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TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
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Processo n°: |
REC-03/06723840 |
Origem: |
Prefeitura Municipal de Blumenau |
Interessado: |
Décio Nery de Lima |
Assunto: |
Recurso (Reexame - art. 80 da LC 202/2000) DEN-00/03135055 |
Parecer n° |
COG-655/06 |
DENÚNCIA. RECURSO DE REEXAME. ADMINISTRATIVO. INEXISTÊNCIA DE DOAÇÃO DE BENS AO MUNICÍPIO. AUDITORIA IN LOCO DECORRENTE DE DENÚNCIA. VERIFICAÇÃO DE IRREGULARIDADES EM DOAÇÃO COM ENCARGO ACEITA POR PREFEITO MUNICIPAL, SEM AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA. CANCELAMENTO DAS MULTAS. CONHECER E DAR PROVIMENTO.
A escritura pública de doação pura e simples, por si só, não tem o condão de efetivar definitivamente a doação, haja vista, que o referido momento, somente se perfectibiliza com o registro translativo da propriedade.
Não houve a doação, porquanto ela não se realizou com o ato de registro translativo da propriedade; assim, não pode haver responsabilização pela indevida assunção de pagamento de eventuais débitos fiscais existentes, em descumprimento ao artigo 59, inciso XXII, da Lei Orgânica Municipal.
Senhora Consultora,
1. RELATÓRIO
Tratam os autos de Recurso de Reexame n. REC-03/06723840, interposto pelo Sr. Décio Nery de Lima, ex-Prefeito Municipal de Blumenau, em face do Acórdão n. 0968/2003 (fls. 246/247), exarado no Processo n. DEN-00/03135055.
O citado processo DEN-00/03135055, é relativo à denúncia de irregularidades praticadas na Prefeitura Municipal de Blumenau, no exercício de 2000, empreendida por esta Corte de Contas, através de sua Diretoria de Auditoria Especiais - DEA.
A DEA elaborou o Parecer de Admissibilidade n. 79/00 (fls. 69/73), no qual concluiu por sugerir ao Tribunal Pleno que conheça da denúncia por atender aos requisitos legais previstos na Lei Complementar n. 202/00 e no Regimento Interno. O Ministério Público junto ao TC, também, sugeriu por recomendar o exame da denúncia pelo Eg. Tribunal Pleno (fl. 75 do DEN-00/03135055).
Após os procedimentos legais, os autos foram encaminhados ao Relator Conselheiro Otávio Gilson dos Santos, que manifestou-se no sentido de acolher a denúncia (fls. 76/78) e submeter ao Tribunal Pleno que adote sua decisão, determinando à Diretoria de Auditorias Especiais - DEA, que proceda às auditorias junto a Prefeitura Municipal de Blumenau. No mesmo norte, foi a Decisão n. 2879/2000 do Tribunal Pleno (fl. 79), que conheceu da denúncia por preencher os requisitos e formalidades preconizadas nos arts. 120 e 121 do Regimento Interno do TCE/SC.
Empreendida a auditoria in loco pela DEA (em atenção a Decisão n. 2879/2000), foi elaborado o Relatório de Auditoria n. 64/2001 (fls. 213/219), no qual concluiu por sugerir ao Conselheiro Relator a audiência do responsável, o Sr. Décio Nery de Lima. Acolhida a sugestão (fl. 221), o Relator Conselheiro Otávio Gilson dos Santos determinou à DEA que procedesse a realização da audiência do responsável.
Devidamente notificado (fl. 224), o ex-Prefeito Municipal de Blumenau, o Sr. Décio Nery de Lima, compareceu aos autos, apresentando suas razões e juntando os documentos que entendeu necessários (fl. 225/228).
Em seqüência, os autos foram reexaminados pela DEA que elaborou o Parecer n 040/2002 (fl. 231/239). As conclusões esboçadas pelo Corpo Instrutivo foram acolhidas pelo Ministério Público, em seu Parecer MPTC n 1078/2002 (fl. 241/242). Após os trâmites legais, os autos foram encaminhados ao Relator do feito, o Sr. Conselheiro Otávio Gilson dos Santos, que manifestou-se no acolhimento do Parecer emitido pela DEA (fls. 243/245).
Na Sessão Ordinária de 16/06/2003, o Processo n. DEN-00/03135055 foi levado à apreciação do Tribunal Pleno, sendo prolatado o Acórdão n. 0968/2003 (fls. 246/247), que acolheu na íntegra o voto do Relator, vejamos:
"VISTOS, relatados e discutidos estes autos, relativos à denúncia de irregularidades praticadas na Prefeitura Municipal de Blumenau no exercício de 2000.
Considerando que foi efetuada a audiência do Responsável, conforme consta na f. 223 dos presentes autos;
Considerando que as justificativas apresentadas são insuficientes para elidir irregularidades apontadas pelo Órgão Instrutivo, constantes do Parecer DEA (DDR) n. 040/2002;
ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:
6.1. Conhecer do Relatório de Instrução que trata do recebimento, por parte da Prefeitura Municipal de Blumenau, de doação onerosa de imóvel, para considerar irregular, com fundamento no art. 36, §2º, alínea "a", da Lei Complementar n. 202/2000, o ato examinado.
6.2. Aplicar ao Sr. Décio Nery de Lima - Prefeito Municipal de Blumenau, com fundamento nos arts. 70, II, da Lei Complementar n. 202/00 e 109, II, c/c o 307, V, do Regimento Interno instituído pela Resolução n. TC-06/2001, as multas abaixo discriminadas, com base nos limites previstos no art. 239, III, do Regimento Interno (Resolução n. TC-11/1991) vigente à época da ocorrência das irregularidades, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, ou interpor recurso na forma da lei, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:
6.2.1. R$ 500,00 (quinhentos reais), em face da aceitação de doação com encargo, sem autorização legislativa, de imóvel onerado com dívida tributária municipal, existindo, inclusive, ação revocatória em trâmite, em descumprimento ao art. 14, XI, da Lei Orgânica Municipal
(item 1.1 da Conclusão do Parecer DDR);
6.2.2. R$ 500,00 (quinhentos reais), em face da indevida assunção, formalizada no ato público de doação, da responsabilidade pelo pagamento de eventuais débitos fiscais existentes, em descumprimento ao art. 59, XXII, da Lei Orgânica Municipal (item 1.2 da Conclusão do Parecer DDR).
6.3. Determinar à Prefeitura Municipal de Blumenau que, no prazo de 30 dias, a contar da publicação desta decisão no Diário Oficial do Estado, adote providências visando à revogação da escritura pública relativa ao imóvel matriculado sob n. 2884 no 1º Ofício de Registro de Imóveis, haja vista as irregularidades apontadas pelo Órgão Instrutivo.
6.4. Determinar à Diretoria de Controle dos Municípios DMU, deste Tribunal, que, após transitada em julgado a decisão, inclua na programação de Auditoria in loco na Prefeitura Municipal de Blumenau a averiguação do cumprimento do determinado no item 6.3 supra-exposto.
6.5. Representar à Câmara Municipal de Blumenau, nos termos do art. 1º, XIV, da Lei Complementar n. 202/00, sobre as irregularidades que envolveram a doação do imóvel objeto de análise do presente processo, à vista da transgressão ao art. 14, XI, da Lei Orgânica Municipal.
6.6. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, bem como do Parecer DEA (DDR) n. 040/2002, ao Denunciante e ao Denunciado, Sr. Décio Nery de Lima - Prefeito Municipal de Blumenau".
Visando à modificação do Acórdão supra transcrito, o Sr. Décio Nery de Lima interpôs o presente Recurso de Reexame.
É o relatório.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DA ADMISSIBILIDADE
Considerando que o Processo n. DEN-00/03135055, consiste em denúncia de irregularidades (fiscalização de atos e contratos) praticadas na Prefeitura Municipal de Blumenau, no exercício de 2000, tem-se que o Sr. Décio Nery de Lima utilizou da espécie recursal adequada, em consonância com o artigo 79 da Lei Complementar n. 202/2000.
Procedendo-se ao exame do recurso, verifica-se que os pressupostos legais e regimentais no tocante à legitimidade foram atendidos, uma vez que o mesmo foi interposto pelo responsável.
Em relação à tempestividade, observa-se que o Recorrente interpôs o recurso dentro do prazo legal, tendo em vista que o Acórdão recorrido foi publicado no Diário Oficial do Estado n. 17.207, de 01/08/2003, e o recurso (após deferimento de prorrogação de prazo em 30 dias, fl. 254) foi protocolado em 09/09/2003.
Assim, como o Recorrente observou o prazo para interposição do recurso, sugere-se ao ilustre Relator, conhecer o presente REC-03/06723840, por se revestir dos pressupostos de admissibilidade inscritos no art. 80 da Lei Complementar n. 202/2000.
2.2 MÉRITO
2.2.1 - Aceitação de doação com encargo, sem autorização legislativa, de imóvel onerado com dívida tributária municipal, existindo, inclusive, ação revocatória em trâmite, em descumprimento ao art. 14, XI, da Lei Orgânica Municipal (item 6.2.1. da decisão recorrida).
Alega o Recorrente, às fls. 04/06 do REC-03/06723840, que:
"Neste ponto, entendeu a decisão recorrida que o fato de constarem dívidas fiscais sobre o imóvel objeto da doação caracterizaria o recebimento de doação com encargo, para a qual é necessária prévia manifestação da Casa Legislativa Municipal, o que contradiz a escritura pública de doação pura e simples.
Essa tese, salvo melhor juízo, não pode ser aceita, pois a existência de obrigações financeiras sobre o imóvel não caracteriza a existência de encargos na acepção jurídica do termo que é uma cláusula acessória que impõe uma obrigação de fazer ou não fazer alguma, sob pena de revogação do ato jurídico.
Já no caso em apreço, não há qualquer obrigação de fazer ou na (sic) fazer, bem como inexiste qualquer cláusula que possa levar a revogação do negócio jurídico, não podendo, por isso, ser exigida autorização legislativa para a efetivação do negócio jurídico, eis que efetivamente não se trata de encargo.
Com efeito, não se deve dilatar a exigência existente no art. 14, XI, da Lei Orgânica Municipal. (...)
Ademais, é preciso considerar que, segundo o disposto no art. 30, XI, da Lei n. 8.935, de 18 de novembro de 1994, tem o Oficial do registro o dever de fiscalizar o recolhimento dos tributos, sob pena de responsabilidade pessoal, conforme estabelece o Art. 134, VI, do CTN.
Assim, não seria possível se efetivar a transferência, sem o respectivo pagamento dos tributos, que até esse ato são de responsabilidade do doador
Por isso, insustentável o entendimento de que estaria o doador livre do pagamento dos tributos existentes sobre o imóvel estando sim sujeito a cobrança até que se concretize a transferência formal do imóvel". (grifos do original)
Tendo em vista as justificativas acima transcritas, impende tecer os seguintes comentários.
Inicialmente, cumpre ressaltar, que o processo DEN-00/03135055 (fls.231/239) fundamenta-se no fato de ter havido, por parte do Recorrente, a aceitação (aquisição) de doação com encargo, sem autorização legislativa, de imóvel onerado com dívida tributária municipal, em descumprimento ao que prescreve o artigo 14, inciso XI, da Lei Orgânica Municipal de Blumenau, in verbis:
"Art. 14 - Compete à Câmara Municipal com sanção do Prefeito Municipal, legislar sobre as matérias de competência do município, especialmente sobre:
XI - aquisição de bens imóveis, salvo quando se tratar de doação sem encargo".
Todavia, antes de adentrar especificamente no ponto controvertido, impende observar o que prescreve o Código Civil de 1916, nos seguintes artigos:
"Art. 530. Adquire-se a propriedade imóvel:
I - pela transcrição do título de transferência no Registro do Imóvel;
Art. 531. Estão sujeitos à transcrição, no respectivo Registro, os títulos translativos da propriedade imóvel, por ato entre vivos.
Art. 533. Os atos sujeitos à transcrição (arts. 531 e 532, II e III) não transferem o domínio, senão da data em que se transcreverem (arts. 856, 860, parágrafo único).
Art. 534. A transcrição datar-se-á do dia em que se apresentar o título ao oficial do registro, e este o prenotar no protocolo.
Art. 1.168. A doação far-se-á por escritura pública, ou instrumento particular". (g.n.)
Estipula o Código Civil de 1916 (aplicável à época), que somente transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis, e que, enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel. Assim, com vistas a um melhor entendimento da matéria, cumpre tecer alguns comentários sobre o procedimento inerente ao registro do título translativo e sobre o que consiste a dúvida registrária, nos termos em que dispõe a Lei de Registros Públicos.
Desse modo, se faltar algum requisito ao título, ou houver alguma dúvida a respeito da transcrição da escritura, o título não será registrado e ele não obterá os direitos decorrentes do registro do título (ex. aquisição da propriedade do imóvel, que é decorrente de doação).
Dessarte, em caso de qualquer dúvida que possa implicar na invalidade do registro, cabe ao registrador sucitar o procedimento de dúvida.
Conceitua-se dúvida registrária na acepção material como sendo o juízo, emitido pelo registrador no exercício de suas funções, obstando a uma pretensão de registro; em acepção formal: o procedimento de revisão hierárquica do juízo administrativo de objeção a uma pretensão de registro.
Desta feita, visando proteger o tráfego imobiliário do qual depende consideravelmente o desenvolvimento do país, o legislador estabeleceu o prazo de trinta dias para o registrador processar todos os atos pertinentes à efetivação do registro da propriedade imóvel, que vão da recepção do título ao registro da transmissão, oneração ou atos averbatórios. Nesse diapasão expressamente dispõe o artigo 188 da Lei de Registros Públicos.
"Art. 188. Protocolizado o título, proceder-se-á ao registro, dentro do prazo de trinta dias, salvo nos casos previstos nos artigos seguintes".
O legislador estabeleceu que pelo simples transcurso do tempo cessarão os efeitos da prenotação caso não seja efetivado o registro dentro do lapso de tempo estabelecido por omissão do interessado em atender às exigências legais, salvo exceções legalmente discriminadas (caso de 2ª hipoteca do artigo 189; da dúvida do artigo 198; de loteamento e desmembramento da Lei 6766/79 e do bem de família, face a publicação de editais com prazos para impugnação), conforme dispõe o art. 205:
"Art. 205. Cessarão automaticamente os efeitos da prenotação se, decorridos trinta dias do seu lançamento no Protocolo, o título não tiver sido registrado por omissão do interessado em atender às exigências legais".
O Levantamento da Dúvida, consoante se apresenta no diploma legal, não é um benefício conferido ao Oficial Cartorário, pois que a própria norma assim não o trata. Denota-se, isso sim, da mensagem do legislador, uma verdadeira obrigação, integrando, inclusive, o corpo das funções básicas do Oficial dentro do ambiente tabelional.
A Dúvida em si mesma é a justificação promovida pelo Tabelião, após o requerimento de registro de domínio (dominus) sobre bem imóvel, a respeito do indeferimento do mencionado registro e dirigida ao Juiz da Vara de Registros Públicos que, quando da sua autuação, recebe o nome de Suscitação de Dúvida.
Nesse diapasão, nota-se, que à fl. 162 da DEN-00/03135055 (certidão fornecida pelo 1º Ofício de Registro de Imóveis), encontra-se o Prenotado n. 93.322 de 23/05/2000, em que o tabelião, após o requerimento de registro de domínio sobre bem imóvel, instaura o procedimento de suscitação de dúvida, senão vejamos:
"Mandado de Intimação de deferimento de liminar de seqüestro, datado de 22.05.2.000, assinado pelo MM. Juiz de Direito, Dr. Robson Luz Varela, oriundo dos autos n. 008.00.004975-9, com trâmito na 4ª Vara Cível desta Comarca. Tendo sido oficiado ao MM. Juiz de Direito da Vara de Registros Públicos, Dr. Francisco José Rodrigues de Oliveira Neto, no sentido de orientar-nos, se a escritura pública de doação retro prenotada, poderá ou não ser registrada". (g.n.)
Essa justificativa para não efetuar o registro daquele determinado título imobiliário, se encontra fundamentada naquelas exigências feitas pela Lei de Registros Públicos para a correta formalização do ato jurídico.
Feitas as solicitações pelo Oficial, ao requerente, in casu o apresentante, restará apenas três alternativas plausíveis:
1) atender de pronto às exigências e ter seu registro efetuado o mais rápido possível;
2) desistir do registro do título e negar a eficácia legal ao seu imóvel e ter restituído o valor pago pelos emolumentos à luz do art. 14 da Lei de Registros Públicos; ou
3) propor requerimento de suscitação de dúvida pelo Oficial junto ao Juízo competente para dirimir questões acerca dos Registros Públicos, ao qual aquele se encontra diretamente vinculado para decidir sobre o cabimento ou não das mencionadas exigências.
Manda ainda, o teor do art. 198 da Lei nº 6.015/73, que o apresentante, no caso de não se conformar com as estipulações feitas pelo Titular do Cartório, deverá apresentar por escrito uma espécie de resposta ou impugnação em face do suscitado pelo Oficial, depois do que este remeterá as peças ao Juízo Registral.
O art. 198 da LRP estatui que em havendo incertezas ou qualquer exigência a ser cumprida relativamente ao registro imobiliário, na hipótese de discordância por parte do apresentante o Oficial encaminhará ao Juízo competente para ações registrais a suscitação, o qual julgará procedente ou não.
No ato de promover a suscitação da eventual dúvida, o Oficial deverá observar atentamente o comando legal para os requisitos extrínsecos do registro, sob o ponto de vista da sua autenticidade.
Em primeiro lugar deve o Notário verificar o tipo do instrumento, se se trata de escritura pública ou instrumento particular, procurando se atentar para a veracidade das assinaturas neles contidas, se houve preterição de qualquer solenidade essencial ou omissão de declaração indispensável, se fora declarada a perfeita caracterização do bem a ser registrado e em nome de quem está matriculado, a necessidade ou não de ser averbada eventual construção, mudança de número, demolição, entre outras.
A seguir o Tabelião deverá certificar se houve o pagamento do Imposto de Transmissão de Imóveis Inter Vivos ou Causa Mortis, conforme seja o caso, bem como a transcrição, nos mesmos atos públicos, das certidões de quitação dos imóveis para com a Fazenda Pública.
Uma terceira verificação a ser feita pelo Oficial é a respeito da regular obtenção dos alvarás ou autorizações judiciais ou administrativas, de extrema importância para a realização de alguns negócios, tais como alienações de bens pertencentes a menores ou gravados com cláusula de inalienabilidade.
A possível derradeira observação a ser feita pelo Notário é, desde que seja essencial para o negócio a ser realizado, se existe outorga uxória ou marital para o referido negócio, bem com se há uma representação regular da parte.
Assevera-se, por conseguinte, dever o Oficial proceder a uma verificação dentro da sua esfera exclusivamente administrativa, não podendo, sob nenhuma hipótese, excedê-la para contestar a validade do título, opondo-se à sua eficácia.
Seguindo a regra estabelecida no caput do art. 198 da LRP, na hipótese de o Oficial se deparar com alguma irregularidade, desde que esta seja sanável, depois de protocolar, à margem da prenotação, a ocorrência da dúvida, deverá dar ciência do fato ao apresentante, certificando por escrito a exigência a ser satisfeita, para que este corrija a irregularidade apontada ou desista do registro.
Ainda de acordo com o caput do art. mencionado acima, em não aceitando a exigência feita pelo Oficial, por entendê-la descabida ou no caso de não poder satisfazê-la, pode o apresentante requerer seja o título junto com a declaração de dúvida remetido à análise e solucionamento a cargo do juízo competente.
A abertura do processo de suscitação de dúvida obedece aos requisitos relacionados nos incisos do art. 198. O título deverá ser prenotado; à margem da prenotação, na coluna atos formalizados, será anotada a observação dúvida suscitada, deixando-se um espaço para a anotação do resultado; após a certificação da prenotação e da dúvida suscitada, será o título rubricado em todas a suas folhas; a seguir o Oficial deve dar ciência da dúvida ao apresentante, cedendo a este uma cópia da peça e notificando o mesmo para impugná-la no prazo de 15 (quinze) dias.
Tendo sido cumprido todos os termos acima, as razões da suscitação serão encaminhadas ao juízo competente, juntamente com o título questionado a ser registrado.
Destarte, analisando os autos mais detidamente, verifica-se que a decisão recorrida deve ser sopesada, porquanto o processo DEN-00/03135055, pode-se dizer, "perdeu" seu objeto (ou melhor, nunca teve). E as razões que levam a essa assertiva, são as seguintes:
1) a doação pura e simples, contida na escritura pública (certidão às fls. 13/14) firmada entre a Dobrevê Empreendimentos e Participações Ltda. e o Município de Blumenau não se concretizou (fl. 162), por lhe faltar o registro translativo da propriedade (arts. 530, 531, inciso I, 533 e 534 do CC/1916). Em outras palavras, a cessão de direitos em questão não foi levada a registro, deixando de produzir, portanto, o necessário efeito translativo da propriedade.
2) em decorrência de Ação Revocatória (pauliana) n. 008.00.004975-9 (fls. 15/35), promovida pela massa falida da Moellmann em face da Dobrevê Empreendimentos e Participações Ltda - no intuito de anular a venda do imóvel que se realizou em 1996, entre a Moellmann Comercial S/A e a Dobrevê Empreendimentos e Participações Ltda -, o imóvel voltou a ser arrecadado pela massa falida, não havendo até o momento o registro da doação. Nesse sentido, é a sentença proferida em primeira instância na ação pauliana, que declarou a ineficácia da transação efetuada entre as partes, e como conseqüência, determinou o cancelamento das averbações e conferiu à massa falida, em caráter definitivo, o domínio pleno e absoluto do bem litigioso. Atualmente, a referida Ação Revocatória n. 008.00.004975-9 está em grau de recurso, no qual a apelação ora interposta foi recebida nos efeitos devolutivo e suspensivo.
Destarte, o registro do título de transferência da doação pura e simples ora em exame, na verdade, jamais se realizou. Ou seja, a escritura pública de doação pura e simples (conforme certidão, às fls. 13/14 da DEN-00/03135055), por si só, não tem o condão de efetivar definitivamente a doação, haja vista, que o referido momento, somente se perfectibiliza com o registro translativo da propriedade (arts. 530, 531, inciso I, 533 e 534 do CC/1916).
Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça decidiu a respeito, in verbis:
"REsp 254875/SP ; RECURSO ESPECIAL 2000/0035278-0
Relator(a) Ministro JORGE SCARTEZZINI
Órgão Julgador T4 - QUARTA TURMA
Data do Julgamento 05/08/2004
Data da Publicação/Fonte DJ 30.08.2004 p. 289
CIVIL - PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL - ALIENAÇÃO JUDICIAL DE BEM ADQUIRIDO POR MEIO DE CESSÃO DE DIREITOS - ARTS. 1112 E 117, DO CPC - AUSÊNCIA DE REGISTRO DO TÍTULO - TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE NÃO CONSUMADA - IMPOSSIBILIDADE.
1 - O novo Código Civil (Lei nº 10.406/2002), no que tange à forma de aquisição da propriedade imóvel, manteve a sistemática adotada pelo diploma anterior, exigindo, para tanto, a transcrição do título translativo em registro público apropriado (art. 1.245). Ademais, conforme reza o art. 108, do mesmo diploma legal, "não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos quem visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País".
2 - No caso, observo que, além de não obedecer à forma prescrita em lei, a cessão de direitos em questão não foi levada a registro, deixando de produzir, portanto, o necessário efeito translativo da propriedade, fato este que permitiria a recorrente que se utilizasse do procedimento da alienação judicial, inserto na lei processual civil, com vistas à vender o imóvel em apreço. Destarte, não transmitida a propriedade, mas apenas cedidos os direitos em relação ao bem em contenda, impossível a sua alienação judicial, nos termos dos arts. 1.112, IV, e art. 1.117, II, ambos do Código de Processo Civil.
3 - Recurso não conhecido". (g.n.)
Desse modo, constatado que não houve até o presente momento a realização do registro do título translativo da propriedade, necessário se faz reconhecer, que a decisão recorrida, especialmente seu item 6.2.1, carece de suporte fático suficiente para que possa haver a manutenção da multa aplicada.
Assim, como não houve a transferência propriamente dita do imóvel feita pela Dobrevê Empreendimentos e Participações Ltda. ao Município de Blumenau, não há que se falar em aplicação da multa, tendo como fundamentação legal, a violação do artigo 14, XI, da Lei Orgânica Municipal de Blumenau, pois o fato ensejador da aplicação da penalidade não ocorreu.
2.2.2 - Indevida assunção, formalizada no ato público de doação, da responsabilidade pelo pagamento de eventuais débitos fiscais existentes, em descumprimento ao art. 59, XXII, da Lei Orgânica Municipal (item 6.2.2. da decisão recorrida).
Por fim, cumpre analisar a multa aplicada no item 6.2.2. da decisão recorrida. Aqui, tendo em vista os apontamentos expostos acima, verifica-se que a multa aplicada pelo Eg. Tribunal de Contas, tornou-se prejudicada, e por esse motivo, deve ser sopesada.
Em outras palavras. Chegando à ilação de que não houve o registro da escritura pública de doação, porquanto ela não se concretizou com o ato de registro translativo da propriedade; cabe concluir, que o Recorrente não pode ser responsabilizado pela indevida assunção de pagamento de eventuais débitos fiscais existentes, em descumprimento ao artigo 59, inciso XXII, da Lei Orgânica Municipal de Blumenau, in verbis:
"Art. 59 - Compete privativamente ao Prefeito:
XXII - superintender a arrecadação de tributos e preços, bem como a guarda e aplicação da receita, autorizando as despesas e os pagamentos, dentro das disponibilidades orçamentárias ou dos créditos autorizados pela Câmara".
I. e., se não houve o registro translativo da propriedade feita ao Município de Blumenau (pelos motivos já elencados), não há que se falar em indevida assunção pelo Recorrente do pagamento de eventuais débitos fiscais existentes (mesmo considerando o que está enunciado, expressamente, na certidão de fls. 13/14).
Assim, tendo em vista os apontamentos expostos acima, sugere-se ao N. Relator, cancelar as multas constantes na decisão recorrida, para, no mérito dar-lhe provimento.
3. CONCLUSÃO
Ante ao exposto, sugere-se ao Relator que em seu voto propugne ao Egrégio Plenário que:
1) Conhecer do Recurso de Reexame proposto nos termos do art. 80 da Lei Complementar n. 202/2000, contra o Acórdão n. 0968/2003, na sessão ordinária do dia 16 de junho de 2003, no processo DEN-00/03135055, e, no mérito dar-lhe provimento, para:
1.1) Cancelar as multas especificadas nos itens 6.2.1. e 6.2.2. do Acórdão recorrido, bem como, as determinações constantes dos itens 6.2., 6.3., 6.4. e 6.5.;
1.2) Modificar a decisão recorrida, que passa a ter a seguinte redação:
"6.1. Conhecer do Relatório de Instrução que trata do recebimento, por parte da Prefeitura Municipal de Blumenau, de imóvel por meio de doação, para reconhecer a perda do seu objeto, haja vista que não houve a sua aquisição, nos termos do art. 530, I do CC/1916, pressuposto necessário para a incidência dos arts. 14, XI e 59, XXII, ambos, da Lei Orgânica Municipal.
6.2. Dar ciência desta Decisão, do Relatório e Voto do Relator que a fundamentam, bem como do Parecer DEA (DDR) n. 040/2002, ao Denunciante e ao Denunciado, Sr. Décio Nery de Lima - Prefeito Municipal de Blumenau".
2) Dar ciência deste acórdão, do relatório e do voto do Relator que o fundamentam, bem como deste Parecer COG, ao Sr. Décio Nery de Lima e ao advogado constituído, Dr. Ronei Danielli (fl. 09 do REC-03/06723840).
COG, em 10 de novembro de 2006.
MURILO RIBEIRO DE FREITAS
Auditor Fiscal de Controle Externo
De Acordo. Em ____/____/____
À consideração do Exmo. sr. conselheiro wilson rogério wan-dall, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
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MARCELO BROGNOLI DA COSTA Consultor Geral em exercício |