ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: REC - 02/08094920
Origem: Departamento de Edificações e Obras Hidráulicas
Interessado: Marcos Luiz Rovaris
Assunto: Recurso (Recurso de Reconsideração - art. 77 da LC 202/2000) do processo no. ARC-01/01339330
Parecer n° COG - 690/06

RECURSO DE RECONSIDERAÇÃO. PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE RECURSAL. POSSIBILIDADE. RECEBIMENTO COMO RECURSO DE REEXAME.

Ressalvados as hipóteses de erro grosseiro e havendo margem de dúvida, a parte não poderá ser prejudicada pela interposição de um recurso por outro, devendo o processo ser conhecido, em face do princípio da fungibilidade recursal.

RECURSO DE REEXAME. ADMINISTRATIVO. TIPICIDADE. EMENDATIO LIBELLI. POSSIBILIDADE.

RECURSO DE REEXAME. ADMINISTRATIVO. CONTÁBIL. INSCRIÇÃO EM RESTOS A PAGAR. IRREGULARIDADE. MULTA CONFIRMADA.

Senhora Consultora,

I. RELATÓRIO

Versam os autos do Processo nº REC-02/08094920 de Recurso de Reconsideração, interposto por Marcos Luiz Rovaris, Diretor Geral do Departamento de Edificações e Obras Hidráulicas, à época, contra o Acórdão nº 0399/2002, exarado no Processo nº ARC - 01/01339330.

O citado Processo nº ARC - 01/01339330, concerne às restrições constantes no Relatório de Registros Contábeis da Execução Orçamentária, Financeira, Patrimonial e de Compensação, referente aos meses de janeiro a dezembro de 2000.

Citado, o ora responsável apresentou defesa e documentos (fls. 244-246 e 247-757, dos autos de origem) para as restrições apontadas.

Procedida a reanálise, a Diretoria de Controle da Administração Estadual - DCE, em seu Relatório de Reinstrução, concluiu pela aplicação de multa ao Responsável. O Representante do Ministério Público junto a esta Corte de Contas acompanhou, na íntegra, o entendimento exarado pelo Corpo Técnico e o Sr. Relator, acompanhou em parte aquele entendimento.

Na Sessão Ordinária de 20/05/2002, o Processo n. ARC - 01/01339330 foi levado à apreciação do Tribunal Pleno, sendo prolatado o Acórdão n. 0399/2004, nos seguintes termos:

É o Relatório.

II. ADMISSIBILIDADE

O Recorrente era Diretor Geral do Departamento de Edificações e Obras Hidráulicas, à época, e foi responsabilizado no Acórdão nº 0399/2002, de 20/05/02. Assim, legitimado para interposição de recurso.

Em que pese a modalidade recursal utilizada tenha sido o Recurso de Reconsideração, previsto no art. 77, da Lei Complementar nº 202/00, o recurso cabível no presente caso é o Recurso de Reexame, previsto no art. 79 da L.C. nº 202/00. Este, tem por finalidade, atacar decisão proferida em processo de fiscalização de ato e contrato e de atos sujeitos a registro, especificamente o objeto do processo de auditoria in loco nº ARC-01/01339330, ora recorrido, enquanto aquele, tem por finalidade, insurgir-se contra decisão proferida em processos de Prestação e Tomada de Contas, o que não é o caso.

Porém, face a tênue margem de dúvida quanto ao recurso a ser empregado no presente caso e a inexistência de erro tosco, destapa-se a possibilidade de aplicação do princípio da fungibilidade recursal, ou seja, a possibilidade de um recurso que não preenche os requisitos de admissibilidade (inadmissível), ser recebido como se outro (admissível) fosse.

No âmbito do Processo Civil, o princípio da fungibilidade tem um grande espaço nas discussões tanto doutrinária como jurisprudencial. Para melhor explanarmos esse assunto, trazemos os ensinamentos de Antônio Silveira Neto1 e Mario Antônio Lobato de Paiva2, que no sítio datavenia3 publicaram a obra "Fungibilidade Recursal no Processo Civil - Um Modelo Jurídico Implícito", e assim conceituam o princípio da fungibilidade:

A dúvida, na utilização do recurso de Reconsideração ou Reexame, deve-se principalmente, em face das peculiaridades entre estes, quais sejam: ambos atacam o mérito da decisão; têm efeito suspensivo; os legitimados são os mesmos e têm o mesmo prazo para interposição, sendo que, como vimos anteriormente, o que os diferencia, é apenas a matéria tratada nos autos de origem, ou seja, enquanto o Recurso de Reconsideração cabe contra decisão em processo de prestação e tomada de contas, o Recurso de Reexame caberá contra decisão proferida em processo de fiscalização de ato e contrato e de atos sujeitos a registros.

Assim, entendemos que, pelo princípio da fungibilidade recursal, o presente recurso pode ser recebido como Recurso de Reexame.

No que concerne à tempestividade, a Lei Orgânica desta Corte de Contas - Lei Complementar n. 202/2000, em seu art. 80, expressa o prazo de 30 (trinta) dias para interposição do Recurso de Reexame:

Assim, considerando que o Acórdão guerreado foi publicado no Diário Oficial no dia 16 de julho de 2002, e a presente irresignação protocolada neste Tribunal em 22 de julho de 2002, tem-se como tempestiva a peça.

III. DISCUSSÃO

Procedida a ciência da decisão do Tribunal Pleno ao responsável, através do ofício 5.738, datado de 14/06/2002, o Sr. Marcos Luiz Rovaris, Diretor Geral do Departamento de Edificações e Obras Hidráulicas, recorreu a esta Corte de Contas, visando à modificação do item 6.1. do Acórdão supra transcrito, nos termos que transcreve-se e, em seguida, faz-se as respectivas considerações.

O Responsável alega em sua defesa a existência da portaria SEF nº 055/99 que, em seu entendimento, justificaria a irregularidade apontada. Tal, já foi objeto de defesa quando da instrução processual (fl. 244 dos autos de origem), ocasião em que o Corpo Técnico assim manifestou-se:

A irregularidade fundamentada na permanência, nos registros contábeis, de saldos de "restos a pagar" remanescente do exercício de 1998, foi capitulada nos arts. 5º da Lei Federal n. 8.666/93, 37, 62 e 63 da Lei Federal n. 4.320/64, ao Decreto Federal n. 20.910/32, Decreto-Lei n. 836/69 e ao art. 70 do Decreto Federal n. 93.872/86.

Ocorre que, a conduta do Responsável não encontra óbice na capitulação dada à restrição, motivo pelo qual não se configuraria, para estes, a tipicidade4. Com intuito de melhor verificação, passaremos a analisar individualmente os embasamentos legais, para que se determine a capitulação que realmente corresponda à conduta irregular apontada:

O art. 5º da Lei Federal nº 8.666/93, assim preleciona:

Pode-se observar que o artigo 5º da lei 8.666/93, não guarda relação direta com a fundamentação da restrição. Forçosamente poderia relacioná-lo com a ordem cronológica da exigibilidade da despesa inscrita em restos a pagar, ou seja, em tese, existindo valores do exercício de 1998 inscritos em restos a pagar, em dezembro de 2000, não poderiam terem sido pagas as despesas dos exercícios de 1999 e 2000, antes daquela inscrita em restos a pagar (do exercício de 1998). No entanto, a possível inversão na ordem cronológica, não pode ser presumida e deveria estar provada nos autos (o que não ocorreu), pois além da existência de orçamento específico (fonte de recurso) para a classificação da despesa inscrita em restos a pagar, dever-se-ia também, ter certeza da inexistência de qualquer justificativa para alteração da ordem cronológica. Assim, inaplicável o artigo 5º da lei 8.666/1993 à restrição apontada.

Rezam os artigos 37, 62 e 63 da Lei Federal nº 4.320/64:

Os artigos acima, também não tipificam a fundamentação dada à restrição, vez que não vão de encontro com a permanência nos registros contábeis, de saldos de restos a pagar remanescente de exercícios anteriores.

Já o Decreto Federal n. 20.910/32, regula a prescrição qüinqüenal das dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, também não se refere à fundamentação dada à restrição ora recorrida, pois a inscrição da dívida em Restos a Pagar verificada em 31/12/2000, era do exercício de 1998 e, portanto, não encontrava-se prescrita.

O Decreto-Lei n. 836/69, estabelece em seu art. 3º, § 1º, o que segue:

Observa-se que o mesmo, estipula a vigência da despesa (com fornecimento de material, execução de obras ou prestação de serviços) constituída em Restos a Pagar, em cinco anos a partir do exercício seguinte àquele que se referir o crédito, o que, ratificaria a inscrição da despesa do exercício de 1998, nas demonstrações contábeis de 31/12/2000.

Ocorre que o Decreto-Lei n. 836/69, foi expressamente revogado em 1980, com a entrada em vigor do Decreto-Lei n. 1.815/80 que, em seu artigo 3º, estabelece:

Assim, o artigo 3º do Decreto-Lei n. 1.815/80, tipifica a conduta fundamentada na restrição apontada, pois, de acordo com este artigo, os valores referentes ao exercício de 1998, somente poderiam estar inscritos nos registros contábeis de "Restos a Pagar", até 31 de dezembro de 1999. A permanência da inscrição daqueles valores, ainda em dezembro de 2000, fere o artigo 3º do Decreto-Lei n. 1.815/80.

Apesar da mudança na capitulação originariamente apontada na restrição, os fundamentos desta continuam os mesmos, ou seja, a permanência, nos registros contábeis, de saldo de "restos a pagar" remanescente do exercício de 1998.

Utilizando-se da analogia com o direito processual penal, temos a aplicação da emendatio libelli, que nada mais é que a alteração da tipificação adotada anteriormente, sendo que os fatos, para os quais, foi apresentada a defesa, permanecem inalterados.

Para melhor exemplificar a possibilidade dessa mudança, trazemos os ensinamentos de Flúvio Cardinelle Oliveira Garcia5, em sua obra "A jurisdição e seus princípios", colhido do sítio Jus Navegandi6

Pelo exposto, somos pela manutenção da restrição, mantendo a sua fundamentação fática. Porém, utilizando-se da emendatio libelli (por analogia ao artigo 383 do CPP), deve-se corrigir a capitulação dada à restrição, para adequação aos fatos, sem, contudo, haver alteração na pena imposta.

Por fim, o art. 70 do Decreto Federal n. 93.872/86, determina que "Prescreve em cinco anos a dívida passiva relativa aos Restos a Pagar (CCB art. 178, § 10, VI).". Assim, verifica-se que, tal decreto não tipifica a conduta apontada como irregular, bem como não pode ser aplicado à Unidade Estadual, pelo princípio federativo.

IV. CONCLUSÃO

Ante o exposto, sugere-se ao Exmo. Relator:

1. Conhecer do Recurso de Reexame, nos termos do art. 79 e 80 da Lei Complementar n. 202/2000, interposto contra o Acórdão n. 0399/2002, exarado na Sessão Ordinária de 20/05/2002, nos autos do Processo nº ARC - 01/01339330, e, no mérito, dar-lhe Provimento Parcial para modificar o item 6.1 da decisão recorrida, no sentido de adequar a fundamentação legal da restrição à norma tipificadora agente, que passa a ter a seguinte redação:

2. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como deste Parecer COG, ao Sr. Marcos Luiz Rovaris - Diretor-Geral do DEOH.

3. Determinar a remessa dos presentes autos, à Secretaria Geral, para que seja procedida a sua reautuação, como Recurso de Reexame, em conformidade com o item II deste parecer.

  ELÓIA ROSA DA SILVA

Consultora Geral