ESTADO DE SANTA CATARINA
    TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
    CONSULTORIA GERAL

Processo n°: REC - 04/03667909
Origem: Prefeitura Municipal de Grão Pará
Responsável: José Nei Alberton Ascari
Assunto: Recurso (Reexame - art. 80 da LC 202/2000) -APE-02/10809256
Parecer n° COG-471/07

Desvio de função. Concurso público.

A ocorrência do desvio de função implica em ofensa direta ao enunciado disposto no inciso II do art. 37 da CF/88, em que se exige aprovação prévia em concurso público como forma de acesso em cargo ou emprego público.

Senhor Consultor,

RELATÓRIO

Tratam os autos de Recurso de Reexame interposto pelo Sr. José Nei Alberton Ascari, conforme prescrito no art. 80, da LCE nº 202/00, em face do Acórdão nº 0571/04, proferida nos autos do Processo nº APE 02/10809256, a qual decidiu pela aplicação de multa, em razão da determinação de aproveitamento de três servidores em funções diversas daquelas para as quais foram nomeados, caracterizando desvio de função, em desacordo ao preceituado no art. 37, inciso II da CF/88.

O presente processo decorre de Auditoria In loco de Atos de Pessoal (Ofício nº 12.362/TCE/DMU/02 - fls. 02-04), em que se concluiu pela Citação do Responsável (art. 13 da LC (estadual) nº 202/00 e art. 34, §1º da Resolução TC-06/01 c/c a Decisão Normativa nº 01/02 (Relatório nº 587/TCE/DMU/03 - fls. 05-10) - o que foi determinado através do despacho de fls. 12-13 da ordem do Exmo. Sr. Conselheiro Relator.

Através do Ofício nº 7.110/TCE/DMU/03 - fls. 14, informou-se ao Sr. José Nei Alberton Ascari acerca do estabelecido, fixando em 30 (trinta) dias o prazo para apresentação das alegações defesa.

A resposta foi apresentada às fls. 15-22, em conjunto com os documentos de fls. 23-58.

O Relatório de nº 381/TCE/DMU04 (fls. 60-71), ao analisar a argumentação da defesa acabou por sugerir a aplicação de multa.

O Ministério Público Especial, fls. 73-74, acompanhou o posicionamento do Corpo Técnico. O Relator do feito - fls. 75-80, confirmou a penalidade no que tange a questão do desvio de função. E, através da Decisão nº 0571/04, na Sessão Ordinária de 28/04/04, o Tribunal Pleno confirmou o voto do Relator - fls. 81-82, cita-se:

O Ofício nº 5.228/TCE/SEG/04 (fls. 83) comunica ao Sr. José Nei Alberton Ascari acerca da decisão plenária.

Inconformado, o Responsável interpôs Recurso de Reexame nº REC 04/03667909, fls. 02-06.

É o Relatório.

II. DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE

No que se refere à legitimidade, o José Nei Alberton Ascari é parte legítima, nos termos do artigo 133, § 1º alínea "a" da Resolução TC-06/01, na situação de Responsável, para interpor recurso na modalidade de Reexame.

Quanto ao requisito da tempestividade o art. 80, da LCE nº 202/00, assim estabelece o prazo para interposição do Recurso de Reexame:

Ainda, necessário complementar com a regra disposta no art. 66, caput c/c §3º da Resolução TC-06/01:

Art. 66. Salvo disposição em contrário, os prazos previstos neste Regimento computar-se-ão excluindo o dia do começo e incluindo o do vencimento.

[...]

§3º Nos demais casos, salvo disposição expressa em contrário, os prazos somente começam a correr do primeiro dia útil após a publicação do acórdão ou da decisão no Diário Oficial do Estado.

O recurso em análise foi protocolizado na data de 13/07/04, enquanto a publicação da Decisão nº 0571 ocorreu no dia 17/06/04. Considera-se, assim, tempestiva a insurgência.

A singularidade também foi respeitada, em consonância com o art. 80 da LCE nº 202/00.

Em decorrência do acima exposto, sugere-se ao Exmo. Sr. Conselheiro Relator que conheça do Recurso de Reexame, na forma do art. 80, da LCE nº 202/00, por estarem preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade.

III. DAS RAZÕES RECURSAIS

Ademais, ao evitar a admissão de três novos condutores de veículos, o Poder Executivo Municipal, além de aplicar o princípio da economia, está agindo no sentido de evitar estrapolar o teto limite fixado para gastos com pessoal, mantendo-o em patamares prudentes e suportáveis.

[...]

Não há dúvidas de que o remanejamento dos três servidores em questão implicou em reaproveitamento de pessoal, resultando em evidente benefício financeiro para o Município, em estrita obediência ao princípio da economicidade.

DESVIO DE FUNÇÃO - ENQUADRAMENTO.

O fato de ocorrer o desvio de função não autoriza o enquadramento do servidor público em cargo diverso daquele em que foi inicialmente investido, mormente quando não estao compreendidos em uma mesma carreira. O deferimento do pedido formulado, passando o servidor de Motorista Diarista a Detetive de Terceira Classe sem o concurso público, vulnera o inciso II do artigo 37 da Constituição Federal de 1988. (grifo nosso) - RE 165128 / RJ - RIO DE JANEIRO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO Julgamento: 12/12/1996 Órgão Julgador: SEGUNDA TURMA, Publicação DJ 15-03-1996


Também:

Concurso público (CF, art. 37, II): não mais restrita a exigência constitucional à primeira investidura em cargo público, tornou-se inviável toda a forma de provimento derivado do servidor público em cargo diverso do que detém, com a única ressalva da promoção, que pressupõe cargo da mesma carreira: inadmissibilidade de enquadramento do servidor em cargo diverso daquele de que é titular, ainda quando fundado em desvio de função iniciado antes da Constituição. (grifo nosso) - RE 209174 / ES - ESPÍRITO SANTO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE Julgamento: 05/02/1998 Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação DJ 13-03-1998

E mais:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGO 25 DA LEI N. 11.672/01 DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. PROVIMENTO DE CARGOS DE SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS SEM A REALIZAÇÃO DE CONCURSO. LEI DE INICIATIVA PRIVATIVA DO GOVERNADOR DO ESTADO. EMENDA PARLAMENTAR. AFRONTA AOS ARTIGOS 61, § 1º, INCISO II, "C", E 37, CAPUT, INCISO II, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL.

1. Esta Corte entendeu que são de observância compulsória pelos Estados-membros as regras básicas do processo legislativo federal, por sua correlação direta com o princípio da independência dos poderes. Precedentes.

2. Projeto de lei apresentado pelo Governador de Estado, em matérias de sua competência privativa, não pode sofrer emenda parlamentar que importe em aumento de despesa, sob pena de o futuro texto normativo advindo da emenda incorrer em inconstitucionalidade formal.

3. Consubstancia violação direta ao artigo 37, caput e inciso II, da Constituição do Brasil o provimento de cargos de servidores sem concurso público prévio. 4. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente. (grifo nosso) - ADI 2804 / RS - RIO GRANDE DO SUL AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Relator(a): Min. EROS GRAU Julgamento: 02/03/2005 Órgão Julgador: Tribunal Pleno, Publicação DJ 08-04-2005

Por fim:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PROVIMENTO DE CARGOS PÚBLICOS. ARTIGOS 8º, II, 49 E SEU PAR. ÚNICO E 63, III DA LEI COMPLEMENTAR Nº 46/94 DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. ART. 37, II DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.

Observa-se que os arts. 46 e 60, III hostilizados, correspondentes aos atuais arts. 49 e 63, III da LC nº 46/94 do Estado do Espírito Santo, possuem uma intrínseca relação com o art. 8º, II desta Lei, pois, enquanto este institui a ascensão como uma das formas de provimento de cargos públicos, aqueles delineiam os contornos do instituto em questão. A permanência destes preceitos renumerados na Legislação em análise tornaria inócua a declaração de inconstitucionalidade isolada do art. 8º, II. Ocorrência de aditamento do pedido inicial. Os dispositivos impugnados, ao estabelecerem a ascensão como uma das formas de provimento de cargo público, contrariaram a pacífica jurisprudência deste Supremo Tribunal quanto à inafastabilidade da exigência de aprovação em concurso público para o provimento de cargos públicos, ressalvada a investidura nos cargos em comissão de livre nomeação e exoneração. Precedente: ADI nº 837, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 25.06.99. Ação direta que se julga procedente para declarar a inconstitucionalidade dos arts. 8º, II, 49 e seu par. único e 63, III da LC nº 46/94, do Estado do Espírito Santo. (grifo nosso) - ADI 1345 / ES - ESPÍRITO SANTO AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE Relator(a): Min. ELLEN GRACIE Julgamento: 20/03/2003 Órgão Julgador: Tribunal Pleno Publicação DJ 25-04-2003

Vejamos teor do dispositivo dado como atingido:

Art. 37. Omissis.

[...]

II - a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas a nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;

Ainda, salienta-se excerto do Parecer COG-68/00, de autoria do Auditor Fiscal de Controle Externo Evaldo Ramos Moritz, na CON-94954/01-97:

EMENTA. Administração Municipal. Servidor ocupante do Cargo de Servente. Execução das funções de Operador de máquinas.

Ao detentor de cargo público efetivo é delineado, por lei, atribuições específicas cujo desempenho não se deve atribuir a outro servidor ocupante de cargo diverso.

O exercício de atividades ou serviços estranhos à competência de um cargo caracteriza desvio de função.

Do corpo do Parecer se extrai:

Destarte, a execução da contabilidade pela Câmara Municipal de Quilombo deve ser feita pelo servidor ocupante do cargo de Contador e não por outro, detentor de cargo diverso, mediante a paga de gratificação. Nesse desiderato, a Câmara deverá prover o cargo de Contador, através de mera nomeação do seu ocupante, se for de provimento em comissão, ou realizando concurso público se de provimento efetivo."

Portanto, a dúvida manifestada pelo Consulente deve ser respondida pela negativa. O candidato aprovado em concurso público para provimento do cargo de servente só está legalmente credenciado ao desempenho das funções a ele inerentes e para a qual se qualificou.

A dificuldade de admitir servidores para operar máquinas, função cuja investidura também depende de aprovação em concurso público, não autoriza a Administração a preencher as vagas eventualmente disponíveis em outra carreira, utilizando, para esse fim, servidor ocupante do cargo efetivo de servente.

Necessário se faz a realização de novo certame público para o fim pretendido, pela elementar razão de que o acesso a vagas eventualmente disponíveis em determinada carreira deve, por certo, observar, em primeiro lugar, a existência de possíveis candidatos aprovados, remanescentes de concurso anterior para aquela carreira, cujo prazo de validade ainda não tenha se expirado. E, em segundo lugar, a realização de novo concurso, conforme já salientado.

Dessa forma, o dito "remanejamento" (fls. 19 dos autos originais) dos servidores implicou em ofensa direta ao inciso II do art. 37 da CF/88.

IV. CONCLUSÃO

Ante o exposto, sugere-se ao Exmo. Relator dos autos que em seu voto proponha ao Egrégio Plenário o que segue:

  MARCELO BROGNOLI DA COSTA

Consultor Geral