ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: REC - 05/00987998
Origem: Departamento de Estradas de Rodagem - DER
Responsável: Edgar Antônio Roman
Assunto: (Reexame - art. 80 da LC 202/2000) -SLC-01/02154767
Parecer n° COG-509/07

Recurso de Reexame. Auditoria in loco de licitações, contratos, convênios e atos jurídicos análogos. Imputação de multas. Improcedência das preliminares argüidas pelo Recorrente. Conhecer e dar provimento.

Auditoria. Realização pelo TCE. Competência.

As competências do Tribunal de Contas do Estado estão plenamente definidas nos incisos do art. 59 da Constituição Estadual e, dentre elas, encontra-se a possibilidade de realizar auditorias em licitações, contratos e atos jurídicos análogos, e de sancionar o responsável por irregularidades praticadas.

Tomada de Contas Especial. Imprescindibilidade. Ocorrência de dano.

A instauração de tomada de contas somente se faz necessária quando houver indícios da ocorrência de dano ao erário, conforme o disposto no 32 da LCE-202/00.

Competência Administrativa. Delegação. Formalização documental.

A alegação de ilegitimidade passiva em virtude de delegação de competência depende de prova documental para ser acolhida. O ato de delegação tem forma escrita, na qual ficará consignado em que limites os atos e/ou medidas serão repassados e por quanto tempo perdurará o seu exercício. Além disso deverá ser publicado no diário oficial, a fim de que todos saibam por quem será exercida a prerrogativa.

Art. 70, II, da LCE-202/00. Grave infração. Multa. Exegese.

O artigo 70, II, da LCE-202/00 tem aplicação imediata. A "grave infração" possui um conceito jurídico indeterminado de natureza discricionária que atribui ao seu intérprete e aplicador uma livre discrição, dentro dos parâmetros da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade, valendo a sua valoração subjetiva para o seu preenchimento.

Licitação. Contrato. Obras. Recursos da União. Fiscalização. Competência. Tribunal de Contas da União.

Consoante o disposto no art. 71, VI, da Constituição Federal compete ao TCU "fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Municípios".

Senhor Consultor,

  1. RELATÓRIO

    Tratam os autos nº REC-05/00987998 de Recurso de Reexame, interposto pelo Sr. Edgar Antônio Roman - ex-Diretor-Geral do Departamento de Estradas de Rodagem - DER/SC, em face do Acórdão nº 2331/2004, proferido no Processo nº SLC-01/02154767.

    O citado Processo n. SLC-01/02154767 é relativo à auditoria nos Termos Aditivos nºs A1/00 a A3/00 e A4/01 a A6/01 ao Contrato nº 78/00, empreendida por esta Corte de Contas, através de suas Diretorias de Controle da Administração Estadual - DCE e de Controle de Obras - DCO.

    Levada a efeito a mencionada análise, a DCE procedeu à elaboração do Relatório nº 634/01 (fls. 373 a 380), no qual sugeriu, primeiramente o encaminhamento dos autos à DCO para avaliação e, posteriormente a audiência do Sr. Edgar Antônio Roman para apresentar defesa acerca das irregularidades evidenciadas.

    A DCO recebeu o processo e elaborou a Informação nº 047/02 (fls. 381 a 399)

    Exercendo o seu direito constitucional ao contraditório, o ora Recorrente compareceu aos autos e juntou suas justificativas e documentos (fls. 417 a 682).

    Os autos foram remetidos novamente à DCO, que elaborou o Relatório nº 222/2003 (fls. 684 a 709) e seqüencialmente à DCE, que elaborou o Relatório nº 06/2004 (fls. 710 a 724), sugerindo a aplicação de multas ao Sr. Edgar Roman.

    O Ministério Público, em seu Parecer nº 1536/2004 (fls. 725 a 731), acompanhou as conclusões da DCE, da mesma forma que o Relator do feito, Conselheiro Luiz Roberto Herbst, fez em seu Voto (fls. 732 a 735).

    Na Sessão Ordinária de 15/12/2004, o Processo n. SLC-01/02154767 foi levado à apreciação do Tribunal Pleno, sendo prolatado o Acórdão n. 2331/2004, portador da seguinte dicção (fls. 736/737):

ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro nos arts. 59 da Constituição Estadual e 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:

6.1. Conhecer do Relatório de Instrução que trata da análise do Termos Aditivos ns. A1/00 a A3/00 e A4 a A6/01 ao Contrato n. 78/00, firmado pelo Departamento de Estradas de Rodagem - DER/SC, atual Departamento Estadual de Infra-Estrutura - DEINFRA, para considerar irregulares, com fundamento no art. 36, §2º, alínea "a", da Lei Complementar n. 202/2000, os termos aditivos examinados.

6.2. Aplicar ao Sr. Edgar Antônio Roman - ex-Diretor-Geral do Departamento de Estradas de Rodagem - DER/SC, com fundamento nos arts. 70, II, da Lei Complementar n. 202/00 e 109, II, c/c o 307, V, do Regimento Interno instituído pela Resolução n. TC-06/2001, as multas abaixo discriminadas, com base nos limites previstos no art. 239, III, do Regimento Interno (Resolução n. TC-11/1991) vigente à época da ocorrência das irregularidades, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, ou interpor recurso na forma da lei, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos arts. 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:

6.2.1. R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face da ausência de justificativas das alterações contratuais, relativamente aos Termos Aditivos ns. A1 a A3/00 e A4 a A6/01 ao Contrato n. 78/00, em descumprimento ao art. 65, I, "a" e "b", da Lei Federal n. 8.666/93 (item 2.2.1 do Relatório DCE);

6.2.2. R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face da cobrança indevida de despesas, relativamente ao Termo Aditivo n. A2/00 ao Contrato n. 78/00, em descumprimento ao art. 61, parágrafo único, da Lei Federal n. 8.666/93 (item 2.2.4 do Relatório DCE);

6.2.3. R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face da alteração do objeto contratual, ferindo aos princípios licitatórios da vinculação ao instrumento convocatório e da igualdade de participação, relativamente aos Termos Aditivos ns. A1 a A3/00 e A4 a A6/01 ao Contrato n. 78/00, em descumprimento aos arts. 65, §§1° e 2°, e 47 c/c o art. 3°, 55 e 82, da Lei Federal n. 8.666/93 (item 2.2.5 do Relatório DCE);

6.2.4. R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face da contratação de remanescente de obra, relativamente aos Termos Aditivos ns. A1 a A3/00 e A4 a A6/01 ao Contrato n. 78/00, em descumprimento ao art. 24, XI, da Lei Federal n. 8.666/93 (item 2.2.6 do Relatório DCE);

6.2.5. R$ 400,00 (quatrocentos reais), em face da utilização dos preços unitários da empresa convocada (2ª colocada) e não os da empresa vencedora da licitação, em descumprimento ao art. 24, XI, da Lei Federal n. 8.666/93 (item 3.2 do Relatório DCO n. 222/03).

6.3. Recomendar ao Departamento Estadual de Infra-Estrutura - DEINFRA, que, doravante:

6.3.1. em futuras contratações a serem firmadas com empresas convocadas nos termos do art. 24, XI, da Lei Federal n. 8.666/93, observe as mesmas condições ofertadas pela empresa vencedora da licitação, inclusive no que diz respeito aos preços global e unitários;

6.3.2. considere as condenações em débito, multa e demais determinações consignadas pelo Tribunal de Contas da União, no Acórdão n. 383/2003-Embargos de Declaração, uma vez que a totalidade dos recursos financeiros aplicados à obra são provenientes do Tesouro Federal.

6.4. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como dos Relatórios DCO n. 222/2003 e de Auditoria DCE/Insp.2/Div.4 n. 06/2004, ao Departamento Estadual de Infra-Estrutura - DEINFRA e ao Sr. Edgar Antônio Roman - ex-Diretor-Geral daquela entidade."

Visando à modificação do Acórdão supratranscrito, o Sr. Edgar Antônio Roman interpôs o presente Recurso.

É o breve Relatório.

II. ADMISSIBILIDADE

Com efeito, a modalidade escolhida pelo Recorrente foi o Recurso de Reexame, previsto no art. 80, da Lei Complementar nº 202/00, e que tem por fim atacar decisão proferida em processos de fiscalização de ato e contrato e de atos sujeitos a registro.

In casu, como o processo original tratou de auditoria em termos aditivos, tem-se que o Sr. Edgar Antônio Roman utilizou-se da modalidade recursal adequada.

Quanto à legitimidade recursal, por ter sido o Recorrente apenado com as multas impostas no item 6..2 da decisão atacada, sua atuação se faz adequada.

No que concerne à tempestividade, estabelece o artigo supracitado o prazo de 30 (trinta) dias, contados a partir da publicação da decisão no Diário Oficial do Estado. Assim, considerando que o Acórdão nº 2331/2004 foi publicado no dia 30 de março de 2005 e a presente irresignação protocolada neste Tribunal no dia 26 de abril do mesmo ano, tem-se como tempestiva a peça.

Destarte, restaram devidamente preenchidas as condições legais de admissibilidade do Reexame em análise.

III. DISCUSSÃO

O Recorrente alega, preliminarmente, que este Tribunal de Contas não possui competência para decidir sobre a matéria constante dos autos principais (auditoria de licitações, contratos e atos análogos) e nem para aplicar as sanções a ela relativas.

Não pode prosperar tal afirmação. O Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina possui competência para fiscalizar todo e qualquer ato que envolva o uso do dinheiro público, tanto estadual quanto municipal, assim como aplicar sanções aos responsáveis por irregularidades constatadas nas referidas fiscalizações, tudo conforme determinam os artigos 59 da CE e 1º da LC 202/00, citados pelo próprio Recorrente, a saber:

Art. 59 da CE - O controle externo, a cargo da Assembléia Legislativa, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado, ao qual compete:

IV - realizar, por iniciativa própria, da Assembléia Legislativa, de comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentaria, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II;

VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pelo Estado a Municípios, mediante convênio, acordo, ajuste ou qualquer outro instrumento congênere, e das subvenções a qualquer entidade de direito privado;

VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecerá, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;

X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão a Assembléia Legislativa;

§ 3º - As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo.

Art. 1º da LC 202/00 - Ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, órgão de controle externo, compete, nos termos da Constituição do Estado e na forma estabelecida nesta Lei:

V — proceder, por iniciativa própria ou por solicitação da Assembléia Legislativa, de comissões técnicas ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário e nas demais entidades referidas no inciso III;

X — fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pelo Estado ou Município a pessoas jurídicas de direito público ou privado, mediante convênio, acordo, ajuste ou qualquer outro instrumento congênere, bem como a aplicação das subvenções por eles concedidas a qualquer entidade de direito privado;

XI — aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas nesta Lei;

XIII — sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Assembléia Legislativa, exceto no caso de contrato, cuja sustação será adotada diretamente pela própria Assembléia;

§ 2º - No julgamento de contas e na fiscalização que lhe compete, o Tribunal decidirá sobre a legalidade, a legitimidade, a eficiência e a economicidade dos atos de gestão e das despesas deles decorrentes, bem como sobre a aplicação de subvenções e a renúncia de receitas.

Perfeitamente descrita, portanto, a competência deste Tribunal para a fiscalização da matéria constante dos autos principais, não merecendo o assunto maiores considerações.

O Recorrente aduz, também em preliminar, que o Tribunal deveria ter determinado ao DER que fosse instaurada "tomada de contas especial", nos termos dos arts. 10, 32 e 65, § 4º, da LC 202/00, deixando de cumprir, por isso, uma fase processual importante, destinada à apuração das irregularidades e a quem verdadeiramente caberia a responsabilidade pelo seu cometimento. Alega que somente assim, ou seja, através do "julgamento de contas", o TCE poderia aplicar as penalidades.

Mais uma vez não lhe assiste razão.

Os dispositivos da Lei Orgânica que tratam da tomada de contas especial claramente determinam que sua instauração somente deve ser determinada quando houver indício da ocorrência de "dano ao erário". Vejamos:

Art. 10 - A autoridade administrativa competente, sob pena de responsabilidade solidária, deverá imediatamente adotar providências com vistas à instauração de tomada de contas especial para apuração de fatos, identificação dos responsáveis e quantificação do dano, quando não forem prestadas as contas ou quando ocorrer desfalque, desvio de dinheiro, bens ou valores públicos, ou ainda se caracterizada a prática de qualquer ato ilegal, ilegítimo ou antieconômico de que resulte prejuízo ao erário.

§ 1o - Não atendido o disposto no caput deste artigo, o Tribunal determinará a instauração da tomada de contas especial, fixando prazo para cumprimento dessa decisão.

Art. 32 - Configurada a ocorrência de desfalque, desvio de bens ou outra irregularidade que resulte dano ao erário, o Tribunal ordenará desde logo, a conversão do processo em tomada de contas especial se o dano apurado for de valor igual ou superior àquele previsto no § 2º do art. 10 desta Lei.

Art. 65 - Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas do Estado.

§ 4º - Na apuração dos fatos denunciados, se configurada a ocorrência de desfalque, desvio de bens ou outra irregularidade de que resulte dano ao erário, o Tribunal ordenará, desde logo, a conversão do processo em tomada de contas especial, se o dano apurado for de valor igual ou superior àquele previsto no § 2º do art. 10 desta Lei. (ressaltamos)

Ora, quando o Tribunal, ao efetuar uma auditoria em licitações, contratos e atos análogos, constatar a existência de irregularidades que acarretaram em prejuízo aos cofres públicos (e a conseqüente obrigação do responsável pela sua prática de promover o seu ressarcimento), deverá converter os autos em tomada de contas especial. Por outro lado, quando detectar apenas irregularidades ensejadoras da aplicação de multa (situações em que não ocorra o dano ao erário), deverá promover a audiência do responsável. Saliente-se que, em ambos os casos, será sempre respeitado o direito ao exercício do contraditório e da ampla defesa.

O caso em tela enquadra-se na segunda situação acima descrita. Não fora configurado o dano, mas sim, o descumprimento às normas legais que regulam as licitações e contratos administrativos e que ensejaram a aplicação de multa, nos termos do art. 35, parágrafo único, da LC 202/00:

Art. 35 - O Relator presidirá a instrução dos processos de que trata este capítulo, determinando, mediante despacho singular, por sua ação própria e direta, ou por provocação do órgão de instrução ou do Ministério Público junto ao Tribunal, antes de se pronunciar quanto ao mérito, as diligências e demais providências necessárias ao saneamento dos autos, bem como a audiência dos responsáveis, fixando prazo para atendimento, na forma estabelecida no Regimento Interno, após o que submeterá o processo ao Plenário ou à Câmara respectiva para decisão de mérito.

Parágrafo único - Audiência é o procedimento pelo qual o Tribunal dá oportunidade ao responsável, em processo de fiscalização de atos e contratos e na apreciação de atos sujeitos a registro, para justificar, por escrito, ilegalidade ou irregularidade quanto à legitimidade ou economicidade, passíveis de aplicação de multa. (ressaltamos)

Nesse contexto, após o exame das justificativas remetidas pelo responsável, o Tribunal poderá acatá-las ou não, considerando os atos regulares ou irregulares, aplicando as sanções cabíveis e/ou tecendo recomendações ou determinações, consoante o disposto no art. 36, § 2º, "a", de sua Lei Orgânica:

Art. 36 - A decisão do Tribunal de Contas em processos de fiscalização de atos e contratos e de apreciação de atos sujeitos a registro, pode ser preliminar ou definitiva.

§ 2º - Definitiva é a decisão pela qual o Tribunal:

a) manifestando-se quanto à legalidade, eficiência, legitimidade ou economicidade de atos e contratos, decide pela regularidade ou pela irregularidade, sustando, se for o caso, a sua execução ou comunicando o fato ao Poder competente para que adote o ato de sustação; (grifamos)

Assim, as alegações do Recorrente acerca da necessidade de instauração de tomada de contas especial para o caso em análise são improcedentes.

Ainda em preliminar, afirma o Recorrente que a DCE, ao escolhê-lo como o responsável pelos atos tidos como irregularidades, não atentou para a distribuição de competências constante do Regimento Interno do DER/SC. Alega, por fim, que "... o fato do Titular ser a pessoa competente para cometer o ato final, por dever de ofício, não implica que ele, por isto e a priori, deva assumir responsabilidade por todos os atos intermediários praticados pelos diversos órgãos e agentes administrativos encarregados de instruir e trazer à autoridade maior o ato pronto e acabado para a sua assinatura."

Entretanto, as afirmações supra necessitam de prova documental, qual seja, o ato formal de delegação de competência pois, caso contrário, figura como responsável o Diretor-Geral do DER/SC à época do cometimento das irregularidades que, in casu, era o ora Recorrente.

Oportuno, então, tecermos alguns comentários acerca do instituto da delegação e, para tanto, utilizaremo-nos do estudo realizado no Parecer COG-361/05 (exarado nos autos do Processo nº REC-03/03200626), abaixo transcrito:

"(...) A delegação é o instituto por meio do qual o titular de uma competência legal ou constitucionalmente atribuída - delegante - transfere a outrem - delegado - o seu exercício. Tal deslocação, na lição de Regis Fernandes de Oliveira, pode-se dar de duas formas:

a) por previsão legal - caso em que estar-se-á diante de uma transferência, em caráter permanente, da competência para a prática reiterada de atos, dotada de generalidade e abstração.

b) por ato individual ou concreto - em que a delegação alcança apenas uma ação, esgotando-se na simples deliberação dirigida a alguém.

Há que se identificar, também, a delegação com ou sem reserva de poderes, a depender se o delegante, concorrentemente com o delegado, pode ou não praticar o ato/medida objeto da delegação.

É importante frisar que a delegação somente pode ocorrer caso haja permissivo legal ou constitucional, ou seja, há necessidade de autorização normativa, pois existem determinadas atribuições cujo exercício não pode ser repassado; são prerrogativas privativas/inerentes ao órgão ou agente consideradas indelegáveis.

Regra geral, a delegação ocorre de escalões superiores para inferiores da estrutura da Administração Pública, almejando conferir maior agilidade e rapidez na tomada de decisões, assim como liberar a autoridade ou órgão superior da execução de tarefas rotineiras e repetitivas. Mas isso não exclui sua existência entre órgãos/agentes distintos ou pessoas estranhas à Administração. Oportuna é a lição de Odete Medauar sobre este aspecto:

"[...] O termo delegação nem sempre é utilizado, no ordenamento pátrio, com o sentido acima exposto, em que a transferência de atribuições ocorre de superior hierárquico para escalões inferiores, na mesma estrutura. Menciona-se o termo para a transferência de competências a entidades da Administração Indireta, efetuada mediante a lei que as instituiu. Também para a transferência da execução de serviços públicos objeto de concessão, permissão e autorização. E, ainda, quando se criam ordens profissionais (OAB, CREA, CRM etc.) e se atribuem a estas as atividades relativas à fiscalização do exercício profissional em suas respectivas áreas. O Dec-lei 200/67 refere-se a execução de programas federais delegada, mediante convênio, a órgãos estaduais e municipais (art. 10, §5º)."

O ato de delegação tem forma escrita, na qual ficará consignado em que limites os atos e/ou medidas serão repassados e por quanto tempo perdurará o seu exercício. Além disso deverá ser publicado no diário oficial, a fim de que todos saibam por quem será exercida a prerrogativa, que por elas ficará responsável. Quanto a este aspecto, é importante frisar que a regra é excluir de responsabilidades o delegante, posto que não será ele, pessoalmente, quem irá dar efetividade aos atos. Excepcionalmente, quando ficar caracterizada a sua participação ou tendo conhecimento de ilegalidades provenientes da delegação, não adotar providências no sentido de sanar as incongruências ou representar contra o delegante, é que se cogitará de sua culpabilidade.

Cumpre destacar, novamente, lições de Regis Fernandes de Oliveira acerca da responsabilidade das duas figuras centrais do instituto, delegante X delegado:

"A responsabilidade implica na imputação jurídica a quem deva suportar a conseqüência de uma ação antijurídica. Imputável é quem pratica o ato. Responsável, quem pode suportar suas conseqüências.

Como ensina Caio Tácito, 'a responsabilidade administrativa, civil ou penal pelos atos praticados em regime de delegação de competência, pertence ao autor, ou seja, à autoridade delegada. O delegante somente dela participará se, por qualquer forma, concorrer diretamente, para a realização ou a confirmação do ato".

No mesmo sentido é a posição de Gordilho, ao afirmar que 'o delegado é inteiramente responsável pelo modo com que exerce a faculdade delegada' (tradução nossa).

É este, também, o entendimento de Clenício da Silva Duarte. Odete Medauar afirma que, transferida a competência para a prática do ato, nenhuma reserva cabe mais à autoridade delegante, ficando o delegado responsável pelo exercício ou prática das atividades delegadas, pois seria absurdo que o delegante transferisse atribuições e continuasse responsável por atos que não praticou.

A matéria foi excelentemente analisada em acórdão do Supremo Tribunal Federal, no qual se decidiu que 'é da responsabilidade do Ministro de Estado o ato por ele praticado por delegação do Presidente da República, na forma da lei'. Como razões de decidir, o Ministro Themístocles Cavalcanti afirmou que, 'transferida a competência, nenhuma reserva é feita à autoridade delegante, ficando o delegado responsável pela solução administrativa, e aplicação da lei'.

Em seguida, afirma o Ministro que 'na delegação de funções é diferente, porque os fundamentos do ato, as razões de decidir pertencem à autoridade delegada'.

A irresponsabilidade do delegante decorre do fato de que, ao delegar, nos estritos termos do previsto na lei permissiva, por pressuposto fê-lo em agente ou órgão que estava credenciado pela própria lei. A fidúcia é pressuposta. O agente titular de um cargo ou função pública está devidamente qualificado para o exercício das funções próprias e as que lhe forem delegadas. No caso do Presidente da República, maior razão a se afirmar sua irresponsabilidade. É que o parágrafo único do art. 84, de forma expressa, indicou a quais autoridades se pode delegar. Ainda que o Presidente tenha confiança em outro ocupante de cargo público, não poderia a ele delegar, se não figura no rol dos taxativamente indicados. Ora, se não há relação de confiança, provindo da lei o número das autoridades aquém se pode delegar, nenhum sentido tem que, ainda assim, fique responsável por atos de terceiros. Diga-se o mesmo, das demais autoridades. Imaginemos o ordenador de despesa a quem se delegou a prática de algum ato. Se ultrapassou os limites das atribuições transferidas, responde, pessoalmente, pelo excesso que cometeu ou pelo dolo ou culpa com que praticou o ato.

Caberia, agora, indagar se é possível a aplicação de responsabilidade solidária do delegante por culpa in elegendo ou in vigilando. Augustin Gordillo admite-a.

Não se pode concordar com a posição do ilustre jurista argentino. Todos os agentes públicos, em princípio, estão aptos a exercer as funções a ele cometidas. Inclusive, a própria Administração Pública, por força da desconcentração, fixa as competências próprias de cada órgão. Nela investe, segundo se supõe, os agentes mais aptos. Se existe a previsão legal da possibilidade da delegação e é ela transferida a um órgão que é ocupado por determinado agente irresponsável, a este será imputado eventual excesso ou responsabilidade e pelo descumprimento, alteração ou indevido cumprimento da matéria delegada. É que, na medida em que a Constituição estabeleceu as autoridades a quem se pode delegar, pressuposto é que estejam aptas ao exercício de atribuições transferidas. Quem ocupa alto posto da República é responsável pelos atos que pratica, delegados ou não.

Caso o delegante não tenha a competência ou tendo-a, não está por lei, autorizado a delegá-la, e ainda assim o faz, evidente que o cometeu ele uma infração administrativa e por ela responde. Eventualmente poder-se-á admitir a responsabilidade solidária, caso o delegado tenha ciência do comportamento da autoridade e não represente contra ela, praticando os atos que sabe indevidos, por lhe falecer competência, em face da incompetência do delegante

O comportamento é contrário ao direito e pode ensejar aplicação de sanção."

A Consultoria Geral deste Tribunal de Contas, no Processo nº CON-04/00311879, da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento, por meio do Parecer nº COG-052/04, também entendeu aplicável a culpa in elegendo para caracterização da responsabilidade do delegante perante o Tribunal de Contas:

"EMENTA. Consulta. Constitucional. Administrativo. Ordenador Primário. Delegação de Responsabilidades. Responsabilidade Solidária.

Na fixação de responsabilidade de quem seja ordenador de despesa nas diversas entidades do Poder Público Estadual e Municipal, deverá esta Corte, diante do ato de delegação de competência, proceder ao exame minucioso do referido ato, conforme disposições da Lei Complementar nº 202/00 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas).

Do mencionado exame deverá constar a apreciação preliminar da competência para delegar, a qual se restringe, no âmbito da administração indireta estadual, pelas leis que autorizaram sua constituição e pelos respectivos estatutos ou contratos sociais, nos termos do inciso III, do §3º do art. 58 da Lei Complementar nº 243, de 30 de janeiro de 2003, que estabeleceu a nova estrutura administrativa do Estado de Santa Catarina.

[...]

A função administrativa é, por si, matéria de natureza delegável pelo que, em princípio, não se vislumbra impossibilidade jurídica a que o ordenador de despesa originário delegue atribuições inerentes à administração financeira, contábil, operacional e patrimonial da entidade pela qual responda ou órgão a ela subordinado.

[...]

No que concerne à responsabilidade administrativa, o ordenador de despesa original, assim definido em lei, responde pelos atos e fatos praticados na sua gestão.

Em caso de existência de ato de delegação regular, serão partes nos processos de prestação e de tomada de contas, de auditoria e outros de competência desta Corte, somente os ordenadores de despesa delegados.

Serão solidariamente responsáveis, e com isso também partes jurisdicionadas nos mesmos expedientes, os agentes delegantes, nos casos de delegação com reserva de poderes ou de comprovada participação na realização de atos dos quais provenham conseqüências antijurídicas ou mesmo em razão de culpa pela má escolha da autoridade delegada."

O Tribunal de Contas da União, no Processo n. TC-005.147/95-6, assim posicionou-se:

"Auditoria. IBAMA. Licitação. Contrato. Pedido de reexame de decisão que aplicou multa aos responsáveis em decorrência da prática de atos de gestão antieconômicos, consistentes no superdimensionamento da capacidade contratada de equipamentos reprográficos. Comprovação de inexistência de responsabilidade por parte de alguns dos responsáveis. Não comprovação pelos demais. Conhecimento. Provimento. Juntada às contas.

[...]

4.3.2.4.5. A respeito da distribuição da responsabilidade entre delegante e delegado, cabe ter presente excertos do Voto do Exmo. Ministro aposentado do STF - Dr. Themístocles Cavalcante Relator do Mandado de Segurança nº 18.555-DF, do qual resultou a Súmula nº 510 daquele Tribunal (2) ("In: Referências da Súmula do STF; Noronha, Jardel e Martins, Odaléia; Vol. 27, pp. 166/171), a seguir transcritos:

No exercício da função da delegada, quem exerce o faz em nome próprio ou em nome da autoridade que delega.

No ato da delegação, o poder delegante transfere também para o seu delegado a jurisdição própria para conhecer do seu ato ou a conserva.

Em outras palavras: o ato é de quem pratica ou continua vinculado à autoridade que delega.

(omissis)

Transferida a competência, nenhuma reserva é feita à autoridade delegante, ficando o delegado responsável pela solução administrativa e aplicação da lei.

Nem teria sentido transferir a função e reserva-se a responsabilidade pelo ato.

(omissis)

Na delegação de funções [...]os fundamentos do ato, as razões de decidir pertencem à autoridade delegada.

4.3.2.6. Na linha do acima mencionado Voto, tem-se as seguintes posições doutrinárias:

A delegação de competência para a prática de atos administrativos de qualquer natureza exclui, da autoridade delegante, a autoria da prática de tais atos. ("In: Delegação de Competência; Ferreira, Firmino; Revista de Direito Administrativo nº 91, pp. 420/423; parecer do SubProcurador-Geral da República emitido no Mandado de Segurança nº 54.504 impetrado ao Tribunal Federal).

Na relação entre um e outro, o ato do delegado é da responsabilidade pessoal deste, e não do delegante, salvo na delegação de assinatura, como adiante se verá ("In: Da Delegação Administrativa; Podné, Lafayette; revista de Direito Administrativo nº 140, pp. 1/15 - grifo no original)

4.3.2.7. Finalmente, faz-se referência ao Parecer do Ilustre ex-Procurador Geral desta Casa - Dr. Franscisco de Salles Mourão Branco exarado no TC nº 015.989/87-9 (consulta sobre procedimentos adotados ante delegação de competência) cujo segmento abaixo reproduz-se ("in verbis"):

15. Por oportuno ressaltar o princípio consagrado na Sessão de 15.12.81 (cf. TC 20.511/79, Anexo VI da Ata nº 95/81), pelo qual não padece dúvida de que por força da delegação e seu ato formal, o ordenador de despesa, no exercício é a autoridade delegada, responsável perante este Tribunal, nos termos do art. 80 do Decreto-lei nº 200/67. É este agente quem se sujeita à tomada de contas, consoante o que estatui a mesma Lei da Reforma Administrativa, em seu art. 81. Uma vez inscrito, pelos órgãos de contabilidade, como responsável, porque ordenador das despesas feitas, só poderá ser exonerado de sua responsabilidade após julgadas regulares por suas contas pelo Tribunal de Contas, nos precisos termos do citado art. 80 e do art. 34, inciso I, do Decreto-lei nº 199/67. Daí decorre que o delegante somente será responsabilizado quando houver avocado o caso, na forma permitida desde o Decreto nº 86.377, editado ulteriormente ao entendimento firmado neste Tribunal sobre o assunto (cf. v. decisão de 03. 07/80), ou, como salientado na assentada de 15.12.81, quando ocorrer responsabilidade solidária com o delegado na hipótese, ali acentada, de parcela cuja concessão não podia ignorar.

[...]

4.3.2.8.1. Assim, o que se tem de avaliar é quais atos dos subordinados devem obrigatoriamente ser supervisionados e controlados pelo superior hierárquico, visto que se tal supervisão fosse irrestrita, a delegação de competência perderia, por completo, seu sentido. Essa avaliação somente pode ser realizada caso a caso, levando-se em conta aspectos de materialidade, amplitude e diversidade das funções do órgão, grau de proximidade do ato com suas atividades-fim, dentre outros inerentes à especificidade de cada caso.

[...]

4.3.2.9. Quanto à questão em tela, crê-se que a obrigação quanto à estimativa do consumo de cópias, à análise financeira do contrato de locação de máquinas reprográficas e ao acompanhamento de sua execução deve ficar restrita aos cargos diretamente relacionados com a aludida contratação, principalmente devido ao cunho eminentemente administrativo dos atos questionados.

4.3.2.9.1. Certamente, se fosse exigido que a supervisão do Presidente do IBAMA abrangesse tais atos ( e outros análogos), sua gestão seria dispersa, afetando a eficácia da Entidade quanto às suas finalidades regimentais, esta, sem dúvida, responsabilidade de seu Dirigente máximo.(...)"(grifamos)

Diante dos comentários supratranscritos, não merece prosperar a alegação de ilegitimidade passiva esboçada pelo Recorrente.

O Recorrente aduz, ainda em preliminar, que a regra constante do art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/00 não seria auto-aplicável, necessitando de regulamentação para definir qual o conceito de "grave infração à norma legal".

Mais uma vez não lhe assiste razão. Nesse sentido, transcrevemos abaixo trecho da Informação COG n. 0172/05 exarada nos autos do Processo n. REC-04/01498034 que, com muita propriedade, elucida a questão:

"(...) Para que se possa compreender com clareza o exame procedido, algumas premissas devem ser estabelecidas.

Primeiramente, que o art. 70, II, da LC nº 202/00, é decorrência legislativa do artigo 71, VII, da CF/88 que permite a aplicação de sanções aos responsáveis em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, o qual contém a seguinte redação: "o Tribunal aplicará multa de até cinco mil reais aos responsáveis por ato praticado com grave infração a norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial". (...)

Dessa análise, cuja avaliação identificará o "bom" e o "mau" administrador, firma-se uma das relações jurídicas pela qual o Tribunal de Contas, usufruindo do seu poder administrativo sancionador, aplicará uma multa, denominada multa-sanção. É certo que tanto esta espécie de penalidade como a chamada multa-coerção - relacionada com o poder de polícia do Tribunal e que está voltada a garantir a efetividade de sua atuação, em especial, a de realizar auditorias e inspeções, requisitar documentos, bem como determinar que todos aqueles que venham a ser objetos de fiscalização devam ser exibidos aos seus auditores - decorrem da Constituição Federal de 1988, entretanto, seus âmbitos de incidência distinguem-se, apesar de se complementarem no exercício do controle externo.

Em segundo lugar, que as expressões utilizadas no artigo 70, II, da LC nº 202/00, devem coadunar-se com as peculiaridades da multa-sanção, assim:

a) ato praticado - representa ação, um fazer por parte do responsável de modo que as omissões/inércias e o silêncio da Administração não serão elementos caracterizadores da infração.

b) grave infração - conceito jurídico indeterminado de natureza discricionária que atribui ao seu intérprete e aplicador uma livre discrição, dentro dos parâmetros da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade, valendo a sua valoração subjetiva para o seu preenchimento. Neste sentido, grave infração decorrerá sempre da prática de comportamento típico (se a conduta do fiscalizado adequou-se àquele descrito na norma administrativa), antijurídico (se a conduta ocasionou afronta ao ordenamento) e voluntário (se ocorreu a prévia e consciente opção pela prática ou não do comportamento censurado), que cause um dano, patrimonial ou extra patrimonial, a um bem juridicamente tutelado, que frente aos princípios jurídicos, à probidade administrativa e ao interesse público impeçam que o aplicador da norma sancionadora apresente outra resposta ao fato que não seja a cominação de uma sanção ou a imputação de um débito. (...)" (grifamos)

Acerca da mesma matéria, trazemos também a transcrição de parte do Parecer COG n. 86/04 (autos n. REC-01/01914458) que, no mesmo sentido, explicita:

"(...) 3) Grave infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial - contrabalançando a intempestividade da escrituração contábil e a gravidade exigida pela norma regimental, tem-se por desarrazoada a invocação dessa conduta para subsidiar o apontamento feito no Acórdão nº 143/2001.

Com efeito, leciona a doutrina, com muita propriedade, que os poderes e deveres atribuídos ao Administrador Público, quando no exercício de suas funções, são estabelecidos pela lei, pela moral administrativa e pela supremacia do interesse público; indicando, assim, que todas as prerrogativas e sujeições a ele conferidas, só poderão ser exercidas dentro dos limites por aqueles impostos.

De outra via, o ordenamento jurídico, frente ao dinamismo do processo de produção das leis e regramento das relações sociais, ao prescrever condutas ou comandos permite no texto legal a existência de expressões gerais e, a princípio, indeterminadas, a fim de propiciar ao aplicador da norma uma maior flexibilidade no enquadramento da situação fática à regra jurídica.

Tal situação, longe de configurar uma legitimação de arbitrariedades no exercício de competências ou fragilidade ao princípio da segurança jurídica, almeja tão-só contemplar inúmeras situações censuradas pelo ordenamento, a partir da definição de parâmetros mínimos que possibilitem aos destinatários pautarem suas condutas. Além disso, uma prévia definição pelo legislador - federal, estadual ou municipal -, das hipóteses reprovadas pelo mundo jurídico, poderia implicar uma limitação na atuação do julgador quando do exame do caso concreto. Por outro lado, poder-se-ia, erroneamente, interpretar que somente os casos a priori delineados seriam passíveis de punição ou rejeição jurídico-social, encontrando-se, os demais, autorizados tacitamente pelo ordenamento.

Por conseguinte, a "grave infração", contida em vários artigos da Lei Complementar nº 202/00 e do Regimento Interno deste Tribunal, não fugindo à regra semântica adotada por outras normas jurídicas, inclusive as de caráter penal, também permitiu ao julgador deste órgão que no desempenho de sua competência constitucional, pudesse atuar, legalmente, com certa maleabilidade.

Assim sendo, "grave infração" decorrerá sempre da prática de comportamentos típicos, antijurídicos e voluntários, que causem um dano, patrimonial ou extra patrimonial, a um bem juridicamente tutelado, que frente aos princípios jurídicos, à probidade administrativa e ao interesse público impeçam que o aplicador da norma sancionadora apresente outra resposta ao fato que não seja a cominação de uma sanção ou a imputação de um débito. Motivo pelo qual o artigo 70, II, da Lei Complementar nº 202/00 possui aplicação imediata. (...)" (ressaltamos)

Relativamente às penalidades imputadas, o Recorrente alega, em síntese, o seguinte:

"(...) 2. Por outro lado, não cabe deliberação, pela Ilustre Corte de Contas catarinense, a respeito do objeto deste processo, pois os gastos relativos ao Contrato DER nº 78/2000 e seus Aditivos, foram integralmente financiados com recursos do GOVERNO FEDERAL, sendo da competência do Tribunal de Contas da União JULGAR a aplicação desses valores, de acordo com o art. 71, VI, da C.F.

Sobre esse mesmo entendimento, já se manifestou o Egrégio Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, através de seu Prejulgado nº 1409:

(...)

Como esclarece o Item 6.3.2 do Ac. 2331/2004, houve conhecimento, pelas Diretorias Técnicas, de que o Contrato DER nº 78/00 e respectivos Termos Aditivos, bem como a aplicação dos recursos federais a eles concernentes, foram objeto de decisão pelo Tribunal de Contas da União (Processo TCU 003.719/2001 - Acórdão 383/2003 - Embargos de Declaração), do que resultou até aplicação de multa; mesmo assim, o presente processo foi instruído com proposta, que resultou no seu encaminhamento à decisão desta e. Corte.

Daí, ter resultado a existência de dois julgamentos, incidentes sobre mesmos recursos federais, aplicados pelo DER: o primeiro, do TCU (competente, conforme o art. 71, VI, da C. F.); o segundo, pelo TCE/SC, cuja impropriedade justifica a alteração do Acórdão recorrido, para ser declarada a insubsistência da decisão ínsita em seu item 6.2.

3. A Consultoria Geral, em seu Parecer nº COG-227/02, manifestou-se corretamente no sentido de que esse Tribunal de Contas pode fiscalizar aplicações de recursos federais pelo Estado. Não há que se confundir, porém, a ação de fiscalizar com a competência para JULGAR. Nos termos da Carta Magna, como já esclarecido, quem julga aplicação de recursos federais é o Tribunal de Contas da União.(...)" (grifos do Recorrente)

Assiste razão ao Recorrente.

O objeto do Contrato nº 78/00 e, por via de conseqüência, seus termos aditivos, foi custeado na sua integralidade com recursos federais, conforme consta inclusive dos autos principais (item 4.1 do Relatório DCO nº 222/03, de fls. 707 e item 3.1 do Relatório DCE nº 06/04, de fls. 721/722).

Tal fato, afasta a competência do Tribunal de Contas do Estado para penalizar o ora Recorrente. As conclusões esboçadas nos autos nº SLC-01/02154767 deveriam ter sido remetidas ao Tribunal de Contas da União para que este adotasse as providências que são de sua competência.

Esta Consultoria Geral, ao enfrentar situações análogas, manifestou-se com o seguinte entendimento, traduzido nos Prejulgados abaixo:

Prejulgado nº 0952 - "Como regra basilar, os recursos provenientes de convênios devem ser obrigatoriamente aplicados na consecução das finalidades neles estabelecidos. Os recursos recebidos pela UDESC em decorrência de transferência do Governo Federal para manutenção do Programa Especial de Treinamento – PET, devem ser aplicados exclusivamente no pagamento de bolsas de estudos aos alunos inscritos no Programa, com a devida prestação de contas. Assim procedendo, para os fins fiscalizatórios de competência desta Corte, em princípio, não constitui irregularidade a aplicação dos recursos repassados pelo órgão Federal para essa finalidade, ainda que ausente convênio específico para um certo período, quando existentes convênios anteriores e posteriores versando sobre o Programa, alicerçado no princípio da continuidade das ações da Administração Pública.
Compete aos órgãos da União responsáveis pelo controle interno (Secretaria Federal de Controle) e externo (Tribunal de Contas da União), a apreciação do repasse dos recursos pelo Ministério da Educação, podendo a UDESC ser obrigada à devolução dos recursos recebidos, em caso de decisão pela irregularidade da transferência."
(Processo: CON-00/04390610 Parecer: COG-589/00 Decisão: 4209/2000 Origem: Fundação Universidade do Estado de Santa Catarina - UDESC Relator: Conselheiro Otávio Gilson dos Santos Data da Sessão: 20/12/2000)

Prejulgado nº 1409 - "De acordo com o art. 71, VI, da Constituição Federal, compete ao Tribunal de Contas da União fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pela União, mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município.

Tendo em vista a competência do Ministério da Saúde para editar regras sobre a aplicação dos recursos do PAB (Piso de Atenção Básica) pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, não compete ao Tribunal de Contas do Estado dizer sobre a validade ou não de celebração de convênio com instituições particulares cujo teor prevê o repasse de recursos do PAB.

A aplicação dos recursos financeiros oriundos do Piso de Atenção Básica - PAB está disciplinada no item 3 do Anexo I da Portaria do Ministério da Saúde n. 3925/1998, publicada no Diário Oficial da União no dia 17/11/98, que aprovou o Manual para Orientação da Atenção Básica no Sistema Único de Saúde, estabelecendo que tais recursos não podem ser destinados a contribuições, auxílios e subvenções a entidades privadas."
(Processo: CON-02/10647175 Parecer: COG-155/03 Decisão: 2428/2003 Origem: Prefeitura Municipal de Concórdia Relator: Conselheiro Moacir Bertoli Data da Sessão: 28/07/2003 Data do Diário Oficial: 12/09/2003)

No Parecer COG nº 155/03, do qual originou-se o Prejulgado supra, esta Consultoria trouxe as considerações que ora transcrevemos:

"(...) Indaga o consulente sobre a aplicação e utlização dos recursos do Piso de Atenção Básica - PAB.

Com efeito, esta Corte de Contas em decisão plenária, quando da apreciação do Processo de Consulta nº 0432500/80, assim se manifestou sobre situação análoga:

Os recursos transferidos da União para Estados, Municípios e Distrito Federal, como também os provenientes de faturamento de serviços produzidos pelas unidades assistenciais públicas, deverão ser identificados nos fundos estaduais e municipais de saúde como receita operacional proveniente da esfera Federal e utilizados na execução de ações de saúde previstas nos respectivos planos de saúde.

(...)

(Processo: CON-TC0432500/80 Parecer: 709/98 Origem: Prefeitura Municipal de Santo Amaro da Imperatriz Relator: Luiz Suzin Marini Data da Sessão: 17/02/1999)

Na época a dúvida do consulente supostamente resultava do fato de que não havia regulamentação sobre como se daria a aplicação dos recursos do PAB pelo Município. Tanto isso é verdade que a Portaria nº 3.925, do Ministério da Saúde, que instituiu o Manual para a organização da atenção básica, foi publicada no DOU (Diário Oficial da União) no dia 17/11/98, data bem próxima do protocolo da consulta. A partir desta publicação poucas dúvidas restaram aos administradores municipais, haja vista que o manual por ela instituído explicita de forma clara como e onde os recursos do PAB devem ser aplicados - o que ficou bem claro quando da análise do assunto pelo técnico desta Consultoria.

Apesar da referida Portaria ter dado um certo poder fiscalizatório aos Tribunais de Contas Estaduais no que diz respeito a prestação de contas dos recursos financeiros,1 temos que compete ao Ministério da Saúde dizer onde os recursos repassados devem ser aplicados ou utilizados.

EMENTA. COMPETÊNCIA. IRREGULARIDADES OCORRIDAS EM OBRA CUSTEADA PARTE COM RECURSOS DA UNIÃO E PARTE COM RECURSOS DO ESTADO. PRECEDENTE.

1. - Conforme precedente registrado no Processo DEN 199505/75, parecer COG 345/99, o Tribunal de Contas da União e o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, exercem, em razão do Princípio da Autonomia dos Entes Federados (art. 18 da Constituição Federal de 1988) jurisdição distintas e independentes entre si. (TCE - 102084963; Parecer COG nº 227/2003)

EMENTA. Representação. Procedimento de Inexigibilidade na contratação de fornecimento de refeições para os professores da rede de ensino infantil, para os Municípios de Porto Belo e Ilhota.

Não conhecer. Artigo 102 do Regimento Interno. Recursos oriundos do FNDE - Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação. Prestação de Contas de Administrador. Competência do Tribunal de Contas da União. (RPJ - 02/11031356; Parecer COG-468/03)

O supracitado Parecer COG nº 333/04 elucida:

Ante o exposto, sugere-se ao Exmo. Relator do processo que em seu Voto proponha ao Egrégio Plenário o que segue:

1. Conhecer do Recurso de Reexame, nos termos do art. 80 da Lei Complementar n. 202/2000, interposto contra o Acórdão n. 2331/2004, exarado na Sessão Ordinária de 15/12/2004, nos autos do Processo n. SLC-01/02154767, e, no mérito, dar-lhe provimento, para:

1.1. Modificar o teor do Acórdão nº 2331/2004 para lhe conferir a seguinte redação:

2. Dar ciência ao DEINFRA e ao Sr. Edgar Antônio Roman - ex-Diretor-Geral do extinto Departamento de Estradas de Rodagem - DER/SC.

  MARCELO BROGNOLI DA COSTA

Consultor Geral


1 Portaria nº 3.925, de 13 de novembro de 1998. art. 5º As prestações de contas dos recursos financeiros do Piso de Atenção Básica recebidos pelos municípios deverão ser aprovadas pelo Conselho municipal de Saúde e apresentadas aos Tribuanis de Contas Municipal ou Estadual.

Parágrafo único - Não haverá prejuízo das atividades de controle externo exercidas pelo Tribunal de Contas da União, e de controle interno, exercidas pela Secretaria Federal de COntrole, do Ministério da Fazenda, e pelos órgãos do Sistema Nacional de Auditoria.