TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA

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PROCESSO RPA 00/05813131
   

UNIDADE

Prefeitura Municipal de Campos Novos
   

RESPONSÁVEL

Sr. Nelson Cruz - Prefeito Municipal
   

INTERESSADO

Sr. Idernei Antônio Titon - ex-Presidente da Câmara Municipal de Campos Novos
   
ASSUNTO Representação acerca de irregularidades praticadas na Prefeitura Municipal de Campos Novos - Audiência
   
RELATÓRIO N° 1.833/2007

INTRODUÇÃO

Cumprindo as atribuições de fiscalização conferidas ao Tribunal de Contas pela Constituição Federal, art. 31, pela Lei Complementar nº 202, de 15/12/2000, art. 66 e seu parágrafo único e pela Resolução Nº TC 16/94, a Diretoria de Controle dos Municípios sugere proceder a presente Audiência com vistas à apuração de irregularidades cometidas no âmbito da Prefeitura Municipal de Campos Novos.

A representação foi protocolada neste Tribunal em 19/10/2000, sendo procedida autuação do processo sob o nº RPA 00/05813131. A Diretoria de Denúncias e Representações apreciou o processo emitindo o Parecer de Admissibilidade nº 228/06, de 19/10/2006.

Posteriormente, houve o acolhimento da Representação, por meio do Despacho do Auditor Relator, constante às fls. 26 e 27 dos autos, determinando a esta Diretoria que adotasse providências, inclusive auditoria, inspeção ou diligências.

II - DA TRAMITAÇÃO DO PROCESSO

Por força dos artigos 1º e 2º, da Resolução TC nº 10/2007, de 26 de fevereiro de 2007, que altera a estrutura e as competências dos órgãos auxiliares do Tribunal de Contas de Santa Catarina e artigo 1º, Inciso I, alínea "b" e Inciso III da Portaria nº TC 136/2007, de 27/02/2007, o presente processo foi encaminhado à Diretoria de Controle dos Municípios no mês de março de 2007.

III - DA REPRESENTAÇÃO

1 - Da Matéria Enfocada

A petição inicial (fls. 2 e 3 dos autos), subscrita pelo Sr. Idernei Antônio Titon - presidente da Câmara Municipal de Vereadores de Campos Novos à época, foi protocolizada neste Tribunal sob o nº 028954, em 19/10/2000, juntamente com uma série de documentos, conforme segue:

a) Lei nº 1.697, de 27 de março de 1990, que autorizou desapropriação e doação de área de terras para implantação de indústria no município (fls. 4 e 5 dos autos;

b) Projeto Legislativo nº 002/00, de 28/03/2000, que autorizou a reversão para o patrimônio público do terreno doado pela Lei nº 1.697/90 (fl. 6 dos autos);

c) Decreto nº 4.182, de 27 de março de 2000, prorrogando o prazo concedido pela Lei nº 1.697/90 à empresa Indústria de Máquinas Bruno Ltda. (fl. 7 dos autos);

d) Projeto de Lei nº 1.914, de 23 de maio de 1996, que autorizou o pagamento de benefício da Lei nº 1.302/83 à empresa Indústria de Máquinas Bruno Ltda. (fl. 8 dos autos).

O expediente encaminhado a esta Corte de Contas assim expunha:

2 - Da Análise da Matéria Denunciada

De acordo com a Lei nº 1.697/90, o Poder Executivo de Campos Novos ficou autorizado a realizar uma doação de um terreno à empresa Indústria de Máquinas Bruno Ltda., conforme segue:

Nos termos da citada Lei, a sociedade Indústria de Máquinas Bruno Ltda. ficava obrigada a construir no referido terreno, em um prazo de 3 anos, uma indústria de papel, cartolina e papelão, bem assim a atingir uma meta de produção, in verbis:

"Art. 3º - A empresa beneficiada na forma do art. 2º desta Lei, fica obrigada a no prazo de três anos contados da publicação da mesma a construir no terreno doado uma INDÚSTRIA DE PAPEL, CARTOLINA E PAPELÃO, usando como matéria-prima, pasta mecânica, papel velho, aparas e eventualmente celulose, com uma produção inicial de 15 (quinze toneladas) dia, e produção ao final da implantação de 60 (sessenta toneladas) dia."

Do texto da Lei, destaca-se as seguintes obrigações básicas da donatária:

1) construir até o dia 26 de março de 1993, no referido terreno, uma indústria de papel, cartolina e papelão;

2) utilizar as seguintes matérias-primas: pasta mecânica, papel velho, aparas e eventualmente celulose;

3) apresentar uma produção inicial de 15 toneladas por dia;

4) produção final de 60 toneladas por dia.

Cabe destacar, também, que a referida doação fora contratada com uma condição resolutiva, determinando, de forma clara e objetiva, que o dito imóvel retornaria para o patrimônio público municipal se a citada empresa não cumprisse com suas obrigações dentro do prazo legal (3 anos), vejamos o referido dispositivo:

Desta forma, o não cumprimento do encargo no prazo de 3 anos, acabava por apresentar os efeitos de uma condição resolutiva, ou seja, sobrevindo a condição resolutiva, extingue-se, para todos os efeitos, o direito a que ela se opõe, conforme disposição expressa do art. 128 do Código Civil.

Em outras palavras, com o não cumprimento do encargo extingue-se a doação, devendo, obrigatoriamente, reverter para o Município de Campos Novos o imóvel objeto da Lei nº 1.697/90.

Portanto, a propriedade definitiva do imóvel em tela somente passaria à citada empresa, caso a mesma cumprisse rigorosamente o encargo estabelecido expressamente na doação.

2.1 - Do não Cumprimento do Encargo por parte da Donatária

A data limite para que a donatária cumprisse com sua obrigação legal expirara em 26 de março de 1993, conforme art. 3º da Lei nº 1.697/90.

O Poder Executivo do Município de Campos Novos, conhecedor da inadimplência da empresa donatária, resolveu, através do Decreto nº 4.182, de 27 de março de 2000 (fl. 7 dos autos), conceder um novo prazo para que a mesma cumprisse com sua obrigação, in verbis:

A lei que autorizou a referida doação (1.697/90), em seu artigo 6º, possibilitava que o Executivo Municipal prorrogasse o prazo para cumprimento do encargo, conforme segue:

De acordo com a redação do texto legal, percebe-se que o Decreto Municipal está eivado de ilegalidade, tendo em vista que somente no caso de força maior caberia prorrogação do referido prazo.

Carlos Roberto Gonçalves1, abordando o tema em debate, assim se pronuncia:

Quando do advento da força maior, o agente fica impossibilitado de cumprir aquilo por que se obrigou, sem qualquer culpa sua, diante do fato inevitável e imprevisível que se apresenta. Por fim, percebe-se que o presente caso não é de força maior, haja vista o lapso temporal já decorrido.

Além do quesito força maior, para que se pudesse prorrogar o prazo para cumprimento do encargo, seria necessário que o mesmo não estivesse vencido, o que não se verifica no processo em tela, sendo que o prazo estabelecido na Lei já havia expirado a mais de 7 anos, quando da edição do Decreto nº 4.182/00.

Neste aspecto, se apresenta como regra básica que só é possível prorrogar algo que ainda vige. Portanto, não cabe prorrogar algo que já não existe mais no mundo jurídico.

    Outro não é o entendimento do ilustre Diógenes Gasparini2:

    Mutatis Mutandis, este foi o entendimento desta Corte de Contas, conforme Prejulgado nº 1528:

        "Em caso de suspensão da execução do contrato na hipótese do inciso XVI do art. 79 da Lei Federal nº 8.666/93, por ato formal da autoridade competente, a retomada da execução do objeto pela Administração contratante depende do contrato ainda se encontrar vigente - pois contrato extinto não é passível de prorrogação - caso em que será devolvido ao contratado os prazos de execução do objeto (prazo do cronograma físico), como também, se necessário, a prorrogação do prazo de vigência do contrato." (grifo nosso)

    E ainda, Prejulgado nº 1084:

        "Cabe, exclusivamente à Administração, a prerrogativa de promover a prorrogação de contratos, observadas as normas legais e o atendimento ao interesse público, devidamente justificados em regular processo administrativo.

        A prorrogação de contrato, nas hipóteses admitidas em lei, deve ser promovida antes do término da vigência da avença original, através de termo aditivo, sob pena de nulidade do ato.

        Os contratos extintos em decorrência do decurso do prazo neles estabelecidos não podem, em hipótese alguma, serem objeto de prorrogação."
        (grifo nosso)

    Em pesquisa realizada no banco de dados da Junta Comercial do Estado de Santa Catarina (Anexo 1), constatou-se que no período de 11/07/1967 a 20/11/2002, o Sócio Gerente da empresa donatária era o Sr. Oscar Bruno Schaly, ou seja, o Chefe do Executivo Municipal de Campos Novos, quando da assinatura do Decreto nº 4.182, de 27 de março de 2000 (fl. 7 dos autos).

    A administração pública deve sujeitar-se as normas legais, principalmente obediência aos princípios constitucionais estabelecidos no caput do art. 37 da Constituição Federal.

    Quando o Prefeito Municipal de Campos Novos, através de um decreto, pretendeu prorrogar um prazo que já estava vencido a vários anos; sem o requisito exigido pela lei (força maior); em benefício próprio, afinal de contas ele era o sócio gerente da empresa beneficiada pela doação, constata-se que os Princípios Constitucionais da Legalidade, Impessoalidade e Moralidade foram afrontados, não podendo tal prorrogação ser considerada como válida.

    Convém colacionar também o art. 93 da Lei Orgânica do Município de Campos Novos, de 30 de março de 1990, conforme segue:

        "Art. 93 - O Prefeito não poderá, desde a posse, e enquanto durar o mandato, sob pena de perda deste:
        I - firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público, salvo quando o contrato obedecer a cláusulas uniformes ou através de processo licitatório;
        [...]
        V - ser proprietário, controlador ou diretor de empresa que goze de favor, concessão ou privilégio, decorrente de contrato com qualquer das entidades a que se refere o inciso I, nem exercer na empresa qualquer função ou atividade remunerada;" (grifo nosso)

    Percebe-se que o Prefeito Municipal não poderia agir em benefício próprio, sendo que de acordo com a Lei Orgânica Municipal, ele não deveria nem estar ocupando o cargo de Chefe do Executivo.

    Ante o exposto, fica evidente que o encargo estabelecido pela Lei nº 1.697/90 não foi cumprido pela empresa Indústria de Máquinas Bruno Ltda., bem assim a prorrogação de prazo ocorreu de forma ilegal, restando ao Município a obrigação de reaver o referido imóvel.

    Cabe destacar, também, que no presente caso não existe a possibilidade de prescrever a pretensão do município de propor a referida reversão, conforme já entendeu o Superior Tribunal de Justiça:

        "Administrativo - Doação resolúvel de bem público - Descumprimento de encargo - Desconstituição - Prescrição (art. 178, § 6º DO CC) - Inaplicabilidade - Art. 67 do Código Civil.
        I - A doação de imóvel público obedece, unicamente, aos preceitos contidos na Lei que o desafetou (C. Civil, Art. 67);
        II - Se a Lei diz que a doação resolve-se de pleno direito, caso o imóvel não seja utilizado para os fins que justificaram a alienação, é defeso ao donatário inadimplente invocar as regras do art. 178 do Código Civil, para alegar prescrição da ação." (Recurso Especial nº 1994/0034116-4, Resp 56612/RS, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, Data do julgamento: 14/12/1994)

    Neste sentido, cita-se também as palavras de Maria Helena Diniz3:

        São imprescritíveis as pretensões que versam sobre:
        [...]
        c) Os bens públicos."

    Não restando, portanto, nenhum óbice para que o município adote as medidas judiciais e/ou administrativas cabíveis, visando obter a reversão do referido imóvel para o patrimônio público, de acordo com o art. 5º da Lei nº 1.697/90.

    2.2 - Nova Prorrogação de Prazo para Cumprimento do Encargo

    Inicialmente, conforme já foi apontado, a empresa Indústria de Máquinas Bruno Ltda. tinha até o dia 26 de março de 1993 para cumprir o encargo estabelecido na Lei nº 1.697/90.

    Dentro do prazo legal, três anos, a donatária não cumpriu com seu encargo, sendo que em 27 de março de 2000, o Prefeito Municipal, através do Decreto nº 4.182, concedeu mais 2 anos para que a empresa adimplisse com sua obrigação.

    Mais uma vez, a referida sociedade, não cumpriu com o encargo estabelecido pela Lei nº 1.697/90, e na mesma linha de repetição dos fatos, o município concedeu um novo prazo à donatária (Lei nº 2.771, de 24/03/2003, fl. 51 dos autos):

        "Art. 1º - Fica concedido um prazo de 2 (dois) anos a contar da data da aprovação desta Lei, para a empresa Indústria de Máquinas Bruno Ltda, implantar o empreendimento industrial previsto na Lei nº 1.697/90 de 27/03/90."

    Quando da publicação da Lei nº 2.771, de 24/03/2003, 13 anos já haviam se passado sem que a empresa em questão resolvesse cumprir o encargo da referida doação.

    Considerando os princípios do direito administrativo, bem como os gerais do direito, tais como: boa-fé, eficiência, legalidade, preponderância do interesse público sobre o particular, proporcionalidade etc., não foi razoável a concessão de um novo prazo para que a empresa pudesse cumprir com seu encargo, afinal de contas ela teve 13 anos para tanto.

    Quando o Poder Legislativo de Campos Novos, através da Lei nº 2.771, de 24 de março de 2003, pretendeu conceder um novo prazo para que a empresa cumprisse com seu encargo, na verdade acabou realizando uma nova doação, tendo em vista que não é possível prorrogar algo que não vige, conforme razões já apontadas.

    Acontece, porém, que tal doação não é mais possível dentro do nosso ordenamento jurídico, vejamos inicialmente a Lei Orgânica do Município de Campos Novos, conforme segue:

        "Artigo 12 - A alienação de bens do município e de suas autarquias, subordinada a existência de interesse público devidamente justificado, será sempre precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:
        [...]
        § 1º - A administração, preferentemente a venda ou doação de bens imóveis, concederá direito real de uso, mediante concorrência, dispensada esta, quando o uso se destinar à concessionário de serviço público e a entidades assistenciais." (grifo nosso)

    De acordo com a Lei Maior do Município de Campos Novos, de 30 de março de 1990, a doação de bens imóveis depende de licitação, na modalidade concorrência, bem como não se dá pela via da transferência da propriedade, e sim, através do instituto da concessão de direito real de uso.

    Odete Medauar4, assim conceitua o referido instituto:

    A Lei de Licitações (Lei nº 8.666/93), em seu art. 17, assim dispõe:

        "Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas:
        I - quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos:
        a) dação em pagamento;
        b) doação, permitida exclusivamente para outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo;
        c) permuta, por outro imóvel que atenda aos requisitos constantes do inciso X do art. 24 desta Lei;
        d) investidura;
        e) venda a outro órgão ou entidade da administração pública, de qualquer esfera de governo;
        f) alienação, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis construídos e destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais de interesse social, por órgãos ou entidades da Administração Pública especificamente criados para esse fim." (grifo nosso) (Redação vigente até a publicação das Leis nºs 11.196, de 21/11/2005 e 11.481, de 31/05/2007).

    Portanto, considerando a Lei Orgânica do Município e a Lei de Licitações, não é possível ao município se desfazer de um bem imóvel através de uma doação, nos moldes apresentados no presente processo.

    Esta Corte de Contas assim se manifestou sobre o assunto, Prejulgado nº 250, reformado pelo Tribunal Pleno em sessão de 02/12/2002, através da Decisão nº 3.089/2002, exarada no Processo nº PAD-02/10566680:

        "Para promover incentivos a empresas, dentro de programa específico, visando atraí-las para que se estabeleçam no território municipal, é permitido à Administração:

        - devolver mediante lei autorizativa (artigo 16, III da LOMDP), valores parciais correspondentes aos montantes recolhidos a título de Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, da soma que retorna, por disposição constitucional, ao Município (CF, artigo 158, IV e CE, artigo 133, II, "a"), observados os requisitos do art. 14 da Lei Complementar nº 101/00;

        - promover concessão do direito real de uso, com encargo, de imóvel para suas instalações, mediante autorização legislativa específica e justificado interesse público e ainda, fazer constar do instrumento de concessão os encargos, o prazo de seu cumprimento e a cláusula de reversão;
        - executar gratuitamente serviços de terraplenagem e infraestutura nas áreas públicas de distritos industriais compreendidos em programas de incentivos e, mediante cobrança, em áreas particulares, observando os ditames constantes nas Leis Federais n° 8.429/92 e n° 4.320/64, vedada a destinação de auxílios financeiros a entidades de direito privado com fins lucrativos, conforme art. 19 desta lei." (grifo nosso)

    Desta forma, verifica-se que o município de Campos Novos não pode realizar doação de imóvel como forma de estimular o desenvolvimento da cidade, devendo utilizar-se, sim, do instituto da concessão de direito real de uso, conforme explanado anteriormente.

    2.3 - Transferência da Doação para outras Pessoas Jurídicas

    Em 12 de dezembro de 2003, o legislativo de Campos Novos através da Lei nº 2.840 (fls. 52 e 53 dos autos), transferiu os benefícios da Lei nº 1.697/90 para outras pessoas jurídicas, nos seguintes termos:

        "Art. 1º - Ficam transferidos para as empresas Bruno Industrial Ltda, CNPJ nº 05.145.957/0001-40 e Bruno Papéis Especiais S/A, CNPJ nº 06.007.501/0001-86, os incentivos e estímulos concedidos a Indústria de Máquinas Bruno Ltda pelas Leis 1.697 de 27/03/90 e 2.771 de 24/03/03.
        Art. 2º - As empresas mencionadas no Artigo anterior, se comprometem a implantar, dentro do prazo previsto no Artigo 1º da Lei nº 2.771/03 os seguintes empreendimentos industriais:
        I - Bruno Industrial Ltda - indústria de máquinas e equipamentos para trituração de pneus e resíduos em geral.
        II - Bruno Papéis Especiais S.A. - fabricação e industrialização de papel.
        [...]
        Art. 5º - As empresas beneficiadas por esta Lei terão o prazo de 90 (noventa) dias para formalizar com o município o contrato de concessão de estímulos e incentivos."

    Quando da edição da Lei nº 2.840/03, quase 14 anos já haviam se passado, sem que a empresa donatária tivesse cumprido com seu encargo estabelecido na Lei nº 1.697/90.

    Comparando esta Lei com a anterior, percebe-se que trata-se de uma nova doação, que não guarda nenhuma relação com a doação original, prevista na Lei nº 1.697/90, conforme quadro abaixo:

    Descrição Lei nº 1.697/90 Lei nº 2.840/03
    Donatária Indústria de Máquinas Bruno Ltda. Bruno Industrial Ltda.

    Bruno Papéis Especiais S.A.

    Encargo Obrigações básicas:

    - construir até o dia 26 de março de 1993, no referido terreno, uma indústria de papel, cartolina e papelão;

    - utilizar as seguintes matérias-primas: pasta mecânica, papel velho, aparas e eventualmente celulose;

    - apresentar uma produção inicial de 15 toneladas por dia;

    - produção final de 60 toneladas por dia.

    Implantar os seguintes empreendimentos:

    - indústria de máquinas e equipamentos para trituração de pneus e resíduos em geral;

    - fabricação e industrialização de papel.

    Oportuno, neste momento, relatar que a referida empresa já recebeu outro imóvel da municipalidade, conforme Lei nº 1.302, de 28 de janeiro de 1983 (fls. 45 a 47 dos autos), conforme segue:

        "Art. 1º - Fica autorizado o Executivo Municipal a conceder incentivos à firma Bruno Indústria de Máquinas e Equipamentos Ltda, inscrita no Ministério da Fazenda com o nº CGCMI 86551363/0001-30 e na Secretaria da Fazenda sob o nº 250870260, sob a seguinte forma:
        a) Doação de 105.260,00 m2 de terreno urbano, situado na confluência da BR-282 a BR-470, confrontando com as mesmas BR-470 a BR-282, com terreno já doado à firma Eletel - com a Rua de acesso à BR-282 e com a Rua de acesso à BR-470, cuja escritura pública da doação fica o Executivo Municipal devidamente autorizado a conceder à firma Bruno Indústria de Máquinas e Equipamentos Ltda." (grifo nosso)

    Apesar da divergência no nome empresarial das donatárias (Lei 1.697/90 e Lei 1.302/83), trata-se da mesma pessoa jurídica, conforme Comprovante de Inscrição e de Situação Cadastral emitido pela Receita Federal do Brasil (Anexo 2), onde verifica-se que o número de inscrição no CNPJ da empresa Indústria de Máquinas Bruno Ltda. (Anexo 2) é o mesmo da Bruno Indústria de Máquinas e Equipamentos Ltda. (fl. 45 dos autos).

    Na doação ocorrida no ano de 1983, a empresa Indústria de Máquinas Bruno Ltda. já ficara na obrigação de montar uma indústria de máquinas, encargo este que a Lei nº 2.840/03 veio a repetir, possibilitando que a empresa utilizasse o parque fabril anterior para provar o cumprimento deste novo encargo.

    Considerando que trata-se de uma nova doação, aproveita-se as mesmas observações apresentadas no item anterior.

    Aponta-se novamente o entendimento desta Corte sobre o assunto, Prejulgado nº 250, reformado pelo Tribunal Pleno em sessão de 02/12/2002, através da Decisão nº 3.089/2002 exarada no Processo nº PAD-02/10566680:

        "Para promover incentivos a empresas, dentro de programa específico, visando atraí-las para que se estabeleçam no território municipal, é permitido à Administração:

        - devolver mediante lei autorizativa (artigo 16, III da LOMDP), valores parciais correspondentes aos montantes recolhidos a título de Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, da soma que retorna, por disposição constitucional, ao Município (CF, artigo 158, IV e CE, artigo 133, II, "a"), observados os requisitos do art. 14 da Lei Complementar nº 101/00;

        - promover concessão do direito real de uso, com encargo, de imóvel para suas instalações, mediante autorização legislativa específica e justificado interesse público e ainda, fazer constar do instrumento de concessão os encargos, o prazo de seu cumprimento e a cláusula de reversão;

        - executar gratuitamente serviços de terraplenagem e infraestutura nas áreas públicas de distritos industriais compreendidos em programas de incentivos e, mediante cobrança, em áreas particulares, observando os ditames constantes nas Leis Federais n° 8.429/92 e n° 4.320/64, vedada a destinação de auxílios financeiros a entidades de direito privado com fins lucrativos, conforme art. 19 desta lei."
        (grifo nosso)

    Desta forma, verifica-se que o município de Campos Novos não pode realizar doação de imóvel como forma de estimular o desenvolvimento da cidade, devendo utilizar-se, sim, do instituto da concessão de direito real de uso, conforme explanado anteriormente.

    Além de todas as ilegalidades que já foram apontadas em relação a doação de imóvel com o objetivo de estimular o crescimento do município, verifica-se, também, que nos termos do art. 5º da Lei nº 2.840, de 12 de dezembro de 2003, que as donatárias tinham o prazo de 90 dias para celebrar contrato de concessão de estímulos e incentivos com o município.

    Referido prazo findou em 12 de março de 2004, sendo que as empresas assinaram o contrato apenas no dia 24 de março de 2004, fora, portanto, do prazo nonagesimal estabelecido pela Lei (fls. 78 a 95 dos autos).

    Considerando que o Prefeito Municipal de Campos Novos, através dos contratos firmados com as donatárias citadas anteriormente (fls. 79 e 88 dos autos), efetivou a doação prevista na Lei nº 2.840/03, cabe sua responsabilização por tal ato administrativo.

    Ante o exposto, aponta-se a seguinte restrição:

    2.3.1 - Doação de um imóvel público para particulares, compreendendo um terreno de 121.000m², situado na localidade denominada Fazenda Boa Vista, no município de Campos Novos, contrariando o estabelecido no art. 17, inciso I, alínea b, da Lei nº 8.666/93, bem como o art. 12, § 1º da Lei Orgânica do Município de Campos Novos e o art. 5º da Lei Municipal nº 1.697/90.

    2.4 - Do Pagamento de Incentivos Fiscais

    O denunciante anexou a sua petição (fl. 8 dos autos), o Projeto de Lei nº 1.914, de 23 de maio de 1996, que em seus arts. 1º e 2º estabelecem o seguinte:

        "Art. 1º - Fica o Poder Executivo autorizado a pagar à firma Indústria de Máquinas Bruno Ltda, os incentivos concedidos pelo Município, constante da Lei nº 1302/83.
        Art. 2º - O valor do incentivo mencionado no Art. 1º, letra g é de R$ 32.585,73 (Trinta e dois mil, quinhentos e oitenta e cinco reais e setenta e três centavos)."

    Analisando os documentos enviados a este Tribunal (fls. 96 a 119 dos autos), percebe-se que os incentivos pagos à Indústria de Máquinas Bruno Ltda. referem-se ao período de 06/1986 a 12/1993.

    Diante dos documentos apresentados não é possível concluir que os incentivos pagos a referida empresa guardam relação com a Lei nº 1.697/90.

    Cabe destacar, também, que no ano de 1983 a empresa Indústria de Máquinas Bruno Ltda. já havia figurado como donatária do Município de Campos Novos, conforme Lei nº 1.302 (fls. 45 a 47 dos autos).

    Neste sentido, conclui-se que os incentivos pagos referem-se a Lei nº 1.302, que em seu art. 1º, letra g, dispunha:

        "Art. 1º - Fica autorizado o Executivo Municipal a conceder incentivos à firma Bruno Indústria de Máquinas e Equipamentos Ltda, inscrita no Ministério da Fazenda com o nº CGCMI 86551363/0001-30 e na Secretaria da Fazenda sob o nº 250870260, sob a seguinte forma:
        [...]
        g) Retorno do ICM da parte que couber ao Município de Campos Novos e recolhido pela firma Bruno Indústria de Máquinas e Equipamentos Ltda pelo prazo de 10 (dez) anos a contar da data de início das atividades industriais no Município de Campos Novos e objeto da presente doação. O retorno será calculado sobre o ICM recolhido no Município de Campos Novos, pela empresa Bruno Indústria de Máquinas e Equipamentos Ltda."

    Verifica-se, portanto, com base nas provas apresentadas nos autos, que os incentivos fiscais pagos à empresa Indústria de Máquinas Bruno Ltda. não estão relacionados com a Lei nº 1.697/90, ou seja, não guardam relação com a doação objeto da presente Representação.

    2.5 - Dos Documentos Apresentados pela Empresa Indústria de Máquinas Bruno Ltda.

    No que pese não ser relevante para o presente processo, haja vista as ilegalidades verificadas quando das prorrogações dos benefícios da Lei nº 1.697/90, bem como na doação realizada pela Lei nº 2.840/03, esta instrução analisará os documentos enviados pelo responsável, relacionados com as atividades da empresa donatária.

    Com relação a documentação da empresa Indústria de Máquinas Bruno Ltda. (fls. 62 a 95 dos autos), remetida a esta Casa pelo responsável, cabe destacar o seguinte:

    1) As Demonstrações Contábeis da referida empresa foram assinadas pelo Engenheiro Arno Rui Schaly (fls. 67 a 71 dos autos), sendo que tal atividade não pertence a área de atuação dos engenheiros, e sim, dos profissionais de contabilidade (Decreto-Lei nº 9.295/46, art. 25);

    2) De acordo com o art. 5º da Lei nº 2.840, de 12 de dezembro de 2003 (fls. 52 e 53 dos autos), as donatárias tinham o prazo de 90 dias para celebrar contrato de concessão de estímulos e incentivos com o município. Referido prazo findou em 12 de março de 2004, sendo que as empresas assinaram o contrato apenas no dia 24 de março de 2004, fora, portanto, do prazo nonagesimal estabelecido pela Lei (fls. 79 e 88 dos autos);

    3) Lucro líquido apresentado na Demonstração do Resultado do Exercício de 2005 (fl. 67 dos autos), divergente daquele constante do Balancete do mesmo período (fl. 69 dos autos);

    4) A empresa juntou uma declaração assinada pelo Prefeito Municipal Sr. Nelson Cruz, com data de 22/03/2005, declarando que as empresas donatárias tinham cumprindo os encargos estabelecidos pelas Leis nºs 1.697/90, 2.771/03 e 2.840/03 (fl. 65 dos autos);

    5) No que pese a declaração citada no item anterior, o Sr. Nelson Cruz relatou o seguinte no dia 12 de abril de 2006 (fl. 61 dos autos):

        "Constatamos que a Bruno Industrial Ltda, não iniciou suas atividades, e a empresa Bruno Papéis Especiais S.A. está paralisada, não tendo até a presente data apresentado qualquer justificativa."

    6) Ainda, em junho de 2007, o Sr. Nelson Cruz assim se pronunciou (fl. 40 dos autos):

        "Ainda com relação ao assunto, cumpre-nos o dever de informar que a empresa Bruno Papéis Especiais S.A. funcionou em caráter precário de abril de 2004 a abril de 2005.
        Por outro lado, o projeto da Bruno Industrial, nunca foi implantado na área de 121.000m². Temos conhecimento que também funcionou precariamente entre 04/2004 a 04/2005 em um pavilhão da Indústria de Máquinas Bruno Ltda, empresa líder do grupo, localizada em outro imóvel.
        Concluindo, informamos que não está em funcionamento no terreno doado a indústria de papel, cartolina e papelão.
        Não está implantado no terreno doado, o projeto da Bruno Industrial Ltda destinado à fabricação de máquinas e equipamentos para trituração de pneus e resíduos."

    Considerando todas as ilegalidades apontadas, bem como as demais informações apresentadas neste Relatório, conclui-se que a empresa Indústria de Máquinas Bruno Ltda. não cumpriu com o encargo estabelecido pela Lei nº 1.697/90.

    CONCLUSÃO

    À vista do exposto no presente Relatório, referente à apuração de irregularidades em processo de Representação, relativas à Prefeitura Municipal de Campos Novos, entende a Diretoria de Controle dos Municípios – DMU, com fulcro nos artigos 59 e 113 da Constituição do Estado c/c o artigo 1º, inciso III da Lei Complementar nº 202/2000, que possa o Excelentíssimo Sr. Relator, por despacho singular:

    1 – DETERMINAR à Diretoria de Controle dos Municípios - DMU que proceda, nos termos do artigo 29, § 1º da Lei Complementar nº 202/2000, à Audiência do Sr. Nelson Cruz - Prefeito Municipal de Campos Novos, CPF 445.587.329-53, residente à Rua Exp. João Batista Almeida, 323, CEP 89620-000, Campos Novos - SC, para, no prazo de 30 (trinta) dias a contar do recebimento desta:

    1.1 – Apresentar justificativa relativamente à restrição abaixo especificada, passível de cominação de multa capitulada no art. 70, inciso I, da Lei Complementar nº 202/2000:

    1.1.1 - Doação de um imóvel público para particulares, compreendendo um terreno de 121.000m², situado na localidade denominada Fazenda Boa Vista, no município de Campos Novos, contrariando o estabelecido no art. 17, inciso I, alínea b, da Lei nº 8.666/93, bem como o art. 12, § 1º da Lei Orgânica do Município de Campos Novos e o art. 5º da Lei Municipal nº 1.697/90 (item 2.3.1, deste Relatório).

    2 - DETERMINAR a adoção de providências para que o imóvel objeto da Lei nº 1.697/90 seja revertido ao patrimônio do município de Campos Novos, conforme estabelece o art. 5º da referida Lei, bem como seja o Tribunal de Contas comunicado acerca das medidas que forem tomadas;

    3 - DETERMINAR à Diretoria de Controle dos Municípios - DMU, que dê ciência deste despacho, com remessa de cópia do Relatório nº 1.833/2007 ao responsável Sr. Nelson Cruz.

    É o Relatório.

    DMU/DCM 6 em 30/07/2007.

    Luiz Cláudio Viana

    Auditor Fiscal de Controle Externo

    Salete Oliveira Auditora Fiscal de Controle Externo

    Chefe da Divisão

    De acordo.

    Em, ____ / ____ / 2007.

    Paulo César Salum

    Coordenador de Controle

    Inspetoria 2

     

    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SANTA CATARINA

    DIRETORIA DE CONTROLE DOS MUNICÍPIOS - DMU

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    PROCESSO RPA 00/05813131
       

    UNIDADE

    Prefeitura Municipal de Campos Novos
       
    ASSUNTO Representação acerca de irregularidades praticadas na

    Prefeitura Municipal de Campos Novos - Audiência

    DESPACHO

    Encaminhe-se os autos ao Exmo. Sr. Relator, para que sejam adotadas as providências cabíveis.

    TC/DMU, em ......../......../..........

    GERALDO JOSÉ GOMES

    Diretor de Controle dos Municípios


    1 GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 736.

    2 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 379.

3 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. v. 1: Teoria Geral do Direito Civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 348.

4 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 8. ed. rev. e atual. - São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 292.