ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: CON - 07/00002049
Origem: Celesc Distribuição S/A
Interessado: Miguel Ximenes de Melo Filho
Assunto: Consulta
Parecer n° COG-138/07
   

CONSULTA. CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. EMPREGO PÚBLICO EM COMISSÃO. CRIAÇÃO. ATOS INTERNOS.

De acordo com o artigo 1º da Lei Complementar Estadual n. 321/06, que inseriu o parágrafo 2º no artigo 50 da Lei Complementar Estadual n. 284/05, as Sociedades Anônimas de capital aberto do Estado de Santa Catarina com ações negociadas em bolsa de valores não estão sujeitas ao Conselho de Política Financeira - CPF.

Referidas sociedades podem criar "empregos em comissão", desde que se destinem estritamente às funções de direção, chefia ou assessoramento, em quantidade parcimoniosa, mediante ato interno da empresa, corroborado através de deliberação da Diretoria Executiva, parecer do Conselho Fiscal e homologação, tanto do Conselho de Administração, quanto da Assembléia Geral.

Senhor Consultor,

RELATÓRIO

Trata-se de consulta formulada pelo Diretor-Presidente das Celesc Distribuição S/A, Sr. Miguel Ximenes de Melo Filho, relativa a forma de criação de "empregos públicos em comissão".

Aduz que os empregos seriam destinados às atribuições de chefia e assessoramento, estando legitimados com base nos arts. 37 e 173, § 1º, II, da Constituição Federal, que submete às sociedades de economia mista ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto a suas obrigações trabalhistas.

Informa que o Tribunal de Contas da União já pacificou o entendimento pela legalidade da criação de cargos em comissão de livre nomeação e exoneração, dispensando a realização de concurso público.

Com efeito, dispõe que a "autonomia" visa dar condições de competitividade e que as nomeações se dariam por resolução do Diretor-Presidente e remuneração conforme parâmetros já existentes na Companhia; a ocupação seria para detentores de nível superior de escolaridade, demissíveis "ad nutum".

Destaca que a Celesc Distribuição S/A, através da Lei Complementar n. 321, de 21.02.2006 não se encontra mais subordinada ao Conselho de Política Financeira do Estado de Santa Catarina, por ter forma de sociedade anônima de capital aberto, atendendo as condições do art. 50, § 2º, da Lei Complementar n. 284, de 28/02/2005.

Por fim, apresenta o Consulente a seguinte dúvida:

"[...] venho consultar esse Egrégio Tribunal sobre a legalidade de a Celesc Distribuição S/A, criar esses empregos públicos em comissão, aprovando-os através de Deliberação de Diretoria Executiva, com a homologação posterior do Conselho de Administração, e da sua Assembléia Geral, tudo conforme reza a Lei Federal n. 6.404/73 (Lei das Sociedades Anônimas)."

É o relatório.

II. DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE

A consulta trata de matéria sujeita a exame e fiscalização desta Corte de Contas, nos termos do inciso XII, do artigo 59, da Constituição Estadual.

Considerando que a Consulta vem firmada pelo Diretor Presidente Celesc Distribuição S/A, Sr. Miguel Ximenes de Melo Filho, tem-se como preenchido o requisito de legitimidade, consoante o disposto nos artigos 103, II e 104, III, da Resolução n. TC-06/2001, desta Corte de Contas.

Observa-se ainda que a consulta não veio instruída com parecer da assessoria jurídica do órgão ou entidade consulente, conforme preceitua o art. 104, V, da Resolução n. TC-06/2001 (Regimento Interno do TCE/SC), contudo, o Tribunal Pleno poderá conhecer de consulta que não atenda a essa formalidade, conforme autoriza o parágrafo 2º, do artigo 105, do referido Regimento, cabendo essa ponderação ao relator e demais julgadores. Dessarte, recomenda-se, "a priori", o conhecimento da consulta.

III. DO MÉRITO

A Centrais Elétricas de Santa Catarina S.A. – Celesc, é uma sociedade de economia mista, controladora de empresas concessionárias de serviços de geração e distribuição de energia elétrica no nosso Estado. Recém-estruturada no formato de holding, em atenção ao novo marco regulatório do setor que obriga a desverticalização das atividades de concessão de serviço público de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica, a companhia controla, desde outubro de 2006, participações societárias em atividades afins do seu negócio e duas subsidiárias1: a Celesc Distribuição S.A. e a Celesc Geração S.A2.

Com efeito, a Consulente é Sociedade de Economia Mista Estadual3, tendo sido criada para a prestação de serviço público de distribuição de energia elétrica, conforme descreve o art. 3º de seu Estatuto:

"A Companhia tem por objetivo: I - executar a política de energia formulada pelo Governo do Estado de Santa Catarina; II - realizar estudos, pesquisas e levantamentos sócio-econômicos, com vistas ao fornecimento de energia, em articulação com os órgãos governamentais ou privados próprios; III - planejar, projetar, construir e explorar sistemas de transformação, distribuição e comercialização de energia elétrica, bem como serviços correlatos; IV - operar os sistemas diretamente, através de subsidiárias, empresas associadas ou em cooperação; V - cobrar tarifas ou taxas correspondentes ao fornecimento de energia elétrica, e; VI - desenvolver, isoladamente ou em parceria com empresas públicas ou privadas, empreendimentos de distribuição e comercialização de energia elétrica, e infraestrutura de serviços públicos.

Conforme Hely Lopes Meirelles, "serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples conveniências do Estado"4.

No mesmo sentido manifesta-se Maria Sylvia Zanella Di Pietro5 para a qual o serviço público é "toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público".

A Lei n. 7.783/89, em seu art. 10, inciso I, dispõe que são considerados serviços ou atividade essenciais: "tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis". Assim, em razão desses serviços que satisfazem necessidades essenciais da coletividade é que se deve conceituar como serviços públicos.

As empresas estatais prestadoras de serviço público diferenciam-se das exploradoras de atividade econômica. O art. 173, § 1º, inciso II, da Constituição Federal, que trata dos princípios gerais da atividade econômica traz a seguinte redação:

      Art. 173 - Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
      § 1º - A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:
      (...)
      II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.

A interpretação a ser atribuída ao dispositivo citado, conforme Maria Sylvia Zanella Di Pietro6, é no sentido de ser aplicável quando as sociedades são constituídas para atuar na área da iniciativa privada, sendo exercida excepcionalmente pelo Estado por razões de segurança nacional ou interesse coletivo relevante.

Por outro lado, segundo a referida autora ainda, se a atividade envolve a prestação de serviço público, incidirá o disposto no art. 175 da Constituição, segundo o qual "incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob o regime da concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos". Neste caso a empresa estatal que desempenha serviço público é concessionária de serviço público e está sujeita ao regime jurídico dos contratos administrativos, com todas as suas cláusulas exorbitantes. Nesse sentido manifestam-se José Maria Pinheiro Madeira7 e Toshio Mukai8.

Essa distinção é importante, pois, quando a atividade desenvolvida for enquadrada no art.173 da Constituição Federal, a entidade estará sujeita ao regime próprio das empresas privadas, igualando-se a estas nas suas obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias, não se excluindo destas entidades a observância dos princípios da administração pública (art. 37, CF) e da realização de licitação, mas sendo permitido, com a edição da lei, procedimentos mais simplificados, desburocratizados, rápidos, que lhes permitam competir no mercado.

Portanto, considerando que a Celesc Distribuição S/A é uma Sociedade de Economia Mista que presta serviço público essencial, a sua previsão constitucional é a do art. 175 da Constituição Federal.

A Constituição Federal consagra no art. 37, inciso II, a obrigatoriedade de se proceder concurso público para o ingresso de pessoal na administração pública, inclusive para aquelas contratações procedidas à luz da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, senão vejamos:

      Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
      (...)
      II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração.

A regra, nos termos do texto constitucional, é que o ingresso em Sociedade de Economia Mista também faz-se através de concurso público. A exceção é para cargo em comissão declarado em lei. Com efeito, a dúvida do Diretor-Presidente da Celesc Distribuição S/A repousa justamente nessa questão: criação do emprego público em comissão através de deliberação de Diretoria Executiva da empresa.

O tema adquire diversos contornos, suscitando controvérsias, em especial no universo doutrinário e Tribunais de Contas: ora posiciona-se pela necessidade de lei para criação do emprego público em comissão, ora pela existência apenas de atos internos da empresa.

Para essa corrente, o princípio da legalidade dispõe que à Administração só é permitido fazer o que a lei autoriza, estando expressamente previsto no art. 37 da Constituição Federal como aplicável aos entes da administração indireta, onde se inclui as sociedades de economia mista.

Acrescentam ainda que vigora no ordenamento jurídico brasileiro, o princípio da organização legal do serviço público, o qual decorre da exigência constitucional de que a criação de cargos, empregos e funções públicas seja feita por meio de lei, conforme se verifica no art. 48 da Constituição Federal:

      Art. 48. Cabe ao Congresso Nacional, com a sanção do Presidente da República, não exigida esta para o especificado nos arts. 49, 51 e 52, dispor sobre todas as matérias de competência da União, especialmente sobre:
      [...]
      X- criação, transformação e extinção de cargos, empregos e funções públicas, observado o que estabelece o art. 84, VI, b;

Concluem que foi reservado ao poder legislativo a competência para, com a sanção do poder executivo, a criação, transformação e extinção de empregos públicos nas Sociedades de Economia Mista.

Assim, diante dessa corrente, a Celesc Distribuição S/A. como entidade da Administração Pública Indireta, estaria sujeita ao princípio da legalidade, com autonomia a ser exercida dentro dos parâmetros legislativos determinados pelo Estado-Membro em que os empregos públicos em comissão seriam criados, alterados ou extintos por lei, principalmente devido ao fato de o Estado ser o acionista majoritário da Sociedade de Economia Mista11.

Para essa primeira corrente, a justificativa para a necessidade de lei decorre ainda da aplicação de outros princípios que regem a administração pública, dentre eles, o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade do interesse público.

O princípio da supremacia do interesse público sobre o privado afirma o interesse primário da administração pública, visando servir a coletividade através do fim que lhe foi constitucionalmente definido. No caso, a distribuição de energia elétrica como serviço público de caráter essencial deve ser cercado de todas as restrições constitucionais que impeçam que interesses secundários, tais como os dos administradores de empresas públicas possam se sobrepor ao interesse da coletividade.

Já pelo princípio da indisponibilidade do interesse público o administrador não tem disponibilidade sobre os interesses públicos; não comanda segundo sua vontade, apenas cumpre, ainda que discricionariamente, a vontade da lei.

      Por outro lado, os defensores da corrente que os atos internos da empresa seriam suficientes para criação de emprego público argumentam no sentido de que a exigência da espécie normativa "lei" para a criação de cargos, empregos ou funções refere-se à Administração Direta e suas pessoas auxiliares de Direito Público, não englobando, portanto, as empresas públicas e sociedades de economia mista, como se depreende da seguinte explanação:
        [...]
        Todavia, naturalmente, o mesmo não se pode dizer do emprego público. Estes não são propriamente unidades de competência criadas por lei. São feixes de atribuições funcionais criados por decisões internas da pessoa privada a que se integram, nos termos do que ocorre com as pessoas comuns do mundo privado.

    13 Processo n. 006.852/2002-4. Min. Relator: Ubiratam Aguiar. DOU 24/03/2005.

    14 Processo n. 010.987/2004-8. Min. Relator: Ubiratam Aguiar. DOU 14/10/2005.

    15 Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n. 21322-1. DJ 23/03/93.