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Processo n°: | CON - 07/00002200 |
Origem: | FEDERAÇÃO CATARINENSE DE MUNICÍPIOS - FECAM |
Interessado: | Anísio Anatólio Soares |
Assunto: | Consulta |
Parecer n° | COG-149/07 |
Consulta. Autarquia Municipal. SAMAE. Celebração de convênios. Inclusão de contribuições particulares em faturas dos usuários. Entidade não filantrópica. Impossibilidade.
Os convênios são instrumentos característicos de atividades fomentadoras do Poder Público, cujas finalidades devem atender o interesse da coletividade.
A celebração de convênios de autarquia com particulares cujo objeto seja a finalidade de lucro, descaracteriza a figura do instrumento convenial, impossibilitando a firmatura de acordos para cobrança de débitos autorizados por usuários do sistema de água e esgoto, consignados junto às empresas mercantis ou entidades com fins lucrativos.
Receitas advindas de prestação de serviços com cobrança de débitos diversos autorizadas por usuários do sistema de distribuição de água e tratamento de esgoto são estranhas aos objetivos da autarquia.
Senhor Consultor,
O protocolado em apreço versa sobre consulta formulada pelo Sr. Anísio Anatólio Soares, Presidente da Federação Catarinense de Municípios - FECAM e Prefeito Municipal de Governador Celso Ramos, acerca de inclusão de valores na fatura de água inerentes a serviços contratados perante terceiros.
O signatário do expediente faz citar o prejulgado nº 741 do colendo Pretório desta Corte, informando que algumas autarquias vêm permitindo a inclusão de contribuições particulares (não filantrópicas) em sua fatura, mediante remuneração por parte da empresa interessada.
Em suma, indaga em tese se "pode autarquia municipal, mediante celebração de convênio, incluir em fatura de água, com expressa autorização do usuário, valores correspondentes a serviços contratados por este perante terceiros? Em caso positivo, constituiria tal receita (remuneração pelo serviço) uma nova fonte de recursos, havendo necessidade de estar prevista na lei orçamentária e na própria lei de criação do SAMAE ?"
É o relatório.
A matéria consultada encontra respaldo no inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, também no inciso XV do art. 1º da Lei Complementar Estadual nº 202/2000, bem como no inciso II do art. 104 do Regimento Interno do TCE, posto que colocada em tese e ser matéria de competência desta Corte de Contas.
O subscritor da inicial, na condição de mandatário do Município de Governador Celso Ramos e Presidente da FECAM, é parte legítima para subscrever consultas, a teor dos preceitos insculpidos no art. 103, II, do Regimento Interno desta Casa.
Observa-se ainda, que a consulta não veio instruída com parecer da assessoria jurídica da municipalidade em apreço, conforme preceitua o art. 104, V, da Resolução nº TC-06/2001 (Regimento Interno do TCE/SC), contudo, o Tribunal Pleno poderá conhecer de consulta que não atenda a esta formalidade, conforme autoriza o parágrafo 2º, do artigo 105, Regimental, cabendo tal discernimento ao relator e aos demais julgadores.
A questão trazida à colação por parte da Federação Catarinense dos Municípios - FECAM, envolve pretensão de autarquia municipal, mais precisamente o SAMAE, que desenvolve o serviço de distribuição de água, celebrar convênio com particulares para incluir em suas faturas, débitos consignados por usuários do sistema perante terceiros, desde que devidamente autorizados pelos mesmos.
Antes de adentrarmos imediatamente na dúvida suscitada, torna-se necessário tecermos alguns comentários sobre o instituto do "convênio", à luz da legislação e doutrina pátrias.
O Poder Público, quando da celebração de qualquer acordo deve se ater à legalidade e dessa jamais deve se desviar, em outras palavras, significa que seus atos devem ser previstos em lei e sua inobservância caracteriza prática ilegal daquele a que der causa, podendo configurar, inclusive, ato de improbidade administrativa.
A Administração Pública, entendida pelo seu sentido objetivo, compreende as atividades das pessoas jurídicas e demais órgãos e agentes incumbidos de atender concretamente às necessidades coletivas. Nesta esteira, ensina Maria Sylvia Zanella di Prieto, que "abrange o fomento, a polícia administrativa e o serviço público".1 As atividades exercidas por órgãos públicos são as mais variadas possíveis e todas estas, como não poderia deixar de ser, são regulamentadas, a fim de satisfazerem da melhor forma possível aos anseios da população.
As atividades de fomento, envolvem, entre outras, subvenções e auxílios financeiros que podem ser delegadas a entidades públicas ou particulares, desde que estas se prestem, invariavelmente, a atender a toda a uma coletividade, e não a um particular.
Em decorrência dos princípios a que se acha atrelada, a Administração Pública não pode contratar nem celebrar convênios indiscriminadamente. Nesta esteira, o Poder Público vem desvirtuando muitos institutos que seriam apropriados para a consecução de determinadas atividades, como ocorre com o convênio. Segundo o Professor Hely Lopes Meirelles, convênio "é o acordo firmado por entidades públicas de qualquer espécie, ou entre estas e organizações particulares, para realização de objetivos de interesse comum dos partícipes".2
Observa, entretanto, aquele que seria o traço distintivo dos convênios em relação à figuras análogas, fundamentalmente o contrato, qual seja, a necessária convergência dos interesses dos partícipes, ao contrário da noção contratual clássica, que pressupõe o ajuste de interesses opostos das partes. Conclui que no contrato há partes, "uma que pretende a contraprestação correspondente, diferentemente do que ocorre no convênio, em que não há partes, mas unicamente partícipes com as mesmas pretensões." 3
Numa definição mais abrangente e da própria legislação que a ele se aplica, conforme disposto no artigo 1º, inciso I, § 1º da Instrução Normativa nº 01/97, da Secretaria do Tesouro Nacional, entende-se convênio como sendo:
As disposições desta Instrução se aplicam, também, aos Estados e Municípios. No convênio há reciprocidade no que se refere aos interesses, uma vez que tanto o órgão concedente quanto a conveniada buscam o mesmo objetivo, diferentemente do instituto do contrato, onde os interesses são opostos, portanto, bilateral.
Extrai-se, portanto, que o termo convênio consiste no compromisso firmado entre órgãos do governo, ou entre um desses, que se compromete a repassar certa quantia de recursos do orçamento público, e um outro órgão do mesmo nível de administração, ou de outra esfera de poder, ou organização particular sem fins lucrativos, que se comprometem a realizar ações combinadas de interesse mútuo, mas com fins de atender interesse público, e, posteriormente, prestar contas do que foi feito.
Qualquer organização, comitê, associação, liga, ou qualquer instituição que esteja estabelecida, organizada, com denominação própria, deverá ter os registros legais para que a Administração possa apoiá-la financeiramente.
Deverá ser observado nos estatutos que criou a instituição sem fins lucrativos se existe entre as atividades àquela que se pretende desenvolver através de convênio. Se na ata de sua criação, estatuto, contrato social, etc., não constar aquela atividade a ser desenvolvida pelo convênio, ou qualquer identificação de atividade de fundamental interesse entre as partes, o convênio não poderá ser celebrado.
O mérito dos objetivos acordados, o cumprimento de metas preestabelecidas, o atendimento de interesses sociais, assistenciais, culturais, educacionais e de saúde são referenciais mínimos que devem ser analisados na celebração de convênios que, nunca é demais lembrar, devem gerar desenvolvimento e benefícios mensuráveis à comunidade, devendo estar voltado para a finalidade última de promoção do bem comum para a população.
Verificados os conceitos e as características relativas à figura do convênio, passamos a enfrentar de forma objetiva a consulta suscitada.
É consabido que os SAMAES são autarquias criadas por lei cuja finalidade precípua é tratar do abastecimento de água para as municipalidades.
O Decreto-Lei nº 200, de 25 de fevereiro de 1967, diploma de extrema importância legal e conceitual para as pessoas jurídicas de direito público, que dispõe sobre a organização da Administração Federal, em seu art. 4º determina:
E e seu art. 5º define a autarquia:
Portanto, compete aos SAMAES prestar à coletividade o serviço público de distribuição de água e tratamento de esgoto, cuidando também da manutenção e expansão de tal desiderato.
Assim, a cobrança em faturas de consumo de água de valores devidos por usuários do sistema que contrataram serviços com empresas é atividade que não se coaduna com os objetivos previstos pelos SAMAES, até porque, são procedimentos mercantis e que envolvem atividades diretamente ligadas à instituições financeiras devidamente registradas nos órgãos pertinentes do sistema financeiro nacional.
Os Estados de Direito, como o nosso, são dominados pelo princípio da legalidade, significando que a administração e os administrados se subordinam à vontade da lei, mas à lei corretamente elaborada.
Ora, instituir na lei de instituição do SAMAE a possibilidade de cobrança de débitos de usuários do sistema com sociedades mercantis não seria razoável, em razão da falta de interesse público e de se caracterizar tal relação como contrato e, não, como convênio.
Nunca é demais repetir que no que diz respeito aos interesses, no instrumento convenial, os mesmos são convergentes e comuns entre os partícipes, buscando o mesmo e idêntico objetivo, unindo-se para a satisfação do interesse comum, devendo haver uma conjugação de esforços, sob vária formas, como repasse de verbas, uso de equipamentos, de recursos humanos e materiais, de imóveis, de know-how e outros; por isso mesmo, não se cogita preço ou remuneração, que constitui cláusula inerente aos contratos.
Considerando que os convênios são acordos caracterizados por atividade fomentadora do Poder Público, a presença deste num dos pólos nos leva a inferir que o interesse de toda uma coletividade será o fim perseguido por tais instrumentos, portanto, na hipótese de celebração de convênios com particulares, cujo objeto seja a finalidade de lucro, fica descaracterizada a figura do instrumento convenial e nesta orientação, não vislumbramos a possibilidade de firmatura de convênio de autarquia encarregada do serviço de distribuição de água para incluir em suas faturas débitos autorizados por usuários do sistema, consignados junto às empresas mercantis ou entidades com objetivos nitidamente lucrativos, sendo que a remuneração pelos serviços das contribuições são estranhas aos objetivos da autarquia.
Por derradeiro, ressalta-se que o Prejulgado nº 741 autoriza a inclusão de contribuição espontânea na fatura dos SAMAES em favor de entidades beneficentes ou filantrópicas.
Note-se que não está autorizado o auferimento de renda com o serviço, mas apenas o repasse da contribuição espontânea à entidade conveniada.
Tal prejulgado tem por base o Parecer COG-394/99, da lavra deste parecerista, onde foi analisada a possibilidade de ser incluída na fatura do SAMAE contribuição dos usuários do sistema à APAE, portanto, entidade sem fins lucrativos que realiza trabalho em parceria com os Poderes Públicos Municipais, visando educar crianças excepcionais.
Nesse caso, presente o interesse público:
Diferente, pois, da situação proposta nos presentes autos, onde as partes não figuram no mesmo pólo, mas sim em pólos e interesses distintos.
Em consonância com o acima exposto e considerando:
1. Que o consulente está legitimado à subscrição de consultas para este Tribunal de Contas, nos termos do inciso II, do artigo 103 do Regimento Interno desta Corte de Contas;
2. Que a consulta trata de situações em tese e de interpretação de lei, conforme determina o inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como o inciso XV do art. 1º da Lei Complementar Estadual nº 202/2000 e, também, o inciso II do art. 104, do Regimento Interno;
3. Que apesar de não vir instruída com parecer da assessoria jurídica da autarquia consulente, conforme preceitua o art. 104, inciso V, da Resolução nº TC-06/2001 (Regimento Interno do TCE/SC), o Tribunal Pleno poderá conhecer de consulta que não atenda a esta formalidade, conforme autoriza o § 2º, do artigo 105 do referido Regimento, cuja ponderação compete ao Relator e aos demais julgadores.
Sugere-se ao Exmo. Sr. Conselheiro Relator Wilson Rogério Wan-Dall que submeta voto ao e. Pretório sobre consulta formulada pelo Presidente da Federação Catarinense de Municípios - FECAM, Sr. Anísio Anatólio Soares, nos termos deste opinativo que, em síntese propõe:
1. Conhecer da consulta por preencher os requisitos de admissibilidade previstos regimentalmente.
2. Responder à consulta nos seguintes termos:
2.1. Os convênios são instrumentos característicos de atividades fomentadoras do Poder Público, cujas finalidades devem atender o interesse da coletividade.
2.2. A celebração de convênios de autarquia com particulares cujo objeto seja a finalidade de lucro, descaracteriza a figura do instrumento convenial, impossibilitando a firmatura de acordos para cobrança de débitos autorizados por usuários do sistema de água e esgoto, consignados junto às empresas mercantis ou entidades com fins lucrativos.
2.3. Receitas advindas de prestação de serviços com cobrança de débitos diversos autorizadas por usuários do sistema de distribuição de água e tratamento de esgoto são estranhas aos objetivos da autarquia.
Consultor Geral"Instrumento qualquer que discipline a transferência de recursos públicos e tenha como partícipe órgão da administração pública federal direta, autárquica ou fundacional, empresa pública ou sociedade de economia mista que estejam gerindo recursos dos orçamentos da União, visando à execução de programas de trabalho, projeto/atividade ou evento de interesse recíproco, em regime de mútua cooperação." (Grifamos).
"Art. 4º - A administração federal compreende:
I - a administração direta;
(...)
II - a administração indireta, que compreende as seguintes categorias de entidades, dotadas de personalidade jurídica própria:
a) autarquias;
b) (...)"
"Art. 5º - Para os fins desta lei, considera-se:
I - autarquia - o serviço autônomo, criado por lei, com personalidade jurídica, patrimônio e receita próprios, para executar atividades típicas da administração pública, que requeiram, para seu melhor funcionamento, gestão administrativa e financeira descentralizada."
" Mediante firmatura de convênio, a inclusão de contribuição espontânea advinda de consumidores na fatura de água do SAMAE, em favor de entidades beneficentes ou filantrópicas é possível, desde que expressamente autorizada pelo usuário.
(...)"
CONCLUSÃO
É o parecer, S.M.J.
COG, em 27 de junho de 2007
EVALDO RAMOS MORITZ
Auditor Fiscal de Controle Externo
PROCESSO Nº: CON-0700002200
De Acordo. Em ____/____/____
DE ACORDO.
À consideração do Exmo. Sr. Conselheiro Wilson Rogério Wan-Dall, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
COG, em de de 2007
MARCELO BROGNOLI DA COSTA
2 Direito Municipal Brasileiro. 3ª ed.. São Paulo: RT, 1977. P. 481.
3 Op. Cit., p.482.