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TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO
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Processo n°: |
REC-05/03932868 |
Origem: |
Prefeitura Municipal de Tunápolis |
RESPONSÁVEL: |
Arno Muller |
Assunto: |
(Reexame - art. 80 da LC 202/2000) - ALC-04/03819350 |
Parecer n° |
COG-644/2007 |
Recurso de Reexame. Multa. Conhecer e negar provimento.
Ilegitimidade passiva .
A alegação de ilegitimidade passiva em virtude de delegação de competência depende de prova documental para ser acolhida. O ato de delegação tem forma escrita, na qual ficará consignado em que limites os atos e/ou medidas serão repassados e por quanto tempo perdurará o seu exercício. Além disso deverá ser publicado no diário oficial, a fim de que todos saibam por quem será exercida a prerrogativa.
Competências do Tribunal de Contas do Estado. Art. 59 da Constituição Estadual. STF, RE 190985/SC.
As competências do Tribunal de Contas do Estado estão plenamente definidas nos incisos do art. 59 da Constituição Estadual e, dentre elas, encontra-se a possibilidade de realizar auditorias em licitações, contratos e atos jurídicos análogos, e de sancionar o responsável por irregularidades praticadas.
Ato praticado com grave infração à norma legal ou regulamentar. Aplicabilidade imediata do artigo 70, II, da LC-202/00. STF, RE 190985/SC.
O artigo 70, II, da LC-202/00 tem aplicação imediata. A "grave infração" possui um conceito jurídico indeterminado de natureza discricionária que atribui ao seu intérprete e aplicador uma livre discrição, dentro dos parâmetros da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade, valendo a sua valoração subjetiva para o seu preenchimento.
Administrativo. Licitação. Registro cadastral. Art. 34, § 1º da Lei n. 8.666/93.
O registro cadastral deverá ser amplamente divulgado e deverá estar permanentemente aberto aos interessados, obrigando-se a unidade por ele responsável a proceder, no mínimo anualmente, através da imprensa oficial e de jornal diário, a chamamento público para a atualização dos registros existentes e para o ingresso de novos interessados.
Administrativo. Licitação. Organização dos registros cadastrais. Art. 36 da Lei n. 8.666/93.
Os inscritos serão classificados por categorias, tendo-se em vista sua especialização, subdivididas em grupos, segundo a qualificação técnica e econômica avaliada pelos elementos constantes da documentação relacionada nos arts. 30 e 31 desta Lei. Aos inscritos será fornecido certificado, renovável sempre que atualizarem o registro. A atuação do licitante no cumprimento de obrigações assumidas será anotada no respectivo registro cadastral.
Administrativo. Licitação. Abertura de propostas. Prazo mínimo. Arts. 21, III e 110 da Lei n. 8.666/93.
Os avisos contendo os resumos dos editais das concorrências, das tomadas de preços, dos concursos e dos leilões, embora realizados no local da repartição interessada, deverão ser publicados com antecedência.
Administrativo. Licitação. Formalidades. Procedimento vinculado. Art. 38 da Lei n. 8.666/93.
O procedimento da licitação será iniciado com a abertura de processo administrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado, contendo a autorização respectiva, a indicação sucinta de seu objeto e do recurso próprio para a despesa.
Senhor Consultor,
1. RELATÓRIO
Tratam os autos de Recurso de Reexame n. REC-05/03932868, interposto pelo Sr. Arno Muller, ex-Prefeito da Prefeitura Municipal de Tunápolis, em face do Acórdão n. 0358/2005 (fls. 132/133), exarado no Processo ALC-04/03819350.
O citado processo ALC-04/03819350 é relativo à auditoria in loco de licitações, contratos, convênios e atos jurídicos análogos, referente ao exercício de 2003, na Prefeitura Municipal de Tunápolis, empreendida por esta Corte de Contas, através de sua Diretoria de Controle dos Municípios - DMU.
A DMU, após auditoria ordinária in loco e análise dos documentos e atos jurídicos, expediu o Relatório Preliminar n. 1386/2004 (fls. 85/94), constatando a necessidade de proceder à audiência do Sr. Arno Muller.
O responsável, atendendo a citação do E. Tribunal de Contas (fls. 97), encaminhou justificativas e documentos, que foram juntados às fls. 98/106.
Em seguida, os autos foram encaminhados à Diretoria de Controle dos Municípios - DMU, que elaborou o Relatório Conclusivo n. 039/2005 (fls. 107/124), sugerindo ao Tribunal Pleno, quando do julgamento do processo, aplicação de multa ao responsável.
Nesse diapasão, os autos foram encaminhados ao Ministério Público junto ao TC, que em seu Parecer MPTC n. 264/2005 (fls. 126/127), acolheu as conclusões esboçadas pelo Corpo Instrutivo.
Após os trâmites legais, os autos foram encaminhados ao Relator Auditor Sr. Clóvis Mattos Balsini, que se manifestou (fls. 128/131) no sentido de acolher as conclusões esboçadas pela Diretoria de Controle dos Municípios - DMU no Relatório Conclusivo n. 032/2004.
Na Sessão Ordinária de 28/03/2005, o Processo n. ALC-04/03819350 foi levado à apreciação do Tribunal Pleno, sendo prolatado o Acórdão n. 0358/2005 (fls. 132/133), que acolheu na íntegra o voto do Relator, senão vejamos:
"ACORDAM os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, reunidos em Sessão Plenária, diante das razões apresentadas pelo Relator e com fulcro no art. 59 c/c o art. 113 da Constituição do Estado e no art. 1° da Lei Complementar n. 202/2000, em:
6.1. Conhecer do Relatório de Auditoria realizada na Prefeitura Municipal de Tunápolis, com abrangência sobre licitações, contratos, convênios e atos jurídicos análogos, referente ao exercício de 2003, para considerar irregulares, com fundamento no art. 36, §2º, alínea "a", da Lei Complementar n. 202/2000, os atos citados nos itens 6.2.1 a 6.2.5 desta deliberação.
6.2. Aplicar ao Sr. Arno Müller - ex-Prefeito Municipal de Tunápolis, CPF n. 469.154.519-00, com fundamento no art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/2000 c/c o art. 109, II, do Regimento Interno, as multas abaixo relacionadas, fixando-lhe o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da publicação deste Acórdão no Diário Oficial do Estado, para comprovar ao Tribunal o recolhimento ao Tesouro do Estado das multas cominadas, ou interpor recurso na forma da lei, sem o que, fica desde logo autorizado o encaminhamento da dívida para cobrança judicial, observado o disposto nos artigos 43, II, e 71 da Lei Complementar n. 202/2000:
6.2.1. R$ 500,00 (quinhentos reais), em face da não-divulgação para o chamamento público de atualização dos registros cadastrais e ingresso de novos interessados c/c a manutenção da referida documentação desatualizada, em desacordo com o disposto na Lei Federal n. 8.666/93, art. 34, § 1° (item IV-1.1 do Relatório DMU);
6.2.2. R$ 500,00 (quinhentos reais), em face da desorganização dos registros cadastrais das empresas participantes dos processos licitatórios do Município de Tunápolis, em descumprimento aos preceitos legais contidos no art. 36 da Lei Federal n. 8.666/93 (item IV-1.2 do Relatório DMU);
6.2.3. R$ 500,00 (quinhentos reais), em face da inobservância ao prazo mínimo de cinco dia úteis para abertura das propostas dos processos licitatórios ns. 35 e 36/2003, em desacordo com o art. 21, IV, c/c o art. 110 da Lei Federal n. 8.666/93 (item IV-1.3 do Relatório DMU);
6.2.4. R$ 500,00 (quinhentos reais), em face da ausência do número mínimo de membros da Comissão de licitação para a condução dos trabalhos referentes aos processos licitatórios ns. 35, 36, e 39/2003 , em desacordo com o disposto no art. 2° da Portaria Municipal n. 1.271/2003, (item IV-1.4 do Relatório DMU);
6.2.5 R$ 500,00 (quinhentos reais), em face da não-numeração de páginas nos processos licitatórios ns. 01 a 03, 06, 07, 13, 14, 17, 19, 20, 27, 35, 36, 40, 47, 49 e 50/2003, em desacordo com os arts. 38, caput, da Lei Federal n. 8.666/93 e 66, caput, da Resolução n. TC-16/94 (item IV-1.5 do Relatório DMU).
6.3. Dar ciência deste Acórdão, do Relatório e Voto do Relator que o fundamentam, bem como do Relatório de Reinstrução DMU n. 39/2005, à Prefeitura Municipal de Tunápolis e ao Sr. Arno Müller - ex-Prefeito daquele Município".
Visando à modificação do Acórdão supra transcrito, o Sr. Arno Muller interpôs o presente Recurso de Reexame.
É o relatório.
Considerando que o Processo n. ALC-04/03819350, é relativo a auditoria in loco de licitações, contratos, convênios e atos jurídicos análogos, referente ao exercício de 2003, na Prefeitura Municipal de Tunápolis, tem-se que o Sr. Arno Muller utilizou da espécie recursal adequada, em consonância com o art. 80 da Lei Complementar n. 202/2000.
Procedendo-se ao exame do recurso verifica-se que os pressupostos legais e regimentais quanto à legitimidade foram atendidos, uma vez que o mesmo foi interposto pelo responsável das irregularidades apontadas no Acórdão n. 0358/2005 (fls. 132/133).
Em relação à tempestividade, observa-se que o recorrente interpôs o recurso dentro do prazo legal, tendo em vista que o Acórdão recorrido foi publicado no Diário Oficial do Estado n. 17.642, de 20/05/2005, e o recurso foi protocolado em 20/06/2005.
Assim, como o recorrente observou o prazo para interposição do recurso, sugere-se ao ilustre Relator, conhecer o presente REC-05/03932868, por se revestir dos pressupostos de admissibilidade inscritos no art. 80 da Lei Complementar n. 202/2000.
2.2.1 - 1) incompetência do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina para decidir sobre a matéria; 2) ilegitimidade passiva; e 3) não aplicabilidade imediata do art. 70, II da Lei Complementar n. 202/00.
No que tange as preliminares de 1) incompetência do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina para decidir sobre a matéria; 2) ilegitimidade passiva em virtude de delegação; e 3) não aplicabilidade imediata do art. 70, II da Lei Complementar n. 202/00, utilizaremos o estudo realizado no Parecer COG-422/06, exarado nos autos do Processo nº REC-02/10983442, que foi julgado pelo Tribunal Pleno (Acórdão n. 2358/2006), na sessão ordinária do dia 06/11/2006, in verbis:
"O Recorrente alega, preliminarmente, que este Tribunal de Contas não possui competência para decidir sobre a matéria constante dos autos principais (auditoria de licitações, contratos e atos análogos) e nem para aplicar as sanções a ela relativas.
Não pode prosperar tal afirmação. O Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina possui competência para fiscalizar todo e qualquer ato que envolva o uso do dinheiro público, tanto estadual quanto municipal, assim como aplicar sanções aos responsáveis por irregularidades constatadas nas referidas fiscalizações, tudo conforme determinam os artigos 59 da CE e 1º da LC 202/00, citados pelo próprio Recorrente, a saber:
Art. 59 da CE - O controle externo, a cargo da Assembléia Legislativa, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas do Estado, ao qual compete:
IV - realizar, por iniciativa própria, da Assembléia Legislativa, de comissão técnica ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentaria, operacional e patrimonial, nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e demais entidades referidas no inciso II;
VI - fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pelo Estado a Municípios, mediante convênio, acordo, ajuste ou qualquer outro instrumento congênere, e das subvenções a qualquer entidade de direito privado;
VIII - aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas em lei, que estabelecera, entre outras cominações, multa proporcional ao dano causado ao erário;
X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão a Assembléia Legislativa;
§ 3º - As decisões do Tribunal de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo.
Art. 1º da LC 202/00 - Ao Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, órgão de controle externo, compete, nos termos da Constituição do Estado e na forma estabelecida nesta Lei:
V proceder, por iniciativa própria ou por solicitação da Assembléia Legislativa, de comissões técnicas ou de inquérito, inspeções e auditorias de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial nas unidades administrativas dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário e nas demais entidades referidas no inciso III;
X fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados pelo Estado ou Município a pessoas jurídicas de direito público ou privado, mediante convênio, acordo, ajuste ou qualquer outro instrumento congênere, bem como a aplicação das subvenções por eles concedidas a qualquer entidade de direito privado;
XI aplicar aos responsáveis, em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, as sanções previstas nesta Lei;
XIII sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, comunicando a decisão à Assembléia Legislativa, exceto no caso de contrato, cuja sustação será adotada diretamente pela própria Assembléia;
§ 2o - No julgamento de contas e na fiscalização que lhe compete, o Tribunal decidirá sobre a legalidade, a legitimidade, a eficiência e a economicidade dos atos de gestão e das despesas deles decorrentes, bem como sobre a aplicação de subvenções e a renúncia de receitas.
Perfeitamente descrita, portanto, a competência deste Tribunal para a fiscalização da matéria constante dos autos principais, não merecendo o assunto maiores considerações.
Ainda em preliminar, afirma o Recorrente que a DCE, ao escolhê-lo como o responsável pelos atos tidos como irregularidades, não atentou para a distribuição de competências constante do Regimento Interno do DER/SC. Alega, por fim, que "... o fato do Diretor Geral ser a pessoa competente para cometer o "ato final", por dever de ofício, não implica que ele, por isto e a priori, assume responsabilidade por todos os "atos intermediários" praticados pelos diversos órgãos e agentes administrativos encarregados de instruir e trazer à autoridade maior o ato pronto e acabado para a sua assinatura."
Entretanto, as afirmações supra necessitam de prova. É importante, então, tecermos alguns comentários acerca do instituto da delegação e, para tanto, utilizaremo-nos do estudo realizado no Parecer COG-361/05 (exarado nos autos do Processo nº REC-03/03200626), abaixo transcrito:
"(...) A delegação é o instituto por meio do qual o titular de uma competência legal ou constitucionalmente atribuída - delegante - transfere a outrem - delegado - o seu exercício. Tal deslocação, na lição de Regis Fernandes de Oliveira, pode-se dar de duas formas:
a) por previsão legal - caso em que estar-se-á diante de uma transferência, em caráter permanente, da competência para a prática reiterada de atos, dotada de generalidade e abstração.
b) por ato individual ou concreto - em que a delegação alcança apenas uma ação, esgotando-se na simples deliberação dirigida a alguém.
Há que se identificar, também, a delegação com ou sem reserva de poderes, a depender se o delegante, concorrentemente com o delegado, pode ou não praticar o ato/medida objeto da delegação.
É importante frisar que a delegação somente pode ocorrer caso haja permissivo legal ou constitucional, ou seja, há necessidade de autorização normativa, pois existem determinadas atribuições cujo exercício não pode ser repassado; são prerrogativas privativas/inerentes ao órgão ou agente consideradas indelegáveis.
Regra geral, a delegação ocorre de escalões superiores para inferiores da estrutura da Administração Pública, almejando conferir maior agilidade e rapidez na tomada de decisões, assim como liberar a autoridade ou órgão superior da execução de tarefas rotineiras e repetitivas. Mas isso não exclui sua existência entre órgãos/agentes distintos ou pessoas estranhas à Administração. Oportuna é a lição de Odete Medauar sobre este aspecto:
"[...] O termo delegação nem sempre é utilizado, no ordenamento pátrio, com o sentido acima exposto, em que a transferência de atribuições ocorre de superior hierárquico para escalões inferiores, na mesma estrutura. Menciona-se o termo para a transferência de competências a entidades da Administração Indireta, efetuada mediante a lei que as instituiu. Também para a transferência da execução de serviços públicos objeto de concessão, permissão e autorização. E, ainda, quando se criam ordens profissionais (OAB, CREA, CRM etc.) e se atribuem a estas as atividades relativas à fiscalização do exercício profissional em suas respectivas áreas. O Dec-lei 200/67 refere-se a execução de programas federais delegada, mediante convênio, a órgãos estaduais e municipais (art. 10, §5º)."1
O ato de delegação tem forma escrita, na qual ficará consignado em que limites os atos e/ou medidas serão repassados e por quanto tempo perdurará o seu exercício. Além disso deverá ser publicado no diário oficial, a fim de que todos saibam por quem será exercida a prerrogativa, que por elas ficará responsável. Quanto a este aspecto, é importante frisar que a regra é excluir de responsabilidades o delegante, posto que não será ele, pessoalmente, quem irá dar efetividade aos atos. Excepcionalmente, quando ficar caracterizada a sua participação ou tendo conhecimento de ilegalidades provenientes da delegação, não adotar providências no sentido de sanar as incongruências ou representar contra o delegante, é que se cogitará de sua culpabilidade.
Cumpre destacar, novamente, lições de Regis Fernandes de Oliveira acerca da responsabilidade das duas figuras centrais do instituto, delegante X delegado:
"A responsabilidade implica na imputação jurídica a quem deva suportar a conseqüência de uma ação antijurídica. Imputável é quem pratica o ato. Responsável, quem pode suportar suas conseqüências.
Como ensina Caio Tácito, 'a responsabilidade administrativa, civil ou penal pelos atos praticados em regime de delegação de competência, pertence ao autor, ou seja, à autoridade delegada. O delegante somente dela participará se, por qualquer forma, concorrer diretamente, para a realização ou a confirmação do ato".
No mesmo sentido é a posição de Gordilho, ao afirmar que 'o delegado é inteiramente responsável pelo modo com que exerce a faculdade delegada' (tradução nossa).
É este, também, o entendimento de Clenício da Silva Duarte. Odete Medauar afirma que, transferida a competência para a prática do ato, nenhuma reserva cabe mais à autoridade delegante, ficando o delegado responsável pelo exercício ou prática das atividades delegadas, pois seria absurdo que o delegante transferisse atribuições e continuasse responsável por atos que não praticou.
A matéria foi excelentemente analisada em acórdão do Supremo Tribunal Federal, no qual se decidiu que 'é da responsabilidade do Ministro de Estado o ato por ele praticado por delegação do Presidente da República, na forma da lei'. Como razões de decidir, o Ministro Themístocles Cavalcanti afirmou que, 'transferida a competência, nenhuma reserva é feita à autoridade delegante, ficando o delegado responsável pela solução administrativa, e aplicação da lei'.
Em seguida, afirma o Ministro que 'na delegação de funções é diferente, porque os fundamentos do ato, as razões de decidir pertencem à autoridade delegada'.
A irresponsabilidade do delegante decorre do fato de que, ao delegar, nos estritos termos do previsto na lei permissiva, por pressuposto fê-lo em agente ou órgão que estava credenciado pela própria lei. A fidúcia é pressuposta. O agente titular de um cargo ou função pública está devidamente qualificado para o exercício das funções próprias e as que lhe forem delegadas. No caso do Presidente da República, maior razão a se afirmar sua irresponsabilidade. É que o parágrafo único do art. 84, de forma expressa, indicou a quais autoridades se pode delegar. Ainda que o Presidente tenha confiança em outro ocupante de cargo público, não poderia a ele delegar, se não figura no rol dos taxativamente indicados. Ora, se não há relação de confiança, provindo da lei o número das autoridades aquém se pode delegar, nenhum sentido tem que, ainda assim, fique responsável por atos de terceiros. Diga-se o mesmo, das demais autoridades. Imaginemos o ordenador de despesa a quem se delegou a prática de algum ato. Se ultrapassou os limites das atribuições transferidas, responde, pessoalmente, pelo excesso que cometeu ou pelo dolo ou culpa com que praticou o ato.
Caberia, agora, indagar se é possível a aplicação de responsabilidade solidária do delegante por culpa in elegendo ou in vigilando.
Augustin Gordillo admite-a.
Não se pode concordar com a posição do ilustre jurista argentino. Todos os agentes públicos, em princípio, estão aptos a exercer as funções a ele cometidas. Inclusive, a própria Administração Pública, por força da desconcentração, fixa as competências próprias de cada órgão. Nela investe, segundo se supõe, os agentes mais aptos. Se existe a previsão legal da possibilidade da delegação e é ela transferida a um órgão que é ocupado por determinado agente irresponsável, a este será imputado eventual excesso ou responsabilidade e pelo descumprimento, alteração ou indevido cumprimento da matéria delegada. É que, na medida em que a Constituição estabeleceu as autoridades a quem se pode delegar, pressuposto é que estejam aptas ao exercício de atribuições transferidas. Quem ocupa alto posto da República é responsável pelos atos que pratica, delegados ou não.
Caso o delegante não tenha a competência ou tendo-a, não está por lei, autorizado a delegá-la, e ainda assim o faz, evidente que o cometeu ele uma infração administrativa e por ela responde. Evetualmente poder-se-á admitir a responsabilidade solidária, caso o delegado tenha ciência do comportamento da autoridade e não represente contra ela, praticando os atos que sabe indevidos, por lhe falecer competência, em face da incompetência do delegante
O comportamento é contrário ao direito e pode ensejar aplicação de sanção."
A Consultoria Geral deste Tribunal de Contas, no Processo nº CON-04/00311879, da Companhia Catarinense de Águas e Saneamento, por meio do Parecer nº COG-052/04, também entendeu aplicável a culpa in elegendo para caracterização da responsabilidade do delegante perante o Tribunal de Contas:
"EMENTA. Consulta. Constitucional. Administrativo. Ordenador Primário. Delegação de Responsabilidades. Responsabilidade Solidária.
Na fixação de responsabilidade de quem seja ordenador de despesa nas diversas entidades do Poder Público Estadual e Municipal, deverá esta Corte, diante do ato de delegação de competência, proceder ao exame minucioso do referido ato, conforme disposições da Lei Complementar nº 202/00 (Lei Orgânica do Tribunal de Contas).
Do mencionado exame deverá constar a apreciação preliminar da competência para delegar, a qual se restringe, no âmbito da administração indireta estadual, pelas leis que autorizaram sua constituição e pelos respectivos estatutos ou contratos sociais, nos termos do inciso III, do §3º do art. 58 da Lei Complementar nº 243, de 30 de janeiro de 2003, que estabeleceu a nova estrutura administrativa do Estado de Santa Catarina.
A função administrativa é, por si, matéria de natureza delegável pelo que, em princípio, não se vislumbra impossibilidade jurídica a que o ordenador de despesa originário delegue atribuições inerentes à administração financeira, contábil, operacional e patrimonial da entidade pela qual responda ou órgão a ela subordinado.
No que concerne à responsabilidade administrativa, o ordenador de despesa original, assim definido em lei, responde pelos atos e fatos praticados na sua gestão.
Em caso de existência de ato de delegação regular, serão partes nos processos de prestação e de tomada de contas, de auditoria e outros de competência desta Corte, somente os ordenadores de despesa delegados.
Serão solidariamente responsáveis, e com isso também partes jurisdicionadas nos mesmos expedientes, os agentes delegantes, nos casos de delegação com reserva de poderes ou de comprovada participação na realização de atos dos quais provenham conseqüências antijurídicas ou mesmo em razão de culpa pela má escolha da autoridade delegada."
O Tribunal de Contas da União, no Processo n. TC-005.147/95-6, assim posicionou-se:
"Auditoria. IBAMA. Licitação. Contrato. Pedido de reexame de decisão que aplicou multa aos responsáveis em decorrência da prática de atos de gestão antieconômicos, consistentes no superdimensionamento da capacidade contratada de equipamentos reprográficos. Comprovação de inexistência de responsabilidade por parte de alguns dos responsáveis. Não comprovação pelos demais. Conhecimento. Provimento. Juntada às contas.
4.3.2.4.5. A respeito da distribuição da responsabilidade entre delegante e delegado, cabe ter presente excertos do Voto do Exmo. Ministro aposentado do STF - Dr. Themístocles Cavalcante Relator do Mandado de Segurança nº 18.555-DF, do qual resultou a Súmula nº 510 daquele Tribunal (2) ("In: Referências da Súmula do STF; Noronha, Jardel e Martins, Odaléia; Vol. 27, pp. 166/171), a seguir transcritos:
No exercício da função da delegada, quem exerce o faz em nome próprio ou em nome da autoridade que delega.
No ato da delegação, o poder delegante transfere também para o seu delegado a jurisdição própria para conhecer do seu ato ou a conserva.
Em outras palavras: o ato é de quem pratica ou continua vinculado à autoridade que delega.
Transferida a competência, nenhuma reserva é feita à autoridade delegante, ficando o delegado responsável pela solução administrativa e aplicação da lei.
Nem teria sentido transferir a função e reserva-se a responsabilidade pelo ato.
Na delegação de funções [...]os fundamentos do ato, as razões de decidir pertencem à autoridade delegada.
4.3.2.6. Na linha do acima mencionado Voto, tem-se as seguintes posições doutrinárias:
A delegação de competência para a prática de atos administrativos de qualquer natureza exclui, da autoridade delegante, a autoria da prática de tais atos. ("In: Delegação de Competência; Ferreira, Firmino; Revista de Direito Administrativo nº 91, pp. 420/423; parecer do SubProcurador-Geral da República emitido no Mandado de Segurança nº 54.504 impetrado ao Tribunal Federal).
Na relação entre um e outro, o ato do delegado é da responsabilidade pessoal deste, e não do delegante, salvo na delegação de assinatura, como adiante se verá ("In: Da Delegação Administrativa; Podné, Lafayette; revista de Direito Administrativo nº 140, pp. 1/15 - grifo no original)
4.3.2.7. Finalmente, faz-se referência ao Parecer do Ilustre ex-Procurador Geral desta Casa - Dr. Franscisco de Salles Mourão Branco exarado no TC nº 015.989/87-9 (consulta sobre procedimentos adotados ante delegação de competência) cujo segmento abaixo reproduz-se ("in verbis"):
15. Por oportuno ressaltar o princípio consagrado na Sessão de 15.12.81 (cf. TC 20.511/79, Anexo VI da Ata nº 95/81), pelo qual não padece dúvida de que por força da delegação e seu ato formal, o ordenador de despesa, no exercício é a autoridade delegada, responsável perante este Tribunal, nos termos do art. 80 do Decreto-lei nº 200/67. É este agente quem se sujeita à tomada de contas, consoante o que estatui a mesma Lei da Reforma Administrativa, em seu art. 81. Uma vez inscrito, pelos órgãos de contabilidade, como responsável, porque ordenador das despesas feitas, só poderá ser exonerado de sua responsabilidade após julgadas regulares por suas contas pelo Tribunal de Contas, nos precisos termos do citado art. 80 e do art. 34, inciso I, do Decreto-lei nº 199/67. Daí decorre que o delegante somente será responsabilizado quando houver avocado o caso, na forma permitida desde o Decreto nº 86.377, editado ulteriormente ao entendimento firmado neste Tribunal sobre o assunto (cf. v. decisão de 03. 07/80), ou, como salientado na assentada de 15.12.81, quando ocorrer responsabilidade solidária com o delegado na hipótese, ali acentada, de parcela cuja concessão não podia ignorar.
4.3.2.8.1. Assim, o que se tem de avaliar é quais atos dos subordinados devem obrigatoriamente ser supervisionados e controlados pelo superior hierárquico, visto que se tal supervisão fosse irrestrita, a delegação de competência perderia, por completo, seu sentido. Essa avaliação somente pode ser realizada caso a caso, levando-se em conta aspectos de materialidade, amplitude e diversidade das funções do órgão, grau de proximidade do ato com suas atividades-fim, dentre outros inerentes à especificidade de cada caso.
4.3.2.9. Quanto à questão em tela, crê-se que a obrigação quanto à estimativa do consumo de cópias, à análise financeira do contrato de locação de máquinas reprográficas e ao acompanhamento de sua execução deve ficar restrita aos cargos diretamente relacionados com a aludida contratação, principalmente devido ao cunho eminentemente administrativo dos atos questionados.
4.3.2.9.1. Certamente, se fosse exigido que a supervisão do Presidente do IBAMA abrangesse tais atos ( e outros análogos), sua gestão seria dispersa, afetando a eficácia da Entidade quanto às suas finalidades regimentais, esta, sem dúvida, responsabilidade de seu Dirigente máximo."
Distinções também devem ser feitas entre a delegação e outras figuras próximas, costumeiramente utilizadas pela Administração e objetos de confusão por parte dos aplicadores da lei:
Delegação e convênio - O convênio implica concordância de duas pessoas jurídicas do mesmo ou de âmbito público diverso, ou meramente administrativas para execução de lei, serviço ou decisão. A delegação não se reduz a atos de mera execução, tal como ocorre no convênio.
Delegação e traslação de funções - Ocorre a traslação de funções quando é criada uma representação do órgão em outra unidade federativa ou, em se tratando de Estado-membro, a instituição de órgão em algum Município que desempenhe parte das funções afetas ao órgão central. Por exemplo, o Tribunal de Contas da União cria uma representação nas unidades federadas ou o Tribunal de Contas do Estado designa servidores para, de forma permanente, exercerem algumas das atribuições que lhe são próprias. Era o que estabelecia o §2º do art. 72 da Constituição de 1967, com a redação da Emenda Constitucional n. 1/69. Difere da delegação, uma vez que esta importa transferência de competência, enquanto a traslação é mera representação orgânica de órgão central.
Delegação e substituição (suplência) - Na substituição, o substituto exerce as mesmas funções do substituído. Há mudança apenas do agente encarregado de exercer a competência afeta ao cargo. O substituto investe-se na soma de poderes que compete ao substituído. Na delegação, não há outro agente no exercício pleno da competência fixada ao delegante. Apenas uma parcela específica de atribuição é transferida. A competência do delegado fica acrescida; a do substituto é a mesma do substituído.
Delegação e mandato (representação) - Também não se pode confundir o mandato com a delegação. No mandato, o representante age em nome do representado. Na delegação, o delegado agem em razão do cargo ou função que ocupa, em seu próprio nome. Os atos dos representados são imputados ao representante. Na delegação, os atos do delegado a ele são imputados.
Delegação e prorrogação de competência - verifica-se a prorrogação de competência quando o titular do cargo deixou de o ser, mas, por determinação superior, nele continua até a assunção do novo titular. É a mesma competência, exercida pelo mesmo agente, que não mais é titular do cargo, mas que a desempenha para que não fique interrompida a atuação do órgão. Normalmente, opera-se a prorrogação por designação do superior hierárquico.
Delegação e deferimento de competência - "o deferimento de competência consiste no ato jurídico pelo qual o inferior hierárquico submete ao superior a resolução de assunto da sua competência, que legalmente lhe fora atribuída, para que lhe dê orientação a respeito, tendo em vista dúvidas suscitadas em seu espírito". Não há confusão possível. Diante de hipótese concreta, o inferior, à vista de situação inusitada, ao invés de decidir, prefere submeter ao superior a resolução sobre a matéria, em face de eventual dúvida ou da necessidade de que se fixe orientação a propósito.
Delegação e Imputação de funções - Na relação hierárquica, incumbe ao superior atribuir o exercício de funções a seus subordinados. Não se cuida de delegação, mas de mera distribuição interna de exercício de atividades.
O Tribunal de Contas da União, nos autos do Processo nº 010.770/2000-7, por meio do Acórdão nº 364/2003, assim se manifestou:
[...] Segundo o saudoso mestre Hely Lopes Meirelles ('Curso de Direito Administrativo Brasileiro', 18ª ed., editora Malheiros, p. 279) 'com a homologação a autoridade homologante passa a responder por todos os efeitos e conseqüências da adjudicação, isto porque a decisão inferior é superada pela superior, elevando-se, assim, a instância administrativa.'
Outrossim, a homologação é modalidade de ato administrativo que decorre do poder hierárquico da autoridade superior em relação à autoridade inferior, atendendo ao aspecto do controle das atividades administrativas, sendo este tanto um princípio do Direito Administrativo quanto da Ciência da Administração.
Ainda, reforça a responsabilidade da dirigente máxima da Companhia o fato de que a realização da despesa é precedida de um conjunto de atos que vão desde a previsão de recursos orçamentários e elaboração do projeto básico aprovado até a prestação do serviço ou entrega do bem com o conseqüente pagamento. Todos esses atos são de responsabilidade do dirigente da entidade, salvo as delegações de competência previstas em atos normativos ou a existência de alguma justificativa plausível excludente de sua responsabilidade. (...)" (grifamos)
Diante dos comentários supratranscritos, não merece prosperar a alegação de ilegitimidade passiva esboçada pelo Recorrente.
Por fim, o Recorrente aduz, como última preliminar, que a regra constante do art. 70, II, da Lei Complementar n. 202/00 não seria auto-aplicável, necessitando de regulamentação para definir qual o conceito de "grave infração à norma legal".
Mais uma vez, não lhe assiste razão. Nesse sentido, transcrevemos abaixo trecho da Informação COG n. 0172/05 exarada nos autos do Processo n. REC-04/01498034 que, com muita propriedade, elucida a questão:
"(...) Para que se possa compreender com clareza o exame procedido, algumas premissas devem ser estabelecidas.
Primeiramente, que o art. 70, II, da LC nº 202/00, é decorrência legislativa do artigo 71, VII, da CF/88 que permite a aplicação de sanções aos responsáveis em caso de ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, o qual contém a seguinte redação: "o Tribunal aplicará multa de até cinco mil reais aos responsáveis por ato praticado com grave infração a norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial". (...)
Dessa análise, cuja avaliação identificará o "bom" e o "mau" administrador, firma-se uma das relações jurídicas pela qual o Tribunal de Contas, usufruindo do seu poder administrativo sancionador, aplicará uma multa, denominada multa-sanção. É certo que tanto esta espécie de penalidade como a chamada multa-coerção - relacionada com o poder de polícia do Tribunal e que está voltada a garantir a efetividade de sua atuação, em especial, a de realizar auditorias e inspeções, requisitar documentos, bem como determinar que todos aqueles que venham a ser objetos de fiscalização devam ser exibidos aos seus auditores - decorrem da Constituição Federal de 1988, entretanto, seus âmbitos de incidência distinguem-se, apesar de se complementarem no exercício do controle externo.
Em segundo lugar, que as expressões utilizadas no artigo 70, II, da LC nº 202/00, devem coadunar-se com as peculiaridades da multa-sanção, assim:
a) ato praticado - representa ação, um fazer por parte do responsável de modo que as omissões/inércias e o silêncio da Administração não serão elementos caracterizadores da infração.
b) grave infração - conceito jurídico indeterminado de natureza discricionária que atribui ao seu intérprete e aplicador uma livre discrição, dentro dos parâmetros da legalidade, razoabilidade e proporcionalidade, valendo a sua valoração subjetiva para o seu preenchimento. Neste sentido, grave infração decorrerá sempre da prática de comportamento típico (se a conduta do fiscalizado adequou-se àquele descrito na norma administrativa), antijurídico (se a conduta ocasionou afronta ao ordenamento) e voluntário (se ocorreu a prévia e consciente opção pela prática ou não do comportamento censurado), que cause um dano, patrimonial ou extra patrimonial, a um bem juridicamente tutelado, que frente aos princípios jurídicos, à probidade administrativa e ao interesse público impeçam que o aplicador da norma sancionadora apresente outra resposta ao fato que não seja a cominação de uma sanção ou a imputação de um débito. (...)" (grifamos)
Acerca da mesma matéria, trazemos também a transcrição de parte do Parecer COG n. 86/04 (autos n. REC-01/01914458) que, no mesmo sentido, explicita:
"(...) 3) Grave infração à norma legal ou regulamentar de natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial - contrabalançando a intempestividade da escrituração contábil e a gravidade exigida pela norma regimental, tem-se por desarrazoada a invocação dessa conduta para subsidiar o apontamento feito no Acórdão nº 143/2001.
Com efeito, leciona a doutrina, com muita propriedade, que os poderes e deveres atribuídos ao Administrador Público, quando no exercício de suas funções, são estabelecidos pela lei, pela moral administrativa e pela supremacia do interesse público; indicando, assim, que todas as prerrogativas e sujeições a ele conferidas, só poderão ser exercidas dentro dos limites por aqueles impostos.
De outra via, o ordenamento jurídico, frente ao dinamismo do processo de produção das leis e regramento das relações sociais, ao prescrever condutas ou comandos permite no texto legal a existência de expressões gerais e, a princípio, indeterminadas, a fim de propiciar ao aplicador da norma uma maior flexibilidade no enquadramento da situação fática à regra jurídica.
Tal situação, longe de configurar uma legitimação de arbitrariedades no exercício de competências ou fragilidade ao princípio da segurança jurídica, almeja tão-só contemplar inúmeras situações censuradas pelo ordenamento, a partir da definição de parâmetros mínimos que possibilitem aos destinatários pautarem suas condutas. Além disso, uma prévia definição pelo legislador - federal, estadual ou municipal -, das hipóteses reprovadas pelo mundo jurídico, poderia implicar uma limitação na atuação do julgador quando do exame do caso concreto. Por outro lado, poder-se-ia, erroneamente, interpretar que somente os casos a priori delineados seriam passíveis de punição ou rejeição jurídico-social, encontrando-se, os demais, autorizados tacitamente pelo ordenamento.
Por conseguinte, a "grave infração", contida em vários artigos da Lei Complementar nº 202/00 e do Regimento Interno deste Tribunal, não fugindo à regra semântica adotada por outras normas jurídicas, inclusive as de caráter penal, também permitiu ao julgador deste órgão que no desempenho de sua competência constitucional, pudesse atuar, legalmente, com certa maleabilidade.
Assim sendo, "grave infração" decorrerá sempre da prática de comportamentos típicos, antijurídicos e voluntários, que causem um dano, patrimonial ou extra patrimonial, a um bem juridicamente tutelado, que frente aos princípios jurídicos, à probidade administrativa e ao interesse público impeçam que o aplicador da norma sancionadora apresente outra resposta ao fato que não seja a cominação de uma sanção ou a imputação de um débito. Motivo pelo qual o artigo 70, II, da Lei Complementar nº 202/00 possui aplicação imediata. (...)" (ressaltamos)
O Sr.Edgar Antônio Roman segue alegando, ainda quanto ao teor do art. 70, II, da LC-202/00:
"(...) Além do fato dessa norma não se revestir da condição de ser aplicável de imediato (ver Segunda Preliminar supracitada), não procede sua alegação como base legal para a imputaçãodas multas havidas, haja vista as normas apontadas, como supostamente infringidas, não possuírem 'natureza contábil, financeira, orçamentária, operacional ou patrimonial'.(...)"
No que diz respeito à natureza da situação apurada, entende-se que a necessidade de licitar está fixada tanto na Constituição Federal como na lei que ordena as licitações e contratos na Administração Pública - Lei n. 8.666/93, a qual tem natureza operacional e financeira.
Ademais, o objetivo a ser alcançado através da licitação é a aquisição de bens ou serviços, o que acaba atingindo a despesa do ente público, implicando por sua vez norma financeira. Isto porque a disciplina financeira envolve um controle sobre a arrecadação da receita e a realização da despesa, tendo em conta a legalidade e a regularidade das suas operações.
Nas lições de Marçal Justen Filho:
"(...) Os institutos da licitação e do contrato administrativo envolvem normas de diversa natureza (direito administrativo, direito civil, direito comercial, direito penal, direito financeiro, direito processual etc.). A disciplina normativa das licitações e contratos administrativos é integrada não apenas pela atual Lei. O núcleo primordial da disciplina se encontra na Constituição Federal, que consagra os princípios e normas fundamentais acerca da organização do Estado e do desenvolvimento da atividade da Administração.(...)" (in Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 6ª ed. rev. e ampl. São Paulo: Dialética, 1999, pg.13)
Ademais, o art. 113, caput, da Lei Federal nº 8.666/93, deslinda definitivamente a questão:
'Art. 113 - O controle das despesas decorrentes dos contratos e demais instrumentos regidos por esta Lei será feito pelo Tribunal de Contas competente, na forma da legislação pertinente, ficando os órgãos interessados da Administração responsáveis pela demonstração da legalidade e regularidade da despesa e execução, nos termos da Constituição e sem prejuízo do sistema de controle interno nela previsto'. (grifamos)
Portanto, diante de todo o exposto, esta Consultoria posiciona-se no sentido de não acatar as preliminares argüidas pelo Recorrente".
No mesmo sentido, e reconhecendo a constitucionalidade dos artigos 76 e 77, incisos I, III, IV, V, VI e VII, da Lei Complementar n.º 31/90 (antiga Lei Orgânica do Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina), o Supremo Tribunal Federal, em julgamento proferido em 14/02/1996, decidiu que "não é possível, efetivamente, entender que as decisões das Cortes de Contas, no exercício de sua competência constitucional, não possuam teor de coercibilidade. Possibilidade de impor sanções, assim como a lei disciplinar", senão vejamos:
"Recurso extraordinário. Ação direta de inconstitucionalidade. 2. Pedido acolhido, em parte, pelo Tribunal de Justiça catarinense, para declarar a inconstitucionalidade dos artigos 76 e 77, incisos I, III, IV, V, VI e VII, da Lei Complementar n.º 31/90. 3. Alegação de ofensa ao art. 71, VIII, da CF. 4. Parecer da PGR pelo provimento do recurso extraordinário. 5. Afastada a incompetência do Tribunal a quo para processar e julgar, originariamente, a ação direta de inconstitucionalidade de normas estaduais, em face de expresso dispositivo da Constituição do mesmo Estado. 6. Recurso extraordinário conhecido e provido para julgar improcedente a ação direta de inconstitucionalidade e declarar a constitucionalidade dos arts. 76 e 77, incisos I, III, IV, V, VI e VII, ambos da Lei Complementar n.º 31, de 27.9.1990, do Estado de Santa Catarina. 7. Não é possível, efetivamente, entender que as decisões das Cortes de Contas, no exercício de sua competência constitucional, não possuam teor de coercibilidade. Possibilidade de impor sanções, assim como a lei disciplinar. 8. Certo está que, na hipótese de abuso no exercício dessas atribuições por agentes da fiscalização dos Tribunais de Contas, ou de desvio de poder, os sujeitos passivos das sanções impostas possuem os meios que a ordem jurídica contém para o controle de legalidade dos atos de quem quer que exerça parcela de autoridade ou poder, garantidos, a tanto, ampla defesa e o devido processo legal. 9. As normas impugnadas prevêem possam as multas ser dosadas, até o máximo consignado nessas regras legais. Disso resulta a possibilidade, sempre, de se estabelecer relação de proporcionalidade entre o dano e a multa. (g.n.)
RE 190985 / SC - SANTA CATARINA
Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA
Julgamento: 14/02/1996 Órgão Julgador: Tribunal Pleno
RECTE. : ESTADO DE SANTA CATARINA
ADVDO. : GIAN MARCO NERCOLINI
RECTE. : PROCURADOR-GERAL DO ESTADO DE SANTA CATARINA RECDO. : PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA CATARINA".
Destarte, tendo em vista que as preliminares foram todas refutadas no parecer supra transcrito e no precedente do STF (RE 190.985/SC), passaremos, então, a analisar as alegações do recorrente a respeito das multas previstas no Acórdão n. 0358/2005 (fls. 132/133).
2.2.2 - R$ 500,00 (quinhentos reais), em face da não-divulgação para o chamamento público de atualização dos registros cadastrais e ingresso de novos interessados c/c a manutenção da referida documentação desatualizada, em desacordo com o disposto na Lei Federal n. 8.666/93, art. 34, § 1° (item 6.2.1 da decisão recorrida).
Alega o recorrente em sua defesa (fls. 02/04 do REC-05/03932868):
"(...) estamos procedendo de forma correta aos determinantes do art. 34, § 1º, da Lei federal nº 8.666/93 e suas alterações posteriores, o que justificamos que foi um lapso do funcionário responsável pelo Departamento de Licitação (...)". (g.n.)
Tendo em conta, o reconhecimento por parte do recorrente, da restrição apontada no item 6.2.1 da decisão recorrida, sugere-se ao N. Relator, a manutenção da multa prevista no item 6.2.1 da decisão recorrida.
2.2.3 - R$ 500,00 (quinhentos reais), em face da desorganização dos registros cadastrais das empresas participantes dos processos licitatórios do Município de Tunápolis, em descumprimento aos preceitos legais contidos no art. 36 da Lei Federal n. 8.666/93 (item 6.2.2 da decisão recorrida).
Alega o recorrente em sua defesa (fls. 02/04 do REC-05/03932868):
"Esclarecemos que regularizamos o Registro Cadastral das empresas participantes dos processos licitatórios do Município, em conformidade com as orientações recebidas do ilustre Corpo Técnico dessa Egrégia Corte de Contas de nosso estado". (g.n.)
Tendo em conta, o reconhecimento por parte do recorrente, da restrição apontada no item 6.2.2 da decisão recorrida, sugere-se ao N. Relator, a manutenção da multa prevista no item 6.2.2 da decisão recorrida.
2.2.4 - R$ 500,00 (quinhentos reais), em face da inobservância ao prazo mínimo de cinco dia úteis para abertura das propostas dos processos licitatórios ns. 35 e 36/2003, em desacordo com o art. 21, IV, c/c o art. 110 da Lei Federal n. 8.666/93 (item 6.2.3 da decisão recorrida).
Alega o recorrente em sua defesa (fls. 02/04 do REC-05/03932868):
"Justificamos que embora tenha acontecido uma falha humana a qual resultou num erro técnico, assim mesmo todos tiveram participação (...)". (g.n.)
Tendo em conta, o reconhecimento por parte do recorrente, da restrição apontada no item 6.2.3 da decisão recorrida, sugere-se ao N. Relator, a manutenção da multa prevista no item 6.2.3 da decisão recorrida.
2.2.5 - R$ 500,00 (quinhentos reais), em face da ausência do número mínimo de membros da Comissão de licitação para a condução dos trabalhos referentes aos processos licitatórios ns. 35, 36, e 39/2003 , em desacordo com o disposto no art. 2° da Portaria Municipal n. 1.271/2003 (item 6.2.4 da decisão recorrida).
Alega o recorrente em sua defesa (fls. 02/04 do REC-05/03932868):
"Em primeira instância que embora houve uma falha técnica do processo assim mesmo ninguém teve prejuízo, uma vez que os preços dos bens (...)". (g.n.)
Tendo em conta, o reconhecimento por parte do recorrente, da restrição apontada no item 6.2.4 da decisão recorrida, sugere-se ao N. Relator, a manutenção da multa prevista no item 6.2.4 da decisão recorrida.
2.2.6 - R$ 500,00 (quinhentos reais), em face da não-numeração de páginas nos processos licitatórios ns. 01 a 03, 06, 07, 13, 14, 17, 19, 20, 27, 35, 36, 40, 47, 49 e 50/2003, em desacordo com os arts. 38, caput, da Lei Federal n. 8.666/93 e 66, caput, da Resolução n. TC-16/94 (item 6.2.5 da decisão recorrida).
Alega o recorrente em sua defesa (fls. 02/04 do REC-05/03932868):
"Esta restrição mais uma vez vem demonstrar que o funcionário não está inda preparado para proceder de forma correta a cada processo, esquecendo-se sempre de detalhes constantes da formalidade do processo (...)". (g.n.)
Tendo em conta, o reconhecimento por parte do recorrente, da restrição apontada no item 6.2.5 da decisão recorrida, sugere-se ao N. Relator, a manutenção da multa prevista no item 6.2.5 da decisão recorrida.
3. CONCLUSÃO
Ante ao exposto, sugere-se ao Relator que em seu voto propugne ao Egrégio Plenário:
1) Conhecer do Recurso de Reexame proposto nos termos do art. 80 da Lei Complementar n. 202/2000, contra o Acórdão n. 0358/2005, na sessão ordinária do dia 28/03/2005, no processo ALC-04/03819350, e, no mérito, negar-lhe provimento, ratificando na íntegra a decisão recorrida.
2) Dar ciência deste acórdão, do relatório e do voto do Relator que o fundamentam, bem como deste Parecer COG ao Sr. Arno Muller, ex-Prefeito da Prefeitura Municipal de Tunápolis, bem como, à Prefeitura Municipal de Tunápolis.
É o parecer.
À consideração superior.
COG, em 22 de agosto de 2007.
MURILO RIBEIRO DE FREITAS
Auditor Fiscal de Controle Externo
De Acordo. Em ____/____/____
À consideração do Exmo. sr. conselheiro salomão ribas junior, ouvido preliminarmente o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas.
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MARCELO BROGNOLI DA COSTA Consultor Geral |
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Lei n. 8.666/93: Art. 1º- Estal Lei estabelece normas gerais sobre licitações e contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípíos.