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Processo n°: | CON - 07/00014993 |
Origem: | Prefeitura Municipal de Itapema |
Interessado: | Andre Bevilaqua |
Assunto: | Consulta |
Parecer n° | COG-170/05 |
CONSULTA. DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROCURADOR GERAL. ADVOGADO. PAGAMENTO DE CONTRIBUIÇÃO À OAB/SC (ANUIDADE). IMPOSSIBILIDADE. DESSINTONIA ENTRE DISPOSITIVO DE LEI MUNICIPAL E O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA IMPESSOALIDADE.
Senhor Consultor,
O Processo em epígrafe versa sobre Consulta formulada pelo mandatário-mor do Poder Executivo Municipal de Itapema (SC), cujo assunto é a possibilidade de pagamento, pela administração, de anuidade de órgão de classe em favor de servidor público.
O questionamento essencial está fundado nos seguintes termos: "Considerando que o cargo de Procurador Geral do Município é em comissão, sendo demissível a qualquer tempo. Seria lícito que pagasse sua anuidade da OAB/SC e posteriormente fosse exonerado antes do final do ano"?
Como secundária indagação, ainda, o signatário deseja saber se, no caso dos demais advogados efetivos, por não estarem sujeitos ao regime de dedicação exclusiva ao cargo, podendo, assim, advogar "para terceiros", a entidade pública poderia saldar as anuidades corporativas, mesmo que o profissional auferisse receitas egressas da iniciativa privada.
À inicial é juntada cópia de lei local, cujos dispositivos aplicáveis serão, por oportuno, citados e comentados de modo elucidativo, adiante.
A autoridade, enfim, solicita desta Egrégia Corte de Contas o conhecimento da Consulta e o seu julgamento.
Liminarmente, é o relato.
II. PRELIMINARES DE ADMISSIBILIDADE
Ab initio, no cotejo das regras constitucionais, legais e regimentais aplicáveis à matéria, quanto à admissibilidade, tem-se:
a) Competência - a autoridade que exerce a Chefia do Poder Executivo Municipal está contemplada entre as reconhecidas como capazes e competentes, conforme dispõe o art. 103, II, do Regimento Interno (RI) deste Tribunal (Resolução n. 06/2001);
b) Matéria - as questões suscitadas obedecem o rol contido no art. 103, caput, do regimento, pois representam dúvidas de natureza interpretativa do direito em tese, na aplicação de dispositivo legal local, sujeita à competência tribunalícia, conforme, também, enunciam o art. 59, XII, da Constituição do Estado, e o art. 1o, XV, da Lei Orgânica desta Corte (Lei Complementar Estadual n. 202/2000);
c) Formalidades - a peça vestibular preenche os requisitos básicos elencados no art. 104, I a IV, do RI. Com relação ao inciso V, exordial instruída com o competente parecer da assessoria jurídica municipal, cabe-nos asseverar que tal requisito é facultativo (art. 105, § 2o).
Isto posto, em face das atribuições conferidas à Consultoria Geral, por força do art. 105 e seus parágrafos, igualmente do regimento, propugna-se pelo conhecimento da Consulta em tela.
III. MÉRITO
A inicial, subscrita pelo Prefeito Municipal de Itapema (SC), assim consigna:
E, ao final, são feitos os dois questionamentos que são descritos no Relatório, os quais merecerão análise circunstanciada, logo a seguir.
3.1. Da Advocacia no Serviço Público.
A matéria de fundo da presente Consulta é a atuação, no serviço público, de advogados, efetivos ou comissionados - estes últimos na condição de responsáveis pelo órgão de assessoria ou procuradoria jurídica.
Cumpre salientar que a representação jurídica dos órgãos e poderes públicos recebeu do legislador constituinte especial deferência, cunhando a Advocacia Pública, considerada função essencial à Justiça, ladeando a Advocacia (em geral), o Ministério Público e a Defensoria Pública, em face da competência jurídica para pôr fim à inércia judicial, movimentando, assim, a máquina judiciária.
Neste particular, somente com a ação dos profissionais do Direito é possível alcançar a concretização das decantadas garantias processuais para o acesso à ordem jurídica justa, sediadas no art. 5o, da Carta Magna, em especial, a inafastabilidade do controle judicial (inciso XXXV), o devido processo legal (LIV), o contraditório e a ampla defesa (LV).
O perfil constitucional da Advocacia no Serviço Público reside nos arts. 131 e 133, o que lhe confere as seguintes características:
* indispensabilidade do advogado para a administração da Justiça;
* inviolabilidade do mesmo, por seus atos e manifestações, no exercício da profissão e no limite da lei;
* exercício (judicial e extra-judicial) da representação do Poder Público, além do desempenho de atividades de consultoria e assessoramento jurídico.
Evidentemente que das regras retrocitadas, as últimas são textualmente dirigidas à União, aos Estados e ao Distrito Federal, as quais, por simetria constitucional, valem para o caso municipal, respeitadas as disposições legais locais atinentes à matéria.
Ainda assim, merecem referência os dispositivos que norteiam o exercício da atividade de Advogado, contemplados no Estatuto da Advocacia (Lei Federal n. 8.906/1994), in verbis:
Art. 1o. São atividades privativas de advocacia:
I - a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais;
II - as atividades de consultoria, assessoria e direção jurídicas.
[...]
Art. 3o. O exercício da atividade de advocacia no território brasileiro e a denominação de advogado são privativos dos inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil - OAB.
§ 1o. Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta Lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes [...] das Procuradorias e Consultorias Jurídicas [...] dos Municípios [...].
[...]
Art. 18. A relação de emprego, na qualidade de advogado, não retira a isenção técnica nem reduz a independência profissional inerentes à advocacia.
[...]
Art. 28. A advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades:
[...]
III - ocupantes de cargos ou funções de direção em órgãos da Administração Pública direta ou indireta [...].
[...]
Art. 29. Os Procuradores Gerais, Advogados Gerais, Defensores Gerais e dirigentes de órgãos jurídicos da Administração Pública direta, indireta e fundacional, são exclusivamente legitimados para o exercício da advocacia vinculada à função que exerçam, durante o período da investidura.
[...]
Art. 46. Compete à OAB fixar e cobrar, de sues inscritos, contribuições, preços de serviços e multas.
(Estatuto da Advocacia. Nossas marcações.)
Em complemento e, com fulcro nos delineamentos legislativos locais, vale repisar o que segue:
Art. 1o. A Procuradoria Geral do Município, órgão de assessoramento direto do Prefeito, centraliza a orientação e o trato de toda a matéria jurídica da Administração centralizada. [...]
Art. 3o. A Procuradoria Geral do Município - PGM, passa a ter a seguinte estrutura organizacional básica, sem prejuízo da já existente:
I - Nível de Direção Superior:
a) Procurador Geral do Município;
b) Procurador Adjunto;
II - Nível de Assessoramento:
a) Gabinete do Procurador Geral.
III - Nível de Execução:
a) Subprocuradoria Fiscal;
b) Subprocuradoria Judicial;
c) Subprocuradoria Administrativa;
d) Subprocuradoria da Administração Indireta;
e) Advogados de Carreira.
(Lei Complementar Municipal n. 18/2004 -
Lei Orgânica da Procuradoria Geral do Município. Grifamos.)
3.2. Do Pagamento da Anuidade da OAB.
Encarta-se entre as obrigações do advogado profissional o custeio das contribuições (anuidades) ao órgão de classe (OAB), para que este possa desempenhar in totum as competências e atividades inerentes à advocacia. A falta de pagamento da anuidade pode gerar a suspensão do causídico, nos termos do artigo 34, inciso XXIII, do Estatuto da Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil (Lei Federal n. 8.906/94), pois constitui infração disciplinar.
A obrigação, portanto, é personalíssima, independentemente da finalidade a que se presta, ou seja, enquadra tanto o exercício privado quanto público, no patrocínio de atos e processos administrativos ou jurídicos, contratado por pessoas físicas ou jurídicas, de direito público ou privado.
No caso ventilado pelo Consulente - exercício da advocacia relacionada ao ente público, na representação do Município (conforme art. 2o, I, da LC n. 18/2004, retrocitada) e, nas ações de consultoria e orientação jurídica - o pagamento da anuidade da OAB é imprescindível, posto que será necessário ao Procurador Geral a atuação sob os contornos da profissão de advogado, interna e externamente, circunstância que exige, de pronto, a inscrição e o pagamento da contribuição correlata.
Também para os advogados "de carreira", embora se reconheça que destes não se exige dedicação exclusiva ao cargo, quando os mesmos estiverem a serviço do Município, interna e externamente, igualmente lhes será obrigatório o credenciamento junto ao conselho de classe (OAB), incluída a quitação das taxas anuais.
A diferença entre uns e outros, como aventado no expediente matriz, repousa no fato de que o Procurador-Geral não pode advogar "para terceiros", pelas características inerentes ao cargo por ele ocupado e em obediência aos dispositivos legais pertinentes à matéria, enquanto os advogados "de carreira" podem, vedado o patrocínio de causas movidas contra a Fazenda Pública que lhes enderece remuneração (impedimento do art. 30, I, do Estatuto da OAB), representar qualquer cliente, advogando sob a forma de profissional liberal.
Entretanto, em todas as situações, seja por vincular-se (exclusivamente) à atividade advocatícia no setor público, ou por atuar independentemente (setor privado), e, ainda, na hipótese de mesclar uma à outra, é o advogado o único responsável pela obediência e quitação de suas obrigações legais e corporativas, entre elas o pagamento da contribuição (anuidade) ao órgão de classe (OAB).
3.3. Da autorização legislativa local para o custeio público da anuidade.
É imperioso analisar a questão da autorização legislativa contida na Lei Municipal n. 2.276/04, que instituiu o Fundo Municipal da Procuradoria Geral, situada no art. 4o, VII, que prescreve:
Art. 4o. Os recursos do Fundo Municipal da Procuradoria Geral - FMPG - serão aplicados em:
[...]
VII - Pagamento da Anuidade da OAB/SC dos Advogados de Carreira do Município e do Procurador Geral do Município, quando do exercício desta função;
[...]
(Sublinhamos.)
Preliminarmente, o requisito fundamental para a concessão de quaisquer vantagens ou benefícios pessoais aos agentes públicos é a existência de lei autorizativa específica, em face do princípio constitucional federal da legalidade (CF, art. 37, caput).
Todavia, não basta que os atos da administração pública estejam sob o resguardo da lei local, sendo necessário que tais se fundamentem no ordenamento jurídico, compreendidos os princípios e as regras contidas em diversos atos normativos. Na execução de despesas governamentais é imperioso o alcance público da despesa, pois a coisa pública é patrimônio de todos, voltado à concretização do bem coletivo, e não de grupos ou dadas pessoas, considerados os cânones que direcionam a ação dos agentes públicos, em especial o princípio da impessoalidade (também elencado no rol do art. 37, caput). Não há, portanto, interesse público no pagamento de despesas pessoais, do qual só resulta vantagem para o beneficiário, que se locupleta em relação ao erário.
Sobre impessoalidade, assim aduz ROCHA (1994, p. 146-151 e 169-170):
A grande dificuldade da garantia da impessoalidade estatal [...] reside na circunstância de que as suas atividades são desempenhadas pelas pessoas, cujos interesses e ambições afloram mais facilmente ali em razão da proximidade do Poder e, portanto, da possibilidade de realizá-las, valendo-se para tanto da coisa que é de todos e não apenas dele.
[...] é de alta significação o princípio da impessoalidade administrativa, para assegurar [...] que pessoas não recebam tratamento particularizado em razão de suas condições específicas (privilegiadoras ou prejudiciais) [...].
Há que se notar que a norma constitucional na qual se contém o princípio da impessoalidade (art. 37 da Constituição da República brasileira) não se dirige apenas ao Administrador Público, mas igualmente ao legislador.
Pudesse o legislador dotar de cores e interesses dirigidos a pessoas determinadas a norma que viria, posteriormente, a obrigar o administrador público e ter-se-ia permitido a subsistência de uma fenda pela qual se romperia a impessoalidade e com ela toda a construção democrática do Estado de Direito. Tal subjetivação pode ter vínculos não apenas com pessoas identificadas, mas com grupos, especialmente partidários, que contem com cargos políticos no exercício dos quais pudessem eles criar o direito.
[...]
Os atos da Administração Pública inquinados do vício da pessoalidade são inválidos. [...]
Os efeitos patrimoniais - benefícios e vantagens - obtidos mediante condutas contrárias ao princípio da impessoalidade devem ser desfeitos e devolvidos ao patrimônio público [...].
(ROCHA, Carmen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994. Realçou-se)
Deste modo, conclui-se que a norma local está em dissonância com a baliza constitucional da impessoalidade, devendo ser descartada em termos de aplicabilidade, para não promover o favorecimento pessoal daqueles que estejam investidos no cargo (efetivo ou em comissão) de advogado ou procurador municipal, os quais, devem arcar às suas espensas com os valores devidos à Ordem dos Advogados do Brasil, a título de contribuições anuais (anuidades).
Por todo o exposto e,
CONSIDERANDO que o Consulente detém legitimidade para o encaminhamento de Consultas a esta Corte de Contas, nos termos do art. 103, II, do Regimento Interno;
CONSIDERANDO que a Consulta versa sobre matéria sujeita a exame e fiscalização desta Corte de Contas, consoante o art. 59, XII, da Constituição Estadual, repetida pelo art. 1o, XV, da Lei Orgânica deste Tribunal (Lei Complementar Estadual n. 202/2000);
CONSIDERANDO que o expediente inicial vem instruído, formalmente com os requisitos básicos previstos nos incisos I a IV do art. 104 do RI; e,
CONSIDERANDO que o encaminhamento do parecer da assessoria jurídica (art. 104, IV, do RI) é requisito facultativo (art. 105, § 2o, do RI).
Sugere-se ao Tribunal Pleno:
1. CONHECER da Consulta por preencher os requisitos de admissibilidade previstos no Regimento Interno.
2. RESPONDER ao Consulente, nos seguintes termos:
2.1. Não é lícito ao Poder Público o pagamento de contribuição à Ordem dos Advogados do Brasil - OAB (anuidade), por representar ofensa ao princípio constitucional da impessoalidade (art. 37, caput, da Constituição Federal), porque o recolhimento de tais valores não representa despesa pública, e sim gasto pessoal do interessado, mesmo sendo servidor público.
2.2. A vedação ao custeio público da anuidade da OAB/SC estende-se aos servidores efetivos ou comissionados, independentemente da circunstância de estarem sob o regime de dedicação exclusiva, já que o exercício da advocacia é atividade personalíssima, sujeita aos ditames ínsitos no Estatuto da Advocacia (Lei Federal n. 8.906/94).
2.3. Como o pagamento da dita anuidade é da competência e do interesse de cada advogado, sem a interveniência do Poder Público, nenhum reflexo irá ocasionar a este último a permanência temporária de servidor comissionado, ocupante de cargo de Procurador Geral da Administração Pública.
COG, em de de 2007.
MARCELO HENRIQUE PEREIRA, MSc.
Auditor Fiscal de Controle Externo
De Acordo. Em ____/____/____
GUILHERME DA COSTA SPERRY
Coordenador de Consultas
DE ACORDO.
À consideração do Exmo. Sr. Conselheiro Moacir Bertoli, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
COG, em de de 2007.
MARCELO BROGNOLI DA COSTA Consultor Geral |