ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: CON - 06/00506401
Origem: Instituto de Previdência Social dos Servidores Públicos do Município de Videira
Interessado: Vilso Vanz
Assunto: Consulta
Parecer n° COG-672/06

Consulta. Previdenciário. Contribuição. Resgate. Impossibilidade.

Por adotar o regime de repartição simples, o sistema de previdência público desconhece contas ou reservas individuais, não admitindo o resgate de contribuições.

Senhor Consultor,

Consta das fls. 02/03, a seguinte consulta:

"...

a) Podem as contribuições previdenciárias vertidas pelo servidor sobre remuneração do cargo inacumulável que deixará de prover, serem-lhe devolvidas? Em caso positivo, esta devolução deverá ser precedida de lei autorizativa? Tais valores podem ser corrigidos?

b) Podem as contribuições previdenciárias vertidas pelo ente público sobre a remuneração do cargo inacumulável que o servidor deixar de prover, serem devolvidas? Em caso positivo, esta devolução deverá ser precedida de lei autorizativa? Tais valores podem ser corrigidos?

..."

Considerando que a Consulta vem firmada pelo Presidente do Instituto de Previdência Social dos Servidores Públicos do Município de Videira, Sr. Vilso Vanz, tem-se como preenchido o requisito de legitimidade, consoante o disposto nos artigos 103, II e 104, III, da Resolução n. TC-06/2001, desta Corte de Contas.

Observa-se ainda que a consulta não veio instruída com parecer da assessoria jurídica do órgão ou entidade consulente, conforme preceitua o art. 104, V, da Resolução n. TC-06/2001 (Regimento Interno do TCE/SC), contudo, o Tribunal Pleno poderá conhecer de consulta que não atenda a esta formalidade, conforme autoriza o parágrafo 2º, do artigo 105 do referido Regimento.

A previdência social é direito social consagrado pelo art. 6º caput da Constituição da República, tendo em vista que consolida o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), e, por meio de contribuição, assegura aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem depende economicamente (art. 1º, Lei n.º 8.213/91).

De acordo com o parágrafo único do artigo 83 da Lei Complementar nº 23/02 prescreve em cinco anos toda e qualquer ação do segurado do Instituto de Previdência Social dos Servidores Públicos do Município de Videira para reaver qualquer prestação recolhida indevidamente.

Art. 83. É de cinco anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou dependente para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo.

Parágrafo único. Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela previdência social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil.

Dispõe a Lei Complementar nº 23, de 27 de março de 2002, in verbis:

Art. 5º É segurado do INPREVID:

I - o segurado-ativo, assim classificado o servidor ativo titular de cargo de provimento efetivo do Município de Videira, incluídas suas autarquias e fundações, nos termos do Estatuto dos Servidores Públicos Municipais;

Art. 13. Filiação é o vínculo que se estabelece entre os segurados e dependentes e o INPREVID, do qual decorrem direitos e obrigações.

§ 1º A filiação dos segurados ao INPREVID decorre, automaticamente, da investidura em cargo de provimento efetivo no Município de Videira, incluídas suas autarquias e fundações, e se consolida com o pagamento das contribuições.
Art. 61. O plano de custeio do RPPS será aprovado anualmente por lei, dela devendo constar obrigatoriamente o regime financeiro adotado e o respectivo cálculo atuarial.

Art. 62. O custeio do plano será atendido pelas seguintes fontes de receitas:

I - contribuições mensais do Município, incluídas suas autarquias e fundações;
II - contribuições mensais dos segurados-ativos;
III - contribuições mensais dos segurados- inativos;
IV - contribuições mensais dos dependentes, desde que em gozo de benefício;
V - doações, subvenções, auxílios, legados e outras receitas eventuais;
VI - receitas decorrentes de investimentos e aplicações patrimoniais;
VII - receitas decorrentes do ativo imobiliário;
VIII - juros e atualização monetária decorrentes de contribuições recebidas em atraso;
IX - receitas decorrentes da compensação financeira com outros regimes previdenciais;
X - bens, direitos e ativos;
XI - outros recursos consignados no orçamento do Município.

Dos dispositivos acima transcritos se pode perceber que a investidura em cargo efetivo é condição sine qua non para que alguém seja considerado segurado do Instituto de Previdência Social dos Servidores Públicos do Município de Videira.

Com o advento da Emenda Constitucional nº 41/03, o Supremo Tribunal Federal - STF reconheceu que o sistema previdenciário apresenta caráter contributivo e solidário.

Vejamos algumas ementas do STF sobre o tema:

Cabe destacar um pequeno trecho do voto do Ministro Cézar Peluzo no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.128/DF, verbis:

"o regime previdenciário público visa garantir condições de subsistência, independência e dignidade pessoais ao servidor idoso por meio de pagamentos de proventos durante a velhice e, nos termos do art. 195 da CF, deve ser custeado por toda a sociedade, de forma direta e indireta, o que se poderia denominar princípio estrutural da solidariedade".

Já o Ministro Sepúlveda Pertence, em sede da ADIMC nº 1441/DF, assim se manifestou:

"Assim como não aceito considerações puramente atuariais na discussão dos direitos previdenciários, também não as aceito para fundamentar o argumento básico contra a contribuição dos inativos, ou seja, a de que já cumpriram o quanto lhes competia para obter o benefício da aposentadoria. Contribuição social é um tributo fundado na solidariedade social de todos para financiar uma atividade estatal complexa e universal, como é a Seguridade...".

Cabe-nos tratar com minudência o princípio da solidariedade, vejamos o que ensina a doutrina:

"Dentre os princípios que vêm merecendo distinção na quadra mais recente está o princípio da solidariedade, cuja matriz constitucional se encontra no art. 3º, I. O termo já não está mais associado apenas ao direito civil obrigacional (pelo qual alguém tem direito ou obrigação à integralidade do crédito ou da dívida), mas também, e principalmente, à idéia de justiça distributiva. Traduz-se na divisão de ônus e bônus na busca de dignidade para todos. A solidariedade ultrapassa a dimensão puramente ética da fraternidade, para tornar-se uma norma jurídica: o dever de ajudar o próximo. Conceitos importantes da atualidade, em matéria de responsabilidade civil, de desenvolvimento sustentado e de proteção ambiental fundam-se sobre este princípio, inclusive no reconhecimento de obrigações com as gerações futuras.

(...)

À vista de tais premissas, a contribuição previdenciária de ativos e inativos não está correlacionada a benefícios próprios de uns e de outros, mas à solvabilidade do sistema.

(...)

Em suma: no sistema previdenciário vigente no Brasil, um número reduzido de servidores públicos absorve a maior proporção dos recursos com o custeio de suas aposentadorias. E isso, em grande parte dos casos, sem haverem contribuído ou havendo contribuído de maneira insuficiente.

(...)

A extensão e a gravidade do problema deslegitimam o discurso de que qualquer mudança afeta conquistas históricas. A história mudou. O risco de insolvência do sistema impõe a celebração de um novo pacto entre gerações, que é a essência do modelo previdenciário fundado em repartição simples. Aposentados, servidores em atividade e futuros servidores - que sairão do conjunto da sociedade - precisam redefinir a distribuição de benefícios e encargos entre gerações distintas. Do ponto de vista do moderno direito constitucional - que se reaproximou da Ética e dos valores humanitários -, há dois princípios a considerar na concepção de um novo modelo: a dignidade da pessoa humana, valor moral prévio à organização social e justificação dos direitos humanos, na qual se contêm as condições materiais básicas para a vida civilizada e para o desfrute da liberdade; e a solidariedade, que traduz o dever do Estado e da sociedade de promoverem adequada repartição de riqueza entre todos, com base nos valores da justiça material e distributiva.1"

"De toda forma, existe, sem dúvida, dentro do modelo posto pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998, uma obrigação de participação daqueles abrangidos pelo regime no seu financiamento. E, como não se trata de um regime de capitalização, essa participação é difusa. Ou seja, cada um contribui para financiar o regime de forma corrente e não para financiar a sua própria aposentadoria.2"

Especificamente no que versa sobre o tema proposto pelo consulente, cabe-nos colacionar os ensinamentos do professor Paulo Modesto, verbis:

"É próprio do regime de repartição simples construir modelo de financiamento solidário, pois somente ele oferece garantia na inatividade a agentes que, em regime de capitalização individual, não conseguiriam acumular o suficiente para terem direito a uma aposentadoria digna. Esse fato não significa, no entanto, ao contrário do que se difunde, que a lógica do sistema de repartição simples, que desconhece contas ou reservas individuais, a solidariedade inerente ao regime permite que os participantes do sistema se beneficiem das contribuições dos que o integravam, mas que por qualquer motivo deixaram nele de se aposentar ou faleceram antes de alcançar as condições de aposentadoria sem assegurar a terceiros benefícios previdenciários, ou fizeram gozo de benefícios por pouco tempo. No regime de repartição simples da previdência específica dos agentes públicos titulares de cargo efetivo não há possibilidade de resgate de valores de contribuição individual por aquele que se desliga do cargo antes de completar o período de aquisição, nem direito a benefício proporcional diferido (vesting) ou autopatrocínio, bem como inexiste a possibilidade de transferência de valores depositados para outro plano de benefício (portabilidade). As contribuições realizadas pelos agentes ativos financiam imediatamente o pagamento de proventos e benefícios aos que já se encontram aposentados ou são seus beneficiários, independentemente da incerteza sobre se algum benefício futuro será pago ao atual contribuinte do sistema, o valor nominal deste benefício ou a duração no gozo do eventual benefício.3" (grifei)

Diante de todo o exposto, passo a responder objetivamente aos questionamentos do consulente.

"a) Podem as contribuições previdenciárias vertidas pelo servidor sobre remuneração do cargo inacumulável que deixará de prover, serem-lhe devolvidas? Em caso positivo, esta devolução deverá ser precedida de lei autorizativa? Tais valores podem ser corrigidos?

b) Podem as contribuições previdenciárias vertidas pelo ente público sobre a remuneração do cargo inacumulável que o servidor deixar de prover, serem devolvidas? Em caso positivo, esta devolução deverá ser precedida de lei autorizativa? Tais valores podem ser corrigidos?"

R: Por adotar o regime de repartição simples, o sistema de previdência público desconhece contas ou reservas individuais, não admitindo o resgate das contribuições. Portanto, o instituto de previdência não pode devolver tanto a parcela do segurado, quanto a patronal.

      5 - CONCLUSÃO
    Em consonância com o acima exposto e considerando:
  • que o consulente está legitimado à subscrição de consultas para este Tribunal de Contas, nos termos do inciso II, do art. 103 do Regimento Interno desta Corte de Contas;

  • que a consulta trata de situações em tese e de interpretação de lei, conforme determina o inciso XII, do art. 59, da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como o inciso XV, do art. 1º, da Lei Complementar Estadual 202/2000;

  • que apesar de não vir instruída com parecer da assessoria jurídica do órgão ou entidade consulente, conforme preceitua o art. 104, V, da Resolução n. TC-06/2001 (Regimento Interno do TCE/SC), o Tribunal Pleno poderá conhecer de consulta que não atenda a esta formalidade, conforme autoriza o parágrafo 2º, do artigo 105 do referido Regimento.

    Sugere-se ao Exmo. Conselheiro César Filomeno Fontes que submeta voto ao Egrégio Plenário sobre consulta formulada pelo Exmo. Presidente do Instituto de Previdência Social dos Servidores Públicos do Município de Videira, Sr. Vilso Vanz, nos termos deste parecer, que em síntese propõe:

    1. Conhecer da consulta por preencher os requisitos de admissibilidade previstos no Regimento Interno.

    2. Responder a consulta nos seguintes termos:

    2.1. Por adotar o regime de repartição simples, o sistema de previdência público desconhece contas ou reservas individuais, não admitindo o resgate de contribuições.

    COG, em 23 de fevereiro de 2007.

    GUILHERME DA COSTA SPERRY

    Coordenador

    DE ACORDO.

    À consideração do Exmo. Sr. Conselheiro César Filomeno Fontes, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.

    COG, em de de 2007.

      MARCELO BROGNOLI DA COSTA

    Consultor Geral


1 Luis Roberto Barroso, apud MODESTO, Paulo (Org.), Reforma da Previdência: análise crítica da Emenda Constitucional nº 41/2003 (doutrina, pareceres e normas selecionadas). Belo Horizonte: Fórum, 2004. p. 548-550.

2 Gilberto Guerzoni Filho, apud MODESTO, Paulo (Org.), Reforma da Previdência: análise crítica da Emenda Constitucional nº 41/2003 (doutrina, pareceres e normas selecionadas). Belo Horizonte: Fórum, 2004. p. 552.

3 MODESTO, Paulo. Artigo: A Reforma da Previdência e as Peculiaridades do Regime Previdenciário dos Agentes Públicos. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, nº 234, out/dez. 2003. p. 2-3.