ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: REC - 03/00724179
Origem: Secretaria de Estado da Educação e do Desporto
Responsável: Miriam Schlickmann
Assunto: Recurso (Recurso de Reconsideração - art. 77 da LC 202/2000) -ALC-01/01597037
Parecer n° COG-285/07

Recurso de Reconsideração. Modalidade inadequada. Aplicação do princípio da fungibilidade recursal. Conhecer como Reexame. Auditoria in loco sobre licitações, contratos, convênios e atos jurídicos análogos. Imputações de multas. Argüição de Preliminar de Ilegitimidade Passiva rejeitada. Ausência de defesa quanto ao mérito. Negar Provimento.

Competência Administrativa. Delegação. Formalização documental.

A alegação de ilegitimidade passiva em virtude de delegação de competência depende de prova documental para ser acolhida. O ato de delegação tem forma escrita, na qual ficará consignado em que limites os atos e/ou medidas serão repassados e por quanto tempo perdurará o seu exercício. Além disso deverá ser publicado no diário oficial, a fim de que todos saibam por quem será exercida a prerrogativa.

Senhor Consultor,

  1. RELATÓRIO

    Tratam os autos de Recurso de Reconsideração, interposto pela Sra. Miriam Schlickmann - ex-Secretária de Estado da Educação e do Desporto - SED, em face do Acórdão nº 0853/2002, proferido no Processo nº ALC-01/01597037.

    O citado Processo nº ALC-01/01597037 é relativo à auditoria in loco sobre licitações, contratos, convênios e atos jurídicos análogos da SED, referentes ao período de julho a dezembro de 2000, empreendida por esta Corte de Contas através de sua Diretoria de Controle da Administração Estadual - DCE.

    Levada a efeito a mencionada análise, a DCE procedeu à elaboração do Relatório nº 224/2001 (fls. 20 a 53), no qual sugeriu a audiência da Sra. Miriam Schlickmann para apresentar defesa acerca das irregularidades evidenciadas.

    A ex-Secretária de Estado compareceu aos autos, apresentando as justificativas e documentos que entendeu necessários (fls. 139 a 490).

    Em seqüência, seguiram os autos para reanálise da DCE que, em seu Relatório nº 072/2002 (fls. 492 a 542), concluiu por aplicar multas à Recorrente. Tal posicionamento foi acatado, na íntegra pelo Ministério Público (fls. 576/577) e parcialmente pela Relatora do feito (fls. 578 a 605).

    Na Sessão Ordinária de 14/10/2002, o Processo n. ALC-01/01597037 foi levado à apreciação do Tribunal Pleno, sendo prolatado o Acórdão n. 0853/2002, portador da seguinte dicção (fls. 606 a 609):

"(...) ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1° e 25 da Lei Complementar n. 202/2000, em:

6.1. Conhecer do Relatório da Auditoria realizada na Secretaria de Estado da Educação e do Desporto, com abrangência sobre licitações, contratos, convênios e atos jurídicos análogos, referente ao período de julho a dezembro de 2000, para considerar, com fundamento no art. 36, §2º, alínea "a", da Lei Complementar n. 202/2000:

6.1.1. regulares os seguintes atos:

(...)

6.1.2. irregulares a Tomada de Preços n. 066/00 e conseqüente Contrato 002/01, firmado com Transportadora Supersul Ltda.

6.2. Aplicar à Sra. Miriam Schlickmann - Secretária de Estado da Educação e do Desporto, com fundamento nos arts. 70, inc. II, da Lei Complementar n. 202/00 e 109, inc. II, c/c o 307, inc. V, do Regimento Interno instituído pela Resolução n. TC-06/2001, as multas abaixo discriminadas, com base nos limites previstos no art. 239, inc. III, do Regimento Interno (Resolução n. TC-11/1991) vigente à época da ocorrência das irregularidades, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, ou interpor recurso na forma da lei, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

6.2.1. R$ 100,00 (cem reais), por não ter estimado a quantidade do objeto da licitação, proporcionando à empresa que já prestava o serviço vantagem sobre as demais, infringindo os arts. 40, inc. I e §2º, inc. IV e 3º, §1º, inc. I, da Lei Federal n. 8.666/93;

6.2.2. R$ 100,00 (cem reais), em face da cobrança, das empresas interessadas na licitação, de importância a título de indenização do edital que, de forma alguma, limita-se ao custo efetivo da reprodução gráfica do mesmo, contrariando o disposto no art. 32, §5º, da Lei Federal n. 8.666/93;

6.2.3. R$ 100,00 (cem reais), pela exigência de certificados de propriedade de equipamentos para a execução do objeto da licitação, contrariando o disposto no art. 30, §6º, da Lei Federal n. 8.666/93.

6.3. Recomendar à Secretaria de Estado da Educação e do Desporto que, doravante:

(...)

6.4. Dar ciência deste Acórdão, bem como do Relatório e Voto que o fundamentam, à Sra. Miriam Schlickmann - Secretária de Estado da Educação e do Desporto."

Visando à modificação do Acórdão supratranscrito, a Sra. Miriam Schlickmann interpôs o presente Recurso de Reconsideração.

É o breve Relatório.

II. ADMISSIBILIDADE

Com efeito, apesar da peça recursal ser nomeada "Recurso de Reconsideração" e da autuação dada por este Tribunal manter os mesmos termos, a modalidade adequada é o Recurso de Reexame, previsto no art. 80, da Lei Complementar nº 202/00, e que tem por fim atacar decisão proferida em processos de fiscalização de ato e contrato e de atos sujeitos a registro.

In casu, como o processo original tratou de auditoria in loco de licitações, contratos, convênios e atos jurídicos análogos da SED e, ainda, pela aplicação do princípio da fungibilidade, receberemos a peça recursal como Recurso de Reexame e, nestes termos, passaremos a analisá-la.

Quanto à legitimidade recursal, por ter sido a Recorrente apenada com as multas impostas nos itens 6.2.1 a 6.2.3 da decisão atacada, sua atuação faz-se adequada.

No que concerne à tempestividade, estabelece o artigo supracitado o prazo de 30 (trinta) dias, contados a partir da publicação da decisão no Diário Oficial do Estado. Assim, considerando que o Acórdão guerreado foi publicado no dia 07 de fevereiro de 2003 e a presente irresignação protocolada neste Tribunal no dia 10 de março do mesmo ano, tem-se como tempestiva a peça.

Destarte, restaram devidamente preenchidas as condições legais de admissibilidade do Reexame em análise.

III. DISCUSSÃO

A Recorrente alega, em síntese, o seguinte:

"(...) É importante ressaltar que todas as fases referentes às licitações e contratos bem como os demais procedimentos análogos, os mesmos eram elaborados, acompanhados e aferidos por servidores da Secretaria de Estado da Educação e do Desporto, legalmente investidos em funções específicas para desmpenharem os procedimentos inerentes às licitações, no caso específico, a Tomada de Preços nº 066/00 (PL-284/00), de 13/11/00 e o respectivo Contrato nº 002/01.

Para corroborar a acertiva, a Recorrente junta fotocópia do Formulário Avaliativo do Edital e Contrato de Licitação (doc. 01), em que os setores Requisitante e Jurídico atestam a regularidade do procedimento.

Ressalte-se, também, que dada a magnitude dos problemas afetos a SED, impossibilitavam a titular da Pasta ater-se aos mínimos detalhes exigidos pela legislação, haja vista que os assuntos administrativos pedagógicos tomavam-lhe, praticamente, todo tempo disponível para dar suporte ao oferecimento obrigatório das condições educacionais mínimas exigidas na Carta Magna Federal, Constituição Estadual e as diretrizes básicas da educação, prescritas na Lei nº 9.394/96.

A Recorrente aceitou o procedimento, que está sendo considerado irregular, porque louvou-se em informações de funcionários instruídos, que se acreditavam hábeis para conduzir com crédito e competência as suas funções, gozando, assim, os seus atos, de presunção de legitimidade.

(...)

Registre-se, também, que não foram evidenciados, em momento algum, no Relatório de Reinstrução em comento, dano aos cofres públicos ou má fé da Recorrente, em todo o procedimento realizado pela SED concernente a Tomada de Preços nº 066/00.

Como não há menção nos autos, que a Recorrente, com o procedimento adotado, tivesse o ânimo de agir, omitir-se ou lesar o erário, nem induzir alguém ao erro, mediante a utilização do engodo ou da esperteza com finalidade de tirar proveito em causa própria, conclui-se que os atos contestados foram praticados de boa fé, estando convicta que não cometeu nenhum ato ilícito. (...)"

Note-se que a Recorrente limita-se somente a afirmar que não seria a real responsável pelas irregularidades, tendo em vista a distribuição de funções/competências dentro da Secretaria de Estado da Educação.

Entretanto, a alegação de "ilegitimidade passiva" necessita de prova documental, qual seja, o ato formal de delegação de competência pois, caso contrário, figura como responsável, perante esta Corte de Contas, a Secretária de Estado à época que, in casu, era a ora Recorrente. É o que dispõe o art. 6º da Lei Complementar Estadual nº 202/00 (Lei Orgânica do TCE/SC):

Art. 6º - A jurisdição do Tribunal abrange:

I - qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie, ou administre dinheiros, bens e valores públicos, ou pelos quais o Estado ou o Município respondam, ou que em nome destes, assuma obrigações de natureza pecuniária;

Oportuno, então, tecermos alguns comentários acerca do instituto da delegação e, para tanto, utilizaremo-nos do estudo realizado no Parecer COG-361/05 (exarado nos autos do Processo nº REC-03/03200626), abaixo transcrito:

"(...) A delegação é o instituto por meio do qual o titular de uma competência legal ou constitucionalmente atribuída - delegante - transfere a outrem - delegado - o seu exercício. Tal deslocação, na lição de Regis Fernandes de Oliveira, pode-se dar de duas formas:

a) por previsão legal - caso em que estar-se-á diante de uma transferência, em caráter permanente, da competência para a prática reiterada de atos, dotada de generalidade e abstração.

b) por ato individual ou concreto - em que a delegação alcança apenas uma ação, esgotando-se na simples deliberação dirigida a alguém.

Há que se identificar, também, a delegação com ou sem reserva de poderes, a depender se o delegante, concorrentemente com o delegado, pode ou não praticar o ato/medida objeto da delegação.

É importante frisar que a delegação somente pode ocorrer caso haja permissivo legal ou constitucional, ou seja, há necessidade de autorização normativa, pois existem determinadas atribuições cujo exercício não pode ser repassado; são prerrogativas privativas/inerentes ao órgão ou agente consideradas indelegáveis.

Regra geral, a delegação ocorre de escalões superiores para inferiores da estrutura da Administração Pública, almejando conferir maior agilidade e rapidez na tomada de decisões, assim como liberar a autoridade ou órgão superior da execução de tarefas rotineiras e repetitivas. Mas isso não exclui sua existência entre órgãos/agentes distintos ou pessoas estranhas à Administração. Oportuna é a lição de Odete Medauar sobre este aspecto:

"[...] O termo delegação nem sempre é utilizado, no ordenamento pátrio, com o sentido acima exposto, em que a transferência de atribuições ocorre de superior hierárquico para escalões inferiores, na mesma estrutura. Menciona-se o termo para a transferência de competências a entidades da Administração Indireta, efetuada mediante a lei que as instituiu. Também para a transferência da execução de serviços públicos objeto de concessão, permissão e autorização. E, ainda, quando se criam ordens profissionais (OAB, CREA, CRM etc.) e se atribuem a estas as atividades relativas à fiscalização do exercício profissional em suas respectivas áreas. O Dec-lei 200/67 refere-se a execução de programas federais delegada, mediante convênio, a órgãos estaduais e municipais (art. 10, §5º)."1

Anteriormente, ao responder Consulta formulada pela CASAN (autos nº CON-04/00311879) sobre o tema da delegação de funções, a COG exarou o seguinte entendimento (Parecer COG nº 052/04):

Diante dos comentários supratranscritos, não merece prosperar a alegação de ilegitimidade passiva.

Por fim, tendo em vista que a Recorrente deixa de se manifestar acerca do mérito de cada uma das penalidades, sugerimos a manutenção integral do decisum recorrido.

Ante o exposto, sugere-se ao Exmo. Relator do processo que em seu Voto proponha ao Egrégio Plenário o que segue:

1. Conhecer do Recurso de Reexame, nos termos do art. 80 da Lei Complementar n. 202/2000, interposto contra o Acórdão n. 0853/2003, exarado na Sessão Ordinária de 14/10/2003, nos autos do Processo n. ALC-01/01597037, e, no mérito, negar-lhe provimento, ratificando na íntegra os termos da decisão recorrida.

2. Dar ciência à Secretaria de Estado da Educação, Ciência e Tecnologia e à Sra. Miriam Schlickmann - ex-Secretária de Estado.

  MARCELO BROGNOLI DA COSTA

Consultor Geral


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