parte do Estado para terem eficácia plena e, assim, concretizar e assegurar o direito à saúde, é fato que os Tribunais Superiores, em destaque o STJ e o STF, vêm adotando entendimentos reafirmando o cunho programático dessas normas, contudo, assentando que o direito à saúde é direito fundamental do ser humano, sendo dever do Estado assegurá-lo, senão vejamos o acórdão abaixo:

Ao mesmo tempo que o Tribunal admite que as normas inseridas no art. 6º e art. 196 da Constituição Federal possuem cunho programático, afirma que essa discussão cede quando há preceitos maiores na Constituição como o direito à saúde, à vida e à dignidade da pessoa humana.

É fato que o direito à saúde é um direito fundamental social de cunho negativo (defesa) e positivo (prestacional), que demanda políticas públicas e programas em todas as esferas de governo, a fim de ser assegurado às pessoas, principalmente àquelas que não possuem acesso ou condições econômicas para gozarem de uma boa saúde. Os termos genéricos dispostos no art. 196, da Constituição Federal, não definem quais são as prestações materiais que o Estado deve obrigar-se, ou seja, se o Estado deve fornecer o simples atendimento médico ou, também, o fornecimento de aparelhos dentários. O Judiciário, quando instado a se manifestar sobre essa problemática de quem tem direito, de quem deve e o quê deve ou não ser fornecido ou prestado pelo Estado, tem adentrado nessa discussão das normas programáticas, porém, decide o caso concreto, levando em consideração o direito à vida, à saúde e à dignidade da pessoa humana. Em outros termos, prepondera o entendimento voltado a dar plena efetividade aos direitos fundamentais sociais, consoante se constata no acórdão abaixo:

E M E N T A: PACIENTE COM HIV/AIDS - PESSOA DESTITUÍDA DE RECURSOS FINANCEIROS - DIREITO À VIDA E À SAÚDE - FORNECIMENTO GRATUITO DE MEDICAMENTOS - DEVER CONSTITUCIONAL DO PODER PÚBLICO (CF, ARTS. 5º, CAPUT, E 196) - PRECEDENTES (STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. O DIREITO À SAÚDE REPRESENTA CONSEQÜÊNCIA CONSTITUCIONAL INDISSOCIÁVEL DO DIREITO À VIDA. - O direito público subjetivo à saúde representa prerrogativa jurídica indisponível assegurada à generalidade das pessoas pela própria Constituição da República (art. 196). Traduz bem jurídico constitucionalmente tutelado, por cuja integridade deve velar, de maneira responsável, o Poder Público, a quem incumbe formular - e implementar - políticas sociais e econômicas idôneas que visem a garantir, aos cidadãos, inclusive àqueles portadores do vírus HIV, o acesso universal e igualitário à assistência farmacêutica e médico-hospitalar. - O direito à saúde - além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas - representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional. A INTERPRETAÇÃO DA NORMA PROGRAMÁTICA NÃO PODE TRANSFORMÁ-LA EM PROMESSA CONSTITUCIONAL INCONSEQÜENTE. - O caráter programático da regra inscrita no art. 196 da Carta Política - que tem por destinatários todos os entes políticos que compõem, no plano institucional, a organização federativa do Estado brasileiro - não pode converter-se em promessa constitucional inconseqüente, sob pena de o Poder Público, fraudando justas expectativas nele depositadas pela coletividade, substituir, de maneira ilegítima, o cumprimento de seu impostergável dever, por um gesto irresponsável de infidelidade governamental ao que determina a própria Lei Fundamental do Estado. DISTRIBUIÇÃO GRATUITA DE MEDICAMENTOS A PESSOAS CARENTES. - O reconhecimento judicial da validade jurídica de programas de distribuição gratuita de medicamentos a pessoas carentes, inclusive àquelas portadoras do vírus HIV/AIDS, dá efetividade a preceitos fundamentais da Constituição da República (arts. 5º, caput, e 196) e representa, na concreção do seu alcance, um gesto reverente e solidário de apreço à vida e à saúde das pessoas, especialmente daquelas que nada têm e nada possuem, a não ser a consciência de sua própria humanidade e de sua essencial dignidade. Precedentes do STF. (Grifou-se)

(RE 271286AgR/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, Publicação: DJ 24-11-2000)

Portanto, o caso concreto é decidido pelo Judiciário, levando-se em consideração vários fatores, dentre os quais destaca-se a gravidade da enfermidade e as condições sócio-econômicas do necessitado. As decisões judiciais que compelem municípios e o próprio Estado a fornecer determinado medicamento não integrante da lista do SUS dá-se em virtude de que a saúde é direito fundamental, indissociável do direito à vida e à dignidade da pessoa humana. Em outros termos, se a enfermidade é grave ou compromete o gozo de uma vida normal e se as condições sócio-econômicas não permitem a ele adquirir determinado medicamento para amenizar o sofrimento ou até mesmo curá-lo da enfermidade, o Judiciário determina que os municípios ou o Estado adquiram o referido medicamento, garantindo, assim, uma vida mais digna. Prepondera, como se disse, o direito à saúde, à vida e à dignidade da pessoa humana (a efetividade dos direitos fundamentais sociais) sobre os argumentos de cunho orçamentário, de competência e da inexistência do medicamento na lista do SUS. Havendo a determinação judicial, sem possibilidade de reversão em grau de recurso, o município ou o próprio Estado devem total respeito.

Cumpre assinalar, ademais, que o art. 196, da Constituição Federal, contempla uma responsabilidade solidária entre União, Estados e Municípios no que se refere à saúde da população. Não há delineação de hierarquia ou de competência dos entes em fornecer este ou aquele remédio. Daí o porquê que os Municípios podem ser demandados e compelidos judicialmente a fornecer determinados medicamentos, desimportando se compete à União ou ao Estado fornecê-los. Perante o necessitado a responsabilidade é solidária e este pode demandar qualquer um separadamente ou todos em conjunto, de forma que os entes estão obrigados a garantir o "acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação". As Portarias, Resoluções e demais atos normativos, servem para organizar o sistema, definir as competências e responsabilidades, mas não para obstruir ou brecar o acesso do cidadão ao direito social à saúde.

Este é o entendimento do Judiciário quando instado a se manifestar no caso concreto, porém e até que o direito fundamental à saúde não seja garantido na sua plenitude, municípios e estado devem se guiar de acordo com os planos traçados pela Constituição Federal e pela legislação infraconstitucional, ou seja, deve seguir as políticas públicas previamente traçadas, tendo em vista que não há recursos públicos suficientes para cobrir todo e qualquer tipo de demanda na área da saúde.

O que se quer dizer, em síntese, é que a demanda por saúde é por demais elevada em nosso país. A Constituição assegura o direito e incumbe responsabilidade solidária aos entes na prestação e garantia do direito. Por tal razão a União, Estados e Municípios podem ser demandados judicialmente, de maneira conjunta ou separadamente e compelidos a fornecerem determinados medicamentos. Não há previsão de solução para o problema. Nem por isso, Estados e Municípios devem guiar suas ações em rumos diversos aos que estão traçados. As regras de funcionamento do sistema de saúde estão delineadas e devem ser seguidas por todos os entes sob pena de vilipêndio do próprio sistema. É nesse diapasão que orientam, em termos gerais, os arts. 197 e 198, da Constituição Federal, que rezam os seguintes termos:

Nos parágrafos do art. 198, da CF/88, houve a imposição de algumas obrigações aos entes sobre o financiamento do sistema único de saúde. Veja-se que é a partir dos referidos artigos constitucionais que o delineamento das regras relativas ao direito à saúde começam a ser traçadas. É a programação constitucional ou o início da organização do sistema prestacional do direito à saúde. Tem-se, pelos referidos artigos, que as ações e os serviços de saúde são de relevância pública, cabendo ao Poder Público regulamentar, fiscalizar e controlar as ações e serviços da saúde.

Nessa linha de raciocínio e em razão da competência da União para editar normas gerais sobre proteção e defesa da saúde, surgiu a Lei Federal nº 8.080/90, que reza os seguintes termos no seu art. 2º:

Com a referida lei começam a ser delineadas as políticas públicas tendentes a garantir o direito fundamental à saúde e a partir do seu art. 15, foram definidas as competências do SUS nas três esferas de poder, ou seja, Federal, Estadual e Municipal. No art. 6º, VI, a referida lei prevê a inclusão no campo de atuação do SUS a formulação da política de medicamentos. Pela Portaria nº 3.916, de 30 de outubro de 1998, que aprovou a Política Nacional de Medicamentos, o Gestor Municipal ficou com as seguintes responsabilidades:

Contudo e embora traçada a competência de cada ente no que se refere à saúde e ao fornecimento de medicamentos, seja através da Lei nº 8.080/90, da Política Nacional de Medicamentos e das Portarias do Ministério da Saúde, percebe-se que o Município poderá adquirir outros medicamentos, ainda que não integrantes da "farmácia básica", desde que definidos em "Plano Municipal de Saúde". Foi nessa linha de raciocínio que esta Corte de Contas se manifestou, consoante se depreende do prejulgado abaixo:

É possível que o município, mediante lei municipal, adote parecer embasado através de um controle cadastral sobre questões pessoais dos requerentes, de cunho sócio-econômico, objetivando constatar quem realmente necessita dos serviços colocados à disposição da população, para determinar quais os munícipes beneficiários dos serviços de transporte de pacientes para tratamento fora do domicílio, podendo ressaltar que tal parecer somente será usado quando não se puder atender a toda demanda, com suporte do art. 194, inciso III, da Constituição Federal.

Ainda que o município integre o Sistema Único de Saúde (art. 198 da CF/88), os procedimentos poderão ser também usados em relação à concessão de medicamentos e exames não cobertos pelo SUS, uma vez que isso não invalida outras ações governamentais visando minorar as naturais deficiências do serviço prestado, posto que compete ao município, prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população, consoante disposição contida no art. 30, inciso VII, da Constituição Federal.

O município poderá adotar parecer sócio-econômico, e implementar a concessão de medicamentos e exames não cobertos pelo SUS, dispondo, mediante lei municipal, acerca das ações e serviços de saúde, e sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, conforme art.197, da Constituição Federal. (Grifou-se)

(Processo: CON-TC6235601/94 Parecer: COG-352/99 Origem: Prefeitura Municipal de Criciúma Relator: Conselheiro Antero Nercolini Data da Sessão: 11/08/1999)

Nessa linha, o fornecimento de medicamentos aos mais necessitados (ainda que seja somente a estes) não incluídos na lista elaborada pelo Ministério da Saúde, assim como o tratamento médico hospitalar de competência de outro ente, não deixam de ser uma política municipal voltada a dar uma maior efetividade ao direito fundamental à saúde, que está umbilicalmente ligada ao direito à vida e ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Não resta dúvida, portanto, que o Município não só pode como deve atuar na área da saúde, seja no controle preventivo das enfermidades, seja no combate direto das doenças. Tais iniciativas vem ao encontro dos termos trazidos pela Constituição Federal e são medidas a dar plena efetividade ao direito fundamental à saúde, corolário básico do direito à vida e ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Entretanto e ainda que seja possível aos Municípios fornecerem medicamentos e prestarem atendimento médico-hospitalar de competência de outros entes, deve o Município, primeiro, garantir os medicamentos e os atendimentos médicos que lhe compete. Somente quando os campos de atuação de sua competência estiverem plenamente funcionando é que poderá o Município tornar mais pleno o acesso à saúde, ressalvadas as hipóteses que o Município é compelido judicialmente.

Assim, respondendo objetivamente à primeira questão e tendo em vista o posicionamento desta Corte de Contas, consubstanciado no prejulgado nº 0737, no sentido de ser possível ao Município adotar ações governamentais visando minorar as deficiências no campo da saúde, é possível ao Município fornecer medicamentos e prestar tratamento médico-hospitalar que não seja da sua competência, desde que plenamente atendidas as áreas de sua competência.

Ressalta-se, contudo, que se o Município se propõe, através de lei municipal, a prestar atendimento suplementar, ficará obrigado, pois, consoante entendimento do STF (RE 242.859-3/RS) o Estado que, mediante lei, institui uma política pública de concretização de um preceito constitucional, assegurando o fornecimento de determinados medicamentos, ficará obrigado a alcançá-los, desde que cumpridos os requisitos previstos na lei.

Portanto, uma vez editado um programa de atendimento mais abrangente na área da saúde, com delimitação do campo de atuação, medicamentos a serem adquiridos, etc. ficará o município obrigado ao fornecimento.

Como se disse anteriormente, se o Município tiver condições financeiras para prestar um atendimento na área da saúde de forma mais ampla do que o atendimento básico, não há vedação para que o faça, tendo em vista as normas constantes nos arts. 6º, 23, II, 30, I e VII, 196 e seguintes, todos da Constituição Federal, que atribui competência aos três entes para atuarem no campo da saúde. Se assim o fizer, deve o Município delinear o seu campo de atuação, o que implica em normatização. Ora, como o Município vai destinar recursos sem que haja uma lei que autoriza a realização de despesa para determinados programas? Como se vê, deve o Município regular, normatizar o seu campo de atuação e após isso saberá que pessoas irá atender, que doenças irá erradicar e que medicamentos irá adquirir.

Se, todavia, o município não possui legislação, nem programas de atendimento à saúde de média e alta complexidade, cuja responsabilidade primeira é do Estado e da União, respectivamente, e é forçado a prestar ou adquirir determinado medicamento não constante da "farmácia básica" em atendimento à ordem judicial, não há possibilidade para esta Corte de Contas dizer o quê o Município deve ou não fazer, justamente porque ordem judicial deve ser cumprida. Evidente que se for demandado judicialmente para ser compelido a adquirir determinado medicamento não integrante da chamada farmácia básica, deverá adotar todas as medidas judiciais cabíveis, inclusive denunciando a lide ao Estado e à União para que estes também venham a integrar o pólo passivo da relação jurídica e responder pelos custos da condenação imposta ao Município.

Se o Judiciário determina a aquisição de determinado medicamento e este não pode ser adquirido através do regular processo licitatório, que é princípio básico da Administração Pública para aquisição de bens e serviços, utiliza-se as formas previstas na própria lei de licitação de dispensa e inexigibilidade. Se transitada em julgada a decisão que determina a aquisição de medicamentos e tais medicamentos forem de uso contínuo, caberá ao Município verificar se há ou não possibilidade de proceder a compra através de licitação, nas suas diversas modalidades ou adquirir diretamente.

Esta Corte de Contas, ademais, admite a dispensa de licitação, desde que presentes os requisitos do art. 24, XIII, da Lei nº 8.666/93, quando o Município adquire medicamentos de laboratório de Consórcio Intermunicipal de Saúde, consoante se depreende do prejulgado abaixo:

É possível a aquisição de medicamentos pelos Municípios, com dispensa do processo licitatório, de laboratório de Consórcio Intermunicipal de Saúde, desde que presentes os requisitos do art. 24, XIII, da Lei Federal n° 8.666/93.

Deverá, contudo, tal dispensa ser ratificada pela autoridade superior e publicada no órgão de imprensa oficial no prazo de cinco dias, a teor do caput do art. 26 da Lei de Licitações, observando-se, ainda, no que couber, o disposto no parágrafo único do mesmo dispositivo.

(Processo: CON-00/06009549 Parecer: 638/00 Decisão: 4078/2000 Origem: Consórcio Intermunicipal de Saúde da AMESC Relator: Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall Data da Sessão: 18/12/2000 Data do Diário Oficial: 30/03/2001)

Em que pese o entendimento acima, restrito a determinadas situações, há de se referir que somente o Município poderá decidir sobre dispensa ou inexigibilidade de licitação quando da aquisição de medicamentos, de acordo com cada caso concreto. Além de não ser possível a esta Corte de Contas se pronunciar sobre determinadas situações concretas, é impossível prever todas as situações que possam advir e, a partir delas, determinar um procedimento a ser seguido por todos os Município.

Levados os autos a apreciação do Ministério Público junto ao Tribunal, foi elaborado o Parecer MPTC 4013/2006, pelo que se entendeu por acompanhar a manifestação da Consultoria Geral.

É o Relatório

VOTO

Ao compulsar os autos, este Relator compartilha do entendimento apresentado pela Consultoria Geral desta Casa (Parecer COG n.392/2006), ratificado pela Procuradoria Geral junto ao Tribunal de Contas (Parecer MPTC n. 4013/2006).

Assim, considerando que o consulente é parte legítima para subscrever consultas a este Tribunal - vide art. 103, I, do Regimento Interno do Tribunal de Contas;

considerando que a matéria enfocada na peça indagativa, amolda-se ao preceituado no art. 59, XII da Constituição Estadual, podendo ser examinada, em tese, diante do que prescrevem as normas orgânicas e regimentais deste Tribunal, proponho ao egrégio Plenário o seguinte VOTO:

6.1 Conhecer da presente consulta, pela legitimidade da parte e por ter sido respondida em tese, nos moldes do Regimento Interno desta Casa;

6.2 No mérito, responder a consulta nos seguintes termos:

6.2.1 Desde que plenamente atendido o rol de responsabilidade do Município no tocante à saúde, pode este implantar políticas públicas e programas para o fornecimento de medicamentos, tratamento médico-hospitalar e exames, mediante lei municipal que disciplinará as ações e serviços de saúde, assim como sua regulamentação, fiscalização e controle.

6.2.2 Compete ao Município verificar as hipóteses de dispensa e inexigibilidade de licitação para a aquisição de medicamentos não integrantes da "farmácia básica".

6.3 Dar ciência ao consulente do inteiro teor desta Decisão e do Parecer e Voto que a fundamentam.

GCJCP, em 05 de outubro de 2006.

JOSÉ CARLOS PACHECO

Conselheiro Relator