ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: REC - 05/00525358
Origem: Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina
Interessado: Luiz Suzin Marini
Assunto: Recurso de Reexame (art. 81 da LC 202/2000) contra a decisão do proc. n. CON-04/02706960 - Int.: P.M. de Agrolândia
Parecer n° COG - 663/06

EMENTA. Consulta. Constitucional e Administrativo. Programa de Saúde da Família - PSF e Programa de Agentes Comunitários da Saúde - PACS. Formas de contratação de pessoal. Superveniência da Lei Federal nº 11.350/06.

1. Os Agentes Comunitários de Saúde do Programa de Saúde da Família - PSF e do Programa de Agentes Comunitários de Saúde - PACS exercerão empregos públicos, regidos pela Consolidação das Lei do Trabalho - CLT, salvo se lei local dispuser de forma diversa (cargo público - art. 8º da Lei nº 11.350/06).

2. Compete ao Município dispor, por lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, a criação de empregos ou cargos públicos destinados aos Agentes Comunitários de Saúde nos quantitativos necessários ao funcionamento dos programas (art. 14 , da Lei nº 11.350/06).

3. Para atender ao Programa de Saúde da Família - PSF e ao Programa de Agentes Comunitários de Saúde - PACS o Município poderá promover a contratação de Agentes Comunitários da Saúde com base na Lei nº 11.350/2006, art. 9º, por meio de processo seletivo público de provas ou de provas e títulos.

4. Contratação temporária ou terceirizada de Agentes Comunitários fica vedada (art. 16 da Lei nº 11.350/06). Assim, não há possibilidade de contratação por meio de celebração de termo de parceria com Organização da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP.

5. Os profissionais que, na data de publicação da Lei nº 11.350/06, estejam exercendo atividades próprias de Agente Comunitário de Saúde, vinculados diretamente aos gestores locais do SUS ou a entidades de administração indireta, não investidos em cargo ou emprego público, poderão permanecer no exercício destas atividades, até que seja concluída a realização de processo seletivo público pelo ente federativo (art. 17 da Lei nº 11.350/06). Só será dispensado mediante a certificação da existência de anterior processo de seleção pública.

6. Ficam dispensados da realização do processo seletivo público os Agentes Comunitários de Saúde que se encontravam em atividade na data da promulgação da Emenda Constitucional nº 51/06 (art. 2º, parágrafo único da EC 51).

7. Considerando que os recursos originários de transferências voluntárias integram o cálculo para apuração da Receita Corrente Líquida - RCL (Lei Complementar n. 101/2000 - art. 2º, IV), as despesas de pessoal realizadas com esses recursos também devem integrar a despesa total com o pessoal do Poder e do ente.

Senhora Consultora,

RELATÓRIO

Tratam os autos de Recurso de Reexame de Conselheiro interposto pelo Presidente à época, Exmo. Sr. ex-Conselheiro Luiz Suzin Marini, em face da Decisão nº 4027/2004.

O mencionado pronunciamento foi exarado no processo CON 04/02706960, em decorrência da protocolização, neste Tribunal de Contas, da Consulta efetuada pelo Prefeito Municipal de Agrolândia, sendo os questionamentos elaborados nos seguintes termos:

Esta Consultoria Geral respondeu à Consulta mediante Parecer COG - 206/04, de fls. 03/20 do processo original, cuja conclusão asseverou:

1 Conhecer da consulta por preencher os requisitos de admissibilidade previstos no Regimento Interno.

2 Responder ao Consulente nos seguintes termos:

2.1 Não há amparo legal para a celebração de Termo de Parceria com Organização da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP para a execução do Programa de Agentes Comunitários da Saúde - PACS e do Programa de Saúde da Família - PSF.

2.2 Considerando que os recursos originários de transferências voluntárias integram o cálculo para apuração da receita corrente líquida, as despesas de pessoal realizadas com esses recursos também devem integrar a Despesa Total com Pessoal do Poder e do ente.

3 Considerando que a Conclusão acima exposta altera o entendimento deste Tribunal de Contas, exposto no Prejulgado 1419, e considerando que Prejulgado tem caráter normativo1, só podendo ser revogado ou reformado quando se firmar nova interpretação, devendo a decisão que assim deliberar fazer expressa remissão à reforma ou revogação2, é que se propõe a reforma do Prejulgado 1419, que passa a ter o seguinte teor:

Seguindo os trâmites regimentais, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas exarou Parecer MPTC nº 3031/2004 (fls. 21 e 22), concordando com os termos do Parecer COG - 206/04.

O Exmo. Sr. Conselheiro Relator Luiz Roberto Herbst também acompanhou o Parecer COG -206/04 e propôs o seu Voto ao Tribunal Pleno. (fls. 23/26)

Na sessão ordinária de 13/12/2004, o Tribunal Pleno proferiu a Decisão nº 4027/2004, de fls. 27 e 28, nos seguintes termos:

6.1. Conhecer da presente Consulta por preencher os requisitos e formalidades preconizados no Regimento Interno deste Tribunal.

6.2. Reformar o Prejulgado 1419, que passa a ter a seguinte redação:

6.2.1. Para atender aos programas de caráter transitório com recursos repassados pela União ou Estado, o Município pode admitir pessoal em caráter temporário, atendidos aos pressupostos do art. 37, IX, da Constituição Federal. Se os programas assumirem caráter de permanência e definitividade e se referirem a atividades típicas do Município (saúde, educação, saneamento, trânsito, etc.), o procedimento adequado é a admissão de pessoal em cargos de provimento efetivo (mediante concurso público);

6.2.2. No caso do Programa de Saúde da Família - PSF e do Programa de Agentes Comunitários de Saúde - PACS, ambos do Governo Federal, o Município pode adotar as seguintes soluções:

6.2.2.1. admissão de pessoal em cargos de provimento efetivo criados por lei, mediante prévia aprovação em concurso público, nos termos do art. 37, II, da Constituição Federal, situação em que o servidor adquire estabilidade após três anos de efetivo exercício e o ente público municipal fica responsável pela aposentadoria, de acordo com as regras da Constituição Federal, onerando os cofres públicos do Município;

6.2.2.2. contratação temporária, caracterizada a necessidade temporária de excepcional interesse público, mediante lei específica que estabeleça as regras, os prazos de vigência dos contratos, a forma e critérios de seleção, os direitos dos contratados, a remuneração, sua vinculação ao Regime Geral da Previdência Social, entre outras normas pertinentes;

6.2.3. Não encontra amparo legal a celebração de convênio ou contratação de organizações não-governamentais sem fins lucrativos para a execução do Programa de Agentes Comunitários de Saúde e Programa de Saúde da Família.

6.2.4. Considerando que os recursos originários de transferências voluntárias integram o cálculo para apuração da receita corrente líquida, as despesas de pessoal realizadas com esses recursos também devem integrar a despesa total com o pessoal do Poder e do ente.

6.3. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, bem como do Parecer COG n. 206/2004, à Prefeitura Municipal de Agrolândia.

6.4. Determinar o arquivamento dos autos.

O Presidente à época, ex-Conselheiro Luiz Susin Marini, com o intuito de dar nova redação à Decisão acima mencionada, propôs Recurso de Reexame de Conselheiro. (fls. 03 a 06)

Esta Consultoria elaborou Parecer COG - 128/05, concluindo nos seguintes termos:

1.1 Para atender ao Programa de Saúde da Família - PSF e ao Programa de Agentes Comunitários de Saúde - PACS (Portaria do Ministério da Saúde nº 1.886/GM, de 18/12/1997), ambos do Governo Federal, o município pode adotar as seguintes soluções:

1.1.1 Contratação para ocupação de empregos públicos, criados por lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, "a", CR), em quadro específico constituído exclusivamente por quantitativo de funções e vagas correspondentes às equipes em operação, regidos pelo Decreto-lei nº 5.452/43 - Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mediante prévia aprovação em concurso público (art. 37, II, CR), com vinculação ao Regime Geral de Previdência Social (art. 201, CR), sem aquisição de estabilidade (art. 41, CR), incluídos no regime do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS (art. 7º, III, CR), demissíveis a qualquer tempo, em especial quando da desativação de equipe, da denúncia do convênio entre o município e a União ou do encerramento dos Programas;

1.1.2 Contratação por tempo determinado (art. 37, IV, CR), caracterizada a necessidade temporária de excepcional interesse público, mediante lei específica que estabeleça as regras, os prazos de vigência dos contratos, a forma e critérios de seleção, os direitos dos contratados, a remuneração, sua vinculação ao Regime Geral da Previdência Social, entre outras normas pertinentes;

1.1.3 Admissão de pessoal em cargos de provimento efetivo (art. 37, II, CR), criados por lei, mediante prévia aprovação em concurso público, situação em que o servidor adquire estabilidade após três anos de efetivo exercício (art. 41, CR);

1.2 Não encontra amparo legal a celebração de convênio ou contratação de organizações não-governamentais, organizações sociais - OS (Lei nº 9.637/98), organizações da sociedade civil de interesse público - OSCIP (Lei nº 9.790/99), cooperativas (Lei nº 10.406/02, art. 1.094), e outras formas societárias e associativas, ainda que sem fins lucrativos, para a execução do Programa de Agentes Comunitários de Saúde - PACS e Programa de Saúde da Família - PSF.

1.3 Considerando que os recursos originários de transferências voluntárias integram o cálculo para apuração da receita corrente líquida - RCL (LC nº 101/00, art. 2º, IV), as despesas de pessoal realizadas com esses recursos também devem integrar a despesa total com o pessoal do Poder e do ente.

2 Revogar o Prejulgado 1419.

3. Reformar os Prejulgados 1083 (segundo parágrafo), 1095 (itens 4 e 5), 1347 (item 1), que passa a ter a redação proposta no item 1 acima.

4 Dar ciência ao Consulente do inteiro teor desta Decisão, bem como do parecer e voto que a fundamentam.

5 Dar ampla divulgação, encaminhando cópia desta decisão a todos os Municípios.

6 Determinar o arquivamento dos autos. (grifo do autor)

O Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, por meio do seu Procurador-Geral, Dr. Márcio de Sousa Rosa, exarou Parecer MPTC nº 814/2005 (fls. 28 e 29), concordando com os termos do Parecer COG - 128/05.

Porém, o Conselheiro Substituto Relator Clóvis Mattos Balsini, decidiu em seu Voto por adotar o mesmo entendimento do Conselheiro Moacir Bertoli no processo CON 05/00543682, referente ao Município de São Domingos, propondo o seguinte:

"1. Conhecer do Recurso de Reexame, de iniciativa do Conselheiro Presidente, Luiz Susin Marini, com fulcro no art. 81 da Lei Complementar n. 202/2000, interposto contra a Decisão n. 4027/2004, de 13/12/2004, exarada no Processo n. CON-04/02706960, e, no mérito, dar-lhe provimento para:

1.1 Modificar a decisão questionada para responder a Consulta recorrida nos seguintes termos:

'6.2.1 Para atender ao Programa de Saúde da Família - PSF e ao Programa de Agentes Comunitários de Saúde - PACS o Município pode promover a contratação de profissionais através de:

6.2.1.1. Ocupação de empregos públicos, criados por Lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo (conforme art. 61, § 1º, II, "a", CF), em quadro específico, regidos pelo Decreto-lei n. 5.452/43 - Consolidação das Leis do Trabalho, mediante prévia aprovação em concurso público (art. 37, II, CF), com vinculação ao Regime Geral de Previdência Social (art. 201, CF), sem aquisição de estabilidade (art. 41, CF), incluídos no regime do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço - FGTS (art. 7º, I, CF), em especial quando da desativação de equipe, da renúncia do convênio entre o município e a União ou do encerramento dos Programas;

6.2.1.2 Contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público, de acordo com o art. 37, inciso IX, da CF, sem aquisição de estabilidade, mediante prévio processo seletivo público, conforme dispuser lei municipal específica.

6.2.2 Especificamente com relação aos agentes comunitários de saúde (ACS) deve ser levada em consideração pela Prefeitura Municipal de Gaspar a Emenda Constitucional nº 51, de 14/02/2006, que estabelece que a admissão dos agentes pelos Municípios é condicionada à aprovação em processo seletivo,dispensada esta com relação aos Agentes Comunitários de Saúde que se encontravam em atividade na data da promulgação da Emenda Constitucional, e desde que previamente tivessem sido contratados mediante prévia seleção pública autorizada e supervisionada por ente da Administração Direta - art. 2º, parágrafo único da EC nº 51.

6.2.2.1. Afronta o art. 2º e parágrafo único, da Emenda Constitucional nº 51, de 2006, a admissão e/ou prestação de serviços por agentes comunitários de saúde que não tenham sido submetidos previamente a processo seletivo público.

6.2.2.2. A definição do regime jurídico dos ACS - se celetista, estatutário ou outro-, encontra-se pendente de lei federal - previsto no § 5º do art. 198 da CF, acrescido pela EC.

6.2.2.3. Até que seja editada lei federal referida pela Emenda Constitucional nº 51, a contratação deve ser efetivada por tempo determinado para atender necessidade temporária de excepcional interesse público, sem aquisição de estabilidade, de acordo com o regime estabelecido em lei municipal específica, na forma do art. 37, IX, da CF.

6.2.3. Com referência à contratação de OSCIP - Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, para a gestão e execução dos Programas PSF e PACS, é consenso que: 'não encontra amparo legal a celebração de convênio, parceria, termo de cooperação e instrumentos congêneres ou a contratação de organizações não-governamentais; organizações sociais - OS (Lei Federal nº 9.637/98); organizações da sociedade civil de interesse público - OSCIP (Lei nº 9.790/99), cooperativas (Lei nº 10.406/02, Código Civil, art. 1.094); ou outras formas societárias e associativas não criadas e mantidas pelo Poder Público, ainda que sem fins lucrativos, para a execução do Programa de Agentes Comunitários de Saúde - PACS e Programa de Saúde da Família - PSF, por transferir atividade típica estatal para entidades privadas.'

6.2.3.1. A Deliberação nº 001, de 10/03/2005, do Conselho Nacional de Saúde, do Ministério da Saúde, manifesta-se contrária à terceirização da gerência e gestão dos serviços e pessoal da saúde, não admitindo contratação com OSCIPs, OSs e congêneres.

6.2.3.2. Em conformidade com a Emenda Constitucional nº 51, de 2006, e a Portaria nº 648, de 28/03/2006, do Ministro de Estado da Saúde, que aprova a Política Nacional de Atenção Básica, vinculada ao SUS-Sistema Único de Saúde, e que estabelece a revisão da regulamentação de implantação e operacionalização em vigor, com abrangência sobre a estratégia Saúde da Família, a implantação, a admissão do pessoal necessário, a gestão e a execução dos Programas PSF-Saúde da Família e PACS-Agentes Comunitários de Saúde é de responsabilidade dos Municípios.

6.2.3.2.1. A lei municipal que dispuser sobre as contratações por prazo determinado na forma do art. 37, inc. IX, da CF, ou sob o regime celetista, sem aquisição de estabilidade, vinculadas aos Programas PACS e PSF, devem conter, no mínimo, definição sobre: as hipóteses de contratação; o prazo de vigência das contratações; a possibilidade ou não de prorrogação dos contratos; a forma e critérios de seleção; a ampla divulgação do edital de seleção; a vinculação ao Regime Geral de Previdência Social; a vinculação ao programa PSF, PACS ou similar; o número de vagas; a remuneração e demais benefícios; a carga horária semanal; o horário de início e término do trabalho; o quantitativo de equipes; a área de atuação das equipes; as hipóteses de rescisão do contrato, entre elas, a extinção do programa ou a redução de equipes; vedação de aproveitamento dos contratados em outras atividades do Município; vedação do remanejamento dos contratados para atividades permanentes da Secretaria Municipal da Saúde ou similar.

6.2.4 Considerando que os recursos originários de transferências voluntárias integram o cálculo para apuração da Receita Corrente Líquida - RCL (Lei Complementar n. 101/2000 - art. 2º, IV), as despesas de pessoal realizadas com esses recursos também devem integrar a despesa total com o pessoal do Poder e do ente.

6.3 Revogar o Prejulgado n. 1419.

6.4 Reformar os Prejulgados n. 1083 (segundo parágrafo), 1095 (itens 4 e 5), 1347 (item 1), que passam a ter a redação proposta nos itens 6.2.1 a 6.2.4, acima."

2. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator, que a fundamentam, às Prefeituras Municipais do Estado de Santa Catarina. (grifo do autor)

Esta Consultoria Geral ao obter o conhecimento de que estava tramitando um Projeto de lei regulamentando a Emenda Constitucional nº 51, requereu a retirada deste processo de pauta da sessão do dia 03/07/06.

Por meio do despacho do Conselheiro Relator de fls. 35, os autos foram encaminhados a esta Consultoria que passa a seguir a expor suas razões de mérito, vez que os pressupostos de admissibilidade já foram analisados pelo Parecer COG - 128/05.

É o relatório.

II. MÉRITO

CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Desde a implantação dos programas de saúde preventiva, os entes municipais encontram-se preocupados quanto ao provimento de seus agentes, haja vista a transitoriedade de que se vinham revestindo os programas federais. Alguns entes adotadaram a contratação temporária, outros por interpostas pessoas ou terceirização.

Diante das discussões jurídicas geradas, esta Corte de Contas vem por diversas vezes responder as consultas feitas pelos entes municipais, em virtude de dúvidas que surgiram a respeito das contratações de pessoal para atender ao Programa de Saúde da Família - PSF e ao Programa de Agentes Comunitários de Saúde - PACS, ambos do Governo Federal. Os questionamentos surgiram em razão de se poder ou não contratar seu pessoal por meio de contratos por prazo determinado, bem como da possibilidade de celebração de termo de parceria com Organização da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP, para a execução dos referidos Programas.

Tendo em vista que esta Consultoria Geral tomou conhecimento da tramitação de Projeto de lei, o qual regulamentaria a matéria em discussão, pediu-se a retirada de pauta do processo com o intuito de se aguardar a edição da lei para poder aplicá-la no caso ora em análise.

Sendo assim, este Parecer tem por objetivo reanalisar os autos com base na nova Lei Federal nº 11.350/06 e considerando a indagação do Consulente, assim posta:

CONTRATAÇÃO DE PESSOAL À LUZ DA LEI FEDERAL Nº 11.350/2006

A Lei 11.350/06 surgiu com o intuito de regulamentar o § 5º, do art. 198, da CF, o qual foi incluído pela Emenda Constitucional nº 51/2006 e que reza o seguinte: "[...] § 5º Lei federal disporá sobre o regime jurídico e a regulamentação das atividades de agente comunitário de saúde e agente de combate às endemias." (grifo nosso)

Assim, no que tange a contratação de Agente Comunitário de Saúde e Agente de Combate às Endemias, a Lei nº 11.350/06 em seus artigos 8º e 9º estabelece que:

Art. 8º Os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias admitidos pelos gestores locais do SUS e pela Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, na forma do disposto no § 4º do art. 198 da Constituição, submetem-se ao regime jurídico estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, salvo se, no caso dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, lei local dispuser de forma diversa.

Art. 9º A contratação de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate às Endemias deverá ser precedida de processo seletivo público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para o exercício das atividades, que atenda aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Parágrafo único. Caberá aos órgãos ou entes da administração direta dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios certificar, em cada caso, a existência de anterior processo de seleção pública, para efeito da dispensa referida no parágrafo único do art. 2º da Emenda Constitucional nº 51, de 14 de fevereiro de 2006, considerando-se como tal aquele que tenha sido realizado com observância dos princípios referidos no caput. (grifo nosso)

Conforme consta no dispositivo acima mencionado, o regime jurídico de trabalho adotado para os Agentes Comunitários de Saúde e Agentes de Combate às Endemias é o da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT. Porém, os Estados, os Municípios e o DF poderão adotar regime diverso (cargo público), conforme o que regulamentar a lei local.

Ao se interpretar a nova Lei, extrai-se que o legislador quis tratar de emprego público, pois estabelece que o regime jurídico adotado será o da CLT, e a CF dispõe no seu art. 37, II, que:

Art. 37 [...]

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

[...] (grifo nosso)

Fica, então, caracterizado o regime de emprego público, vez que os agentes são contratados sob relação trabalhista depois de aprovados em concurso público.

Observa-se que a nova Lei 11.350/06, no seu art. 9º, caput, reza que a contratação de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate às Endemias deverá ser precedida de processo seletivo público de provas ou de provas e títulos.

O legislador ao utilizar a expressão "processo seletivo público de provas ou de provas e títulos", quis tratar de concurso público. Pois, caso fosse a intenção de fazer uma seleção de pessoal de forma mais simplificada, usaria-se apenas "processo seletivo público", deixando de mencionar "de provas ou de provas e títulos". Portanto, o processo seletivo público de provas ou de provas e títulos, é o meio de seleção pública mais complexa. Nesse sentido o nominado "processo seletivo de provas ou de provas e títulos" assume a feição de um verdadeiro concurso público.

Assim, afasta-se a mácula de inconstitucionalidade do art. 9º da Lei nº 11.350/06, no que tange a não observância do art. 37, II, da CF, acima transcrito, princípio do concurso público para investidura em emprego ou cargo público, utilizando a interpretação conforme a Constituição.

A respeito do assunto de interpretação conforme a Constituição, o Professor Alexandre de Moraes nos ensina que:

A supremacia das normas constitucionais no ordenamento jurídico e a presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos editados pelo poder público competente exigem que, na função hermenêutica de interpretação do ordenamento jurídico, seja sempre concedida preferência ao sentido da norma que seja adequado à Constituição Federal. Assim sendo, no caso de normas com várias significações possíveis, deverá ser encontrada a significação que apresente conformidade com as normas constitucionais, evitando sua declaração de inconstitucionalidade e conseqüente retirada do ordenamento jurídico.1

3

Portanto, deve-se interpretar o art. 9º da Lei nº 11.350/06, no qual menciona "processo seletivo de provas ou de provas e títulos", conforme a norma constitucional do art. 37, II, da CF, que exige concurso público de provas ou de provas e títulos para investidura em emprego ou cargo público.

Cabe ainda ressaltar, que é recomendável aos entes municipais que criem empregos públicos (art. 14, da Lei 11.350/06) ao invés de cargos públicos, para afastar o instituto da estabilidade, permitindo, assim, a demissão dos Agentes quando não mais necessários à execução dos programas.

Além disso,

[...] a partir do ano 2004, pelo menos –, o próprio Ministério da Saúde, a partir de demandas do Ministério Público do Trabalho, vinha oficiando os municípios brasileiros em alerta quanto à necessidade de obediência ao princípio do concurso público, tendo em vista o caráter permanente de que se têm revestido o PACS e o PSF e a necessidade de atendimento universal da saúde por parte dos municípios, com ou sem repasse de verbas através de programas.

Com tal evolução, passou a ser mais recomendável aos entes municipais de pequeno e médio porte, desde então, a criação de empregos públicos e provimento através de concurso dos profissionais necessários à manutenção dos programas.

A contratação por meio de empregos públicos, ao mesmo tempo, atende às manifestações dos órgãos oficiais como, também, de certa forma, resguarda os pequenos e médios municípios em face de eventuais dificuldades nos repasses de verbas pelo governo federal – daí a recomendação de criação de empregos públicos e não cargos, que, como se sabe, têm uma proteção constitucional que não possibilitaria a exoneração do pessoal excedente no caso de mera falta de recursos. A criação de empregos com o condicionamento, na própria lei criadora, de manutenção dos programas federais – e portanto dos repasses – poderia eventualmente permitir maior maleabilidade, junto ao Judiciário, quanto às eventuais necessidades de desoneração da folha.

[...]

Não há dúvida, a partir disso, que o princípio do concurso público para a investidura em cargo ou emprego público advém do princípio da igualdade, pois justamente a dois fins destina-se a sua observância: propiciar à administração pública a escolha do candidato mais capacitado e assegurar a todos os interessados oportunidade de integrar os seus quadros.

[...]

A interpretação conformada à Constituição no caso é o mínimo que se pode esperar. Ou seja: até é possível admitir que, a par do concurso público, o "processo seletivo público" seja aceito como válido, mas somente na forma de contrato temporário como manda o art. 37, IX, da CF.2 4

Outra questão a ser analisada diz respeito à aplicação da Lei nº 11.350/06 tanto para o Programa de Saúde da Família - PSF quanto para o Programa de Agentes Comunitários de Saúde - PACS. Conforme consulta ao sítio da Saúde, encontrou-se o que segue:

Saúde da Família

A Saúde da Família é entendida como uma estratégia de reorientação do modelo assistencial, operacionalizada mediante a implantação de equipes multiprofissionais em unidades básicas de saúde. Estas equipes são responsáveis pelo acompanhamento de um número definido de famílias, localizadas em uma área geográfica delimitada. As equipes atuam com ações de promoção da saúde, prevenção, recuperação, reabilitação de doenças e agravos mais freqüentes, e na manutenção da saúde desta comunidade. A responsabilidade pelo acompanhamento das famílias coloca para as equipes saúde da família a necessidade de ultrapassar os limites classicamente definidos para a atenção básica no Brasil, especialmente no contexto do SUS.

[...]

Equipes de Saúde

O trabalho de equipes da Saúde da Família é o elemento-chave para a busca permanente de comunicação e troca de experiências e conhecimentos entre os integrantes da equipe e desses com o saber popular do Agente Comunitário de Saúde. As equipes são compostas, no mínimo, por um médico de família, um enfermeiro, um auxiliar de enfermagem e 6 agentes comunitários de saúde. Quando ampliada, conta ainda com: um dentista, um auxiliar de consultório dentário e um técnico em higiene dental.

Agentes Comunitários de Saúde

O Programa de Agentes Comunitários de Saúde é hoje considerado parte da Saúde da Família. Nos municípios onde há somente o PACS, este pode ser considerado um programa de transição para a Saúde da Família. No PACS, as ações dos agentes comunitários de saúde são acompanhadas e orientadas por um enfermeiro/supervisor lotado em uma unidade básica de saúde.

Os agentes comunitários de saúde podem ser encontrados em duas situações distintas em relação à rede do SUS: a) ligados a uma unidade básica de saúde ainda não organizada na lógica da Saúde da Família; e b) ligados a uma unidade básica de Saúde da Família como membro da equipe multiprofissional. Atualmente, encontram-se em atividade no país 204 mil ACS, estando presentes tanto em comunidades rurais e periferias urbanas quanto em municípios altamente urbanizados e industrializados. (Disponível em <http://dtr2004.saude.gov.br/dab/atencaobasica.php> Acesso em: 19/10/2006.) (grifo nosso)

Assim, os Agentes Comunitários de Saúde tanto do Programa Saúde da Família quanto do Programa de Agentes Comunitários de Saúde são regulamentados pela Lei nº 11.350/06.

Com relação a contratação temporária, o art. 16 da Lei 11.530/06 dispõe:

Art. 16. Fica vedada a contratação temporária ou terceirizada de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate às Endemias, salvo na hipótese de combate a surtos endêmicos, na forma da lei aplicável.

Portanto, a contratação indireta por meio de celebração de termo de parceria com Organização da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP fica vedada.

Em relação aos Agentes Comunitários de Saúde que já estejam exercendo suas atividades, o art. 17 da Lei dispõe:

Art. 17. Os profissionais que, na data de publicação desta Lei, exerçam atividades próprias de Agente Comunitário de Saúde e Agente de Combate às Endemias, vinculados diretamente aos gestores locais do SUS ou a entidades de administração indireta, não investidos em cargo ou emprego público, e não alcançados pelo disposto no parágrafo único do art. 9º, poderão permanecer no exercício destas atividades, até que seja concluída a realização de processo seletivo público pelo ente federativo, com vistas ao cumprimento do disposto nesta Lei.

Considerando que a Lei nº 11.350/06 veio regulamentar a matéria tratada nesta Consulta, é necessário que se faça a alteração das conclusões propostas no Parecer COG - 282/06.

Cabe ainda ressaltar que nesta Corte de Contas tramita mais duas Consultas a respeito desse assunto, CON - 05/00543682 da Prefeitura Municipal de São Domingos e CON - 04/02706960 da Prefeitura Municipal de Agrolândia.

III. CONCLUSÃO

Em conformidade com o acima exposto, sugere-se ao Relator que submeta ao Plenário a seguinte proposta de decisão:

1. Conhecer do Recurso de Reexame, de iniciativa do ex-Conselheiro Presidente, Luiz Susin Marini, com fulcro no art. 81 da Lei Complementar nº 202/2000, interposto contra a Decisão nº 4027/2004, de 13/12/2004, exarada no Processo CON - 04/02706960, e, no mérito, dar-lhe provimento para:

1.1. Modificar a decisão questionada para responder a Consulta formulada pelo Prefeito Municipal de Agrolândia - Processo CON - 04/02706960 nos seguintes termos:

1.2.1. Os Agentes Comunitários de Saúde do Programa de Saúde da Família - PSF e do Programa de Agentes Comunitários de Saúde - PACS exercerão empregos públicos, regidos pela Consolidação das Lei do Trabalho - CLT, salvo se lei local dispuser de forma diversa (cargo público - art. 8º da Lei nº 11.350/06);

1.2.2. Compete ao Município dispor, por lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo, a criação de empregos ou cargos públicos destinados aos Agentes Comunitários de Saúde nos quantitativos necessários ao funcionamento dos programas (art. 14 , da Lei nº 11.350/06);

1.2.3. Para atender ao Programa de Saúde da Família - PSF e ao Programa de Agentes Comunitários de Saúde - PACS o Município poderá promover a contratação de Agentes Comunitários de Saúde com base na Lei nº 11.350/2006, art. 9º, por meio de processo seletivo público de provas ou de provas e títulos;

1.2.4. Contratação temporária ou terceirizada de Agentes Comunitários fica vedada (art. 16 da Lei nº 11.350/06). Assim, não há possibilidade de contratação por meio de celebração de termo de parceria com Organização da Sociedade Civil de Interesse Público - OSCIP;

1.2.5. Os profissionais que, na data de publicação da Lei nº 11.350/06, estejam exercendo atividades próprias de Agente Comunitário de Saúde, vinculados diretamente aos gestores locais do SUS ou a entidades de administração indireta, não investidos em cargo ou emprego público, poderão permanecer no exercício destas atividades, até que seja concluída a realização de processo seletivo público pelo ente federativo (art. 17 da Lei nº 11.350/06). Só será dispensado mediante a certificação da existência de anterior processo de seleção pública;

1.2.6. Ficam dispensados da realização do processo seletivo público os Agentes Comunitários de Saúde que se encontravam em atividade na data da promulgação da Emenda Constitucional nº 51/06 (art. 2º, parágrafo único da EC 51);

1.2.7. Considerando que os recursos originários de transferências voluntárias integram o cálculo para apuração da Receita Corrente Líquida - RCL (Lei Complementar n. 101/2000 - art. 2º, IV), as despesas de pessoal realizadas com esses recursos também devem integrar a despesa total com o pessoal do Poder e do ente.

1.2.8. Revogar o Prejulgado n. 1419.

1.2.9. Reformar os Prejulgados n. 1083 (segundo parágrafo), 1095 (itens 4 e 5), 1347 (item 1), que passam a ter a redação proposta nos itens 1.2.1 a 1.2.7, acima.

2. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator, que a fundamentam, às Prefeituras Municipais do Estado de Santa Catarina.

  ELÓIA ROSA DA SILVA

Consultora Geral