![]() |
|
Processo n°: | CON - 06/00304370 |
Origem: | Prefeitura Municipal de Mondaí |
Interessado: | Valdemar Arnaldo Bornholdt |
Assunto: | Consulta |
Parecer n° | COG-0423/06 |
CONSULTA. ACUMULAÇÃO DE CARGOS. PREFEITO MUNICIPAL. MÉDICO. CIRURGIA DE EMERGÊNCIA. CARÁTER EVENTUAL. REMUNERAÇÃO PELO SUS. CASO CONCRETO. NÃO-CONHECER.
É vedado o acúmulo de cargo, emprego ou função pública de mandato eletivo com o cargo, emprego ou função pública de Médico, não cabendo ao Prefeito Municipal executar funções diversas daquelas para as quais foi eleito.
A consulta que tem por base a análise da "colisão de princípios" não pode ser respondida por esta Corte de Contas pois sua resposta depende do caso concreto, constituindo-se, por conseqüência, em prejulgamento de fato.
Senhora Consultora,
Trata-se de consulta formulada pelo Sr. Valdemar Arnaldo Bornholdt - Prefeito Municipal de Mondaí, acerca da possibilidade de acumulação de cargos.
Expõe fatos no sentido de que o Prefeito exerce o cargo com dedicação exclusiva, sendo o representante do Município; que é único que exerce determinadas cirurgias; em certas ocasiões o paciente não pode ser transportado para outro centro cirúrgico, pois não resistiria o deslocamento, uma vez que a cidade mais próxima para realizar os procedimentos é de 60 km de distância.
Para tanto, questiona o Consulente sobre a possibilidade de o Prefeito Municipal (médico) realizar cirurgias de emergência, independentemente do horário, sendo que as mesmas não são rotineiras e que recebe apenas os Autos de Internação Hospitalar (AIH) que são pagos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) - União.
II. DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE
A consulta trata de matéria sujeita a exame e fiscalização desta Corte de Contas, nos termos do inciso XII, do artigo 59, da Constituição Estadual.
Considerando que a Consulta vem firmada pelo Prefeito Municipal de Mondaí, Sr. Valdemar Arnaldo Bornholdt, tem-se como preenchido o requisito de legitimidade, consoante o disposto nos artigos 103, II e 104, III, da Resolução n. TC-06/2001, desta Corte de Contas.
Observa-se ainda que a consulta não veio instruída com parecer da assessoria jurídica do órgão ou entidade consulente, conforme preceitua o art. 104, V, da Resolução n. TC-06/2001 (Regimento Interno do TCE/SC), contudo, o Tribunal Pleno poderá conhecer de consulta que não atenda a esta formalidade, conforme autoriza o art. 105, parágrafo 2º da citada resolução.
III. DO MÉRITO
Trata-se de consulta que suscita dúvidas acerca de eventual acumulação de cargos e remuneração.
O Prefeito Municipal assume a posição de Chefe do Executivo, desempenhando funções políticas, executivas e administrativas. Amplas são as suas atribuições e grandes, portanto, suas responsabilidades, tanto do ponto de vista legal, como pelo fato de que é o principal depositário da confiança popular para a solução dos problemas do Município. As funções políticas estão ligadas ao apoio da maioria na Câmara Municipal a fim de conseguir aprovar as leis de que necessita para bem administrar o Município. Nas funções executivas e administrativas, estão as funções de planejar, comandar, controlar e manter contatos externos1.
A Constituição Federal aborda em dois momentos as hipóteses as situações de acúmulo de cargos pelo Prefeito Municipal, quais sejam:
Art. 29: O Município reger-se-á por lei orgânica [...], atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do Respectivo Estado e os seguintes preceitos:
[...]
XIV- perda do mandato do Prefeito, nos termos do art. 28, parágrafo único2.
Por sua vez, o art. 38, II, da Constituição Federal prevê:
[...].
Portanto, as duas hipóteses em que se dará o afastamento do mandato do Prefeito será quando assumir outro cargo ou função na administração pública direta ou indireta, exceto na hipótese de concurso público e, sendo servidor público, não se afastar do cargo, emprego ou função, sendo-lhe assegurada opção pela remuneração (do cargo ou do mandato).
Já a Lei Orgânica do Município de Mondaí prevê:
Assim, sob pena de perda do mandato, também é proibido ao Sr. Prefeito Municipal contratar ou manter contrato com entidades públicas municipais.
O art. 37, XVI, "c", da Constituição Federal prevê a possibilidade da acumulação remunerada de cargos públicos, quando houver compatibilidade de horário, podendo ser dois cargos ou empregos privativos de profissionais de saúde, com profissões regumentadas.
Assim, não pode haver acúmulo de cargo público de Médico com o Mandato de Prefeito Municipal, já que o último não se trata de cargo privativo de profissional de saúde, o qual é preenchido pelo critério confiança. Contudo, nesse caso, poderá o servidor público licenciar-se do cargo efetivo e optar pela remuneração.
Nesse contexto, sendo a atividade do Sr. Prefeito, contínua e com dedicação exclusiva, não cabe ao mesmo executar funções diversas daquelas para as quais foi eleito, ademais, não existe a compatibilidade horária que viesse a permitir o exercício do mandato com outro cargo, emprego ou função pública. Essa é a regra.
Nesse sentido, manifesta-se Ayrton Pinassi3:
A regra geral é a proibição de acumulação de cargos públicos. As exceções são as descritas na lei, mas, como não poderia deixar de ser, estão condicionadas à compatibilidade de horários, visto que ninguém pode exercer duas atividades ao mesmo tempo. É evidente que tal compatibilidade extrapola o cargo público, não havendo possibilidade de duas atividades, ao mesmo tempo, mesmo que uma seja privada.
Contudo, pode ocorrer que em determinada situação, o princípio da não-acumulação de cargos, empregos ou funções públicas venha a colidir com outros princípios, também constitucionais e que possam afastar a incidência daquele princípio, como é o caso apresentado pelo Consulente, em que apresenta "em caso de emergência". Nesse caso temos o fenômeno chamado "Colisão de Princípios" e sua solução depende do caso concreto.
A "Colisão de Princípios" ocorre entre os princípios constitucionais envolvidos, os quais, na lição de Alexy4, não podem ser analisados em abstrato, mas concretamente. Referida teoria é amplamente aceita e reconhecida pela Doutrina e Jurisprudência Brasileira.
Segundo o mesmo autor, o conflito de princípios, diferentemente das regras, ocorre no plano do peso e não da validade. Os princípios, a nível abstrato são válidos e hierarquicamente iguais. A colisão de princípios somente ocorre nos casos concretos, quando um princípio limita a possibilidade jurídica de outro. Ocorrendo colisão, utiliza-se a ponderação.
A ponderação é composta por três máximas parciais: a adequação, a necessidade (postulado do meio mais benigno) e a proporcionalidade em sentido estrito (que é o postulado da ponderação em sentido estrito). As máximas da adequação e da necessidade consideram as possibilidades fáticas do caso concreto e a máxima da proporcionalidade em sentido estrito considera as possibilidade jurídicas. É importante destacar que as três máximas de ponderação são sempre aplicadas na ponderação, pois elas são como regras. A ponderação atribui a cada princípio um peso.
É possível se atribuir peso aos princípios, pois estes são exigências de otimização, diferentemente das regras que têm caráter definitivo. Assim, um princípio pode ter diferentes graus de concretização, que depende das circunstâncias específicas do caso específico a ser resolvido (possibilidades fáticas) e dos demais princípios (possibilidades jurídicas).
O grau de realização de um princípio num determinado caso depende do peso que lhe é atribuído frente aos demais pesos dos outros princípios. O princípio com maior peso é o que prepondera no caso específico, instituindo uma relação de preferência e eliminando a colisão.
Assim, a solução de colisão implica no estabelecimento de uma relação de precedência condicionada entre os princípios. O resultado da ponderação é a lei de colisão. A lei de colisão é uma regra que expressa a conseqüência jurídica do princípio precedente. Portanto, toda ponderação jusfundamentalmente correta resulta na formulação de uma lei de colisão, que é uma norma de direito fundamental adscrita com caráter de regra em que o caso concreto pode ser subsumido. Portanto, uma vez estabelecida uma lei de colisão, esta assume o caráter de uma regra, ou seja, é definitiva perante determinado caso concreto5.
Na consulta proposta há vários direitos e interesses envolvidos e, a título exemplificativo citamos: direito à vida do paciente; princípio da não-acumulação de cargo, função ou emprego público pelo Prefeito Municipal; direito à saúde, princípio da dignidade da pessoa humana; princípio da supremacia do interesse público, dentre outros. Assim, com relação a qual princípio prevalecente, apenas a análise do caso concreto responderia ao questionamento.
Assim, a questão apresentada pelo consulente somente pode ser resolvida com análise do caso concreto já que se trata de "Colisão de Princípios", portanto, sua resposta constitui prejulgamento de fato.
Com efeito, esta Consultoria limita-se a análise da lei em abstrato para manifestar-se apenas quanto a não-acumulação de cargos, empregos ou funções públicas pelo Sr. Prefeito e impossibilidade de acumular remuneração.
Considerando o acima exposto, sugere-se ao Exmo. Sr. Relator que propugne voto ao Egrégio Tribunal Pleno nos seguintes termos:
6.2. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, ao Sr. Valdemar Arnaldo Bornholdt.
6.3. Determinar o arquivamento dos autos."
Consultora Geral 2
art. 28, parágrafo único, CF: Perderá o mandato o Governador que assumir outro cargo ou função na administração pública direta ou indireta, ressalvada a possa em virtude de concurso público e observado o disposto no art. 38, I, IV e V. 3
PINASSI, Ayrton. Direito municipalista constitucional. 1 ed. Campinas: Conan, 1995, p. 152. 4
ALEXY. Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993. 5
ALEXY. Robert. Teoría de los derechos fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993.
art. 38: Ao servidor público da administração direta, autárquica e fundacional, no exercício de mandato eletivo, aplicam-se as seguintes disposições:
[...]
II - investido no mandato de Prefeito, será afastado do cargo, emprego ou função, sendo-lhe facultado optar pela sua remuneração;
art. 53: O Prefeito e Vice-Prefeito, não poderão, desde a posse, sob pena de perda do mandato:
I - firmar ou manter contrato com o Município ou suas autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações ou empresas públicas, fundações ou empresas concessionárias de serviços públicos municipais, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes.
[...]
IV.CONCLUSÃO
"6.1. Não conhecer da presente Consulta por deixar de preencher o requisito de admissibilidade previsto no art. 104, II, do Regimento Interno deste Tribunal.
COG, em 27 de setembro de 2006.
É o Parecer.
Contudo, à consideração superior.
ELIANE GUETTKY
De Acordo. Em ____/____/____
DE ACORDO.
À consideração do Exmo. sr. conselheiro wilson rogério wan-dall, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
COG, em de de 2006.
ELÓIA ROSA DA SILVA
1
Manual do prefeito. Coordenação Técnica Marcos Flávio R. Gonçalves. 12 ed. Rio de Janeiro: IBAM, 2005. p. 67-70.