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Processo n°: | REC - 02/08555323 |
Origem: | Prefeitura Municipal de Araranguá |
Interessado: | Antônio Eduardo Ghizzo |
Assunto: | Recurso (Recurso de Reconsideração - art. 77 da LC 202/2000) do processo no. PDI-00/00026158 |
Parecer n° | COG-556/06 |
Recurso de Reconsideração. Impropriedade na espécie de recurso utilizada. Princípio da fungibilidade. Possibilidade de conhecimento da peça recursal como Recurso de Reexame
Ante a ocorrência de equívoco na interposição do recurso apropriado, pode-se aplicar o princípio da fungibilidade, permitindo o conhecimento do recurso interposto como se fosse o adequado à decisão recorrida, desde que satisfeitos certos requisitos, quais sejam: inocorrência de erro grosseiro, ausência de má-fé e tempestividade.
Assim, pode-se afirmar que "[...] por força da influência do 'princípio da instrumentalidade das formas', tem-se admitido, no campo da inadequação recursal, a aplicação do vetusto princípio da fungibilidade dos recursos, cuja incidência permite o aproveitamento do recurso interposto como se fosse o meio de impugnação cabível e não utilizado. Fundando-se em ordenação pretérita, a jurisprudência consagrou essa possibilidade, desde que 'ausente o erro grosseiro' e a 'má-fé do recorrente'. [...]. Um dos critérios utilizados tem sido a escorreita verificação da tempestividade; por isso, um recurso com prazo de interposição menor é admissível se interposto no lugar daquele cabível, cujo prazo de oferecimento é mais alongado. A recíproca, contudo, não é verdadeira.". (STJ - Embargos de Divergência no Resp nº 2001/0014963-4 -DJ:16/12/2002 - p.:235, Rel. Min. Paulo Medina).
Reclamatória Trabalhista contra a Prefeitura do Município de Araranguá. Ausência de concurso público para ingresso na Administração Pública Municipal. Violação à norma legal expressa no artigo 37, II, e §2º da Constituição Federal. Alegada contratação temporária por excepcional interesse público não comprovada. Cabimento da aplicação de multa por este Tribunal. Decisão mantida. Recurso desprovido
A regra é a admissão de servidor público mediante concurso público, consoante expressa o art. 37, II e §2º da CF. As duas exceções à regra são para os cargos em comissão referidos no inciso II do art. 37 e a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público previsto no art. 37, IX da CF. Hipótese esta em que deverão ser atendidos os seguintes requisitos: previsão em lei dos casos; tempo determinado; necessidade temporária de interesse público excepcional.
No caso em análise, verifica-se que a lei que fundamentou o pedido do Recorrente não tratou de regular especificamente a necessidade de contratação temporária, visto que não supriu as exigências constitucionais mencionadas retro, muito menos comprovou a necessidade de contratação de operário no quadro de pessoal da prefeitura e a contingência fática que denotaria a situação de urgência. Assim sendo, verifica-se que a multa-sanção aplicada pelo Pleno, com base no art. 70, II, da Lei Orgânica, merece ser mantida incólume.
Senhora Consultora,
Tratam os autos nº REC-0208555323 de Recurso de Reconsideração, interposto pelo Sr. Antônio Eduardo Ghizzo - ex-Prefeito de Araranguá, em face do Acórdão nº 0479/2002, prolatado no Processo nº PDI-00/00026158, que apurou, em suma, a contratação e manutenção de pessoal sem prévio concurso público, em afronta ao disposto no artigo 37, inciso II, c/c o §2º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Referido Processo nº PDI-00/00026158 é relativo ao expediente encaminhado a essa Corte de Contas pelo Juiz do Trabalho da Comarca de Araranguá (fl. 02), em virtude da decisão prolatada nos autos do processo TRT/SC/RO-E-V-9920/98, originária da Reclamatória Trabalhista promovida por Pedro de Souza contra o Município de Araranguá, acerca da contratação do reclamante, sem prévio concurso público.
Analisando preliminarmente o processo, a Consultoria Geral exarou o parecer COG-754/99, sugerindo o encaminhamento dos autos à Diretoria de Controle dos Municípios - DMU, para as devidas providências (fls. 16/19).
A posteriori, a DMU elaborou o Relatório nº 1453/2000 (fls. 21/23), oportunidade em que se posicionou no sentido de efetuar diligência ao Município, para se manifestar sobre o aduzido no expediente, com a remessa de documentos necessários à análise do feito.
Em resposta ao ofício nº TC/DMU 5005/2000 encaminhado por esse Tribunal de Contas, o Município de Araranguá, por meio de seu Procurador Geral, apresentou resposta (ofício nº 013/00), anexando os documentos solicitados (fls. 25/49).
Transcorridas as devidas análises e verificações, a DMU elaborou o Relatório nº 100/2001 (fls. 50/54), sugerindo a Audiência do Sr. Antônio Eduardo Ghizzo; do Sr. Neri Francisco Garcia e do Sr. Primo Menegalli para apresentarem suas justificativas a respeito das irregularidades delineadas à fl. 53.
Determinada a Audiência sugerida (fls. 56/57) mediante os ofícios nº 3.112/2001, nº 3.113/2001 e nº 3.114/2001 (fls. 58/60), constata-se que o Sr. Neri Francisco Garcia, deixou transcorrer in albis, o prazo para se manifestar. Já, o Sr. Primo Menegalli apresentou suas justificativas à fl. 61, bem como o Sr. Antônio Eduardo Ghizzo, apresentou suas alegações de defesa, argumentando, em suma, que a contratação foi procedida com fulcro na Lei Municipal nº 1.151, de 15 de março de 1989 (fls. 62/66).
Posteriormente, os autos seguiram para reanálise pelo Corpo Técnico - DMU resultando no Relatório de nº 488/2002 (fls. 67/69) o qual verificou que o autor da ação trabalhista exerceu suas atividades no Município de 1990 a 1994, descaracterizando por completo a eventual excepcionalidade, havendo, portanto, o descumprimento do artigo 37, II, c/c o §2º, da Constituição Federal, sugerindo ad litteram:
1 - APLICAR MULTA ao Sr. Antônio Eduardo Guizzo, Ex-Prefeito Municipal da época, em face da contratação do servidor sem o devido Concurso Público, em afronta ao prescrito no artigo 37, inciso II, §2º da Constituição Federal, na forma do disposto no artigo 70, inciso II, §3º da Lei Complementar nº 202/2000 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas de Santa Catarina), e artigos 208 e 239, inciso III, do seu Regimento Interno (art. 109, II, da Resolução 06/2001), fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias a contar da publicação do acõrdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar a este Tribunal o recolhimento da multa ao Tesouro do Estado, sem o que fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 39, 43, II, e 44 e seu parágrafo único da mencionada Lei Complementar nº 202/2000.
2 - Seja dado CONHECIMENTO da competente decisão plenária ao responsável Sr. Antônio Eduardo Guizzo, Ex-Prefeito Municipal.
Observados os trâmites processuais previstos no Regimento Interno desta Corte, os autos foram submetidos à apreciação do Ministério Publico e do Relator do feito, os quais acolheram os termos expressos no Relatório Técnico, utilizando-o como fundamento de seus Pareceres, respectivamente, Parecer MPTC nº 847/2002 (fl. 71) e Parecer (fls. 72/74).
Em sessão ordinária realizada em 24/06/2002, o Tribunal Pleno acordou (Acórdão nº 0479/2002) nos seguintes termos (fls. 75/76):
6.1. Considerar irregular, com fundamento no art. 36, §2º, alínea "a", da Lei Complementar n. 202/2000, a contratação do Sr. Pedro de Souza, em 1990, pela Prefeitura Municipal de Araranguá.
6.2. Aplicar ao Sr. Antônio Eduardo Ghizzo - ex-Prefeito Municipal de Araranguá, com fundamento nos arts. 70, inc. II, da Lei Complementar n. 202/00 e 109, inc. II, c/c o 307, inc. V, do Regimento Interno instituído pela Resolução n. TC-06/2001, a multa no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais), com base nos limites previstos no art. 239, inc. III, do Regimento Interno (Resolução n. TC-11/1991) vigente à época da ocorrência da irregularidade, em face da contratação de servidor, em 1990, sem realização de prévio concurso público, em descumprimento ao disposto no art. 37, inc. II, da Constituição Federal, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado da multa cominada, ou interpor recurso na forma da lei, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.
6.3. Dar ciência deste Acórdão, bem como do Relatório e Voto que o fundamentam, ao Sr. Antônio Eduardo Ghizzo - ex-Prefeito Municipal de Araranguá, e à Justiça do Trabalho - 12 Região - Junta de Conciliação e Julgamento de Araranguá.
Após a decisão, o Tribunal de Contas expediu os ofícios nº 7.598/2002 e nº 7.599/2002 (fl. 77/78), o primeiro, notificando o Sr. Antônio Eduardo Ghizzo, para que adotasse providências ao fiel cumprimento da decisão prolatada e o segundo, comunicando ao Juiz do Trabalho, Dr. Alexandre Luiz Ramos, a decisão do Pleno e a cópia do Relatório do Órgão Instrutivo, do Parecer e do Voto do Relator.
Devidamente cientificado e inconformado com o acórdão proferido, o Sr. Antônio Eduardo Ghizzo, interpôs o presente Recurso de Reconsideração.
É o sucinto Relatório.
De início, mister delinear que o Recorrente, Sr. Antônio Eduardo Ghizzo - Ex-Prefeito de Araranguá, na condição de agente público sancionado por esta Corte de Contas no acórdão nº 0479/2002 possui plena legitimidade para pugnar a reforma do referido pronunciamento.
O exame dos autos do Processo nº REC-0208555323 evidencia que a peça recursal apresentada pelo Recorrente, interposta em 07/08/2002, assumiu a forma de Recurso de Reconsideração.
Com efeito, o art. 77 da Lei Complementar nº 202/2000 estabelece que:
Art. 77. Cabe Recurso de Reconsideração contra decisão em processo de prestação e tomada de contas, com efeito suspensivo, interposto uma só vez por escrito, pelo responsável, interessado ou pelo Ministério Público junto ao Tribunal, dentro do prazo de trinta dias contados da publicação da decisão no Diário Oficial do Estado.(grifo nosso).
Em que pese a modalidade recursal utilizada tenha sido o Recurso de Reconsideração, o recurso cabível no presente caso é o Recurso de Reexame, previsto no art. 79 e 80 da Lei Complementar nº 202/2000. Este, tem por finalidade, atacar decisão proferida em processo de fiscalização de ato e contrato e de atos sujeitos a registro, especificamente o objeto do processo nº PDI 00/00026158, ora recorrido, enquanto aquele, tem por finalidade, insurgir-se contra decisão proferida em processos de Prestação e Tomadas de Contas, o que não é o caso.
Destarte, tendo-se em conta que o processo sub examinem não cuida de prestação ou tomada de contas, a via recursal que se mostra indubitavelmente mais adequada é a do Recurso de Reexame, estabelecido no art. 80 do diploma normativo antes mencionado e no art. 139 do Regimento Interno, ipsis litteris:
Art. 80. O Recurso de Reexame, com efeito suspensivo, poderá ser interposto uma só vez por escrito, pelo responsável, interessado, ou pelo Ministério Público junto ao Tribunal, dentro do prazo de trinta dias contados a partir da publicação da decisão no Diário Oficial do Estado.
Art. 139. O Recurso de Reexame, com efeito suspensivo, será interposto uma só vez, por escrito, pelo responsável ou interessado definidos no art. 133, §1º, a e b, e §2º , deste Regimento, ou pelo Procurador-Geral do Ministério Público junto ao Tribunal, dentro do prazo de trinta dias contados da publicação da decisão ou do acórdão no Diário Oficial do Estado.
Impende acentuar que, a despeito da utilização de forma recursal imprópria, há a possibilidade de o recurso interposto ser conhecido como Recurso de Reexame, mediante o emprego do "princípio processual da fungibilidade", ou seja, a possibilidade de um recurso que não preenche os requisitos de admissibilidade (inadmissível), ser recebido como se outro (admissível) fosse.
No magistério de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery o princípio da fungibilidade é aquele "pelo qual se permite a troca de um recurso por outro: o tribunal pode conhecer do recurso erroneamente interposto"1.
Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, por sua vez, ao tratar da adequação do recurso, enquanto pressuposto de recorribilidade, leciona que:
Esse presssuposto diz respeito à necessidade da parte ingressar com o recurso certo para impugnar a decisão, pois a lei prescreve a utilidade, finalidade e condições para cada recurso, não podendo a parte, por ignorância ou má-fé utilizar-se de outro tipo de recurso.
[...]
Nos compêndios de processo civil, o pressuposto em epígrafe ocupa razoável tempo, ao contrário do que ocorre com a sistemática do processo administrativo, notadamente de TCE.
É que o Código Civil de 1939 permitiu o conhecimento de um recurso por outro, salvo a hipótese de erro grosseiro ou má-fé, sistemática que não foi abraçada pelo Código de 1973.
Como dito, porém, em sede de TCE, o pressuposto em tela tem sua força bastante diminuída, em virtude do princípio do abrandamento do rigor formal ou do informalismo moderado.
Também fundamenta essa posição de temperar o pressuposto da adequação do recurso o 'princípio da fungibilidade', que se coloca em posição diametralmente oposta, recomendando, tal como fazia o Código de Processo Civil de 1939, que na ausência de má-fé, seja conhecido o recurso inadequado 2.
Salienta-se, por oportuno, que a dúvida, na utilização do recurso de Reconsideração ou Reexame, deve-se principalmente as peculiaridades existentes entre estes, quais sejam: ambos atacam o mérito da decisão; têm efeito suspensivo; os legitimados são os mesmos e têm o mesmo prazo para interposição, sendo que, como se viu anteriormente, o que os diferencia, é apenas a matéria tratada nos autos de origem, ou seja, enquanto o Recurso de Reconsideração cabe contra decisão proferida em processo de prestação e tomada de contas, o Recurso de Reexame caberá contra decisão proferida em processo de fiscalização de ato e contrato e de atos sujeitos a registros.
Assim, entende-se que, pelo princípio da fungibilidade recursal, o presente recurso pode ser recebido como Recurso de Reexame.
Ademais, do exame dos autos não se infere que o Recorrente tenha utilizado a via recursal indevida por má-fé. Logo, inexiste óbice para que o recurso em exame seja conhecido, devendo, no entanto, sê-lo como Recurso de Reexame, nos termos do art. 80 da Lei Complementar nº 202/2000.
Acrescente-se, ainda, que o Recorrente interpôs o recurso no prazo legal de 30 (trinta) dias previsto no artigo 80 da Lei Complementar nº 202/2000, tendo em vista que o Acórdão recorrido foi publicado no Diário Oficial do Estado de nº 16962 em 12/08/2002 e o recurso foi protocolado em 07/08/2002, sendo, portanto, plenamente tempestivo.
Destarte, os fatos e fundamentos até aqui expostos autorizam o conhecimento do recurso interposto como Recurso de Reexame.
III. DO MÉRITO
Analisando-se o Recurso interposto e suas razões recursais, percebe-se que o Recorrente, tão-somente, repisou os argumentos expostos quando da apresentação das justificativas no processo originário, como bem se observa às fls. 02/03:
[...]é de se ressaltar que, apesar de ser uma lei municipal que trata da organização interna da Prefeitura Municipal de Araranguá, ao contrário do afirmado, a mesma dispõe ESPECIFICAMENTE sobre a necessidade de contratação temporária por excepcional interesse público, ao prescrever em seu artigo 91:
'Art.91- Fica o Poder Executivo autorizado a contratar pessoal, por tempo determinado, para atender necessidades de excepcional interesse público, em regime especial, nas áreas da saúde e bem estar social, educação e administração, conforme prevê o artigo 37, IX, da Constituição Federal, até a realização do competente concurso público'. (grifado)
[...]
A inteligência da expressa disposição constitucional, não permite a extensiva interpretação defendida no referido Relatório de Reinstrução, onde se afirma que o inciso IX, do artigo 37, da Constituição Federal, '...prescreve...' que deva 'o município, expedir lei autorizativa regulamentando cada caso, num determinado lapso de tempo'.
Havia, pois, uma lei municipal que autorizava, pontual e especificamente, o Município a contratar, temporariamente, pessoal na área da saúde, por excepcional necessidade de interesse público.
[...].
Em suma, aduz o Recorrente que apesar da Lei Municipal nº 1.151/89 tratar da organização interna da Prefeitura Municipal de Araranguá, a mesma dispõe em seu artigo 91 sobre a necessidade de contratação temporária por excepcional interesse público.
Alega também que, a lei autorizava o Município a contratar temporariamente pessoal na área da saúde, por excepcional necessidade de interesse público.
Todavia, analisando-se cuidadosamente os autos, verifica-se que suas alegações não merecem prosperar.
No presente caso, constata-se que a Prefeitura Municipal de Araranguá contratou o Sr. Pedro de Souza em 16.10.90, sem prévio concurso público, para exercer o cargo de operário, sendo mantido no quadro dos servidores da Prefeitura até o mês de março de 1998, em flagrante desrespeito ao artigo 37, II, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, consoante se verá a seguir.
A partir do advento da hodierna Magna Carta, a obrigatoriedade da realização de concurso para o ingresso no serviço público constituiu-se em exigência inevitável para a Administração Pública.
O único procedimento aceito pela Constituição para provimento de cargo público efetivo é a prévia aprovação em concurso público. É este, ainda, o instrumento de garantia dos princípios da igualdade e da moralidade da Administração Pública.
Nesse ínterim, inequívoco que a contratação de funcionários sem concurso público por pessoa jurídica de direito público, in casu Município, é conduta expressamente vedada pela Constituição, afeta ao controle desta Corte de Contas.
A respeito, dispõe o artigo 37, II, da Constituição Federal de 1988:
E preconiza o parágrafo 2º, do mesmo diploma constitucional delineado retro:
Ademais, levando-se em conta que o reclamado é ente público, é o próprio interesse público que se coloca em primeiro plano, tanto assim que o constituinte estabeleceu a aplicação de regras insertas nos incisos II, XVI e XVII do artigo 37 da Constituição da República.
E o interesse público que aqui se denota não diz respeito, tão-somente, às despesas oriundas do contrato de trabalho firmado, mas também com a preocupação de garantir a observância dos princípios de moralidade, legalidade e impessoalidade, coibindo que os próprios entes públicos perpetuem e promovam a utilização de mão-de-obra sem observar a devida aprovação em concurso público.
Ressalte-se, por oportuno, o entendimento majoritário dos tribunais competentes acerca da matéria em discussão, disposto no Enunciado n° 363 do TST, in verbis:
"Contrato nulo. Efeitos.
In casu, verifica-se que o concurso público não chegou a ser realizado pela Prefeitura Municipal de Araranguá, a qual recorreu a alegação de contratação por prazo determinado, consoante legislação municipal (Lei nº 1.151/89), tendo a Instrução apurado que a contratação questionada sequer se enquadrava no citado diploma legal, consoante se extrai ad litteram:
[...]
Conforme constata-se a lei remetida trata sobre a organização interna da Prefeitura Municipal de Araranguá, não disciplinando sobre a necessidade temporária de excepcional interesse público, conforme alega o interessado.
Ressalta-se ainda, que o cargo em questão, o de operário, não encontra amparo na norma jurídica anexada aos autos.
Para caracterizar a necessidade temporária de excepcional interesse público, conforme prescreve o artigo 37, inciso IX, da Constituição Federal, deve o município, expedir lei autorizativa regulamentando cada caso, num determinando lapso de tempo.
A excepcionalidade se caracteriza num determinado espaço tempo, não pode e nem deve se prolongar, caso contrário o município não estaria tomando as medidas cabíveis para sanar a restrição.
Percebe-se que o autor da ação trabalhista trabalhou para o município de 1990 a 1994, descaracterizando por completo a eventual excepcionalidade
Fica, portanto, constatado o descumprimento do artigo 37, inciso II, c/c o parágrafo 2º, da Constituição Federal.3
Destarte, salienta-se que a contratação pelo Município de pessoal por tempo determinado para atender a necessidade de excepcional interesse público deve se firmar na temporariedade. Para tanto, faz-se mister a existência de Lei Municipal que regulamente o art. 37, inciso IX, da Constituição Federal, a fim de que estabeleça as hipóteses e condições em que serão realizadas as contratações por prazo determinado, fixando-se o prazo máximo de contratação, salários, direitos e deveres, proibição de prorrogação de contrato e de nova contratação da mesma pessoa, ainda que para outra função. Nesse sentido, já se manifestou essa Corte de Contas no prejulgado 746, referente ao processo nº TC6601501/90, em que foi Relator o Conselheiro Antero Nercolini.
Na hipótese em análise, verifica-se que a Lei 1.151/89 não tratou de regular especificamente a necessidade de contratação temporária disposta no art. 37, II, da Constituição Federal. A redação do artigo 91 é muito genérica e não supre as exigências supramencionadas, muito menos especifica a necessidade de contratação de operário no quadro de pessoal da prefeitura e a contingência fática que denotaria a situação de urgência.
Aliado a esses fatos, é saliente que a contratação do Sr. Pedro de Souza, no cargo de operário, pelo período de 8 (oito) anos descaracteriza totalmente a necessidade temporária de excepcional interesse público.
Anote-se que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é pacífica em relação à exigência do concurso público após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Neste sentido, traz-se à colação a seguinte decisão:
CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO: CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA. C.F., art. 37, IX. Lei 9.198/90 e Lei 10.827/94, do Estado do Paraná. I. - A regra é a admissão de servidor público mediante concurso público: C.F., art. 37, II. As duas exceções à regra são para os cargos em comissão referidos no inciso II do art. 37 e a contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público: C.F., art. 37, IX. Nessa hipótese, deverão ser atendidas as seguintes condições: a) previsão em lei dos casos; b) tempo determinado; c) necessidade temporária de interesse público excepcional. II. - Precedentes do Supremo Tribunal Federal: ADI 1.500/ES, 2.229/ES e 1.219/PB, Ministro Carlos Velloso; ADI 2.125-MC/DF e 890/DF, Ministro Maurício Corrêa; ADI 2.380-MC/DF, Ministro Moreira Alves; ADI 2.987/SC, Ministro Sepúlveda Pertence. III. - A lei referida no inciso IX do art. 37, C.F., deverá estabelecer os casos de contratação temporária. No caso, as leis impugnadas instituem hipóteses abrangentes e genéricas de contratação temporária, não especificando a contingência fática que evidenciaria a situação de emergência, atribuindo ao chefe do Poder interessado na contratação estabelecer os casos de contratação: inconstitucionalidade. IV. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (ADI 3210/PR, Rel.: Min. Carlos Velloso, DJ 03-12-2004)
No mesmo norte, são os julgados proferidos pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina, consoante se extrai verbis:
AÇÃO POPULAR - CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA - FALTA DE REQUISITOS - VAGAS PARA PROVIMENTO EFETIVO - IMPOSSIBILIDADE "A regra é a admissão de servidor público mediante concurso público. C.F., art. 37, II. As duas exceções à regra são para os cargos em comissão referidos no inc. II do art. 37, e a contratação de pessoal por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público. C.F., art. 37, IX. Nesta hipótese, deverão ser atendidas as seguintes condições: a) previsão em lei dos casos; b) tempo determinado; c) necessidade temporária de interesse público; d) interesse público excepcional" (STF, ADI n. 1500/ES, Min. Carlos Velloso). Na ausência desses requisitos, mostram-se irregulares as contratações temporárias. (Apelação Cível 2004.012017-6, Rel.: Des. Luiz Cézar Medeiros, j. em 24/08/2004). (grifo nosso).
Registre-se, ainda, que a admissão de pessoal por tempo indeterminado, deverá ser para exercer funções que não sejam permanentes, pois o trabalho há que ser executado com o caráter de eventualidade ou temporariedade, além do que a contratação somente se justifica para atender a um interesse público qualificado como excepcional, ou seja, uma situação extremamente importante, que não possa ser atendida de outra forma. Entretanto, referido caráter de eventualidade não restou comprovada pelo Recorrente.
Sobre o tema, Adilson Abreu Dallari entende que " deverão ser estabelecidos prazos máximos de contratação, conforme as circunstâncias, estabelecendo-se, de plano, a proibição de prorrogação do contrato e a nova contratação da mesma pessoa, ainda que para outra função. Está absolutamente claro que não mais se pode admitir pessoal por tempo indeterminado, para exercer funções permanentes, pois o trabalho a ser executado precisa ser, também, eventual ou temporário, além do que a contratação somente se justifica para atender a um interesse público qualificado como excepcional, ou seja, uma situação extremamente importante, que não possa ser atendida de outra forma ". (Regime Constitucional dos Servidores Públicos, 2ª ed., RT, 1992, págs. 124,125 e 126).
Verifica-se, portanto, que o Município laborou em erro ao proceder a contratação de servidor sem o devido concurso público.
Cabe entretanto, ao Município, à luz do art.37, inciso IX, da Constituição Federal, para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, regulamentar os casos de contratação por tempo determinado, que deve se pautar na temporariedade que está intrinsecamente ligada à questão da necessidade.
A contratação de pessoal por tempo determinado, pela Prefeitura Municipal de Araranguá, nos termos do inciso IX, do art.37 da Constituição Federal, para exercer funções que não sejam permanentes, com o caráter de eventualidade ou temporariedade, e para atender a um interesse público qualificado como excepcional, de situação que não possa ser atendida de outra forma, depende da edição de Lei municipal.
A Lei municipal autorizativa deverá estabelecer as condições do contrato, prazos máximos de contratação, proibição ou possibilidade de prorrogação de contrato e a nova contratação da mesma pessoa, além da responsabilidade a que está sujeita a autoridade administrativa por contratações consideradas irregulares, o que no caso em enfoque não ocorreu.
Assim sendo, não assiste razão ao Recorrente, tendo em vista que a Prefeitura de Araranguá efetivamente contratou o Sr. Pedro de Souza sem o devido concurso público, ferindo, por isso, o art. 37, inciso II, da Constituição Federal. Além disso, da contratação efetivada não se denota o excepcional interesse público que a justificasse ofendendo, via de conseqüência, o art. 37, inciso IX, da Lei Fundamental.
III.1. Quanto a aplicação de multa
Desse modo, como já delineado alhures, a contratação do Sr. Pedro de Souza em 16/10/90, sem concurso público, configura violação do art. 37, II, da CF, ilegalidade passível de aplicação de multa pelo Tribunal de Contas.
Nesse espeque, a competência do Tribunal de Contas do Estado está prevista no artigo 59 da Constituição Estadual, com a prerrogativa de poder, em atenção às suas atribuições, detalhar as formas pelas quais exigirá com legalidade e eficácia o cumprimento do dever do administrador de adimplir com as suas obrigações públicas.
Dentre as diversas formas de exteriorização das atribuições do Tribunal de Contas, ressalta-se a possibilidade de sancionar os administradores e gestores quando praticam condutas ilegais, comissivas ou omissivas, previstas pelo ordenamento jurídico. Nesta linha, a doutrina divide em duas as formas de manifestação do poder de coerção deste Tribunal: 1) direta, como por exemplo a determinação da instauração de Tomadas de Contas Especial; 2) indireta, como a aplicação de multa à autoridade inadimplente para com o dever de bem administrar a coisa pública.
No que tange, especialmente, à multa, tem-se que o Regimento Interno desta Corte especifica em: multa-coerção e multa-sanção, quando expressa no artigo 70 da LC n° 202/00, as seguintes situações:
Note-se que a multa coerção, disposta nos incisos III, IV, V, VI e VII, tem natureza preventiva, visto ter o intuito de evitar que uma regra legal e competente seja desrespeitada.
Já a multa-sanção, exposta nos incisos restantes, tem caráter repressivo, na medida em que imputa à autoridade, já infratora do dever de bem utilizar a coisa pública, penalidade pela sua má conduta. Como esclarece Edgar Camargo Rodrigues4:
Dessa maneira, analisando os fatos apresentados, tem-se que a multa-sanção aplicada ao Sr. Antônio Eduardo Ghizzo, ex-Prefeito de Araranguá a época, consoante artigo 70, II, da Lei Orgânica, merece ser mantida incólume, nos termos do disposto no item 6.1 do Acórdão nº 0479/2002.
Ante o exposto, sugere-se ao Exmo. Conselheiro Relator que em seu voto propugne ao Egrégio Plenário, o que segue:
Consultora Geral 2
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tomada de contas especial: processo e procedimento nos tribunais de contas e na administração pública. 2.ed. Brasília: Editora Brasília Jurídica, 1998, p. 397. 3
Fl. 68 do Processo nº PDI-00/00026158. 4
O Tribunal de Contas e o Poder Sancionador. Revista dos Tribunais de Contas de São Paulo, n° 65 - jan/ jun/91, p. 82 e 83
"Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[...]
II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;"
"[...]
§ 2º - A não-observância do disposto nos incisos II e III implicará na nulidade do ato e a punição da autoridade responsável, nos termos da lei."
A contratação de servidor público, após a Constituição de 1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no seu art. 37, II, e § 2º, somente conferindo-lhe direito ao pagamento dos dias efetivamente trabalhados segundo a contraprestação pactuada. "
(Res. 97/2000 DJ 18-09-2000 Republicado DJ 13-10-2000. Republicado DJ 10-11-2000.)
Art. 70. O Tribunal poderá aplicar multa de até cinco mil reais aos responsáveis por:
I - ato de gestão ilegal, ilegítimo ou antieconômico do qual resulte dano ao erário;
II - ato praticado com grave infração a norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial;
III - não atendimento, no prazo fixado, à diligência ou recomendação do Tribunal;
IV - obstrução ao livre exercício das inspeções e auditorias determinadas;
V - sonegação de processo, documento ou informação em inspeção ou auditorias;
VI - reincidência no descumprimento de decisão do Tribunal; e
VII - inobservância de prazos legais ou regulamentares para remessa ao Tribunal de balancetes, balanços, informações, demonstrativos contábeis ou de qualquer outros documentos solicitados, por meio informatizado ou documental.
Do indiscutível avanço que a Constituição Federal proporcionou ao sistema de fiscalização permanente da administração, atribuição do Poder Legislativo instrumentalizada pela ação do Tribunal de Contas, um dos principais aspectos é a previsão de que lei venha a estabelecer multa proporcional ao dano causado ao erário em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas (artigo 71, inciso VIII CF; artigo 33, inciso IX, CE). Rezam os preceitos competir ao Tribunal de Contas "aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário".
A sanção, qualquer que seja a forma de que se revista, é o instrumento de que se deve valer o Tribunal de Contas para assegurar o cumprimento das normas de administração financeira, no exercício da fiscalização patrimonial, orçamentária, operacional e financeira (artigo 70, CF e artigo 32 da CE). Basta a constatação de fato que configure infração, para que seja imposta a penalidade mediante decisão do órgão competente do Tribunal. Portanto, a sanção tem lugar como meio repressivo posto em marcha porque se infligiu um mal ao erário. Não se trata aqui exclusivamente de multa coercitiva pela qual se pretenda forçar o cumprimento do ordenado mas, também, de multa-sanção que tem caráter retributivo ou reparador do dano causado.
IV. CONCLUSÃO
1. Conhecer do Recurso de Reexame, nos termos do artigo 80 da Lei Complementar 202/2000, interposto contra o Acórdão 0479/2002, proferido na Sessão Ordinária de 24/06/2002, no processo nº PDI 00/00026158, para, no mérito, negar-lhe provimento, mantendo-se inalterado o citado decisum;
2. Dar ciência do inteiro teor da Decisão proferida por este Tribunal ao Sr. Antônio Eduardo Ghizzo, ex-Prefeito de Araranguá, e ao Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
COG, em 21 de setembro de 2006
TAÍZA IRENE DE HARO
De Acordo. Em ____/____/____
DE ACORDO.
À consideração do Exmo. Sr. Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
COG, em de de 2006.
ELÓIA ROSA DA SILVA
1
NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado. 5.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 953.