ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: CON - 06/00321622
Origem: Fundação Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC
Interessado: Anselmo Fábio de Moraes
Assunto: Consulta
Parecer n° COG-0558/06

Senhora Consultora,

RELATÓRIO

Trata-se de Consulta formulada pela Sr. Anselmo Fábio de Moraes, Reitor da Fundação Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC, sobre possibilidade de continuidade de pagamento de vale-refeição ao servidor que passa para a inatividade.

Com efeito, aduz que a dúvida sobre a aplicação de lei se dá em razão da previsão constitucional em seu art. 7º, inciso VI, que dispõe serem direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: VI: irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo.

Já na Lei 6.745/85 (Estatuto dos Servidores Públicos Civis do Estado), no art. 115, § 1º, inciso V: art. 115: a proteção social aos funcionários far-se-á mediante prestação de assistência e previdência obrigatórias". § 1º: entre as formas de assistência, incluem-se: V: o susbsídio à alimentação e ao transporte de funcionário, preferencialmente aos de menor renda.

Aduz que tal benefício representa para determinadas categorias de servidores da Universidade, notadamente os de nível fundamental, quase 50% de suas remunerações mensais e como é pago em espécie junto ao salário mensal, já se incorporou na prática à remuneração dos funcionários.

Assim, questiona:

É admissível a continuidade da concessão do Vale Refeição ao servidor que passa para inatividade?

É o Relatório.

II. DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE

A consulta trata de matéria sujeita a exame e fiscalização desta Corte de Contas, nos termos do inciso XII, do artigo 59, da Constituição Estadual.

Considerando que a Consulta vem firmada pelo Reitor da Fundação Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC, Sr. Anselmo Fábio de Moraes, tem-se como preenchido o requisito de legitimidade, consoante o disposto nos artigos 103, I e 104, III, da Resolução n. TC-06/2001, desta Corte de Contas.

Observa-se ainda que a consulta não veio instruída com parecer da assessoria jurídica do órgão ou entidade consulente, conforme preceitua o art. 104, V, da Resolução n. TC-06/2001 (Regimento Interno do TCE/SC), contudo, o Tribunal Pleno poderá conhecer de consulta que não atenda a esta formalidade, conforme autoriza o parágrafo 2º, do artigo 105 do referido Regimento.

III. DO MÉRITO

O questionamento proposto pelo Consulente limita-se a saber se o vale-refeição, também chamado auxílio-alimentação, vale-alimentação ou ainda abono alimentação, pode ser estendido também aos inativos.

A questão em análise já foi abordada inúmeras vezes perante os Tribunais Superiores judiciários. A possibilidade de extensão do benefício aos inativos, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal, estaria vinculada diretamente pela natureza atribuída ao benefício: se a natureza é indenizatória, não se estenderia aos inativos; se remuneratória: estende-se aos inativos.

Entendendo pelo caráter indenizatório, assim decidiu o STF, no Agravo de Instrumento n. 586.615-5, do Paraná1:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. VALE-REFEIÇÃO E AUXÍLIO-ALIMENTAÇÃO. BENEFÍCIO CONCEDIDO AOS SERVIDORES EM ATIVIDADE. NATUREZA INDENIZATÓRIA. EXTENSÃO AOS INATIVOS E PENSIONISTAS. IMPOSSIBILIDADE.

O direito ao vale-refeição e ao auxílio-alimentação não se estende aos inativos e pensionistas, vez que se trata de verba indenizatória destinada a cobrir os custos de refeição devida exclusivamente ao servidor que se encontrar no exercício de suas funções, não se incorporando à remuneração nem aos proventos de aposentadoria. Precedentes. (2ª Turma. Relator: Min.. Eros Grau. DOU: 08/08/2006).

Apesar da existência isolada de um acórdão no STF (Recurso Extraordinário n. 227.331-1, do Rio Grande do Sul), entendendo pelo caráter remuneratório do benefício, a posição atual da 1ª e 2ª Turma é no sentido de atribuir caráter indenizatório2.

Destaca-se que a matéria encontra-se sumulada no Supremo Tribunal Federal sob n. 680 do STF, de 24/09/2003: "O direito ao auxílio-alimentação não se estende aos servidores inativos".

Já perante o Tribunal Superior do Trabalho, existe a Súmula n. 241, que dispõe: "O vale para refeição, fornecido por força do contrato de trabalho, tem caráter salarial, integrando a remuneração do empregado, para todos os efeitos legais".

Assim, verifica-se que para a relação contratual trabalhista o entendimento jurisprudencial é no sentido de que o vale-refeição tem caráter salarial, integrando, para todos os efeitos, o salário (remuneração) do empregado.

A questão da natureza jurídica do benefício auxílio-alimentação, conforme demonstrado vai influenciar o valor total dos proventos recebidos pelo inativo quando da sua aposentação bem como no que diz respeito ao disposto no art. 18 da Lei de Responsabilidade Fiscal, situação em que, os valores pagos aos empregados públicos da Administração Direta, Autarquias, Fundações e Empresas Dependentes, integariam o montante do gasto com pessoal, em razão do caráter remuneratório; quanto ao estatutário, considerando a posição unânime da jurisprudência no sentido de entender pelo seu caráter indenizatório, já não é computado no limite de gastos com pessoal.

A UDESC foi instituída pela Lei n. 8.092/1990; o regime adotado é o Estatutário, aprovado pelo Decreto n. 4.184, de 06/04/2006 e Plano de Carreira dos servidores nos termos da Lei Complementar n. 345/2006. Com efeito, o critério relativo à natureza jurídica do benefício é o indenizatório.

Com relação ao caráter indenizatório, cabe destacar que a análise feita pelo Supremo Tribunal Federal foi com base em alegação a ofensa ao artigo 40, § 4º, da Constituição Federal, sob argumento de que a vantagem também deveria ser estendida ao inativo.

O art. 40, § 4º, da redação original dada pela Constituição Federal de 1988, dispunha:

O preceito, portanto, revelava a equiparação do que é percebido em atividade e dos proventos de aposentadoria, quando os valores deviam ser os mesmos.

Com a Emenda Constitucional n. 20/98, referido parágrafo 4º foi alterado, acrescentando-se o parágrafo 8º ao art. 40:

§ 8º: Observado o disposto no art. 37, XI, os proventos de aposentadoria e as pensões serão revistos na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade, sendo também estendidos aos aposentados e aos pensionistas quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade, inclusive quando decorrentes da transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão, na forma da lei.

Ocorre que sob a égide do § 4º do art. 40, da Constituição Federal era assegurada a revisão dos proventos da aposentadoria na mesma proporção dos percentuais concedidos aos servidores em atividade, além da extensão de quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos.

Com isso, visou o legislador constituinte evitar aumentos disfarçados aos servidores em atividade, que não fossem repassados aos inativos, sob a nomenclatura de benefícios ou vantagens, com vistas a coibir a redução do valor dos proventos.

Contudo, conforme descrito acima, a posição do STF é justamente no sentido da impossibilidade de extensão do benefício quanto aos referidos parágrafos por ser verba indenizatória e devida apenas aos servidores na atividade. É importante deixar bem claro que a análise feita pelo STF, dentro do contexto exposto, está limitada a extensão do benefício com base na paridade. Em nenhuma das ações foi analisada eventual inconstitucionalidade de lei deferindo o benefício à servidores inativos.

Atualmente, os parágrafos 4º e 5º acima citados encontram-se alterados, pelas emendas Constitucionais ns. 47/2005 e 41/2003, respectivamente, adotando-se outros critérios aos servidores públicos, que não a equiparação. Portanto, se perante a existência de norma de paridade já não era reconhecido o direito à vantagem, por óbvio, com as Reformas Previdenciárias não há razão para interpretação diversa.

Em conseqüência, não se pode dizer que a matéria pertinente a concessão ou não de auxílio-alimentação aos inativos esteja pacificada perante o STF. Pacífica é a atribuição do caráter indenizatório ao benefício aos servidores estatutários e que esse benefício, quanto ao art. 40 da Constituição Federal e suas alterações acima descritas, não garante esse direito ao inativos.

Portanto, o acórdão não exclui que com base em outro argumento esse direito possa ser atribuído aos inativos. Para tanto, apresenta o Consulente o argumento da "irrebutibilidade do salário".

Contudo, no caso da UDESC, não há que se falar em irredutibilidade do salário ou remuneração, com amparo no art. 7º, VI, da Constituição Federal, pois como dito anteriormente, o regime jurídico dos servidores da UDESC é o estatutário e a Constituição Federal não estende a essa categoria tal direito. De outro lado, o auxílio-alimentação, conforme acima descrito, não tem caráter remuneratório, mas, sim, como uma gratificação de natureza indenizatória, apenas perceptível por quem se encontra no desempenho da atividade laborativa. A vantagem possui como característica a transitoriedade, não gerando direito subjetivo, quando para a incorporação aos proventos dependeria de expressa previsão legal. Assim, ainda que a parcela tenha caráter alimentar, impõe-se considerá-la como benesse concedida pela Administração para otimizar o desempenho da atividade laboral. Contudo, na prática ocorre que o benefício não apenas otimiza a atividade exercida mas também é parcela computada na despesa familiar.

Outro argumento existente seria a previsão legal específica para tanto, já que o Estado possui competência para legislar a respeito da matéria. Assim, o Estatuto dos Funcionários Públicos Civis do Estado, no art. 115, § 1º, V, determina que:

"A proteção social aos funcionários far-se-á mediante prestação de assistência e previdência obrigatórias. § 1º: Entre as formas de assistência, incluem-se: [...] V: o subsídio à alimentação e ao transporte de funcionário, preferencialmente aos de menor renda".

Com efeito, essa assistência vem regulada pela Lei Estadual n. 11.647/2000, que instituiu o auxílio-alimentação aos servidores públicos civis e militares ativos da administração pública estadual direta, autárquica e fundacional, estabelecendo em seu art. 1º que o benefício não se incorpora ao vencimento, remuneração, provento ou pensão. Ademais, considerando que a lei dispõe que seu caráter é indenizatório, sobre o benefício não incidem contribuições (§ 2º, "b") e não é pago ao servidor afastado do cargo, em específico na passagem para a inatividade, reserva ou reforma (§8º, "f").

Assim, há restrição expressa na Lei Estadual quanto a possibilidade de incorporação do auxílio alimentação aos servidores inativos, portanto, só extensível aos servidores em atividade.

Em conseqüência, no caso da Lei Estadual n. 11.647/2000, entender que o auxílio alimentação é devido aos inativos seria estender o alcance da norma, descaracterizando completamente a natureza indenizatória do benefício. O auxílio alimentação só poderia ser estendido aos inativos se houvesse expressa disposição legal prevendo a hipótese. Ademais, na Administração Pública, só é lícito conceder uma vantagem àqueles abrangidos pela lei que a cria. Assim, o direito subjetivo existiria caso houvesse expressa disposição em lei autorizando a incorporação aos proventos.

Importante destacar que, inexistindo lei autorizativa para o pagamento do benefício aos inativos, essa vantagem somente poderia ser considerada para fins de cálculo dos proventos se houvesse a incidência do desconto previdenciário sobre o auxílio-alimentação, quando pago em pecúnia. Caso contrário, não pode ser incluído nos proventos. Nesse caso, evidente que a verba não teria o caráter indenizatória e sim, remuneratória, por conseqüência, passaria a integrar o cálculo para limites dos gastos de pessoal.

Portanto, respondendo objetivamente a questão, nos termos do art. 1º, § 8º, "f", da Lei 11.647/2000, os servidores públicos civis e militares ativos da administração pública estadual direta, autárquica e fundacional, que passam para a inatividade, não tem direito ao pagamento de vale-refeição.

IV. CONCLUSÃO

Considerando o acima exposto, sugere-se ao Exmo. Sr. Relator, que submeta voto ao Egrégio Tribunal Pleno, sobre consulta formulada pelo Reitor da Fundação Universidade do Estado de Santa Catarina, nos seguintes termos:

"6.1. Nos termos do art. 1º, § 8º, "f", da Lei Estadual n. 11.647/2000, os servidores públicos civis e militares ativos da administração pública estadual direta, autárquica e fundacional, que passam para a inatividade, não tem direito ao pagamento de vale-refeição.

6.2. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, ao Sr. Anselmo Fábio de Moraes, Reitor da Fundação Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC.

6.3. Determinar o arquivamento dos autos."

  ELÓIA ROSA DA SILVA

Consultora Geral


1 Também nesse sentido Recurso Extraordinário n. 231.278-4 do Rio Grande do Sul. Relator Ministro Moreira Alves, Data: 28/09/1999.

2 Nesse sentido ainda o Parecer COG n. 083/02, da autoria do analista de Controle Externo desta Corte de Contas, no Processo DAF/PD 56/2002.