ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: CON - 06/00374742
Origem: Prefeitura Municipal de Orleans
Interessado: Valmir José Bratti
Assunto: Consulta
Parecer n° COG-462/06

Senhora Consultora,

1 - INTRODUÇÃO

A consulta em exame apresenta questionamentos sobre a possibilidade de acumulação de proventos de aposentadoria do Instituto Nacional de Seguridade Social - INSS com vencimentos de cargo de provimento efetivo.

2 - CONSULTA

3 - PRELIMINARES DE ADMISSIBILIDADE

4 - ANÁLISE DA CONSULTA

O cerne da questão está pautado na possibilidade de pessoa aposentada pelo Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS) acumular proventos do regime geral (C.R., art. 201) com vencimentos de cargo de provimento efetivo (C.R., art. 37, II).

Vejamos o que dispõe o prejulgado nº 1385, verbis:

Para que se alcance a resposta às questões insertas na consulta ora examinada, forçoso primeiramente definir o que seja cargo público. Para tanto faz-se valia do escólio de renomados administrativistas.

O texto constitucional em seu art. 37, inciso XVI, traz o balizamento para a análise da situação em tela, ao prescrever que:

A redação do preceptivo transcrito permite inferir que os requisitos para a acumulação remunerada de cargos, especificamente no caso em tela, seriam: compatibilidade de horários, caráter técnico ou científico de um dos cargos e o efetivo exercício da docência no outro.

É sabido que o texto constitucional não fornece o conceito de cargo técnico ou científico, razão pela qual tal definição necessariamente há de ser buscada junto à doutrina e à jurisprudência.

No magistério de Hely Lopes Meirelles,

Cargo técnico é o que exige conhecimentos profissionais especializados para o seu desempenho, dada a natureza científica ou artística das funções que encerra. Nesta acepção é que o art. 37, XVI, b, da CF o emprega, sinonimizando-o com cargo científico, para efeito de homologação. (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileira. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 362.)

RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. CONSTITUCIONAL. ACUMULAÇÃO DE CARGOS PÚBLICOS. PROFESSOR E TÉCNICO JUDICIÁRIO. IMPOSSIBILIDADE.

1. A Constituição Federal vedou expressamente a acumulação de cargos públicos, admitindo-a apenas quando houver compatibilidade de horários, nas hipóteses de dois cargos de professor; de um cargo de professor e outro técnico ou científico; e de dois cargos privativos de profissionais da saúde.

2. E, para fins de acumulação, resta assentado no constructo doutrinário-jurisprudencial que cargo técnico é o que requer conhecimento específico na área de atuação do profissional. [...] (STJ, RMS 14456/AM - Relator: Min. Hamilton Carvalhido - Órgão Julgador: Sexta Turma - Publicação no DJU: 02/02/2004).

Ao relatar o Recurso Ordinário em Mandado de Segurança nº 11.342/DF, o Ministro Fontes de Alencar, do Superior Tribunal de Justiça, consignou o seguinte em seu voto:

Vê-se, portanto, que o cargo técnico não deve ser necessariamente o de nível superior, podendo ser o de nível médio, desde que se exija uma habilitação profissional específica e não apenas a conclusão segundo grau. Nesse sentido:

Não se pode olvidar, ainda, que a nomenclatura do cargo não se erige em critério decisivo para aferir se um cargo é ou não técnico, devendo-se atentar para a função desempenhada pelo servidor.

A atuação do servidor na atividade administrativa deve se efetivar em conformidade com as atribuições inerentes ao seu cargo. Exercendo atividade ou função diversa daquelas que sejam afetas ao seu cargo, comete desvio de função.

A acumulação de cargos permitida pela Constituição da República é de dois cargos de professor, ou de um cargo de professor e outro técnico ou científico.

Essa regra de exceção também se mantém quando a acumulação se dá entre proventos e vencimentos, pois se assim não o fosse, e a Administração se furtaria a oportunizar a outros cidadãos habilitados o acesso ao cargo pela via de concurso público.

Essas lições se fazem necessárias para que se compreenda o raciocínio que iremos formular a seguir.

O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina tem decido no sentido de que é devida a complementação da aposentadoria ao servidor vinculado ao regime geral de previdência social se houver previsão na lei local.

Acórdão: Apelação Cível em Mandado de Segurança 2004.026301-3
Relator: Des. Newton Trisotto.
Data da Decisão: 15/02/2005

EMENTA: ADMINISTRATIVO - SERVIDOR MUNICIPAL APOSENTADO PELO REGIME DA PREVIDÊNCIA SOCIAL -- COMPLEMENTAÇÃO DA APOSENTADORIA - DIREITO ASSEGURADO EM LEI Havendo expressa previsão em lei, deve o município complementar os proventos de servidor aposentado pelo regime da previdência social.

Acórdão: Embargos infringentes 2003.026193-1
Relator: Des. Cesar Abreu.
Data da Decisão: 15/12/2004

EMENTA: SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. APOSENTADORIA PELO INSS. LEI MUNICIPAL PREVENDO COMPLEMENTAÇÃO DE PROVENTOS. LEGALIDADE. RESPONSABILIDADE E LEGITIMIDADE DO ENTE PÚBLICO PELO CUMPRIMENTO DA NORMA. BENEFÍCIO DEVIDO. EMBARGOS INFRINGENTES DESPROVIDOS.

Acórdão: Apelação cível 2000.014547-5
Relator: Des. Cesar Abreu.
Data da Decisão: 30/11/2004

EMENTA: SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. APOSENTADORIA PELO INSS. LEI MUNICIPAL PREVENDO COMPLEMENTAÇÃO DE PROVENTOS. LEGALIDADE. RESPONSABILIDADE E LEGITIMIDADE DO ENTE PÚBLICO PELO CUMPRIMENTO DA NORMA. APELO PROVIDO.

Acórdão: Apelação Cível 2004.006452-7
Relator: Des. Jaime Ramos.
Data da Decisão: 19/10/2004

EMENTA: ADMINISTRATIVO - SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL - COMPLEMENTAÇÃO DOS PROVENTOS DE APOSENTADORIA - PRETENDIDA INCLUSÃO DO ADICIONAL PELO EXERCÍCIO DE CARGO EM COMISSÃO OU FUNÇÃO GRATIFICADA - AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL - IMPOSSIBILIDADE. Se a lei municipal, que autorizou o complemento dos proventos de aposentadoria do servidor aposentado pelo Regime Geral da Previdência Social (INSS), limitou o benefício ao valor da diferença em relação ao vencimento acrescido do adicional por tempo de serviço, não pode o inativo pretender também o pagamento da importância correspondente ao adicional pelo exercício de cargo em comissão ou função gratificada, que não foi previsto pela norma local.

Acórdão: Apelação Cível em Mandado de Segurança 2003.022698-2
Relator: Des. Jaime Ramos.
Data da Decisão: 10/08/2004

EMENTA: ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA - PROFESSORA DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO - APOSENTADORIA PELO INSS - COMPLEMENTAÇÃO PELO MUNICÍPIO - DIREITO PREVISTO EM LEI MUNICIPAL - RECURSO PROVIDO. "Havendo expressa previsão em lei, deve o município complementar os proventos de servidor aposentado pelo regime da previdência social" (Ap. Cível n. 1999.007357-2, de Chapecó. Rel. Des. Newton Trisotto).

Vejamos o inteiro teor de uma das decisões sobre a matéria, verbis:

        Tipo:
    Apelação Cível
        Número:
    2002.018540-5
        Des. Relator:
    Des. Jaime Ramos.
        Data da Decisão:
    29/09/2003

Contudo, o Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina não enfrentou explicitamente a situação do servidor estatutário ocupante de cargo efetivo que esteja vinculado ao regime geral de previdência social, mas que a legislação local não preveja explicitamente a complementação. Essa é a realidade do município consulente.

No caso do Município de Orleans, a Lei Orgânica assim dispõe sobre seus servidores públicos, verbis:

Cabe-nos colacionar alguns dispositivos do Estatuto dos Servidores Públicos Municipais, Lei Complementar nº 1.929, de 20 de dezembro de 2005, verbis:

A Consultoria Geral deste Tribunal de Contas já se manifestou anteriormente sobre complementação de proventos quando da análise do processo CON-03/07784509 através do parecer COG nº 627/2003, da lavra do Dr. Enio Luis Alpini, que deu origem ao prejulgado nº 1525. Transcrevo parcialmente o referido parecer, verbis:

Indaga o Consulente a respeito da possibilidade ou não do Município complementar proventos de aposentadoria, providos pelo INSS, a servidor que ocupava cargo efetivo.

Esta Corte de Contas, em caso semelhante submetido à apreciação plenária, assim decidiu:

A complementação de aposentadoria e pensão com base na totalidade da remuneração, salvo nos casos em que a própria Constituição Federal prevê proventos proporcionais, deverá ser efetivado através do sistema vigente adotado pelo Município.

Enquanto não se implantar o novo sistema previsto pela Emenda Constitucional 20/98 (art. 10), nos termos do art. 40, e §§ 2º, 3º, 7º e 8º da Constituição Federal, o Município arcará com tais despesas, sem que incorra em ilegalidade de despesa.

(Processo: CON-TC6555001/97 Parecer: 87/2000 Decisão: 2102/2000 Origem: Câmara Municipal de Guaramirim Relator: Conselheiro Antero Nercolini Data da Sessão: 24/07/2000)

No parecer nº COG-473/99, que instruiu o processo acima, o servidor desta Casa, Sávio Gabriel Luciano, traz a seguinte fundamentação:

A matéria objeto da presente consulta é no mínimo controversa, frente as alterações ocorridas com a edição da Emenda Constitucional N° 20, de 15 de dezembro de 1997.

A Constituição não veda o Município a prestar cobertura previdenciária a seus servidores ocupantes de cargos efetivos, tanto que o artigo 149, parágrafo único, da Constituição Federal, mantido com a redação original, prevê:

"ART. 149...

Parágrafo único. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, de sistemas de previdência e assistência social".

JOSÉ AFONSO DA SILVA coloca que "a Constituição autoriza os Estados, o Distrito Federal e os Municípios a instituir contribuição, cobrada de seus servidores, para custeio, em benefício destes, de sistema de previdência e assistência social. São contribuições previdenciárias de competência dessas entidades" (Curso de Direito Constitucional Positivo, 16ª ed., 1999, p. 686).

O artigo 39, caput, da Constituição Federal, com a redação anterior a EC-20/98, previa que os Municípios instituirão, no âmbito de sua competência, regime jurídico único, o que fez o município de Guaramirim, ao instituir o regime celetista, filiando seus servidores ao Regime Geral de Previdência Social, contribuintes do INSS.

Com o advento da Emenda Constitucional n° 20, de 15 de dezembro de 1998, foram estabelecidas novas regras acerca de previdência social a serem aplicadas pelos entes federados, dentre as quais elencamos a que se adequam ao caso em apreço.

"Art. 40 - Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo.

§ 2º - Os proventos de aposentadoria e as pensões, por ocasião de sua concessão, não poderão exceder a remuneração do respectivo servidor, no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão.

§ 3º - Os proventos de aposentadoria, por ocasião da sua concessão, serão calculados com base na remuneração do servidor no cargo efetivo em que se der a aposentadoria e, na forma da lei, corresponderão à totalidade da remuneração.

§ 14 - A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, desde que instituam regime de previdência complementar para os seus respectivos servidores titulares de cargo efetivo, poderão fixar, para o valor das aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime de que trata este artigo, o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201.

§ 15 - Observado o disposto no art. 202, lei complementar disporá sobre as normas gerais para a instituição de regime de previdência complementar pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, para atender aos seus respectivos servidores titulares de cargo efetivo.

§ 16 - Somente mediante sua prévia e expressa opção, o disposto nos §§ 14 e 15 poderá ser aplicado ao servidor que tiver ingressado no serviço público até a data da publicação do ato de instituição do correspondente regime de previdência complementar. (Redação dada ao artigo pela Emenda Constitucional nº 20/98, DOU 16.12.1998)".

O artigo 10 da Emenda Constitucional N° 20/98 por sua vez, estabelece :

"O regime de previdência complementar de que trata o artigo 40, §§ 14, 15 e 16, da Constituição Federal, somente poderá ser instituído após a publicação da lei complementar prevista no § 15 do mesmo artigo".

HELY LOPES MEIRELLES coloca que "os Municípios poderão instituir regime de previdência complementar para os servidores submetidos ao regime peculiar", desde que seja observado "o disposto art. 202 da CF, bem como a lei complementar que estabelecer normas gerais sobre a matéria (art. 40, § 15). Todavia, o sistema de previdência complementar que vier a ser instituído somente poderá ser aplicado ao servidor que tiver ingressado no serviço público até a data da publicação da lei que o instituir, mediante sua prévia e expressa opção (art.40, § 16)"( Direito Administrativo Brasileiro, São Paulo: Malheiros Editores, 24ª ed., 1999, p.406).

JOSÉ AFONSO DA SILVA discorrendo acerca do tema, leciona que a instituição do regime de previdência complementar "é apenas uma faculdade que a Constituição reconhece a essas entidades (art.40, §§ 14 a 16, segundo o enunciado da EC-20/98), e que a EC-20/98 ressalvou direitos adquiridos e até direitos em processo de aquisição", como o de "aposentar-se voluntariamente, com proventos calculados nos termos do art. 40, § 3°, da Constituição, a quem tenha ingressado regularmente (por concurso público) em cargo efetivo da Administração Pública, direta, autárquica e fundacional, até a data de publicação da EC-20/98", desde que preenchidos os demais requisitos exigidos pela Constituição, tais como o de ter o servidor cinqüenta e três anos de idade, se homem, e quarenta e oito anos de idade, se mulher; ter cinco anos de efetivo exercício no cargo em que se dará a aposentadoria, etc. (Curso de Direito Constitucional Positivo, São Paulo: Malheiros Editores, 16ª ed., 1999, p.674/675).

ODETE MEDAUAR tratando sobre a aposentadoria no setor público, sob a ótica do novo regime de previdência, diz que "a Emenda Constitucional 20, de 15 de dezembro de 1998, alterou o sistema então existente, buscando torná-lo mais próximo do sistema vigente no setor privado. Um dos pontos de diferença em relação ao setor privado dizia respeito ao custeio. Na maior parte dos entes administrativos o servidor não pagava contribuição social para sua aposentadoria; os recolhimentos compulsórios previdenciários visavam, de regra, à pensão a dependentes em caso de falecimento; as aposentadorias eram concedidas e mantidas com recursos públicos. Esse sistema vai ainda vigorar enquanto não se implantar o novo sistema previsto pela Emenda Constitucional 20/98" (Direito Administrativo Moderno, São Paulo: RT, 3ª ed., 1999, p. 316). Grifamos.

"Quanto aos proventos, ou seja, a retribuição pecuniária recebida pelo aposentado, o § 3° do art. 40 determina, que serão calculados com base na remuneração do servidor no cargo efetivo em que se der a aposentadoria e, na forma da lei, corresponderão a totalidade da remuneração, salvo nos casos em que a própria Constituição Federal prevê proventos proporcionais. Assim, o referido dispositivo conferiu ao servidor titular de cargo efetivo o direito a proventos correspondentes à totalidade da remuneração do cargo efetivo em que se der a aposentadoria" (ODETE MEDAUAR, ob.cit. p. 318/319).

Podemos concluir de todo o exposto que:

1 – Poderá o Município instituir para os servidores titulares de cargos efetivos, incluídas suas autarquias e fundações, o regime de previdência de caráter contributivo, regime peculiar, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, nos termos do caput, do art. 40 da CF.

2 - Os proventos de aposentadoria e as pensões, por ocasião de sua concessão, não poderão exceder a remuneração do respectivo servidor, no cargo efetivo em que se deu a aposentadoria ou que serviu de referência para a concessão da pensão(CF/ 88, art.40, §2°).

3 - Os proventos de aposentadoria, por ocasião da sua concessão, serão calculados com base na remuneração do servidor no cargo efetivo em que se der a aposentadoria, corresponderão à totalidade da remuneração. (CF/88, § 3º do art. 40).

4 - O regime de previdência complementar de que trata o artigo 40, §§ 14, 15 e 16, da Constituição Federal, de caráter facultativo, somente poderá ser instituído após a publicação da lei complementar prevista no § 15 do mesmo artigo, em obediência ao art.10 da Emenda Constitucional N° 20, de 15 de dezembro de 1998.

5 – Deverá ser mantido e vigorar o sistema de custeio para o pagamento de aposentadoria e pensão com base na integralidade ou proporcionalidade, conforme o caso, dos vencimentos pagos para os servidores efetivos em atividade e mantido pelo Município com recursos públicos, enquanto não se implantar o novo sistema previsto pela Emenda Constitucional 20/98.

6 – Poderá o Município fazer a complementação para o pagamento de aposentadorias e pensões com base na integralidade ou proporcionalidade, conforme o caso, dos vencimentos pagos para os servidores efetivos em atividade, custeados pelo tesouro municipal, sem que incorra em ilegalidade de despesa.

Aparentemente o prejulgado acima responde a questão, todavia, alguns esclarecimentos necessitam ser feitos.

Com efeito, a EC nº 20/98 assegurou ao servidor público ocupante de cargo efetivo o regime de previdência de caráter contributivo. Anteriormente à Emenda, não havia expressamente tal regime (de caráter contributivo), sendo que as aposentadorias eram pagas diretamente pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios, porém, estavam estes entes autorizados pelo art. 149, § 1º, da CF a cobrar contribuição dos servidores para o custeio de sistemas de previdência. Logo, o que veio de forma expressa com a EC nº 20/98 (regime de caráter contributivo) já estava previsto no texto constitucional anteriormente à Emenda.1 Nessa linha indaga-se: ficaram os Estados e Municípios obrigados a instituírem o regime próprio de previdência após à EC nº 20/98? Evidente que não. Tanto isso é verdade que até hoje o Estado de Santa Catarina não possui um sistema de previdência de seus servidores, sendo que as aposentadorias são custeadas diretamente pelo tesouro do Estado, à exceção das pensões.

Com a EC nº 20/98 mudanças significativas houveram, principalmente no que se refere ao tempo de serviço, substituído agora pelo tempo de contribuição, sendo vedada, pelo § 10 do art. 40, a contagem ficta. Tal mudança certamente obrigou os Municípios a implementarem os regimes próprios de previdência, visto que não mais foi possível considerar tempo de serviço como tempo de contribuição, o que começou a gerar algum empecilho para os futuros servidores e aqueles que não possuíam direito adquirido e mais, em obediência ao princípio da universalidade de cobertura, a Lei nº 8.212/91 dispôs os seguintes termos no seu art. 13:

Art. 13. O servidor civil ocupante de cargo efetivo ou o militar da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, bem como o das respectivas autarquias e fundações, são excluídos do Regime Geral de Previdência Social consubstanciado nesta Lei, desde que amparados por regime próprio de previdência social.

Em outros termos, caso o Município não possuísse regime próprio de previdência, os servidores ocupantes de cargos efetivos seriam obrigatoriamente segurados do regime geral de previdência.

Por outro lado, para os Municípios que extinguiram o regime próprio, foram eles obrigados pela Portaria MPAS nº 4.992/99 a vincular os servidores ao RGPS, conforme se depreende do parágrafo único do art. 21, na redação dada pela Portaria MPAS nº 7.796/00:

Art. 21...

Parágrafo único. A vinculação dos servidores ao RGPS é obrigatória para o ente estatal que extinguir seu regime próprio de previdência social.

A Lei Federal nº 9.717/98, por sua vez, veio disciplinar a instituição dos regimes próprios de previdência da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, exigindo que os regimes a serem implementados deveriam ser organizados, baseados em normas gerais de contabilidade e atuária, de modo a garantir o seu equilíbrio financeiro e atuarial. Tal exigência decorre do próprio artigo 40, da CF o qual determinou que os regimes de previdência a serem implementados pelos Municípios deveriam observar critérios que preservassem o equilíbrio financeiro e atuarial.

Ocorre que a maioria dos municípios catarinenses, pelo pequeno número de servidores ocupantes de cargos efetivos, não conseguiram observar os critérios estabelecidos pelo art. 40, da CF e pela Lei nº 9.717/98, restando-lhes, unicamente, optar pelo regime geral de previdência social - RGPS, administrado pelo INSS, por força do que dispõe o art. 13, da Lei nº 8.212/91 e pelo parágrafo único do art. 21, da Portaria MPAS nº 4.992/99, acima explicado. Tal regime, destinado à iniciativa privada, possui regras próprias, diferenciadas das regras do regime público, fato este ocasionador de alguns problemas, destacando-se a dúvida do Consulente sobre a devida integralidade ou não do benefício quando o mesmo é pago pelo INSS.

Então, para manter as exigências do art. 40, da CF e da Lei nº 9.717/98, muitos Municípios que se apressaram e instituíram o regime próprio tiveram, posteriormente, que os extinguir e, assim, foram obrigados a inscrever seus servidores no Regime Geral. Outros, porém, simplesmente optaram pelo RGPS desde o início, esquecendo-se, ambos, que os servidores sempre tiveram asseguradas as regras de aposentadoria, dentre as quais a integralidade. Logo, como resolver tal situação? Primeiramente cumpre sinalizar que a Constituição Federal em nenhum momento obrigou os Municípios a instituírem o regime próprio de previdência, nem posteriormente à Emenda Constitucional nº 20/98. Tal afirmação se extrai da leitura Art. 149, § 1º, da CF e do art. 4º, da EC nº 20/98 que assim dispõem, respectivamente:

Art. 149...

§ 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, de sistemas de previdência e assistência social.

[...]

Art. 4º Observado o disposto no art. 40, § 10, da Constituição Federal, o tempo de serviço considerado pela legislação vigente para efeito de aposentadoria, cumprido até que a lei discipline a matéria, será contado como tempo de contribuição.

Pela leitura dos artigos em apreço, depreende-se que era facultado aos Municípios instituir o regime próprio, de caráter contributivo e, a partir de sua instituição, através de lei, não mais seria possível a contagem de tempo de serviço como tempo de contribuição. Desta forma, mesmo não contribuindo, o servidor tinha o direito de se aposentar se a lei municipal anterior à EC nº 20/98 considerasse apenas o tempo de serviço, haja vista a previsão constante no art. 4º, da EC nº 20/98, que permite a contagem do tempo de serviço como tempo de contribuição até o Município implementar o regime próprio.

Portanto, não estavam os Municípios obrigados a instituírem o regime próprio de previdência, todavia, estariam eles obrigados a bancarem as aposentadorias dos servidores ocupantes de cargos efetivos2 e isso ficou bem claro no parecer acima quando o servidor desta Casa, Sávio Gabriel Luciano, cita a autora Odete Medauar.3

A instituição do regime próprio está autorizada desde a promulgação da Constituição e só ganhou maior destaque quando os Municípios se depararam com os altos valores despendidos com a folha de inativos, assim, três situações distintas surgiram: a) a primeira, relativa aos municípios que implementaram o regime próprio e ainda permanecem nesta situação; b) a segunda, relativa aos municípios que desde o início optaram pelo regime geral de previdência, administrado pelo INSS; e c) a terceira, relativa aos municípios que instituíram o regime próprio e, pelas exigências do art. 40, caput da CF e da Lei nº 9.717/98, migraram para o regime geral, extinguindo aquele. Evidente que existem outras situações, porém o que nos interessa são as duas últimas nas quais houve a migração para o regime geral de previdência, visto que, neste caso, nem sempre há garantia de integralidade dos proventos de aposentadoria, principalmente para os servidores que se aposentam quando os vencimentos estavam acima do teto.

Para explicar que a integralidade é devida pelo Município, embora esteja o servidor vinculado ao regime geral, busca-se uma interpretação fulcrada numa norma de extrema importância, consubstanciada no § 14 do art. 40 da Constituição Federal que dispõe os seguintes termos:

Art. 40...

§ 14. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, desde que instituam regime de previdência complementar para os seus respectivos servidores titulares de cargo efetivo, poderão fixar, para o valor das aposentadorias e pensões a serem concedidas pelo regime de que trata este artigo, o limite máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social de que trata o art. 201.

Pelo referido parágrafo, os Municípios foram autorizados a utilizar o limite máximo dos benefícios do regime geral, desde que instituíssem o regime de previdência complementar. Ora, tal previsão equivale a dizer que em caso do Município optar pelo regime geral (e não aos seus tetos máximos), a mesma regra deveria ser aplicada. Em outros termos, se o Município inscreveu os servidores ocupantes de cargos efetivos no regime geral, deveria ele ter implementado a previdência complementar para seus servidores.

Se a Constituição Federal só permite a utilização dos tetos do regime geral quando implantada a previdência complementar (§ 14 do art. 40 da CF), a mesma regra se extrai quando o Município se utiliza diretamente do regime geral. Se quando adota parte (teto do regime geral), deve implantar a previdência complementar, quando adotar todo (RGPS), deve mais ainda. É um raciocínio lógico que se deduz da leitura do referido parágrafo.

Nessa linha, tem-se a conclusão de que o referido parágrafo foi mais uma garantia ao servidor público, ou seja, de que teria a integralidade respeitada mesmo que o Município adotasse parte do regime geral de previdência (teto do RGPS). Se, por outro lado, adotasse todo o RGPS, deveria o Município providenciar a previdência complementar do servidor de modo a garantir a integralidade dos proventos de aposentadoria. Somente em caso de expressa renúncia à previdência complementar é que seria possível questionar se devida ou não a integralidade dos proventos de aposentadoria,4 mas somente para os servidores que já ocupavam cargo de provimento efetivo anteriormente à instituição da previdência complementar.5

Diante do que foi visto até então, tem-se a inegável conclusão de que se o Município optou pelo regime geral de previdência social, anteriormente ou posteriormente à EC nº 20/98, deve garantir a integralidade dos proventos de aposentadoria, não constituindo ilegalidade da despesa realizada com esse fim. Todavia, com o advento da Lei Complementar nº 108/01,6 deveria o Município optante do RGPS instituir a previdência complementar ao servidor ocupante de cargo efetivo, propiciando a este o custeio da integralidade. Se o Município manteve-se inerte após a publicação da referida lei complementar, que se deu em 30/05/01, também deverá garantir a integralidade dos proventos, visto que a opção pelo RGPS apenas amenizou os gastos do Município com as aposentadorias, não garantindo a integralidade dos proventos, conforme restou assegurado na CF.

Os pareceres acima transcritos, que embasam os prejulgados 860 e 1525, entenderam pela regularidade da complementação dos proventos de aposentadoria dos servidores municipais amparados pelo Regime Geral de Previdência Social - RGPS. O prejulgado nº 1699 também aborda a questão no mesmo sentido, cujo parecer COG nº 658/05, que o embasa, é da lavra deste parecerista.

Passamos a tratar da matéria no intuito de tentar aclarar um pouco mais o tumultuado sistema previdenciário dos servidores públicos ocupantes de cargos efetivos.

Colaciono a redação original do artigo 40 da Constituição da República, verbis:

Art. 40. O servidor será aposentado:
I - por invalidez permanente, sendo os proventos integrais quando decorrentes de acidente em serviço, moléstia profissional ou doença grave, contagiosa ou incurável, especificadas em lei, e proporcionais nos demais casos;
II - compulsoriamente, aos setenta anos de idade, com proventos proporcionais ao tempo de serviço;
III - voluntariamente:
a) aos trinta e cinco anos de serviço, se homem, e aos trinta, se mulher, com proventos integrais;
b) aos trinta anos de efetivo exercício em funções de magistério, se professor, e vinte e cinco, se professora, com proventos integrais;
c) aos trinta anos de serviço, se homem, e aos vinte e cinco, se mulher, com proventos proporcionais a esse tempo;

d) aos sessenta e cinco anos de idade, se homem, e aos sessenta, se mulher, com proventos proporcionais ao tempo de serviço.
§ 1º - Lei complementar poderá estabelecer exceções ao disposto no inciso III, "a" e "c", no caso de exercício de atividades consideradas penosas, insalubres ou perigosas.
§ 2º - A lei disporá sobre a aposentadoria em cargos ou empregos temporários.
§ 3º - O tempo de serviço público federal, estadual ou municipal será computado integralmente para os efeitos de aposentadoria e de disponibilidade.
§ 4º - Os proventos da aposentadoria serão revistos, na mesma proporção e na mesma data, sempre que se modificar a remuneração dos servidores em atividade, sendo também estendidos aos inativos quaisquer benefícios ou vantagens posteriormente concedidos aos servidores em atividade, inclusive quando decorrentes da transformação ou reclassificação do cargo ou função em que se deu a aposentadoria, na forma da lei.
§ 5º - O benefício da pensão por morte corresponderá à totalidade dos vencimentos ou proventos do servidor falecido, até o limite estabelecido em lei, observado o disposto no parágrafo anterior.

Vê-se que a redação original não fazia qualquer alusão a regime, dessarte, garantia aposentadoria integral aos servidores que preenchessem os requisitos das alíneas "a" e "b" do inciso III do artigo 40 da Constituição da República.

Somente a Lei Federal 8.231/91 é que tratou da vinculação dos servidores que não possuíssem regime próprio ao regime geral.

Art. 12. O servidor civil ou militar da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, bem como o das respectivas autarquias e fundações, é excluído do Regime Geral de Previdência Social consubstanciado nesta lei, desde que esteja sujeito a sistema próprio de previdência social. (Redação Original)

Art. 12. O servidor civil ocupante de cargo efetivo ou o militar da União, dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, bem como o das respectivas autarquias e fundações, são excluídos do Regime Geral de Previdência Social consubstanciado nesta Lei, desde que amparados por regime próprio de previdência social. (Redação dada pela Lei n 9.876, de 26.11.99)

Os requisitos para aposentadoria integral nesse momento histórico era de 35 anos de serviço para o homem e 30 anos de serviço para a mulher, conforme se depreende da redação original do artigo 40 da Constituição da República e artigo 53 da Lei Federal 8.213/91. Portanto, ambos os regimes exigiam os mesmos requisitos.

Lei Federal 8.213/91

Art. 53. A aposentadoria por tempo de serviço, observado o disposto na Seção III deste Capítulo, especialmente no art. 33, consistirá numa renda mensal de:

I - para a mulher: 70% (setenta por cento) do salário-de-benefício aos 25 (vinte e cinco) anos de serviço, mais 6% (seis por cento) deste, para cada novo ano completo de atividade, até o máximo de 100% (cem por cento) do salário-de-benefício aos 30 (trinta) anos de serviço;

II - para o homem: 70% (setenta por cento) do salário-de-benefício aos 30 (trinta) anos de serviço, mais 6% (seis por cento) deste, para cada novo ano completo de atividade, até o máximo de 100% (cem por cento) do salário-de-benefício aos 35 (trinta e cinco) anos de serviço.

Logo, todos servidores que preenchessem os requisitos das alíneas "a" e "b" do inciso III do artigo 40 tinham direito a proventos integrais independentemente de estarem vinculados ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS, sendo legal a complementação dos proventos e das pensões recebidas respectivamente pelo servidor e dependentes através do INSS.

Com o advento da reforma previdenciária imposta pela Emenda Constitucional nº 20 de 15 de dezembro de 1998, o artigo 40 da Constituição da República passou a conter a seguinte redação:

Art. 40 - Aos servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, é assegurado regime de previdência de caráter contributivo, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial e o disposto neste artigo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 15/12/98)

§ 1º - Os servidores abrangidos pelo regime de previdência de que trata este artigo serão aposentados, calculados os seus proventos a partir dos valores fixados na forma do § 3º:
[...]

Já a nova redação dada pela Emenda Constitucional nº 20 ao artigo 201 da Constituição da República foi no seguinte sentido:

Art. 201 - A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;

II - proteção à maternidade, especialmente à gestante;

III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;

IV - salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda;

V - pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, observado o disposto no § 2º.

[...]

§ 7º É assegurada aposentadoria no regime geral de previdência social, nos termos da lei, obedecidas as seguintes condições:

I - trinta e cinco anos de contribuição, se homem, e trinta anos de contribuição, se mulher;

II - sessenta e cinco anos de idade, se homem, e sessenta anos de idade, se mulher, reduzido em cinco anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal.

A partir das regras impostas pela Emenda Constitucional nº 20 os regimes previdenciários (geral e próprio) passaram a exigir critérios diferenciados para concessão da aposentadoria.

Também se observa das redações acima transcritas que tanto o regime próprio (art. 40), quanto o regime geral (art. 201), passaram a ter caráter contributivo, ao invés do critério anterior (tempo de serviço).

Qualquer sistema previdenciário para que possa se sustentar precisa ser contributivo e dispor de equilíbrio financeiro e atuarial. Contudo, como vimos alhures, apenas a partir da Emenda Constitucional nº 20 é que se passou a levar em consideração essas questões.

Com o advento da Emenda Constitucional nº 20, passou-se a assegurar regime próprio de caráter contributivo ao servidor ocupante de cargo efetivo (art. 40, caput, da C.R.), sendo permitido à União, Estados e Municípios limitar como teto para concessão de aposentadoria e pensões o valor máximo estabelecido para os benefícios do regime geral de previdência social (parágrafos 14, 15 e 16 do artigo 40 da C. R.), desde que estes entes instituam regime previdenciário complementar de natureza fechada (Leis Complementares Federais 108 e 109/2001).

O objetivo da instituição de regime previdenciário complementar de natureza fechada é garantir que os servidores recebam na aposentadoria os valores que percebiam na ativa, ou na pior das hipóteses, um valor próximo deste.

Estas regras são aplicáveis aos municípios que possuem regime próprio. Entretanto, alguns municípios não se utilizam de parte (teto do regime geral), mas do próprio regime geral.

Nesse caso, os servidores ocupantes de cargo efetivo e filiados ao regime geral também têm direito a complementação de seus proventos através de regime previdenciário complementar de natureza fechada nos termos dos parágrafos 14, 15 e 16 do artigo 40 da Constituição da República e da Leis Complementares Federais 108 e 109/2001.

RUI BARBOSA, em seu tempo, já lecionava que:

"não há, numa Constituição, cláusulas a que se deva atribuir meramente o valor moral de conselhos, avisos ou lições. Todas têm a força imperativa de regras, ditadas pela soberania nacional ou popular de seus órgãos" (apud. PIOVESAN, Flávia. Proteção Judicial contra Omissões Legislativas. p. 52).

No mesmo sentido, cito ensinamento do professor LUÍS ROBERTO BARROSO:

Do escólio dos dois juristas pode se concluir que todas as normas constitucionais definidoras de direito geram para o seu titular o direito subjetivo de exigir do Estado sua efetivação. O Estado, por sua vez, tem a obrigação (jurídica e não apenas moral) de fazer cumprir a norma constitucional, independentemente de provocação dos interessados.

Sobre a questão, o grande jurista pátrio CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO afirma que:

Cabe ressaltar que a previdência social é um desses direitos (art. 6º, da C.R.).

Art. 6º - São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade, e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (grifei)

Importante transcrever também a ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 03, DE 12 DE AGOSTO DE 2004 da SECRETARIA DE PREVIDÊNCIA SOCIAL, que trata dos regimes próprios de previdência social dos servidores públicos titulares de cargos efetivos, dos magistrados, Ministros e Conselheiros dos Tribunais de Contas, membros do Ministério Público e de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, incluídas suas autarquias e fundações, a seguinte normatização:

Vê-se que a SECRETARIA DE PREVIDÊNCIA SOCIAL determina a complementação dos proventos e pensões quando o regime próprio for extinto e os beneficiários forem transferidos para o regime geral de previdência social.

Dessarte, os servidores ocupantes de cargo efetivo que estejam vinculados ao regime geral de previdência social cujo município não tenha criado o regime previdenciário complementar de natureza fechada não podem sofrer pela omissão da Administração no trato das questões previdenciárias. É, portanto, devida a complementação dos proventos e regular a despesa efetuada pelo município.

Os municípios que permanecerem omissos, sem instituir regime próprio ou complementar ao regime geral, irão a longo prazo sentir o peso dessa omissão, pois continuarão complementando proventos e pensões apenas com recursos de seu orçamento, fato que onerará o município em relação aos limites de gastos com pessoal (art.18, da Lei Complementar Federal 101/2000).

Evidentemente que a não instituição de regime próprio por parte do município traz prejuízo, pois, ao invés de contribuir com 20 % (vinte por cento) para o regime geral de previdência social (art. 22, inciso I, da Lei Federal 8.212/91) e ter de instituir regime complementar, com o regime próprio, a contribuição poderia ser de 11 % (onze por cento) caso houvesse equilíbrio financeiro e atuarial, nos termos do artigo 3º da Lei Federal 9.717/98, na redação dada pelo artigo 10 da Lei Federal 10.887/2004, e artigo 4º da Lei Federal 10.887/2004, tudo isso, aliado ao fato de que os recursos permaneceriam no município. Fica o alerta.

Há uma dissonância no sistema previdenciário quando se permite que ocupantes de cargo efetivo contribuam para o Regime Geral de Previdência Social - RPGS. O certo seria a contribuição para um regime próprio de previdência social nos moldes da Lei Federal 9717/98, pois, os servidores ocupantes de cargo efetivo que contribuem para um regime próprio de previdência, com o advento das Emendas Constitucionais nº 20, 41 e 47, têm de cumprir requisitos muito mais gravosos que os servidores ocupantes de cargo efetivo que contribuem para o Regime Geral de Previdência Social - RGPS.

Os servidores do município de Orleans estão vinculados ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS, fato permitido na legislação e aceito pela Secretaria de Previdência Social do Governo Federal que é o órgão competente para fiscalizar as entidades de previdência. Portanto, os requisitos de aposentadoria são do artigo 201 da Constituição da República.

A complementação é devida em razão da não instituição pelo município de regime previdenciário complementar de natureza fechada, conforme explicitado anteriormente.

Cabe lembrar, que a necessidade de complementação decorre do município ter modificado o regime previdenciário, mas mantido o provimento através de cargo efetivo, cujas regras previdenciárias básicas estão estipuladas no artigo 40 da Constituição da República. Caso o regime fosse de emprego, não haveria necessidade de complementação.

SILVA, Sivaldo Orlando da. Da Previdência Municipal . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 95, 6 out. 2003. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4307>. Acesso em: 06 set. 2006.

Se a aposentadoria for proporcional, terá direito à complementação?

Não. O servidor poderá se aposentar proporcionalmente junto ao INSS - cujas regras estão mantidas -, mas não terá o direito a complementação pelo município, pois o artigo 10 da Emenda Constitucional nº 41, revogou o artigo 8º da Emenda Constitucional nº 20.

É preciso asseverar também, que por força da Emenda Constitucional nº 20, o trabalhador que ingressou no regime geral de previdência social após a data de 16 de dezembro de 1998 não terá direito a aposentadoria proporcional (parágrafo 7º, inciso I, do artigo 201 da Constituição da República).

A Lei Federal 8.213/91 assim dispõe sobre aposentadoria proporcional, verbis:

Para quem ingressou na Previdência antes da Emenda Constitucional nº 20 e já era contribuinte, as regras serão do artigo 9º da Emenda Constitucional nº 20.

Emenda Constitucional nº 20

Art. 9º - Observado o disposto no art. 4° desta Emenda e ressalvado o direito de opção a aposentadoria pelas normas por ela estabelecidas para o regime geral de previdência social, é assegurado o direito à aposentadoria ao segurado que se tenha filiado ao regime geral de previdência social, até a data de publicação desta Emenda, quando, cumulativamente, atender aos seguintes requisitos:

I - contar com cinqüenta e três anos de idade, se homem, e quarenta e oito anos de idade, se mulher; e

II - contar tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de:

a) trinta e cinco anos, se homem, e trinta anos, se mulher; e

b) um período adicional de contribuição equivalente a vinte por cento do tempo que, na data da publicação desta Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea anterior.

§ 1º O segurado de que trata este artigo, desde que atendido o disposto no inciso I do caput, e observado o disposto no art. 4° desta Emenda, pode aposentar-se com valores proporcionais ao tempo de contribuição, quando atendidas as seguintes condições:

I - contar tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de:

a) trinta anos, se homem, e vinte e cinco anos, se mulher; e

b) um período adicional de contribuição equivalente a quarenta por cento do tempo que, na data da publicação desta Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea anterior;

II - o valor da aposentadoria proporcional será equivalente a setenta por cento do valor da aposentadoria a que se refere o caput, acrescido de cinco por cento por ano de contribuição que supere a soma a que se refere o inciso anterior, até o limite de cem por cento.

§ 2º O professor que, até a data da publicação desta Emenda, tenha exercido atividade de magistério e que opte por aposentar-se na forma do disposto no caput, terá o tempo de serviço exercido até a publicação desta Emenda contado com o acréscimo de dezessete por cento, se homem, e de vinte por cento, se mulher, desde que se aposente, exclusivamente, com tempo de efetivo exercício de atividade de magistério.

No parecer COG nº 658/05, que embasa o prejulgado nº 1699, em função da decisão do Tribunal de Justiça - que nesta peça também está transcrita - este parecerista se equivocou ao não considerar a revogação do artigo 8º da Emenda Constitucional nº 20, pelo artigo 10 da Emenda Constitucional nº 41. Note-se que a decisão da Justiça Catarinense é de setembro de 2003 e a Emenda Constitucional nº 41 é de dezembro de 2003. Dessarte, será necessário reformar o referido prejulgado. A alteração será proposta ao final deste parecer.

Então, quais os requisitos para se aposentar pelo Regime Geral de Previdência Social - RGPS e ter direito ao complemento por parte do município?

Para ter direito a complementação pelo município é necessário que o servidor:

1º) perceba vencimentos acima do teto do Regime Geral de Previdência Social;

2º) cumpra os requisitos para aposentação previstos nas Emendas Constitucionais nº 41 e 47, e artigo 40 da Constituição da República, como se no regime próprio estivesse.

Toda argumentação desenvolvida até o presente momento se fez necessária para que possamos responder as perguntas do consulente.

O item 1 do referido prejulgado é bem claro. É permitido acumular proventos do regime geral com vencimentos de cargo de provimento efetivo, não importando se na origem era servidor público, pois se contribuiu para o INSS é porque não havia regime próprio de previdência em seu município.

Contudo, como vimos, no caso do item 1, a situação não é tão simples assim. É preciso verificar se o servidor mantém vínculo com a Administração, ou seja, se percebe complementação da aposentadoria recebida do Regime Geral de Previdência Social. Se perceber complementação, aplicam-se as vedações impostas àqueles aposentados por regime próprio. Se receber tão somente os proventos do INSS, não há vedação, pois há rompimento do vínculo com a municipalidade.

Vejamos o teor parcial de voto do ministro do Tribunal de Contas da União - TCU, Benjamin Zymler, decisão nº 295/2002 - TCU - 2ª Câmara, Processo nº 019.617/1993-3, em que ele analisa hipótese de acumulação de proventos decorrentes do Regime Geral e vencimentos (remuneração) de cargo público. Nesse caso específico a origem dos proventos se deu em emprego público, mas os argumentos do ministro demonstram a ruptura entre servidor e Administração, quando os proventos são pagos exclusivamente pelo Instituto Nacional de Seguridade Social - INSS.

Não há impedimento. O aposentado da iniciativa privada, que recebe proventos do Instituto Nacional de Seguridade Social - INSS pode retornar ao exercício de cargo efetivo, desde que aprovado em concurso público.

Os itens 2, 3 e 4 do prejulgado nº 1385 se referem aos artigos 40, 42 e 142 da Constituição da República, ou seja, acumulação de proventos decorrentes de regime próprio de previdência dos servidores civis e militares com vencimentos de cargo de provimento efetivo. Nesse caso, haveria necessidade de opção.

Como não se trata de acumulação de proventos do Regime Geral e vencimentos de cargo - dúvida do consulente - está prejudicada a resposta.

As inferências trazidas pelo presente parecer suscitam algumas reformas de prejulgados. Vejamos:

1) Em contato telefônico com o consulente, ele explicitou o prejulgado nº 1385 gera dúvidas, pois não está com uma redação muito clara, deixando dúvidas em relação ao regime de previdência que está tratando. Não só o consulente, mas outros municípios, segundo ele, estão sentindo a mesma dificuldade. Analisando o prejulgado, vê-se que ele precisa de uma complementação redacional para evitar tal ambigüidade.

Sugiro alterar a redação dos itens 1, 2 e 3, para os seguintes termos:

2) Ao confeccionar o parecer COG nº 658/05 este parecerista cometeu um lapso ao afirmar ser possível a complementação - por parte do município - de valores decorrentes de aposentadoria proporcional junto ao INSS. Por esse motivo, necessário excluir o item 6.2.7 da decisão 2369/2005, que corresponde ao 7º parágrafo do prejulgado 1699.

5 - CONCLUSÃO

Em consonância com o acima exposto e considerando:

  • que a consulta trata de situações em tese e de interpretação de lei, conforme determina o inciso XII, do art. 59, da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como o inciso XV, do art. 1º, da Lei Complementar Estadual 202/2000;

    Sugere-se ao Exmo. Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall que submeta voto ao Egrégio Plenário sobre consulta formulada pelo Prefeito Municipal de Orleans, nos termos deste parecer, que em síntese propõe:

    1. Conhecer da consulta por preencher os requisitos de admissibilidade previstos no Regimento Interno.

    2. Responder a consulta nos seguintes termos:

    2.1. O aposentado com proventos pagos pelo INSS pode ingressar no serviço público para ocupar cargo de provimento efetivo, desde que se submeta a concurso público (art. 37, II, da Constituição Federal). Quando o aposentado for ex-servidor ocupante de cargo efetivo, é necessário verificar se recebe complementação do município de origem, hipótese em que fica mantido o vínculo e, permanecem as vedações do parágrafo 10, do artigo 37, da Constituição da República.

    3. Dar nova redação aos três primeiros parágrafos do prejulgado nº 1385 nos seguintes termos:

    3.1. O aposentado com proventos pagos pelo INSS pode ingressar no serviço público para ocupar cargo de provimento efetivo, desde que se submeta a concurso público (art. 37, II, da Constituição Federal). Quando o aposentado for ex-servidor ocupante de cargo efetivo, é necessário verificar se recebe complementação do município de origem, hipótese em que fica mantido o vínculo e permanecem as vedações do parágrafo 10, do artigo 37, da Constituição da República.

    3.2. É vedada a percepção simultânea de proventos decorrentes de regime próprio (arts. 40, 42 e 142 da CF) com remuneração de cargo, emprego ou função pública, independente da esfera de origem dos proventos - União, Estados e Municípios - e da remuneração, exceto se for investido em cargo eletivo, em cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração ou se atendidos aos requisitos de acumulatividade permitida pelo inciso XVI do art. 37 da Carta Magna.

    3.3. Para ocupar cargo efetivo não acumulável (art. 37, XVI, CF), o aposentado por Regime Próprio (arts. 40, 42 e 142 da CF), além da aprovação em concurso público, deverá renunciar aos proventos de sua aposentadoria.

    4. Dar nova redação ao terceiro parágrafo do prejulgado nº 1699 nos seguintes termos:

    4.1. O município que não tenha criado regime previdenciário complementar de natureza fechada tem o dever de complementar com recursos de seu orçamento os proventos dos servidores públicos estatutários ocupantes de cargos efetivos, pagando a diferença apurada entre o montante que o servidor percebia na ativa e o valor dos proventos recebidos do Instituto Nacional de Seguridade Social - INSS, considerando-se regular a despesa efetuada pelo município. Para ter direito a complementação pelo município é necessário que o servidor perceba vencimentos acima do teto do Regime Geral de Previdência Social e cumpra os requisitos para aposentação previstos nas Emendas Constitucionais nº 41 e 47, e artigo 40 da Constituição da República, como se no regime próprio estivesse.

    5. Revogar o sétimo parágrafo do prejulgado nº 1699, item 6.2.7 da decisão nº 2369/2005, referente ao processo CON-05/00866422.

    COG, em 6 de setembro de 2006

    GUILHERME DA COSTA SPERRY Auditor Fiscal de Controle Externo

    OAB/SC 13.067

    De Acordo. Em ____/____/____

    MARCELO BROGNOLI DA COSTA

    Coordenador

    DE ACORDO.

    À consideração do Exmo. Sr. Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.

    COG, em 07 de novembro de 2006

      ELÓIA ROSA DA SILVA

    Consultora Geral


    1 Veja-se que o art. 40, caput, da CF/88 aparenta conferir um direito ao servidor público ocupante de cargo efetivo ao assegurar um sistema de previdência de caráter contributivo. Na realidade o referido artigo contempla uma obrigação que anteriormente à EC nº 20/98 não havia, ou seja, de pagar contribuição para ter aposentadoria.

    2 Tendo em vista que a Consulta se refere somente aos servidores ocupantes de cargos efetivos não se adentrará na celeuma que envolve os demais servidores.

    3 Assim transcreveu o servidor: "as aposentadorias eram concedidas e mantidas com recursos públicos. Esse sistema vai ainda vigorar enquanto não se implantar o novo sistema previsto pela Emenda Constitucional 20/98" (Direito Administrativo Moderno, São Paulo: RT, 3ª ed., 1999, p. 316)

    4 A razão aqui é simples. Se o Município está autorizado a implantar o regime próprio, através de cobrança de contribuição dos servidores nos termos do art. 149, § 1º, da CF, esta deverá incidir sobre a totalidade dos vencimentos, de modo a garantir a integralidade dos proventos futuros. Ora, se adotar o RGPS, o servidor irá contribuir sobre o teto máximo, sendo propiciada a previdência complementar, mediante contribuição incidente sobre o valor excedente. Ora, se no regime próprio o servidor deverá contribuir sobre o valor total dos vencimentos, no regime misto (INSS e complementar) acontece a mesma coisa, porém, com a possibilidade do servidor optar pela complementar. Caso seja propiciada a previdência complementar e o servidor dela não querer se inscrever, entendemos que o mesmo não terá direito à integralidade, visto que o Município propiciou previdência de caráter contributivo, cujos termos não quis o servidor optar.

    5 Para o servidor que ingressasse posteriormente à instituição da previdência complementar, parece que a previdência complementar seria obrigatória, de forma a cobrir a integralidade.

    6 A referida Lei Complementar tratou da previdência complementar dos entes e pela regra do art. 10, da EC nº 20/98, o Município somente poderia instituir a previdência complementar a partir da publicação da referida lei, que se deu em 30/05/2001, logo, a partir desta data, o Município deveria propiciar ao servidor ocupante de cargo efetivo a previdência complementar e, caso este se manifestasse expressamente de forma negativa, seria discutido o pagamento integral dos proventos de aposentadoria, conforme assinalamos acima.