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Processo n°: | CON - 07/00317627 |
Origem: | Fundação do Meio Ambiente - FATMA |
Interessado: | Carlos Leomar Kreuz |
Assunto: | Consulta |
Parecer n° | 511/07 |
Consulta. Ambiental. Compensação ambiental. Lei nº 8.666/93. Inaplicabilidade. Execução. Empreendedor.
1. Não é possível exigir o cumprimento da Lei nº 8.666/93 para a aplicação dos recursos oriundos das compensações ambientais em benefício do meio ambiente, haja vista que o empreendedor é um particular que deverá executar diretamente as ações com tais recursos, sob a orientação e fiscalização do órgão ambiental.
2. Na aplicação dos recursos deverá ficar demonstrada a compatibilidade com os preços de mercado, que poderá se dar com a apresentação, por exemplo, de três orçamentos.
Senhor Consultor,
O Presidente da Fundação do Meio Ambiente - FATMA, Sr. Carlos Leomar Kreuz, protocolizou Consulta nesta Corte de Contas em 18/06/2007.
Consta em fs. 02, a seguinte consulta:
Cumprimentando-o cordialmente, solicito informação quanto a necessidade de recursos oriundos de compensações ambientais atender à Lei 8.666 (Lei de Licitações), quando de sua alocação (uso) em benefício do meio ambiente por parte desta Fundação.
Esta Consultoria, após analisar as preliminares de admissibilidade, passa a expor suas razões de mérito acerca dos questionamentos ora apresentados pelo Presidente da Fundação do Meio Ambiente - FATMA.
É o relatório.
II. PRELIMINARES DE ADMISSIBILIDADE
De início, mister delinear que o Consulente, na condição de Presidente da Fundação do Meio Ambiente - FATMA, possui plena legitimidade para encaminhar Consulta a este Tribunal consoante o que dispõe o art. 103, II, do Regimento Interno desta Corte (Resolução TC-06/2001).
Analisando a pertinência da matéria envolta no questionamento da Consulta, qual seja, dúvida de natureza interpretativa do direito em tese, essa merece prosperar haja vista que encontra guarida no inciso XII do art. 59 da Constituição do Estado de Santa Catarina, bem como no inciso XV do art. 1º da Lei Complementar nº 202/2000.
Observa-se ainda que a consulta não veio instruída com parecer da assessoria jurídica da entidade consulente, conforme preceitua o art. 104, V, da Resolução TC-06/2001 (Regimento Interno do TCE/SC). Contudo, o Tribunal Pleno poderá conhecer da consulta que não atenda a esta formalidade, conforme autoriza o parágrafo 2º do artigo 105 do referido Regimento, cabendo tal ponderação ser efetuada pelo Relator e pelos demais julgadores.
Destarte, sugerimos o conhecimento da peça indagatória pelo ínclito Plenário e o encaminhamento da resposta ao Consulente.
III. MÉRITO DA CONSULTA
A presente Consulta versa acerca da necessidade ou não de se efetuar licitação para utilizar os recursos oriundos de compensações ambientais.
A Constituição Federal estabelece no seu art. 225, o seguinte:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas;
II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético
III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
[...]
A regulamentação do mencionado dispositivo constitucional deu-se por meio da Lei nº 9.985/2000, a qual instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - SNUC, estabelecendo critérios e normas para a criação, implantação e gestão das unidades de conservação. A Lei nº 9.985/2000 estabeleceu, ainda, algumas modificações com relação ao instituto da compensação ambiental, que é objeto de análise desta Consulta.
Entende-se por compensação ambiental:
[...] o pagamento feito pelo empreendedor responsável por uma atividade potencialmente impactante ao meio ambiente, durante seu processo de licenciamento, a título de indenização pelos danos ambientais a serem causados e que não sejam passíveis de mitigação ou remediação.1
Para se obter o licenciamento ambiental de empreendimento que cause um grande impacto ambiental, o empreendedor deve "compensar" o dano por meio de uma indenização, que é a chamada compensação ambiental. Esta compensação deve ser aplicada em benefício de uma unidade de conservação, conforme reza o art. 36 da Lei nº 9.985/2000, in verbis:
Art. 36. Nos casos de licenciamento ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental, assim considerado pelo órgão ambiental competente, com fundamento em estudo de impacto ambiental e respectivo relatório - EIA/RIMA, o empreendedor é obrigado a apoiar a implantação e manutenção de unidade de conservação do Grupo de Proteção Integral, de acordo com o disposto neste artigo e no regulamento desta Lei.
§ 1º O montante de recursos a ser destinado pelo empreendedor para esta finalidade não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento, sendo o percentual fixado pelo órgão ambiental licenciador, de acordo com o grau de impacto ambiental causado pelo empreendimento.
§ 2º Ao órgão ambiental licenciador compete definir as unidades de conservação a serem beneficiadas, considerando as propostas apresentadas no EIA/RIMA e ouvido o empreendedor, podendo inclusive ser contemplada a criação de novas unidades de conservação.
§ 3º Quando o empreendimento afetar unidade de conservação específica ou sua zona de amortecimento, o licenciamento a que se refere o caput deste artigo só poderá ser concedido mediante autorização do órgão responsável por sua administração, e a unidade afetada, mesmo que não pertencente ao Grupo de Proteção Integral, deverá ser uma das beneficiárias da compensação definida neste artigo.
Entende-se por unidade de conservação o espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção (art. 2º, I, da Lei nº 9.985/2000).
Com o intuito de responder a questão apresentada pelo Consulente - se é necessário utilizar o procedimento licitatório ou não para aplicar os recursos oriundos da compensação ambiental - é necessário verificar, primeiramente, qual a natureza jurídica da compensação ambiental, pois a partir disso é que se obterá a resposta da referida questão.
A natureza jurídica da compensação ambiental é matéria de controvérsia na doutrina, gerando duas correntes: a primeira postula que o instituto jurídico em comento trata-se de tributo, já a segunda defende o caráter indenizatório.
Segundo José Marcos Domingues, defensor da corrente da natureza tributária, argumenta que:
[...] a compensação financeira ambiental por perdas ambientais derivadas de impacto ambiental extraordinário, insuscetível de mitigação ou de recuperação ambiental impossível, visa a custear serviço geral estatal de preservação ambiental, e tem natureza tributária.2
Para Maria Alice Tarcitano da Fonseca Doria Gondinho, doutrinadora que defende pela natureza indenizatória da compensação ambiental e que refuta a natureza de tributo, diz o seguinte a respeito de assunto:
A natureza jurídica da compensação ambiental é outra questão controvertida. Renomados doutrinadores debatem se esta tem natureza de tributo ou se tem natureza indenizatória.
Esta dúvida surge em razão da compensação ambiental ser um valor pago ao Estado, decorrente de atividades que causam impactos no meio ambiente. A caracterização da compensação como taxa (espécie de tributo) é questionável, já que taxa tem seu fato gerador vinculado a uma atividade estatal específica relativa ao contribuinte, além de ser uma contraprestação do contribuinte ao Estado, pelo serviço que este lhe presta, ou pela vantagem que lhe proporciona. Neste caso, o Estado não confere nenhuma contra-prestação ao empreendedor que, pelo contrário, tem a obrigação de compensar os possíveis danos ambientais que seu empreendimento causaria ao meio ambiente. Logo, não tem o caráter retributivo que é característico de taxa.
Segundo o Código Tributário Nacional (CTN), artigo 3º, tributo é "toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada". No caso da compensação ambiental esta não precisa ser necessariamente uma prestação pecuniária, pode ser feita por outros meios, que o empreendedor e o órgão ambiental acharem pertinentes.
Recentemente, em decisão proferida, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região reconheceu, através de liminar, a natureza tributária da compensação ambiental e conseqüentemente, estipulou o percentual de 0,5% como sua alíquota, já que sua fixação discricionária em percentuais superiores violaria o princípio da legalidade, em face do que dispõe o art. 97, inciso IV, do Código Tributário Nacional.
Todavia, fazemos coro com grande parte da doutrina que entende que a natureza jurídica da compensação ambiental é indenizatória, buscando a reparação do dano causado. Esta se enquadra no instituto da reparação civil, que consiste na obrigação de reparar danos advindos de comportamentos ou de atividades lesivas e se fundamenta no artigo 225, §2º e 3º da Constituição Federal de 1988 e artigo 14, §1º da Lei nº 6.938/91, Lei da Política Nacional do Meio Ambiente.
A Constituição Federal impôs ao explorador de recursos naturais a obrigação de recuperar o meio ambiente (art. 225 §2º) e a obrigação de reparar os danos causados ao meio ambiente a quem adotar condutas lesivas ao mesmo.
A Lei nº 6.938/81 impôs ao poluidor a obrigação de indenizar ou reparar danos causados por sua atividade. Conforme disposto no artigo 14 §1º "(...) é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, efetuados por suas atividade (...)".3
Esta última corrente, que atribui natureza indenizatória para a compensação ambiental, parece ser a mais acertada, haja vista que este instituto visa minimizar ou recompensar a coletividade dos danos ambientais causados pela implantação de grandes empreendimentos.
O entendimento adotado pelo IBAMA é também no sentido de considerar a compensação ambiental como de caráter indenizatório, pois caso entendesse que fosse um tributo, deveria adotar outra forma de arrecadação das compensações ambientais e cumprir as normas de direito público, pois os recursos passariam a fazer parte do orçamento do Estado, o que ensejaria, por exemplo, fazer constar na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual, bem como cumprir ao que determina a Lei nº 8.666/93.
Ao se realizar pesquisa no sítio do IBAMA, qual seja, http://www.ibama.gov.br/compensacao/index.php?id_menu=398, link PROCEDIMENTOS PARA ADESÃO AO FUNDO DE COMPENSAÇÃO AMBIENTAL - FCA, verificou-se que o IBAMA firmou Acordo de Cooperação com a Caixa Econômica Federal para criar o Fundo de Compensação Ambiental - FCA, que serve como uma alternativa ao empreendedor no cumprimento da obrigação da compensação ambiental. Transcreve-se abaixo parte desta pesquisa:
Qual o objetivo do FCA?
O Fundo de Investimentos CAIXA Compensações Ambientais FCA surgiu da parceria entre o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA e a Caixa Econômica Federal - CAIXA, com o objetivo de oferecer uma alternativa de implementação das ações decorrentes do artigo 36, da Lei 9.985/00, que estabelece aos empreendimentos licenciados que gerem danos não mitigáveis de significativo impacto ambiental, a obrigação de apoiar a implementação e a manutenção de unidades de conservação do Sistema Nacional de Unidades de Conservação SNUC.
Qual o objetivo do Acordo IBAMA-CAIXA?
O acordo entre o IBAMA e a CAIXA permitiu a criação de um modelo de gestão visando à aplicação, o monitoramento e a execução dos recursos de compensação ambiental. É composto por um Fundo de Investimentos exclusivo, pela Gerenciadora Pública, pelo Portal de Compras CAIXA e pelo GovCorporativo, além dos serviços de coordenação das aplicações, resgates, transferências, acompanhamento e controle dos recursos (Gerenciamento e Controle da Operação).
O FCA é obrigatório?
Não. O empreendedor poderá ou não aderir.
Quais as motivações e vantagens da criação do FCA?
Anteriormente a criação do FCA, o empreendedor só tinha a opção de executar diretamente as ações de compensação ambiental, utilizando equipes próprias ou o apoio de terceiros. Com a criação do FCA, foi estabelecida uma alternativa para o cumprimento da obrigação da compensação ambiental, a partir dos serviços oferecidos diretamente pela CAIXA ou por terceiros, a serem selecionados pelo IBAMA. Ao aderir ao FCA os empreendedores poderão aplicar os recursos de forma programada e terão acesso aos serviços oferecidos pela CAIXA para a implementação das ações de compensação ambiental. Com a execução das ações de compensação ambiental, por meio dos serviços do Acordo IBAMA/CAIXA, os empreendedores estarão garantindo que os recursos estarão gerando benefícios às UC's, de forma ágil e segura, e desonerando-se das atribuições decorrentes da condicionante da licença. Portanto, as principais vantagens da adesão ao FCA podem ser enumeradas como: a rentabilidade dos recursos; a previsibilidade na aplicação; o controle; a transparência; a segurança para o planejamento e a desoneração na execução das atividades. [...]
Como vimos, é facultativo ao empreendedor aderir ou não ao FCA, sendo que, caso não opte pela adesão, deverá executar diretamente as ações de compensação ambiental, arcando por si só com as equipes de trabalho. Assim, não há que se falar em licitação pública, haja vista que o empreendedor, por ser particular, aplicará diretamente, sob orientação e fiscalização do IBAMA, os recursos da compensação ambiental.
Na esfera estadual, a FATMA regulamentou o instituto da compensação ambiental por meio da Portaria 078/04, que estabelece os critérios de sua definição e aplicação.
Especificamente, no que tange à destinação dos recursos da compensação ambiental, que deverão ser aplicados em unidades de conservação, o art. 9º da Portaria 078/04 versa o seguinte:
Art. 9º - Os recursos específicos provenientes do empreendimento referentes à manutenção da unidade de conservação deverão ser depositados em conta específica para esta finalidade, a ser fiscalizada pela FATMA, por meio de prestação de contas.
Percebe-se que do mesmo modo que acontece no âmbito do IBAMA - podendo o empreendedor nesta esfera optar por aderir ao FCA - no âmbito estadual o empreendedor, sob fiscalização e orientação da FATMA, deverá executar diretamente as ações de compensação ambiental, porém, exige-se que os valores sejam depositados em conta específica para esta finalidade (art. 9º, da Portaria 078/04 FATMA).
Com isso, os recursos provenientes da compensação ambiental não ingressam nos cofres da autarquia, portanto, não há que se observar as normas de direito público, entre elas a de licitação pública (Lei nº 8.666/93).
Destarte, respondendo objetivamente ao Consulente, não é possível exigir o cumprimento da Lei nº 8.666/93 para a aplicação dos recursos oriundos das compensações ambientais em benefício do meio ambiente, haja vista que o empreendedor é um particular que deverá executar diretamente as ações com tais recursos, sob a orientação e fiscalização do órgão ambiental.
Cabe ainda ressaltar, que na aplicação dos recursos deverá ficar demonstrada a compatibilidade com os preços de mercado, que poderá se dar com a apresentação, por exemplo, de três orçamentos.
Sugere-se ao Exmo. Conselheiro Luiz Roberto Herbst que submeta voto ao Egrégio Plenário sobre consulta formulada pelo Exmo. Presidente da Fundação do Meio Ambiente - FATMA, Sr. Carlos Leomar Kreuz, nos termos deste parecer, que em síntese propõe:
1. Conhecer da consulta por preencher os requisitos de admissibilidade previstos no Regimento Interno.
2. Responder a consulta nos seguintes termos:
2.1. Não é possível exigir o cumprimento da Lei nº 8.666/93 para a aplicação dos recursos oriundos das compensações ambientais em benefício do meio ambiente, haja vista que o empreendedor é um particular que deverá executar diretamente as ações com tais recursos, sob a orientação e fiscalização do órgão ambiental.
2.2. Na aplicação dos recursos deverá ficar demonstrada a compatibilidade com os preços de mercado, que poderá se dar com a apresentação, por exemplo, de três orçamentos.
COG, em 20 de julho de 2007.
JULIANA FRITZEN
Auditora Fiscal de Controle Externo
De Acordo. Em ____/____/____
GUILHERME DA COSTA SPERRY
Coordenador de Consultas
DE ACORDO.
À consideração do Exmo. Sr. Conselheiro Luiz Roberto Herbst, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
COG, em de de 2007.
Consultor Geral 2
DOMINGUES, José Marcos. A Chamada "Compensação Financeira SNUC". Revista Dialética de Direito Tributário, nº 133, out. 2006, p. 65. 3
GONDINHO, op cit., p. 67/68.
IV. CONCLUSÃO
Em consonância com o acima exposto e considerando:
MARCELO BROGNOLI DA COSTA
1
GONDINHO, Maria Alice Tarcitano da Fonseca Doria. A compensação ambiental. Revista FÓRUM CESA, ano 2, nº 2, p. 65/68, jan. - mar. 2007, p. 65.