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TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
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Processo n°: |
REC-03/03218754 |
Origem: |
Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina S.A. - BADESC |
RESPONSÁVEL: |
Arno Garbe |
Assunto: |
Recurso (Reexame - art. 80 da LC 202/2000) -ALC-01/01947976 |
Parecer n° |
COG-270/2007 |
Recurso de Reexame. Multa. Conhecer e negar provimento.
Preliminar. Ato praticado com grave infração à norma legal ou regulamentar. Aplicabilidade imediata do artigo 70, II, da LC-202/00. STF, RE 190985/SC.
A "grave infração" possui um conceito jurídico indeterminado de natureza discricionária que atribui ao seu intérprete e aplicador uma livre discrição, dentro dos parâmetros da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade, valendo a sua valoração subjetiva para o seu preenchimento.
Licitação. Ausência da ata de julgamento das propostas. Arts. 38, inc. V, e 43, IV, § 1º da Lei n. 8.666/93.
O procedimento da licitação será iniciado com a abertura de processo administrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado, contendo a autorização respectiva, a indicação sucinta de seu objeto e do recurso próprio para a despesa, e ao qual serão juntados oportunamente atas, relatórios e deliberações da Comissão Julgadora.
Senhor Consultor,
1. RELATÓRIO
Tratam os autos de Recurso de Reexame n. REC-03/03218754, interposto pelo Sr. Arno Garbe, ex-Diretor Presidente da Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina S.A. - BADESC, em face do Acórdão n. 1109/2002 (fls. 370/371), exarado no Processo ALC-01/01947976.
O citado processo ALC-01/01947976 é relativo à auditoria in loco de licitações, contratos, convênios e atos jurídicos análogos, referente ao exercício de 1999, na Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina S.A. - BADESC, empreendida por esta Corte de Contas, através de sua Diretoria de Controle da Administração Estadual - DCE.
A DCE, após auditoria ordinária in loco e análise dos documentos e atos jurídicos, expediu o Relatório Preliminar n. 138/2001 (fls. 13/26), constatando a necessidade de proceder a audiência do Sr. Arno Garbe.
O responsável, atendendo a citação do E. Tribunal de Contas (fls. 27/30), pleiteou prorrogação do prazo (fls. 31), no qual foi concedido (fls. 31). Posteriormente, encaminhou justificativas e documentos, que foram juntados às fls. 38/347.
Em seguida, os autos foram encaminhados à Diretoria de Controle da Administração Estadual, que elaborou o Relatório Conclusivo n. 088/2002 (fls. 349/362), sugerindo ao Tribunal Pleno, quando do julgamento do processo, aplicação de multa ao responsável.
A seguir, os autos foram encaminhados ao Ministério Público junto ao TC, que em seu Parecer MPTC n. 0707/2002 (fls. 364/365), acolheu in totum as conclusões esboçadas pelo Corpo Instrutivo.
Após os trâmites legais, os autos foram encaminhados ao Relator Sr. Conselheiro Luiz Roberto Herbst, que se manifestou (fls. 366/369) no sentido de acolher as conclusões esboçadas pela Diretoria de Controle da Administração Estadual.
Na Sessão Ordinária de 11/12/2003, o Processo n. ALC-01/01947976 foi levado à apreciação do Tribunal Pleno, sendo prolatado o Acórdão n. 1109/2002 (fls. 370/371), que acolheu na íntegra o voto do Relator, senão vejamos:
"ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1° e 25 da Lei Complementar n. 202/2000, em:
6.1. Conhecer do Relatório de Auditoria realizada no BADESC - Agência Catarinense de Fomento S/A, com abrangência sobre licitações, contratos, convênios e atos jurídicos análogos, referente ao período de janeiro a dezembro de 1999, para considerar, com fundamento no art. 36, §2º, alínea "a", da Lei Complementar n. 202/2000:
6.1.1. regular a Inexigibilidade de Licitação n. 005/99;
6.1.2. irregulares os Leilões ns. 003/99 e 012/99.
6.2. Aplicar ao Sr. Arno Garbe - Diretor-Presidente do BADESC - Agência Catarinense de Fomento S/A, com fundamento nos arts. 70, II, da Lei Complementar n. 202/00 e 109, II, c/c o 307, V, do Regimento Interno instituído pela Resolução n. TC-06/2001, a multa no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), com base nos limites previstos no art. 239, III, do Regimento Interno (Resolução n. TC-11/1991) vigente à época da ocorrência da irregularidade, em face da inexistência de atas no processo respectivo dos Leilões ns. 003/99 e 012/99, em descumprimento ao estabelecido nos arts. 38, V e 43, IV, §1º, da Lei Federal n. 8.666/93, conforme exposto no item 3 do Relatório DCE, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado da multa cominada, ou interpor recurso na forma da lei, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.
6.3. Dar ciência deste Acórdão, bem como do Relatório e Voto que o fundamentam, ao Sr. Arno Garbe - Diretor-Presidente do BADESC - Agência Catarinense de Fomento S/A".
Visando à modificação do Acórdão supra transcrito, o Sr. Arno Garbe interpôs o presente Recurso de Reexame.
É o relatório.
Considerando que o Processo n. ALC-01/01947976, é relativo a auditoria in loco de licitações, contratos, convênios e atos jurídicos análogos, referente ao exercício de 1999, na Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina S.A. - BADESC, tem-se que o Sr. Arno Garbe utilizou da espécie recursal adequada, em consonância com o art. 80 da Lei Complementar n. 202/2000.
Procedendo-se ao exame do recurso verifica-se que os pressupostos legais e regimentais quanto à legitimidade foram atendidos, uma vez que o mesmo foi interposto pelo responsável das irregularidades apontadas no Acórdão n. 1109/2002 (fls. 370/371).
Em relação à tempestividade, observa-se que o Recorrente interpôs o recurso dentro do prazo legal, tendo em vista que o Acórdão recorrido foi publicado no Diário Oficial do Estado n. 17.145, de 05/05/2003, e o recurso foi protocolado em 14/05/2003.
Assim, como o Recorrente observou o prazo para interposição do recurso, sugere-se ao ilustre Relator, conhecer o presente REC-03/03218754, por se revestir dos pressupostos de admissibilidade inscritos no art. 80 da Lei Complementar n. 202/2000.
2.2.1 - R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face da inexistência de atas no processo respectivo dos Leilões ns. 003/99 e 012/99, em descumprimento ao estabelecido nos arts. 38, V e 43, IV, §1º, da Lei Federal n. 8.666/93 (item 6.2.da decisão recorrida).
Alega o Recorrente em sua defesa (fls. 03/04 do REC-03/03218754):
"Ademais, ainda que assim fosse, ad argumentandum tantum, não caberia, no caso, data venia, a pretensa aplicação da multa prevista no invocado art. 239, inciso III, da Resolução TC 11/91, porquanto, iniludivelmente, não se trata de 'ato praticado com grave infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial ...".
No que tange a preliminar de não aplicabilidade imediata do art. 70, II da Lei Complementar n. 202/00 (ato praticado com grave infração à norma legal) argüida pelo Recorrente, utilizaremo-nos do estudo realizado no Parecer COG-422/06, exarado nos autos do Processo nº REC-02/10983442, que foi julgado pelo Tribunal Pleno (Acórdão n. 2358/2006), na sessão ordinária do dia 06/11/2006, in verbis:
"Por fim, o Recorrente aduz, como última preliminar, que a regra constante do art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/00 não seria auto-aplicável, necessitando de regulamentação para definir qual o conceito de "grave infração à norma legal".
Mais uma vez, não lhe assiste razão. Nesse sentido, transcrevemos abaixo trecho da Informação COG n. 0172/05 exarada nos autos do Processo n. REC-04/01498034 que, com muita propriedade, elucida a questão:
"(...) Para que se possa compreender com clareza o exame procedido, algumas premissas devem ser estabelecidas.
Primeiramente, que o art. 70, II, da LC nº 202/00, é decorrência legislativa do artigo 71, VII, da CF/88 que permite a aplicação de sanções aos responsáveis em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, o qual contém a seguinte redação: "o Tribunal aplicará multa de até cinco mil reais aos responsáveis por ato praticado com grave infração a norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial". (...)
Dessa análise, cuja avaliação identificará o "bom" e o "mau" administrador, firma-se uma das relações jurídicas pela qual o Tribunal de Contas, usufruindo do seu poder administrativo sancionador, aplicará uma multa, denominada multa-sanção. É certo que tanto esta espécie de penalidade como a chamada multa-coerção - relacionada com o poder de polícia do Tribunal e que está voltada a garantir a efetividade de sua atuação, em especial, a de realizar auditorias e inspeções, requisitar documentos, bem como determinar que todos aqueles que venham a ser objetos de fiscalização devam ser exibidos aos seus auditores - decorrem da Constituição Federal de 1988, entretanto, seus âmbitos de incidência distinguem-se, apesar de se complementarem no exercício do controle externo.
Em segundo lugar, que as expressões utilizadas no artigo 70, II, da LC nº 202/00, devem coadunar-se com as peculiaridades da multa-sanção, assim:
a) ato praticado - representa ação, um fazer por parte do responsável de modo que as omissões/inércias e o silêncio da Administração não serão elementos caracterizadores da infração.
b) grave infração - conceito jurídico indeterminado de natureza discricionária que atribui ao seu intérprete e aplicador uma livre discrição, dentro dos parâmetros da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade, valendo a sua valoração subjetiva para o seu preenchimento. Neste sentido, grave infração decorrerá sempre da prática de comportamento típico (se a conduta do fiscalizado adequou-se àquele descrito na norma administrativa), antijurídico (se a conduta ocasionou afronta ao ordenamento) e voluntário (se ocorreu a prévia e consciente opção pela prática ou não do comportamento censurado), que cause um dano, patrimonial ou extra patrimonial, a um bem juridicamente tutelado, que frente aos princípios jurídicos, à probidade administrativa e ao interesse público impeçam que o aplicador da norma sancionadora apresente outra resposta ao fato que não seja a cominação de uma sanção ou a imputação de um débito. (...)" (grifamos)
Acerca da mesma matéria, trazemos também a transcrição de parte do Parecer COG n. 86/04 (autos n. REC-01/01914458) que, no mesmo sentido, explicita:
"(...) 3) Grave infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial - contrabalançando a intempestividade da escrituração contábil e a gravidade exigida pela norma regimental, tem-se por desarrazoada a invocação dessa conduta para subsidiar o apontamento feito no Acórdão nº 143/2001.
Com efeito, leciona a doutrina, com muita propriedade, que os poderes e deveres atribuídos ao Administrador Público, quando no exercício de suas funções, são estabelecidos pela lei, pela moral administrativa e pela supremacia do interesse público; indicando, assim, que todas as prerrogativas e sujeições a ele conferidas, só poderão ser exercidas dentro dos limites por aqueles impostos.
De outra via, o ordenamento jurídico, frente ao dinamismo do processo de produção das leis e regramento das relações sociais, ao prescrever condutas ou comandos permite no texto legal a existência de expressões gerais e, a princípio, indeterminadas, a fim de propiciar ao aplicador da norma uma maior flexibilidade no enquadramento da situação fática à regra jurídica.
Tal situação, longe de configurar uma legitimação de arbitrariedades no exercício de competências ou fragilidade ao princípio da segurança jurídica, almeja tão-só contemplar inúmeras situações censuradas pelo ordenamento, a partir da definição de parâmetros mínimos que possibilitem aos destinatários pautarem suas condutas. Além disso, uma prévia definição pelo legislador - federal, estadual ou municipal -, das hipóteses reprovadas pelo mundo jurídico, poderia implicar uma limitação na atuação do julgador quando do exame do caso concreto. Por outro lado, poder-se-ia, erroneamente, interpretar que somente os casos a priori delineados seriam passíveis de punição ou rejeição jurídico-social, encontrando-se, os demais, autorizados tacitamente pelo ordenamento.
Por conseguinte, a "grave infração", contida em vários artigos da Lei Complementar nº 202/00 e do Regimento Interno deste Tribunal, não fugindo à regra semântica adotada por outras normas jurídicas, inclusive as de caráter penal, também permitiu ao julgador deste órgão que no desempenho de sua competência constitucional, pudesse atuar, legalmente, com certa maleabilidade.
Assim sendo, "grave infração" decorrerá sempre da prática de comportamentos típicos, antijurídicos e voluntários, que causem um dano, patrimonial ou extra patrimonial, a um bem juridicamente tutelado, que frente aos princípios jurídicos, à probidade administrativa e ao interesse público impeçam que o aplicador da norma sancionadora apresente outra resposta ao fato que não seja a cominação de uma sanção ou a imputação de um débito. Motivo pelo qual o artigo 70, II, da Lei Complementar nº 202/00 possui aplicação imediata. (...)" (ressaltamos)
O Sr.Edgar Antônio Roman segue alegando, ainda quanto ao teor do art. 70, II, da LC-202/00:
"(...) Além do fato dessa norma não se revestir da condição de ser aplicável de imediato (ver Segunda Preliminar supracitada), não procede sua alegação como base legal para a imputação das multas havidas, haja vista as normas apontadas, como supostamente infringidas, não possuírem 'natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial'.(...)"
No que diz respeito à natureza da situação apurada, entende-se que a necessidade de licitar está fixada tanto na Constituição Federal como na lei que ordena as licitações e contratos na Administração Pública - Lei n. 8.666/93, a qual tem natureza operacional e financeira.
Afirmamos isso, porque da leitura do próprio art. 1º da Lei de Licitações percebe-se que o objetivo da norma é possibilitar que a Administração Pública adquira bens ou serviços dos paticulares mediante a observância de certos procedimentos e dentro de limites específicos objetivando, assim, a contratação do particular melhor qualificado, o que portanto implica norma operacional.
Ademais, o objetivo a ser alcançado através da licitação é a aquisição de bens ou serviços, o que acaba atingindo a despesa do ente público, implicando por sua vez norma financeira. Isto porque a disciplina financeira envolve um controle sobre a arrecadação da receita e a realização da despesa, tendo em conta a legalidade e a regularidade das suas operações.
Nas lições de Marçal Justen Filho:
"(...) Os institutos da licitação e do contrato administrativo envolvem normas de diversa natureza (direito administrativo, direito civil, direito comercial, direito penal, direito financeiro, direito processual etc.). A disciplina normativa das licitações e contratos administrativos é integrada não apenas pela atual Lei. O núcleo primordial da disciplina se encontra na Constituição Federal, que consagra os princípios e normas fundamentais acerca da organização do Estado e do desenvolvimento da atividade da Administração.(...)" (in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 6ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Dialética, 1999, pg.13)
Ademais, o art. 113, caput, da Lei Federal nº 8.666/93, deslinda definitivamente a questão:
Art. 113 - O controle das despesas decorrentes dos contratos e demais instrumentos regidos por esta Lei será feito pelo Tribunal de Contas competente, na forma da legislação pertinente, ficando os órgãos interessados da Administração responsáveis pela demonstração da legalidade e regularidade da despesa e execução, nos termos da Constituição e sem prejuízo do sistema de controle interno nela previsto.(grifamos)
Portanto, diante de todo o exposto, esta Consultoria posiciona-se no sentido de não acatar as preliminares argüidas pelo Recorrente.
Quanto ao mérito, em primeiro lugar, o Recorrente questiona os valores das penalidades impostas, afirmando que contrariaram o disposto no art. 307, V, do Regimento Interno desta Corte de Contas.
O referido artigo tratou, justamente, das questões relativas à transição necessária entre o antigo Regimento Interno do Tribunal de Contas (Resolução nº TC-11/91) e o atual (Resolução nº TC-06/01), estabelecendo as regras processuais aplicáveis. Vejamos:
Art. 307 - Este Regimento entra em vigor na data de sua publicação, observando-se, na sua aplicação, as seguintes regras processuais:
V - as disposições que cominem penalidades mais severas serão aplicadas aos atos praticados a partir da publicação deste Regimento;
O valor das penalidades fora aplicado, conforme se denota pela leitura do item 6.2 do Acórdão nº 0780/2002, respeitando os limites previstos e estabelecidos pelo art. 239, III, da Resolução nº TC-11/91 (Regimento Interno deste Tribunal de Contas, vigente à época da ocorrência das irregularidades), abaixo transcrito:
Art. 239 - O Tribunal poderá aplicar multa de até R$ 5.000,00 (cinco mil reais) aos administradores e demais responsáveis, no âmbito estadual e municipal, pelas seguintes irregularidades e atos, observada a gradação explicitada ao final de cada item:
III - ato praticado com grave infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial - multa de R$ 50,00 (cinqüenta reais) a R$ 4.000,00 (quatro mil reais);
Portanto, não houve violação ao princípio insculpido no art. 5º, XL, da Constituição Federal (irretroatividade da lei penal), já que cumpridos os limites mais benéficos ao ora Recorrente. Note-se, ainda, que a multa "mais severa" para o caso em análise seria de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), conforme determinam os arts. 239, III, da Resolução nº TC-11/91 e 109, II, da Resolução nº TC-06/01".
No mesmo sentido, e afirmando a constitucionalidade dos artigos 76 e 77, incisos I, III, IV, V, VI e VII, da Lei Complementar n.º 31/90 (antiga Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina), o Supremo Tribunal Federal, em julgamento proferido em 14/02/1996, decidiu que "não é possível, efetivamente, entender que as decisões das Cortes de Contas, no exercício de sua competência constitucional, não possuam teor de coercibilidade. Possibilidade de impor sanções, assim como a lei disciplinar", senão vejamos:
"RE 190985 / SC - SANTA CATARINA
Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA
Julgamento: 14/02/1996 Órgão Julgador: Tribunal Pleno
RECTE. : ESTADO DE SANTA CATARINA
ADVDO. : GIAN MARCO NERCOLINI
RECTE. : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SANTA CATARINA RECDO. : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA
Recurso extraordinário. Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Pedido acolhido, em parte, pelo Tribunal de Justiça catarinense, para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 76 e 77, incisos I, III, IV, V, VI e VII, da Lei Complementar n.º 31/90. 3. Alegação de ofensa ao art. 71, VIII, da CF. 4. Parecer da PGR pelo provimento do recurso extraordinário. 5. Afastada a incompetência do Tribunal a quo para processar e julgar, originariamente, a ação direta de inconstitucionalidade de normas estaduais, em face de expresso dispositivo da Constituição do mesmo Estado. 6. Recurso extraordinário conhecido e provido para julgar improcedente a ação direta de inconstitucionalidade e declarar a constitucionalidade dos arts. 76 e 77, incisos I, III, IV, V, VI e VII, ambos da Lei Complementar n.º 31, de 27.9.1990, do Estado de Santa Catarina. 7. Não é possível, efetivamente, entender que as decisões das Cortes de Contas, no exercício de sua competência constitucional, não possuam teor de coercibilidade. Possibilidade de impor sanções, assim como a lei disciplinar. 8. Certo está que, na hipótese de abuso no exercício dessas atribuições por agentes da fiscalização dos Tribunais de Contas, ou de desvio de poder, os sujeitos passivos das sanções impostas possuem os meios que a ordem jurídica contém para o controle de legalidade dos atos de quem quer que exerça parcela de autoridade ou poder, garantidos, a tanto, ampla defesa e o devido processo legal. 9. As normas impugnadas prevêem possam as multas ser dosadas, até o máximo consignado nessas regras legais. Disso resulta a possibilidade, sempre, de se estabelecer relação de proporcionalidade entre o dano e a multa". (g.n.)
Destarte, tendo em vista que a preliminar de não aplicabilidade imediata do art. 70, II da Lei Complementar n. 202/00 (ato praticado com grave infração à norma legal) foi refutada pela argumentação desenvolvida no parecer supra transcrito e no precedente do STF (RE 190.985/SC), passaremos, então, a analisar as alegações do Recorrente a respeito da multa contida no Acórdão n. 1109/2002 (fls. 370/371).
Alega o Recorrente em sua defesa (fls. 03/04 do REC-03/03218754):
"Inicialmente, cabe enfatizar que os leilões em questão foram realizados através de leiloeiro oficial legalmente nomeado pela Junta Comercial do Estado de Santa Catarina, Sr. Artur Henrique Carstens, de reconhecida idoneidade e experiência no ramo.
Embora, nas razões de defesa, tenha-se limitado a discorrer sobre a necessidade, na espécie, da feitura das reclamadas atas, por um lapso deixou-se de constatar a existência destas, materializadas que estão nos processos de licitação através do respectivo 'MAPA DE ARREMATAÇÃO', o qual, além de registrar sinteticamente o ocorrido no leilão, foram também objeto de análise, ratificação e homologação pelo próprio BADESC, conforme comprova a documentação em anexo.
Tal afirmação cresce de vulto quando, buscando-se o significado jurídico do vocábulo 'ata', se sabe que o mesmo representa genérica e sinteticamente 'os assentos que se determinaram após a sessão de qualquer entidade, relativos às resoluções tomadas, para que tudo se conserve escrito sob registro'.
Ademais, ainda que assim fosse, ad argumentandum tantum, não caberia, no caso, data venia, a pretensa aplicação da multa prevista no invocado art. 239, inciso III, da Resolução TC 11/91, porquanto, iniludivelmente, não se trata de 'ato praticado com grave infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial ...'".
A Diretoria de Controle da Administração Estadual - DCE, após a análise da resposta à audiência oferecida pelo Sr. Arno Garbe nos autos principais, se manifestou no Relatório Conclusivo n. 088/2002 (fls. 349/362 do ALC-01/01947976), nos seguintes termos:
"O responsável, no tocante à ausência de atas relativas aos leilões realizados, referiu-se, preliminarmente, aos editais respectivos, cingindo-se meramente a comentários acerca dos elementos informativos deles constantes, o que não pertine ao deslinde da questão ora colocada, vez que se está a tratar da ausência de atos procedimentais posteriores e independentes do instrumento convocatório, quais sejam, as atas consignatórias dos fatos ocorridos no curso dos trabalhos de aleiloamento dos bens postos em certame.
Diz ser desnecessária a feitura de atas para a modalidade em epígrafe em razão do possível 'entrave' decorrente da grande quantidade de lances a serem ofertados, o que se nos afigura um absurdo, pois a própria lei que rege as licitações é clara quanto à necessidade das referidas atas, não sendo lícito, portanto, que uma determinação ex vi lege seja casuísticamente subordinada às conveniências discricionárias do administrador público, cuja atividade, in casu, há de ser pautada, sempre, secundum legem, e nunca contra legem.
Justificou-se, ainda, com o argumento de que, sendo o Leilão fato público, atividade aberta, com a presença pessoal dos licitantes, esta particularidade afastaria a necessidade prática da realização das atas, vez que todos interessados, em tese, testemunhariam, por assim dizer, a lisura do desdobramento dos trabalhos, como se tal circunstância fosse suficiente para derrogar imperativo legal".
Analisando toda a argumentação, tanto a apresentada na peça recursal quanto a da DCE nos autos principais, conclui-se que foi correto o posicionamento adotado pelo Órgão Instrutivo desta Corte e adotado pelo Tribunal Pleno.
A Lei n. 8.666/93, em seus arts. 38, inciso V e 43, inciso IV e § 1º, dispõe:
"Art. 38. O procedimento da licitação será iniciado com a abertura de processo administrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado, contendo a autorização respectiva, a indicação sucinta de seu objeto e do recurso próprio para a despesa, e ao qual serão juntados oportunamente:
V - atas, relatórios e deliberações da Comissão Julgadora;
Art. 43. A licitação será processada e julgada com observância dos seguintes procedimentos:
IV - verificação da conformidade de cada proposta com os requisitos do edital e, conforme o caso, com os preços correntes no mercado ou fixados por órgão oficial competente, ou ainda com os constantes do sistema de registro de preços, os quais deverão ser devidamente registrados na ata de julgamento, promovendo-se a desclassificação das propostas desconformes ou incompatíveis;
§ 1o A abertura dos envelopes contendo a documentação para habilitação e as propostas será realizada sempre em ato público previamente designado, do qual se lavrará ata circunstanciada, assinada pelos licitantes presentes e pela Comissão".
"O curso do procedimento licitatório deverá ser integralmente documentado. Todos os atos deverão ser reduzidos a escrito, mesmo aqueles cuja materialização se efetive oralmente ou por outras condutas materiais. A redução a escrito faz-se através de relatórios ou atas, que indiquem as principais ocorrências verificadas (art. 43, § 1º).
Na praxe, costuma-se utilizar a expressão 'ata' para o instrumento que documenta ocorrências verificadas em reunião da Comissão, privadas ou públicas (abertas à participação de quaisquer interessados, inclusive licitantes).
'Ata' e 'relatório' são meros instrumentos de documentação da prática de atos juridicamente relevantes. Ata e relatório não dão existência jurídica ao ato, que existe autonomamente. Por isso, o vício no ato não é convalidado pela correção da ata ou do relatório. E ata e relatório podem ser viciados, sem quer isso afete a validade do ato documentado".
O Recorrente, em sua peça recursal, anexou, às fls. 04/48, inúmeros documentos, tais como: mapa de arrematação (fls. 05/11 e 27/34); justificativa para homologação de processo de licitação (fls. 12 e 35/36); notas do leiloeiro (fls. 41/45 e 48); comprovantes de arrematação em leilão (fls. 14/17 e 46/47); aviso de leilão (fls. 18); publicações (fls. 19/24 e 37/40) etc; porém, nenhum dos documentos trata de cópia da ata de julgamento das propostas. Assim, conclui-se que, os documentos anexados não ter o condão de sanar a restrição, sendo que tal fato só seria possível com a juntada da ata de julgamento das propostas.
A conduta do administrador público, antes de tudo, deve pautar-se com observância dos princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e dos princípios específicos atinentes ao instituto da licitação, como a igualdade de tratamento entre os interessados, julgamento objetivo e outros correlatos. Assim, tendo em vista os apontamentos expostos acima, sugere-se ao N. Relator, a manutenção da multa prevista no item 6.2 da decisão recorrida.
3. CONCLUSÃO
Ante ao exposto, sugere-se ao Relator que em seu voto propugne ao Egrégio Plenário:
1) Conhecer do Recurso de Reexame proposto nos termos do art. 80 da Lei Complementar n. 202/2000, contra o Acórdão n. 1109/2002, na sessão ordinária do dia 11 de dezembro de 2002, no processo ALC-01/01947976, e, no mérito, negar-lhe provimento, ratificando na íntegra a decisão recorrida.
2) Dar ciência deste acórdão, do relatório e do voto do Relator que o fundamentam, bem como deste Parecer COG ao Sr. Arno Garbe, ex-Diretor Presidente da Agência de Fomento do Estado de Santa Catarina S.A. - BADESC., bem como, ao BADESC.
COG, em 08 de maio de 2007.
MURILO RIBEIRO DE FREITAS
Auditor Fiscal de Controle Externo
De Acordo. Em ____/____/____
À consideração do Exmo. sr. conselheiro wilson rogério wan-dall, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
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MARCELO BROGNOLI DA COSTA Consultor Geral |
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Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, 11ª ed., Dialética, pag. 377.