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Processo n°: | REC - 03/07763846 |
Origem: | Centrais de Abastecimento do Estado de Santa Catarina S.A. - CEASA |
responsável: | Marli Terezinha Marçal |
Assunto: | Recurso (Reexame - art. 80 da LC 202/2000) -ALC-02/02265439 |
Parecer n° | COG-261/07 |
Recurso de Reexame. Auditoria in loco de licitações, contratos, convênios e atos jurídicos análogos. Imputação de multa. Conhecer e dar provimento.
Permissão de uso. Inaplicabilidade da Lei Federal nº 8.987/95. Prazo indeterminado. Possibilidade.
Permissão de uso, como asseverou Hely Lopes Meirelles, é ato negocial unilateral, discricionário e precário através do qual a Administração faculta ao particular a utilização individual de determinado bem público. Pode ser com ou sem condições, gratuito ou remunerado, por tempo certo ou indeterminado, conforme estabelecido no termo próprio, mas sempre modificável e revogável unilateralmente pela Administração, quando o interesse público o exigir, dados sua natureza precária e o poder discricionário do permitente para consentir e retirar o uso especial do bem público.
Senhor Consultor,
Tratam os autos nº REC-03/07763846 de Recurso de Reexame, interposto pela Sra. Marli Terezinha Marçal - ex-Diretora-Geral das Centrais de Abastecimento do Estado de Santa Catarina S.A. - CEASA, em face do Acórdão nº 1549/2003, proferido no Processo nº ALC-02/02265439.
O citado Processo n. ALC-02/02265439 é relativo à auditoria in loco sobre licitações, contratos, convênios e atos jurídicos análogos referentes ao exercício de 2000, empreendida por esta Corte de Contas, através de sua Diretoria de Controle da Administração Estadual - DCE.
Levada a efeito a mencionada análise, a DCE procedeu à elaboração do Relatório nº 297/02 (fls. 05 a 26), no qual sugeriu a audiência da Sra. Marli Terezinha Marçal para apresentar defesa acerca das irregularidades evidenciadas.
Exercendo o direito constitucional ao contraditório, a ora Recorrente compareceu aos autos e juntou suas justificativas e documentos (fls. 32 a 40).
A DCE, seqüencialmente, analisou os argumentos trazidos pela Sra. Marli Marçal e elaborou o Relatório nº 36/2003 (fls. 42 a 55), cujas conclusões foram acatadas pelo Ministério Público (fls. 57 a 59) e pelo Exmo. Relator (fls. 60 a 63).
Na Sessão Ordinária de 27/08/2003, o Processo n. ALC-02/02265439 foi levado à apreciação do Tribunal Pleno, sendo prolatado o Acórdão n. 1549/2003, portador da seguinte dicção (fls. 64/65):
ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:
6.1. Conhecer do Relatório de Auditoria realizada nas Centrais de Abastecimento do Estado de Santa Catarina S/A. - CEASA/SC, com abrangência sobre licitações, contratos, convênios e atos jurídicos análogos, referente ao período de janeiro a dezembro de 2000, para considerar, com fundamento no art. 36, §2º, alínea "a", da Lei Complementar n. 202/2000:
6.1.1. regulares os 14 atos descritos nos itens 1.1.1 a 1.1.14 da Conclusão do Relatório DCE, de fs. 49 e 50 dos presentes autos, e a Dispensa de Licitação n. 001/2000;
6.1.2. irregulares os 147 Contratos de Permissão Remunerada de Uso de Box descritos no item 1.2.1 da Conclusão do Relatório DCE, de fs. 50 a 54 deste processo.
6.2. Aplicar à Sra. Marli Teresinha Marçal - ex-Diretora-Presidente das Centrais de Abastecimento do Estado de Santa Catarina S/A. - CEASA/SC, com fundamento nos arts. 70, II, da Lei Complementar n. 202/00 e 109, II, c/c o 307, V, do Regimento Interno instituído pela Resolução n. TC-06/2001, a multa no valor de R$ 300,00 (trezentos reais), com base nos limites previstos no art. 239, III, do Regimento Interno (Resolução n. TC-11/1991) vigente à época da ocorrência da irregularidade, em face a) da não-adequação dos contratos de permissão remunerada de uso de box aos moldes do disposto na Lei de Licitações e Contratos - que devem preceder de processo licitatório na modalidade Concorrência - em inobservância ao estabelecido no art. 42, §§ 1º e 2º, da Lei n. 8.987/95; e b) da não-determinação do prazo de duração dos contratos de permissão remunerada de uso de box, conforme dispõe o art. 5º da Lei n. 8.987/95, em descumprimento ao art. 57, II e § 3º, da Lei Federal n. 8.666/93 (itens 1 e 5 do Relatório DCE), fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado da multa cominada, ou interpor recurso na forma da lei, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000.
6.3. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Relatório de Reinstrução DCE/Insp.4/Div.10 n. 36/2003, às Centrais de Abastecimento do Estado de Santa Catarina S/A. - CEASA/SC e à Sra. Marli Teresinha Marçal - ex-Diretora-Presidente daquela entidade."
Visando à modificação do Acórdão supratranscrito, a Sra. Marli Terezinha Marçal interpôs o presente Recurso.
É o breve Relatório.
II. ADMISSIBILIDADE
Com efeito, apesar do silêncio da peça recursal, o presente processo fora corretamente autuado pela Secretaria Geral desta Corte como Recurso de Reexame, previsto no art. 80 da Lei Complementar nº 202/00, e que tem por fim atacar decisão proferida em processos de fiscalização de ato e contrato e de atos sujeitos a registro.
Quanto à legitimidade recursal, por ter sido a Recorrente apenada com a multa imposta nos itens 6.2 da decisão atacada, sua atuação se faz adequada.
No que concerne à tempestividade, estabelece o artigo supracitado o prazo de 30 (trinta) dias, contados a partir da publicação da decisão no Diário Oficial do Estado. Assim, considerando que o Acórdão nº 1549/2003 foi publicado no dia 15 de outubro de 2003 e a presente irresignação protocolada neste Tribunal no dia 06 de novembro do mesmo ano, tem-se como tempestiva a peça.
Destarte, restaram devidamente preenchidas as condições legais de admissibilidade do Reexame em análise.
III. DISCUSSÃO
A Recorrente alega em sua defesa, sinteticamente, o seguinte:
"(...)
1) Especialmente no que concerne à realização de licitação e ao prazo de duração dos contratos e suas re-adequações aos termos da Lei nº 8.987/95, é importante observar que grande parte dos contratos são originários de exercícios anteriores à vigência do citado Diploma Legal e da própria Lei nº 8.666/93 que instituiu as Normas para Licitação e Contratos da Administração Pública. Assim, conforme se observa no Rol de Contratos que integra o Relatório em comento, a maior parte dos contratos sem licitação datam dos exercícios de 83, 84, 85 e o Artigo 42 da Lei nº 8.987/95, sabiamente transcrito pelos Senhores Analistas, é claro e assim dispõe:
(...)
1.1) Assim, em que pese as disposições do § 2º estabelecer o prazo de 24 (vinte e quatro) meses para a organização de licitação que precederão a outorga das concessões que as substituirão, há que se considerar que tal procedimento deve ser criteriosamente avaliado haja vista o direito adquirido dos permissionários;
(...)
1.3) Ao proceder a reanálise do Processo nº ALC-02/02265358, que versa sobre matéria de mesma natureza, especialmente quanto ao prazo de vigência dos contratos estabelecido nos editais de licitação que lhe são objeto, considerando que o Tribunal Pleno na Sessão do dia 12/04/00, ao proceder o julgamento do Processo ECO 00/009002488, considerou os termos do edital em consonância com as determinações do Art. 40 da Lei Federal nº 8.666/93, manifestou-se pelo acolhimento do Relatório de Auditoria, considerando regulares os editais em relação a este aspecto.
Conforme se pode observar o ato de permissão de uso trata-se de instrumento unilateral, precário e discricionário e que, portanto, a administração poderá retorna-lo a qualquer tempo independentemente de qualquer notificação judicial ou extrajudicial e não um contrato propriamente dito conforme preconiza a Lei nº 8.666/93.
As informações e documentos que integram o presente, não deixam dúvidas quanto à inexistência de má fé ou qualquer prejuízo ao Erário Público, ..."
A Diretoria de Controle da Administração Estadual desta Corte, ao sugerir a penalização em comento, o fez pelas seguintes razões (Relatório nº 36/2003, de fls. 42 a 55 dos autos principais):
"(...) Assim, com base no que foi exposto, aceita-se as justificativas apresentadas pela auditada diante das restrições apontadas pela instrução, exceção feita àquelas relacionadas à ausência de processo licitatório e a de contratação por tempo indeterminado, (...). Neste caso, a empresa já deveria ter procedido a prévia regularização dos seus atos concernentes aos prazos de contratação, definidos nos seus termos de permissão remunerada de uso, conforme dispõe o art. 42, §1º e §2º, da Lei 8.987/95, in verbis:
(...)
§ 2º - As concessões em caráter precário, as que estiverem com prazo vencido e as que estiverem em vigor por prazo indeterminado, inclusive por força de legislação anterior, permanecerão válidas pelo prazo necessário à realização dos levantamentos e avaliações indispensáveis à organização das licitações que precederão a outorga das concessões que as substituirão, prazo esse que não será inferior a 24 (vinte e quatro) meses (grifo nosso)
Apesar do retrocitado artigo descrever somente o termo "concessões", o art. 40, parágrafo único, do mesmo diploma legal, inclui, nesse contexto, as permissões de uso, conforme verifica-se a seguir:
(...)
Deve, portanto, a CEASA regularizar tal situação."
O que se pode depreender, analisando as argumentações supra, é que a DCE tratou de "permissão de serviço público" quando, na realidade, o caso sob exame versou sobre "permissão de uso de bem público".
No intuito de melhor deslindar a questão, transcrevemos as lições de Ivan Barbosa Rigolin, extraídas do artigo entitulado "CONCESSÃO, PERMISSÃO, AUTORIZAÇÃO, CESSÃO E DOAÇÃO: QUAIS SÃO AS DIFERENÇAS?":
"(...) V - Permissão de uso de bem público. Se a permissão for de fato a prima pobre da concessão, então do mesmo modo a permissão de uso de bem público é a prima pobre da permissão de serviço público. Tão desvalida e destratada que muita vez nem sequer se sabe que existe... Com efeito, na prática de advocacia e de consultoria chega a ser constrangedor constatar, com espantosa regularidade, o mais absoluto despreparo que altas autoridades de todos os Poderes do Estado - incluindo alguns representantes do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Tribunais de Contas - ostentam quando por razões de ofício precisam defrontar-se com examinar, apreciar, opinar e julgar permissões de uso de bens públicos em casos concretos. A confusão entre concessão de serviço e concessão de uso, de tão freqüente, chega a ser de fazer corar as pedras. Fala-se de concessão e de permissão como se existisse apenas uma modalidade de cada instituto, e quando se formula a pergunta: - concessão de quê?; - permissão de quê?, o mundo desaba. E só então a autoridade interlocutora trava conhecimento da concessão de uso, e da permissão de uso.
Ilustre desconhecida no direito que ainda é, a permissão de uso de bem público é o instituto de direito administrativo que, também sem natureza contratual, significa a transferência, geralmente outorgada com caráter de exclusividade, da utilização de algum bem público imóvel por particular, para que ali desenvolva algum trabalho, ou preste algum serviço, de utilidade coletiva, revestido portanto de justificado interesse público.
A matéria é disciplinável na legislação local, e exclusivamente aí. Não existe regra constitucional - aliás nem sequer existe a mais pálida menção na Carta a esse instituto - sobre permissão de uso de bem público, de modo que em um Município será a sua lei orgânica o diploma disciplinador máximo, que lhe dê os contornos maiores e mais gerais, seguindo o detalhamento por legislação ordinária, por regulamentos ocasionais e por fim pelo ato administrativo unilateral, negocial, em geral precário, oneroso ou não, com exclusividade ou não, de outorga. Nos Estados e no Distrito Federal as respectivas Constituições, e legislações infraconstitucionais, disciplinarão esse assunto - que, curiosamente, pela sua natureza, é sempre muito mais municipal que de outra esfera de governo, pelo fato de que o Município todos sabem que existe, e todos vêem, localizam e conhecem, enquanto que a União e o Estado são, antes, convenções ou ficções jurídicas e políticas que somente se divisam em mapas e em discursos governamentais.
Será licitado se a regra local assim o exigir, e nas condições respectivas, e não o será se e como de outro modo dispuser o mesmo regramento local. Se for licitável, a lei aplicável será, tal qual na outra permissão, qualquer uma, menos a lei nacional de licitações, absoluta, total e completamente inaplicável a esta espécie de objeto. Muitas vezes nos Municípios a única regra legal para a permissão de uso é a constante da sua lei orgânica, à exceção de qualquer outra, e para preparar e ultimar a outorga fica livre a autoridade local, dentro dos mínimos da lei orgânica municipal, para dispor e disciplinar cada caso como bem lhe convenha à ocasião.
Geralmente as leis orgânicas municipais disciplinam diferentemente permissões de uso de bens públicos conforme seja a natureza do imóvel público em questão, segundo a classificação civil de bens de uso comum do povo, de uso especial e bens dominicais - nome hoje não menos que ridículo, pois que deveriam denominar-se dominiais, já que são do domínio disponível e não bens "de domingo" como o são alguns nefastos motoristas. Assim, e em geral, a permissão de uso de bens de uso comum do povo segue determinadas regras da lei orgânica, enquanto que se o bem for de uso especial podem ser outras, e outras ainda em se tratando de bens dominicais. Tais regras são muitas vezes copiadas de um Município para outro, mas quase sempre, vistas utilitariamente para a Administração, carecem de qualquer sentido lógico, há tempo já merecendo enérgica modernização.
Utiliza-se a permissão de uso de bem público sempre que a concessão de uso não puder ser utilizada, ou que essa não convier em face da sua complexidade, acaso desproporcional ao escopo ou à abrangência do uso que se pretende transferir a particular. Permissão de uso é menos complexa, menos estável, menos duradoura que a concessão de uso, tanto quanto a de serviço o é com relação à concessão de serviço, e por isso se a utiliza para "emprestar" certos imóveis públicos a particulares para atividades não tão estáveis quanto as de se esperar na concessão, como no caso, sempre que conveniente, de áreas em mercados, entrepostos públicos permanentes, ou áreas públicas cujo uso seja permitido a entidades assistenciais, caritativas, benemerentes ou filantrópicas, sempre que não se justifique a concessão do uso. Existe subjetiva e tênue diferença, em verdade, resolúvel apenas pelo critério discricionário da autoridade executiva, da maior conveniência entre permitir o uso e conceder o uso;mas para decidir também sobre isso foi ela eleita pela população.
O que ressalta é que sempre está por trás, invariavelmente, o interesse público na outorga, materializado no uso que o particular fará do imóvel público cujo uso lhe seja permitido.
A idéia da permissão de uso de bem público móvel aberra da teoria do direito público, porque para tal empréstimo o direito reserva outros institutos."1
No artigo denominado "Permissão de uso de bem público não se sujeita a licitação, por ser precária e se inserir no poder discricionário da administração pública. Falta de tipicidade para o ajuizamento de ação de improbidade administrativa", Mauro Roberto Gomes de Mattos complementa as conclusões já esboçadas, trazendo as posições de vários doutrinadores renomados:
A Jurisprudência do TJSC parece comungar do mesmo entendimento. Vejamos:
1º) Permissão de uso, como asseverou Hely Lopes Meirelles, é ato negocial unilateral, discricionário e precário através do qual a Administração faculta ao particular a utilização individual de determinado bem público. Pode ser com ou sem condições, gratuito ou remunerado, por tempo certo ou indeterminado, conforme estabelecido no termo próprio, mas sempre modificável e revogável unilateralmente pela Administração, quando o interesse público o exigir, dados sua natureza precária e o poder discricionário do permitente para consentir e retirar o uso especial do bem público;
2º) A competência para disciplinar sobre o assunto é local (Estadual ou Municipal, conforme o caso), ou seja, a permissão de uso de bem público não está subordinada à Lei de Licitações (nº 8.666/93) e nem à Lei das Concessões e Permissões de serviço público ( nº 8.987/95). Nesses sentido, somente as normas locais poderão determinar a obrigatoridade ou não de prévia licitação para escolha do permissionário.
2. Recomendar à CEASA que adote providências para a regulamentação e uniformização dos procedimentos (preferencialmente utilizando-se da licitação) para escolha dos permissionários para ocupação e exploração dos "Boxes" das suas unidades.
3. Dar ciência às Centrais de Abastecimento do Estado de Santa Catarina S.A. - CEASA e à Sra. Marli Terezinha Marçal - ex-Diretora-Presidente daquela entidade.
"(...) Por ser precária, a permissão de uso de bem público é um ato unilateral da Administração Pública, firmado através de termo e não de contrato administrativo, apesar de ser regido pelas normas de direito público.
A licitação, segundo a dicção do art. 37, inc. XXI c/c com o art. 22, inc. XXVII, ambos da CF, não é direcionada para os atos precários, celebrados através de termo, sem as garantias do contrato administrativo, onde o contratado possui não só deveres, como também direitos.
Com o advento da Lei nº 8.666/93, situações precárias como a enfrentada no presente estudo deixaram de causar dúvidas ao intérprete, pois, conforme o parágrafo único do artigo 2º, somente as Permissões voltadas para a prática de serviços públicos com estipulações de obrigações recíprocas é que devem ser precedidas de licitação: "Art. 2º - As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei. Parágrafo Único Para os fins desta Lei, considera-se contrato todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada." (g.n.)
O contrato de permissão (cessão) de uso de bens públicos difere do da concessão de serviços públicos, porquanto nesse tipo de avença, o domínio dos bens é cedido no interesse coletivo para a exploração precária do particular.
Sobre o tema, José Afonso da Silva, em seu "Comentário Contextual à Constituição" assim aduna: "A autorização é ato administrativo unilateral, discricionário e precário; não se destina apenas à execução do serviço público, pois há autorização administrativa ao particular também para a prática de utilização de bens públicos. Também se admite permissão administrativa para o uso de bens públicos, nesse caso ela ainda pode ser conceituada como ato negocial, discricionário e precário...".
Em igual sentido, Hely Lopes Meirelles, corrobora o que foi dito: "Permissão de uso é ato negocial unilateral, discricionário e precário através do qual a Administração faculta ao particular a utilização individual de determinado bem público. Como ato negocial, pode ser com ou sem condições, gratuito ou remunerado, por tempo certo ou indeterminado, conforme estabelecido no termo próprio, mas sempre modificável e revogável unilateralmente pela Administração, quando o interesse público o exigir, dados sua natureza precária e o poder discricionário do permitente para consentir e retirar o uso especial do bem público."
Para Diogo de Figueiredo Moreira Neto: "O regime permissional, menos rígido, tem sido caracterizado na doutrina tradicional como vínculo produzido por simples manifestação de vontade unilateral da Administração, através de um ato administrativo, discricionário e precário, que seria, por isso revogável a qualquer tempo." (Diogo de Figueiredo Moreira Neto. Curso de Direito Administrativo. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 264).
A autorização ou permissão, no magistério de Maria Sylvia Zanella Di Pietro "é o ato unilateral e discricionário pelo qual o Poder Público faculta ao particular o uso privativo de bem público, a título precário."
A não menos ilustre Odete Medauar, ratificando o que foi dito pela refinada doutrina já declinada, deixou grafado em seu magistral "Direito Administrativo Moderno", a desnecessidade do certame licitatório para o deferimento da autorização de permissão de uso de bem público: "a) Autorização de uso é o ato administrativo discricionário e precário, pelo qual a Administração consente que um particular utilize privativamente um bem público. Pode incidir sobre qualquer tipo de bem. De regra, o prazo de uso é curto; poucas e simples são suas normas disciplinadoras: independe de autorização legislativa e licitação; pode ser revogada a qualquer tempo." A precariedade, é verificada pela possibilidade de desfazimento do ato de permissão de uso de bem público a qualquer momento. É o que a doutrina chama de permissões condicionadas.
Nesse sentido o STJ também estabeleceu que o ato administrativo de permissão de uso de imóvel municipal por particular possui natureza precária e discricionária, podendo ser cancelada a qualquer momento: "Processual Civil. Recurso Ordinário em Mandado de Segurança. Ato Administrativo. Permissão de uso de imóvel municipal por particular. Natureza precária e discricionária. Possibilidade de cancelamento. Previsão contratual. Ausência de direito líquido e certo. 1. A autorização de uso de imóvel municipal por particular é ato unilateral da Administração Pública, de natureza discricionária, precária, através do qual esta consente na prática de determinada atividade individual incidente sobre um bem público. Trata-se, portanto, de ato revogável, sumariamente, a qualquer tempo, e sem ônus para o Poder Público. 2. Como a Administração Pública Municipal não mais consente a permanência da impetrante no local, a autorização perdeu sua eficácia. Logo, não há direito líquido e certo a ser tutelado na hipótese dos autos. 3. Comprovação nos autos da existência de previsão contratual no tocante ao cancelamento da permissão debatida. 4. Recurso não provido."
Somente a permissão de serviços públicos, a teor do artigo 175, da CF, é que deverá ser precedida da competente licitação, visto que este Comando Maior é taxativo em estabelecer tal cânone legal.
Para a situação legal aqui verificada, onde a permissão de uso de bem público foi firmada sem prazo estabelecido, a eminente Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em obra específica sobre o tema, seguindo o entendimento dos demais doutrinadores, não tem dúvida em afirmar que a permissão de uso não possui natureza contratual, ficando excluída da necessidade de ser precedida do certame licitatório: "O intuito da permissão, na doutrina brasileira, tem sido definido como ato unilateral e não como contrato. No entanto, a Constituição Federal, ao tratar da concessão e da permissão do serviço público, referiu-se a ambos como contrato (art. 175, parágrafo único, inc. I) e foi expresso na exigência de licitação (caput do mesmo dispositivo). Também o art. 124, da Lei nº 8.666, introduzido pela Lei nº 8.883, refere-se à permissão de serviço público como contrato. Assim sendo, não há dúvida de que a permissão de serviço público está sujeita aos ditames da Lei nº 8.666. Já a permissão de uso constitui, em regra, ato unilateral e, como tal, não se enquadra na exigência do art. 2º, que, ao mencionar as várias modalidades (obras, compras, alienações, concessões, permissões e locações), acrescenta a expressão 'quando contratados com terceiros'. Além disso, o § 2º, do mesmo dispositivo define o contrato, para os fins da lei, como 'todo e qualquer ajuste entre órgãos ou entidades da Administração Pública e particulares, em que haja um acordo de vontades para a formação de vínculo e a estipulação de obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada.' A permissão de uso, quando dada precariamente (como é de sua natureza), ou seja, sem prazo estabelecido, não cria obrigações para a Administração Pública, que concede a permissão e a retira discricionariamente, independentemente do consentimento do permissionário, segundo razões exclusivamente de interesse público. Nesses casos, a permissão não tem natureza contratual e, portanto, não está sujeito à licitação..." (aspas no original).
Para que a "permissão de uso" tenha natureza contratual, sujeita a licitação, segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro, é necessário que a mesma tenha prazo estabelecido, gerando para o particular o direito de receber indenização em caso de revogação, situação jurídica diversa da lide em questão: "No entanto, existem verdadeiras concessões de uso que são disfarçadas sob a denominação de permissão de uso, tendo a natureza contratual; isto ocorre especialmente quando ela é concedida com prazo estabelecido, gerando para o particular direito a indenização em caso de revogação da permissão antes do prazo estabelecido. Neste caso, a permissão de uso está sujeita a licitação."
Destarte, a permissão de uso de bem público, estabelecida de forma precária e sem prazo de duração, fica excluída da Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações), ou de qualquer outro processo de seleção, tendo em vista que a sua natureza jurídica não comporta a competição, eis que se atrela a discricionariedade da Administração Pública na destinação da utilização de determinado bem público, além da sua própria precariedade.
Dessa forma, tese contrária à presente de que tanto a permissão de uso, como a de serviço público, constituem-se verdadeiras concessões "com nítida característica contratual", não corresponde a realidade jurídica, porquanto o ato administrativo precário de termo de permissão de uso, além de unilateral e sem prazo de validade, não se configura como um contrato administrativo na acepção da palavra.
Ou melhor, para que haja uma relação contratual, são necessárias cláusulas essenciais do contrato de concessão, segundo a expressa determinação do art. 23, da Lei nº 8.987/95 (Lei de Concessão de Serviço Público), quais sejam: "Art. 23 São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas: I ao objeto, à área e ao prazo de concessão; II ao modo, forma e condições de prestação do serviço; III aos critérios, indicadores, fórmulas e parâmetros definidores da qualidade do serviço; IV ao preço do serviço e aos critérios e procedimentos para o reajuste e a revisão das tarifas; V aos direitos, garantias e obrigações do poder concedente e do concessionário, inclusive os relacionados às previsíveis necessidades de futura alteração e expansão do serviço e conseqüente modernização, aperfeiçoamento e ampliação dos equipamentos e instalações; VI aos direitos e deveres dos usuários para obtenção e utilização do serviço; VII à forma de fiscalização das instalações, dos métodos e práticas de execução do serviço, bem como a indicação dos órgãos competentes para exerce-la; VIII às penalidades contratuais e administrativas a que se sujeita a concessionária e a sua forma de aplicação; IX aos casos de extinção da concessão; X aos bens reversíveis; XI aos critérios para o cálculo e a forma de pagamento das indenizações devidas às concessionárias, quando for o caso; XII às condições para a prorrogação do contrato; XIII à obrigatoriedade, forma e periodicidade da prestação de contas da concessionária ao poder concedente. XIV à exigência da publicação de demonstrações financeiras periódicas da concessionária; e XV- ao foro e ao modo amigável de solução das divergências contratuais. Parágrafo Único Os contratos relativos à concessão de serviço público precedido de obra pública deverão, adicionalmente: I estipular o cronograma físico-financeiro de execução das obras vinculadas à concessão; e II exigir garantia do fiel cumprimento, pela concessionária, das obrigações relativas às obras vinculadas à concessão."
Destarte, após o cotejo da doutrina já declinada, conjugada com os julgados do Poder Judiciário, se pode afirmar, com toda certeza, que o termo de permissão de uso de bem público, a título precário, não necessita de licitação para ser firmado, não sendo ilegal o ato administrativo que autoriza diretamente tal avença, em proeminência do interesse público.
III - Seguindo as lições de Ivan Barbosa Rigolin, se conclui que o direito administrativo brasileiro contempla cinco espécies de concessões, a saber: a) concessão de serviço público; b) concessão de direito real de uso de bem público; c) concessão administrativa de uso de bem público, d) concessão de obra pública e, e) concessão de serviço público precedido de obra pública.
A concessão de serviço público, pode ser definida como o instituto de direito administrativo, materializado através da celebração de contrato administrativo, que seguirá as determinações da Lei nº 8.987/95, onde o Poder Público concede ao particular a execução de serviço público ou de obra pública, ou lhe cede o uso de bem público, para que o explore por conta e risco.
A concessão de serviço público (art. 175, parágrafo único, I, da CF) diferencia-se da permissão de uso de bem público, pelo fato deste último instituto de direito público possuir como característica a precariedade e, via de conseqüência, não necessita do processo licitatório para ser firmado. Já na concessão, o contrato administrativo estabelecerá seu prazo de validade, além de ser exigência legal a sua formalização ser precedida do certame licitatório.
Já a concessão de direito real de uso de bem público, sem prazo determinado, é estabelecida por um termo entre o poder público e o particular, de forma graciosa ou remunerada, sem a obrigatoriedade de licitação, onde é cedido determinado bem, em prol do interesse público.
Ivan Barbosa Rigolin, com acerto assim se posiciona sobre o tema: "concessão de direito real de uso de bem público. Ainda que aparente ser uma modalidade de concessão, em verdade nada tem como esse instituto, pois que se trata de uma efetiva transferência da propriedade, ou da titularidade, de imóvel, fundada no art. 7º, do Decreto-lei Federal nº 271, de 28 de fevereiro de 1967, ainda em pleno vigor."
Todavia, se a referida cessão de direito real de uso de bem público estabelecer prazo de validade, ser-lhe-á retirada a precariedade da mesma, passando este instituto a guardar correlação direta com as regras legais da concessão de serviço.
Nessas circunstâncias, a cessão/permissão de uso de bem público, concedido em proveito do particular, deixará de ter o caráter precário e discricionário, em favor do interesse da comunidade, para dar lugar a uma verdadeira concessão de serviços públicos. Essa característica é fundamental para distinguir um instituto jurídico do outro.
Assim, não se tratando de concessão de serviço, não há a necessidade de incluí-la na regra Constitucional da obrigatoriedade da licitação (CF, art. 175, parágrafo único, inc. I), de modo que a lei local determinará quais são as regras jurídicas aplicáveis ao caso concreto.
A "teor do art. 7º, do Decreto-Lei nº 271/67, com seus parágrafos, a concessão do direito real de uso pode ser contratada para os fins específicos de urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra ou outro fim de interesse social, que naturalmente deverá estar especificado e fundamentado a cada caso concreto."
IV - A interpretação legal controvertida, caso o Ministério Público entenda que o termo de permissão de uso de bem público precário necessita de licitação, é retirada pela falta de tipicidade das condutas do agente público responsável pelo ato e pelo particular, em face da inexistência do dolo específico. Em alguns casos concretos, presenciamos ilustres membros do parquet ajuizarem ações de improbidade administrativa, por entenderem que situações precárias aventadas no presente estudo, colidem com os artigos 4º e 11, da Lei nº 8.429/92.
Ora, o assustador caráter aberto do caput dos artigos 4º e 11, da Lei nº 8.429/92, exige do intérprete a verificação da irregularidade formal de determinado ato, no sentido de que fique demonstrado, inequivocamente, o ato de devassidão do agente público, através do elemento subjetivo do tipo, o dolo, caracterizado não só pelo descumprimento de um princípio legal, como também pela vontade de lesar ao erário.
Ao estabelecer uma violação do princípio da legalidade, pela ausência de licitação, o Ministério Público tenta qualificar uma pseudo ilegalidade, sem demonstrar o dolo, a má-fé do agente público e do particular, visto que não há nenhum ardil praticado por esses. (...)"2
EMENTA: DESOCUPAÇÃO DE ESPAÇO PÚBLICO - FARMÁCIA INSTALADA EM TERMINAL RODOVIÁRIO - PERMISSÃO DE USO - ATO NEGOCIAL UNILATERAL, DISCRICIONÁRIO E PRECÁRIO - PRORROGAÇÃO INDEFERIDA POR RAZÕES DE CONVENIÊNCIA E OPORTUNIDADE INVOCADAS PELO ÓRGÃO ADMINISTRATIVO RESPONSÁVEL - ATENDIMENTO DE INTERESSE PÚBLICO - RECURSO E REEXAME DESPROVIDOS. "A permissão de uso de espaço público, concedida ao particular, o é a título precário, podendo ser revogada a qualquer tempo pela Administração, justamente por ser ato administrativo, o que em absoluto pode ser confundido com o contrato de locação. O ato em análise, assim, tem como características a unilateralidade, no sentido de suficiência da vontade da Administração e o privilégio do interesse privado por razões de oportunidade e conveniência, ou seja, a lei faculta àquela reaver, a qualquer tempo, o bem público que permitiu ou autorizou o uso para o particular, sem que sejam necessárias quaisquer justificativas" (Apelação cível 00.004566-7. Relator: Des. Francisco Oliveira Filho. Data da Decisão: 30/08/2001).
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - ESTABELECIMENTO COMERCIAL EM TERMINAL RODOVIÁRIO - PERMISSÃO DE USO DE BEM PÚBLICO - PRECARIEDADE - DESPROVIMENTO DO RECURSO "Permissão de uso é o ato negocial, unilateral, discricionário e precário através do qual a Administração faculta ao particular a utilização individual de determinado bem público. Como ato negocial (TJSP, RJTJSP 124/202), pode ser com ou sem condições, gratuito ou remunerado, por tempo certo ou indeterminado, conforme estabelecido no termo próprio, mas sempre modificável e revogável unilateralmente pela Administração, quando o interesse público o exigir, dados sua natureza precária e o poder discricionário do permitente para consentir e retirar o uso especial do bem público. A revogação faz-se, em geral, sem indenização, salvo se em contrário se dispuser, pois a regra é a revogabilidade sem ônus para a Administração. O ato da revogação deve ser idêntico ao do deferimento da permissão e atender às condições nele previstas". (MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 26 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001 p. 486) (Apelação Cível 2000.022066-3. Relator: Des. Luiz Cézar Medeiros. Data da Decisão: 20/09/2001)
Constata-se, por todo o acima exposto, que a posição da doutrina e da jurisprudência sobre o instituto da permissão de uso de bem público é clara nos seguintes pontos:
O fato é que não há legislação estadual prevendo as formas e procedimentos para que sejam deferidas tais permissões de uso, situação que deveria ser regulamentada a fim de evitar escolhas sem critérios predeterminados e a possibilidade de "favoritismos". A licitação, nesses casos, se faria mister. O art. 39, IX, da Constituição Estadual dispõe:
Art. 39 - Cabe a Assembléia Legislativa, com a sanção do Governador, dispor sobre todas as matérias de competência do Estado, especialmente sobre:
(...)
IX - aquisição, administração, alienação, arrendamento e cessão de bens imóveis do Estado;
Apesar dos posicionamentos da doutrina e da jurisprudência, cumpre ressaltar que esta Consultoria Geral entende que atenta contra os princípios constitucionais da moralidade, da isonomia e da impessoalidade a Administração Pública Estadual deferir permissões de uso de bem/espaço público, sem licitação, ao bel prazer do seu Administrador. O art. 16 da Constituição Estadual determina:
Art. 16 - Os atos da administração pública de qualquer dos Poderes do Estado obedecerão aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade.
Entretanto, diante de todo o acima exposto e, considerando os posicionamentos da doutrina e da jusrisprudência, sugerimos o cancelamento da penalidade aplicada.
IV. CONCLUSÃO
Ante o exposto, sugere-se ao Exmo. Relator do processo que em seu Voto proponha ao Egrégio Plenário o que segue:
1. Conhecer do Recurso de Reexame, nos termos do art. 80 da Lei Complementar n. 202/2000, interposto contra o Acórdão n. 1549/2003, exarado na Sessão Ordinária de 27/08/2003, nos autos do Processo n. ALC-02/02265439, e, no mérito, dar-lhe provimento para cancelar a multa constante do item 6.2 da decisão recorrida.
COG, em 09 de maio de 2007.
ANNE CHRISTINE BRASIL COSTA
De Acordo. Em ____/____/____
DE ACORDO.
À consideração do Exmo. Sr. Conselheiro Moacir Bertoli, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
COG, em de de 2007.
MARCELO BROGNOLI DA COSTA Consultor Geral |
2 (MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Permissão de uso de bem público não se sujeita a licitação, por ser precária e se inserir no poder discricionário da administração pública. Falta de tipicidade para o ajuizamento de ação de improbidade administrativa. Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1230, 13 nov. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9157>. Acesso em: 07/05/2007.)